É muito interessante o modelo de construção das "boas notícias" nos media portugueses. Ontem, estive particularmente atento, em vários telejornais, sobre o modo como foi referida a constatação de que o crescimento da economia portuguesa foi um dos maiores na zona euro, nos últimos três meses.
Sem excepção, todas as reportagens, depois de apresentarem os factos, viam-se obrigadas, por um tropismo compensatório que parecia corresponder a algum mal-estar com o carácter positivo da notícia, a complementá-los com uma frase de teor negativo, do estilo "no entanto, estes números não podem esconder o facto de ...", em que deliberadamente se procurava desvalorizar o que acabava de ser dito.
O mais interessante é que este movimento auto-flagelatório, que imagino deva fazer parte dos "livros de estilo" das redacções, raramente funciona em sentido inverso, sendo absolutamente impensável um frase do género: "Continuam a aumentar os casos de gripe H1N1 detectados em Portugal. Porém, o número de mortos por habitante situa-se, no nosso país, em níveis muito inferiores à média mundial e, de acordo com especialistas internacionais, isso fica muito a dever-se às medidas preventivas e de educação sanitária oportunamente postas em prática pelas autoridades portuguesas, que criaram uma reacção médica e hospitalar eficaz perante a detecção de novos casos".
Era só o que faltava estar a dar notícias onde o "saldo" fosse positivo!
Recordo-me de um texto de Nicolau Santos, já com alguns anos, intitulado "Portugal vale a pena". Nesse artigo, aquele responsável do "Expresso" elencava casos de sucesso na economia portuguesa, nomeadamente em áreas de alta tecnologia. Na altura, cheguei a ler um blogue que se recusava a transcrever o texto ou a fazer um link para ele, não fosse dar-se o caso de alguém poder vir a atribuir tais êxitos, na área do sector privado, à acção das autoridades públicas. Aqui fica esse texto, para quem quiser recordá-lo.
Este comportamento - porque não qualificá-lo com frontalidade como "biased"? - que faz parte da matriz identitária d(e toda)a nossa televisão, que torna as más notícias no prato de resistência dos seus noticiários, com isso habituando os seus espectadores a uma espécie de "cultura de crise", recorda-me sempre a resposta dada, há anos, por uma criança da comunidade portuguesa na Suíça, que vi e ouvi na televisão, ao ser perguntada sobre o que gostava mais nos telejornais da RTPi: "Os desastres!".
Sem excepção, todas as reportagens, depois de apresentarem os factos, viam-se obrigadas, por um tropismo compensatório que parecia corresponder a algum mal-estar com o carácter positivo da notícia, a complementá-los com uma frase de teor negativo, do estilo "no entanto, estes números não podem esconder o facto de ...", em que deliberadamente se procurava desvalorizar o que acabava de ser dito.
O mais interessante é que este movimento auto-flagelatório, que imagino deva fazer parte dos "livros de estilo" das redacções, raramente funciona em sentido inverso, sendo absolutamente impensável um frase do género: "Continuam a aumentar os casos de gripe H1N1 detectados em Portugal. Porém, o número de mortos por habitante situa-se, no nosso país, em níveis muito inferiores à média mundial e, de acordo com especialistas internacionais, isso fica muito a dever-se às medidas preventivas e de educação sanitária oportunamente postas em prática pelas autoridades portuguesas, que criaram uma reacção médica e hospitalar eficaz perante a detecção de novos casos".
Era só o que faltava estar a dar notícias onde o "saldo" fosse positivo!
Recordo-me de um texto de Nicolau Santos, já com alguns anos, intitulado "Portugal vale a pena". Nesse artigo, aquele responsável do "Expresso" elencava casos de sucesso na economia portuguesa, nomeadamente em áreas de alta tecnologia. Na altura, cheguei a ler um blogue que se recusava a transcrever o texto ou a fazer um link para ele, não fosse dar-se o caso de alguém poder vir a atribuir tais êxitos, na área do sector privado, à acção das autoridades públicas. Aqui fica esse texto, para quem quiser recordá-lo.
Este comportamento - porque não qualificá-lo com frontalidade como "biased"? - que faz parte da matriz identitária d(e toda)a nossa televisão, que torna as más notícias no prato de resistência dos seus noticiários, com isso habituando os seus espectadores a uma espécie de "cultura de crise", recorda-me sempre a resposta dada, há anos, por uma criança da comunidade portuguesa na Suíça, que vi e ouvi na televisão, ao ser perguntada sobre o que gostava mais nos telejornais da RTPi: "Os desastres!".
7 comentários:
Senhor Embaixador,
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Mas a cultura dos “desastres” é uma componente, indispensável, da comunicação social escrita e audiovisual.
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Se não há uma tragédia a revelar volta o noticiário num caldo insosso. Nas minhas andanças de anos e anos, ligado à comunicação social (diziam ): “o nosso homem em Banguecoque”, quando neste Reino e nos países vizinhos (a internet ainda era uma miragem) havia uma tragédia desde logo o meu telefone “repenicava”, noite e dia, a solicitar-me informações.
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As peças que mais interessavam era as com muitos casualidades, tiros e banhos de sangue.
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Estas peças trágicas eram as que menos gostava de reportar para não sensibilizar os leitores.
Comecei a entender que em Portugal (igual em todo o globo) existe, na comunicação social, a “cultura de crise do impressionismo”.
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Se um homem der uma carga de porrada a um anão não tem interesse nenhum a peça; mas se o anão der uma sova, mestra, a um homem de um metro noventa de altura...
Então sim a notícia é relevante!
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A nossa RTPi, não foge à regra e de momento dentro de uma crise que me impressiona estando a ficar espanholado e italianizado porque vejo mais estes dois canais do que o português.
Saudações de Banguecoque
José Martins
Concordo plenamente com estas observações caro Embaixador. Dá a ideia que em Portugal não se podem difundir noticias positivas.. existe qualquer tipo de alergia!!!
Um Abraço,
Pedro Dâmaso
Sr. Francisco S. Costa, parece que nos querem amesquinhar com estas notícias negativistas. E quanto às imagens da industria e serviços de alto valor acrescentado. Já reparou que passam sempre fábricas de tecidos e sapotos, sem desprimor, e não de tecnológicas e de investigação que são de "top" no mundo. Que escola de jornalismo frequentam os jornalistas?
Um abraço.
É verdade que a RTP1 insiste no desastre.
Mas que fazer se não pode falar dos verdadeiros problemas da nação?...
O problema não é dos jornalistas mas da nova censura.
Pois acho este Post uma mensagem de esperança.
Também conheço esse País.
Onde as taxas de morbilidade estão a ser minoradas através do incremento de sinergias no ambito da interajuda das áreas de saúde multi e interdisciplinares;o culto da eficiência e eficácia progride indiferente aos agoirentos redutores; os resultados de estudos cientificos são implementados com rigor em qualquer região do País ignorando as lamechices e deliberadas desculpas da inacessibilidade da interioridade;
as boas vontades são boas vontades e traduzem-se em complementaridade pluralista onde o respeito pela diferença promove a igualdade de oportunidades;onde os técnicos se unem para partilhar e fomentar conhecimentos e saberes a bem da comunidade;onde a adversidade não é solidão pois estamos juntos e onde o sim é sim vem sem Mas...
Isabel Seixas
"Some of this persuaders, in their energetic endeavors to sway our actions, seem to fall unwittingly into the attitude that man exists to be manipulated."
Vance Packard in "The Hidden Persuaders"
E especificamente sobre a preferência de muitos jornalistas pelas "más notícias", outra citação de um seu (deles) colega desencantado:
"(...)and its tendency to pursue a single issue with relentless anger, regardless of inaccuracy, makes it more likely than any other outlet to frighten government into changing their policy(...).
Nick Davies, in "Flat Earth News"
Caro Francisco Soares da Costa,
não poderia concordar mais, ao ponto de ter criado um blogue exclusivamente dedicado a isso.
Chama-se Fado Positivo e tem como subtítulo "Porque não estamos condenados a ver sempre o copo meio vazio, aqui só se destaca o copo meio cheio".
O blogue é enfadonho, mas mostra o oposto do jornalismo que critica no seu texto. Deixo aqui o post de apresentação:
fadopositivo.blogs.sapo.pt/454.html
Cumps
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