Já tinha ouvido falar de João Magueijo, um cientista português que trabalhava no Imperial College, em Londres. Há meses, numa livraria, reparei que ele tinha escrito um livro sobre a sua experiência de vida no seio dos ingleses. Intitula-se "Bifes mal passados". O trocadilho com o nome popular que entre nós é dado aos britânicos (os "bifes") era evidente.
Talvez por vício da profissão que já tive, sou muito curioso sobre este tipo de obras caricaturais sobre os países, tendo alguns interessantes livros da coleção "Xenophobe's guides", onde os estrangeiros juntam preconceitos sobre outras terras. Em especial, dedico-me a comprar (e ler, às vezes) alguns livros sobre o modo como Portugal é visto pelos outros. E, diga-se, nem sempre saímos muito bem da fotografia, às vezes nas entrelinhas, outras de forma abertamente agressiva e cruel, como aconteceu bastante mais num passado distante, frequentemente aos olhos britânicos.
Comprei três exemplares do livro de João Magueijo. Ofereci um deles a um leitor habitual deste blogue, pelo que pode ser que em algum comentário ele se manifeste. Dei outro a um inglês meu amigo, que já me disse considerar o texto "brutal". E li o terceiro, claro.
A minha opinião aqui vai. Tal como Magueijo, vivi mais de quatro anos em Londres, embora nem de longe nem de perto tivesse a experiência do que é a "imersão total" no país, que só se obtém quando se lida essencialmente com locais, o que não era bem o meu caso. De todo o modo, reconhecendo alguns traços verdadeiros na caricatura que desenhou, estou muito longe de concordar com a forma mordaz como ele interpreta o comportamento dos britânicos, acho que exagera imenso nos respetivos defeitos coletivos de caráter, que carrega de forma desproporcionada nas tintas sobre os seus hábitos comuns. E entendo que o autor não sublinha, por contraponto, as imensas qualidades do espírito do povo do Reino Unido. Ou eu estou muito enganado ou João Magueijo quis-se vingar de algo que possa ter sofrido num país onde o "stiff upper lip" e a sobranceria snob são apenas uma das múltilas faces daquela sociedade. Um país que não é fácil, mas uma das mais interessantes sociedades que tive o privilégio de conhecer. Mas eu devo fazer aqui um "disclaimer" pessoal: se tivesse de trocar Lisboa por qualquer outra cidade do mundo para viver, essa cidade seria Londres.
Uma coisa gostava de sublinhar. Apreciei imenso o estilo de escrita de Magueijo, por muito que ele insista em utilizar um vernáculo agressivo, aliás muitas vezes dificilmente traduzível. O livro lê-se muito bem, é divertido e muito "entertaining", como diriam os cidadãos britânicos se acaso não fossem alvo do mesmo. Por mim, recomendo-o francamente.
Duas notas finais.
Tive uma imensa surpresa pelo facto de alguma imprensa britânica ter saído a terreiro, nas últimas semanas, a atacar o livro. Não estava, francamente, à espera. Os britânicos costumam ter uma "capacidade de encaixe" muito grande e não excluo - não excluo mesmo! - que seja a emergência crescente da sua própria xenofobia que os possa ter levado a ficarem incomodados desta forma. E logo eles! Durante séculos, provavelmente nenhum povo (talvez os franceses...) disse mais "cobras e lagartos" do mundo exterior do que os britânicos. E Portugal que o diga.
A última nota é para o "anti-Magueijo". Refiro-me a Alex Ellis, o anterior embaixador britânico, Portugal, atualmente a chefiar a representação diplomática do Reino Unido ("unido" pelo menos até amanhã à noite) no Brasil. Durante o tempo em que esteve entre nós, escreveu um delicioso blogue com o irónico nome de "O bife mal passado", o que o aproximava formalmente do livro de João Magueijo. Mas só no título: o blogue mostrava uma permanente afetividade por Portugal, país que olhava muitas vezes com um olhar mais complacente e carinhoso do que aquele que nós próprios temos sobre nós. Mas o Alex tinha duas "vantagens" ou "limitações": era diplomata em Lisboa e é casado com uma portuguesa...
10 comentários:
Trocar Lisboa só por Londres? E a nossa Paris?
Um abraço, malgré esta incompreensível traição do
JPGarcia
Senhor Embaixador,
estava longe de pensar que V. Ex.ª iria dedicar uma crónica sua a esta matéria, eu que tenho acompanhado, com divertimento e também com alguma surpresa, a "polémica" que se instalou nas habitualmente austeras páginas do "Daily Telegraph", o mais pró-establishment dos jornais de referência do RU. (Os comentários ao artigo sobre o livro eram já, anteontem, na ordem das muitas centenas, e nem todos - longe disso! -, de desaprovação às observações do autor português ...)
E já que se falou de "xenofobia", não deixa de ser curioso de verificar, que a conhecida (no RU) e divertida colecção "The xenophobic guide to the...", já tem "guias" para praticamente todos os povos da Europa e muitos de além-mar, com a curiosa exceção de Portugal e... Bulgária. Porque será? Desconhecimento? Falta de matéria? Ou simples irrelevância?
Os habituais cumprimentos,
A. Costa Santos
Tal como o comentador JPGarcia, também fiquei surpreendido. Da leitura dos seus posts, sempre deduzi (pelos vistos, mal) que a residir no estrangeiro, escolheria Paris.
Eu, modestamente, escolheria Barcelona.
Caros JPGarcia e Carlos Fonseca. Paris para viver? "Jamais", citando um clássico. Paris é bom para "flaner", para noites sobre as mesas da "L'écume..." à cata daquilo para cuja leitura nunca teremos tempo suficiente, para um "welsh rarebit" na Lipp (o Francis aposentou-se...), para um arenque Bismarck na Lipp (o Jean-Louis sabe as mesas de que gosto), para um teatro ou para um concerto, para o sol no l'Esplanade ou no Café Marly, para uma tarde pelo Marais, para uma sesta no jardim do Luxembourg. Mas, para viver, "jamais"!
Caro A. Costa Santos: está enganado. Veja aqui: http://www.xenophobes.com/wp-content/themes/xenophobes/images/images/ftp/covers-large/The%20Portuguese.jpg
Se o " jamais" for como o de Mário Lino estou mais descansado.
JPGarcia
Francisco - obrigado pelo "shout out". Não sei se vou ler o livro, mas gostei da sua avaliação. Comecei a escrever um novo blogue http://www.brasilpost.com.br/alex-ellis/the-book-is-not-on-the-table_b_5822404.html o título vem da 1a frase que um brasileiro aprende de inglês. God Save The Queen.
e eis que o FT também se dedica a falar dos bifes do Magueijo...
http://blogs.ft.com/the-world/2014/09/unflattering-account-of-english-proves-a-hit-with-portugese/
Alex, a primeira frase em inglês que os brasileiros é "the book is on the table". penso que "God save the Queen" é a segunda...
Bem observado- quando se vive imerso no dia a dia, e não se é tratado com referencia especial, a opinião muda bastante. Que o digam os milhares de trabalhadores portugueses que quando se reformam e podem falar sem reservas.
A inglaterra e' realmente uma merda, prefiro a costa da caparica em Portugal, um sitio muito legal, tranquilo, cheio de cara legal, praia legal pra fazer uns surfs tambem, ou entao uns sprints na praia. comer bifana ou prego com cerveja (imperial) e depois um gangbang estilo bukkake.
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