Paris vive dias abafados, num verão quente raro, com temperaturas a aproximarem-se dos 40 graus. A embaixada e a residência do embaixador não têm ar condicionado, porque o prédio é antigo e tem de ser preservado. Nos escritórios, sobrevive-se num ambiente de penumbra, que quase obriga a acender as luzes. Sonha-se com ar condicionado, mesmo que fosse o das patuscas histórias de "espionagem" da FNAC no "verão quente", contadas por quem nos quer convencer de que tudo "foi assim", quando, na altura, pensava "assado". Nessa falta de ar, não se estranhará, por isso, que me tenha vindo à memória o episódio que conto neste post.
A doutrina divide-se, desde há muitos anos, sobre se foi a perfídia dos companheiros de viagem ou as condições do acaso que fizeram com que o meu colega Paulo Castilho (esse mesmo, o escritor, também diplomata) e eu fôssemos parar àquele sinistro hotel nos Barbados. Estávamos a dar então os nossos primeiros passos nas instituições europeias, em 1986, e competia-nos defender as cores nacionais numa reunião multilateral, em Bridgetown, dedicada a questões de comércio e desenvolvimento.
Parte da delegação chegara dias mais cedo. Nós arribávamos de Londres, na véspera da reunião plenária, juntamente com o chefe da delegação. Para este, estava destinado um belo quarto, num bungalow sobre a praia. O Paulo Castilho e eu fomos informados de que só fora possível reservar aposentos num outro hotel, "um pouco fora da cidade". Conhecendo do que a casa gasta, fiquei de pé atrás. Mas lá jantámos, bem dispostos, em Bridgetown, distraindo uma colega que tinha perdido a mala e discutindo quotas de açúcar, antes de rumarmos ao tal hotel.
No táxi, começámos a preocupar-nos. O tempo passava e os caminhos eram cada vez mais estreitos. Depois de aí uma boa meia hora viagem, chegámos ao destino. Era um hotel medíocre, na soleira de ser uma espelunca. Olhámos um para o outro, na certeza de que esse facto não iria atenuar as invejas que tínhamos deixado para trás, em Lisboa, ao termos tido o privilégio de ser designados para uma reunião nas Caraíbas. Haveria que passar ali três noites. E, em especial, tínhamos de madrugar e encontrar transportes para estar a tempo nas reuniões. Eu estava furioso, diria mesmo, nominalmente furioso com as pessoas que tinha como responsáveis daquela "partida", que nem por um segundo desligámos de um conflito de titularidade sobre os assuntos tratados na reunião, que então se vivia dentro do MNE.
Na receção do hotel, perguntei se os quartos tinham ar condicionado, temendo o pior. A resposta foi críptica: "Sim, mas tem um pormenor que explicaremos quando chegar ao quarto". E lá fomos. Sem elevador, claro. O quarto estava ao nível das baixas expetativas que já levávamos. Mas tinha ar condicionado. O pormenor? Bom, o pormenor é que, para que o ar condicionado funcionasse era necessário, de duas em duas horas, meter uma moeda. Coisa simples, está bem de ver!, para quem pretendia dormir, depois de uma imensa jornada. Foram dias, melhor, noites horrorosas, com olheiras que nem deu para atenuar com umas horas de praia, coisa que os nossos colegas alojados em Bridgetown tinham assegurado, quando quisessem.
No regresso, "vingámo-nos" à nossa maneira! Eu e o Paulo Castilho viémos por Nova Iorque, onde passámos uns curtos dias de férias. Vi que ele aproveitava para tomar algumas notas. Só uns anos depois percebi porquê, ao reconhecer, desses dias, alguns cenários no seu livro de estreia, "Fora de Horas".
(E, passado que entretanto foi o tempo, quero declarar que já iniciei um processo de autoconvicção sobre a "bondade" intrínseca de quem nos reservou os quartos no hotel caribenho. Um dia, perguntarei ao Paulo Castilho se já se convenceu...)
Em tempo: um leitor atento, poeticamente a banhos em zonas da reconquista, teve a gentileza de mandar, para usufruto dos leitores deste blogue, este curioso texto intitulado "L'air conditionné est-il de droite?", magna questão que deve provocar suores frios a quem a coloca.
(E, passado que entretanto foi o tempo, quero declarar que já iniciei um processo de autoconvicção sobre a "bondade" intrínseca de quem nos reservou os quartos no hotel caribenho. Um dia, perguntarei ao Paulo Castilho se já se convenceu...)
Em tempo: um leitor atento, poeticamente a banhos em zonas da reconquista, teve a gentileza de mandar, para usufruto dos leitores deste blogue, este curioso texto intitulado "L'air conditionné est-il de droite?", magna questão que deve provocar suores frios a quem a coloca.
5 comentários:
Detalhe importante, o ilustre autor deste blogue bem como o, então, Director Geral Paulo Castilho não constavam inicialmente da delegação nacional. Razão pela qual houve que arranjar solução de ultima hora para não dormirem na praia!A ilha estava invadida por milhares de delegados de tudo o que era país africano, caribense etc, para além dos europeus. Arranjar aquele quartinho terá custado, segundo consta, várias horas de pesquisa, acompanhada por uma representante do protocolo barbadense que começava a dar sinais de desespero perante o que se apresentava disponivel. Ainda, segundo consta, esse quartinho era o Ritz comparado com o resto! Em conclusão, ao fim de mais de vinte anos, continuar a suspeitar de perfídia, é mesmo muito pérfido. Mas a amizade perdoa muita coisa!!!
Ora aqui está porque sigo sempre o critério da minha avó: "perdoa mas, sobretudo, não esqueças"!
É o que me tem valido nesta memória de elefante que me caracteriza!
;))
Excia :
Com todo o respeito satirico que muitos me adoram ...
Ai os meus bons tempos do bidon ville...
Respeitosamente assina o Manuel Joaquim Leonardo
Peniche Vancouver Canada
fielamigodepeniche.blogspot.com
Como sempre a sua história foi deliciosamente contada!
"perdoa mas, sobretudo, não esqueças" é frase que não vou esquecer.
Tanto o Sr.Embaixador como a Helena têm um sentido de humor que eu ADORO.
Sweet papoila tirou-me as palavras da boca:) o relato dessa expedição 'em terras barbaras' é uma maravilha!
A conclusão do autor do artigo minucioso sobre ar condicionado é surpreendente. So um americano chegaria a tal conclusão!
Funcionava também a moedas a agua quente da casa de banho do flat onde morou o meu amigo Zé (e onde também morei meses depois de ele ter regressado a Lisboa) em Londres. Ja não me lembro quantos shillings custava um duche mas sei que os primeiros so davam para me molhar depois tinha que sair da banheira, atravessar a casa de banho e meter mais moedas no "taximetro" para acabar de me lavar. Um horror!
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