"O senhor embaixador não acha este clima deprimente?: cinzento, pesado e que obriga a ficar em casa a maior parte do tempo. As pessoas aqui devem sofrer muito com isto, não?" O secretário de Estado português, de visita a uma capital nórdica, fazia este comentário, na tarde escura de um mês outonal, em frente do nosso embaixador, na respectiva residência.
"Nem imagina!, senhor secretário de Estado", responde o diplomata. "Estes climas nórdicos, para além de serem muito incómodos, criam uma pressão psicológica terrível sobre as pessoas, levam a alguns desregramentos, como o alcoolismo, e chegam a originar doenças do foro psiquiátrico. Há por aqui imensos suicídios!" E o embaixador continua, por vários minutos, a discorrer sobre as óbvias desvantagens das longas noites, da ausência de sol e dos respectivos impactos negativos.
O secretário de Estado deve ter regressado a Lisboa com a plena confirmação daquilo que sempre suspeitara, sobre os malefícios do tempo na Escandinávia.
Algumas semanas depois, o nosso embaixador recebe um almirante em fim de carreira, homem bonacheirão e "bon vivant". O clima local continuava o mesmo, claro.
"Sabe, senhor Embaixador? Eu acho que é muito confortável sentir este contraste entre o tempo frio que faz lá fora e o ambiente simpático dentro das casas, nestes países nórdicos. De certo modo, este clima ajuda-nos muito à concentração, a apreciar os bons momentos da leitura de um livro, de uma conversa à lareira, com um copo ao lado. Eu devo confessar-lhe que sempre achei muito estimulante, intelectualmente, este tipo de tempo". E o almirante tira uma baforada do Cohiba e bebe mais um golo do "Royal Salute", que o embaixador guardava para os grandes visitantes.
O anfitrião sorri e anui, de imediato: "Tem o senhor almirante toda a razão! Isto de se estar em casa - e as casas aqui são quase sempre muito cómodas, como sabe -, com a neve e o frio como pano de fundo, é um estímulo fantástico para o bem-estar, para a relação dentro das famílias, para criar um ambiente muito saudável. Estas sociedades nórdicas não são ricas por acaso: é porque as pessoas se sentem bem e, naturalmente, isso estimula o trabalho e a eficácia. O clima é uma das chaves da felicidade nestes países, pode crer!".
Woody Allen criou a figura de Zelig, a personagem que mimetizava aqueles de quem ficava próximo. Este embaixador não era um homem hipócrita, nem sequer vivia na busca obsessiva de ser bem visto pelos seus visitantes, colando-se-lhes às opiniões. Pela minha experiência, tinha apenas uma despojada ausência de opinião própria, vivendo na eterna hesitação entre inteligentes argumentos contraditórios, relativamente aos quais não se conseguia decidir, mas que era capaz de aprofundar genuinamente, sempre com o entusiasmo das grandes convicções.
"Nem imagina!, senhor secretário de Estado", responde o diplomata. "Estes climas nórdicos, para além de serem muito incómodos, criam uma pressão psicológica terrível sobre as pessoas, levam a alguns desregramentos, como o alcoolismo, e chegam a originar doenças do foro psiquiátrico. Há por aqui imensos suicídios!" E o embaixador continua, por vários minutos, a discorrer sobre as óbvias desvantagens das longas noites, da ausência de sol e dos respectivos impactos negativos.
O secretário de Estado deve ter regressado a Lisboa com a plena confirmação daquilo que sempre suspeitara, sobre os malefícios do tempo na Escandinávia.
Algumas semanas depois, o nosso embaixador recebe um almirante em fim de carreira, homem bonacheirão e "bon vivant". O clima local continuava o mesmo, claro.
"Sabe, senhor Embaixador? Eu acho que é muito confortável sentir este contraste entre o tempo frio que faz lá fora e o ambiente simpático dentro das casas, nestes países nórdicos. De certo modo, este clima ajuda-nos muito à concentração, a apreciar os bons momentos da leitura de um livro, de uma conversa à lareira, com um copo ao lado. Eu devo confessar-lhe que sempre achei muito estimulante, intelectualmente, este tipo de tempo". E o almirante tira uma baforada do Cohiba e bebe mais um golo do "Royal Salute", que o embaixador guardava para os grandes visitantes.
O anfitrião sorri e anui, de imediato: "Tem o senhor almirante toda a razão! Isto de se estar em casa - e as casas aqui são quase sempre muito cómodas, como sabe -, com a neve e o frio como pano de fundo, é um estímulo fantástico para o bem-estar, para a relação dentro das famílias, para criar um ambiente muito saudável. Estas sociedades nórdicas não são ricas por acaso: é porque as pessoas se sentem bem e, naturalmente, isso estimula o trabalho e a eficácia. O clima é uma das chaves da felicidade nestes países, pode crer!".
Woody Allen criou a figura de Zelig, a personagem que mimetizava aqueles de quem ficava próximo. Este embaixador não era um homem hipócrita, nem sequer vivia na busca obsessiva de ser bem visto pelos seus visitantes, colando-se-lhes às opiniões. Pela minha experiência, tinha apenas uma despojada ausência de opinião própria, vivendo na eterna hesitação entre inteligentes argumentos contraditórios, relativamente aos quais não se conseguia decidir, mas que era capaz de aprofundar genuinamente, sempre com o entusiasmo das grandes convicções.
6 comentários:
“Fala sem receios de contradizer o teu interlocutor” dizia a minha avó com a sabedoria da sua idade: é da discussão que nasce a luz. Já o meu pai era mais “diplomata” e dizia que até nos corredores da administração se devia andar “devagar” para não levantar pó! Aquele Embaixador teria as duas sabedorias... que lhe alimentavam a inteligência de se dar bem com todos...
Excelente post! Um verdadeiro diplomata.
O clima é sempre um tema melindroso a abordar...quando nao vivemos na nossa patria.
Em Paris, por exemplo, onde o céu varia entre o cinzento escuro e o cinzento claro dez meses no ano, as pessoas têm constantemente a infeliz idéia de me perguntar :
"Et le soleil du Portugal ça ne te manque pas beaucoup ?"
As vezes apetece-me responder-lhes em bom alentejano :
-"Tao vendo e préguntando pra quêim ?
Mas fico-me por um :
- Nahm !!!!
Uma maravilha o seu post Senhor Embaixador.
Fez-me lembrar o nosso Raul Solnado que nestas questões me dizia: ó miuda, diz-lhes sempre..."pois" e safas-te bem de tudo!
Era a lembrança da rábula "pois, como dizia a minha irmã Jorgina"
Pois eu acho o sr.Embaixador referido um democrata nato...Potenciando as duas opiniões e renunciando ao egocentrismo da sua.
Estudos sobre prevalência e incidência de Depressão sazonal apontam os países Nórdicos como referência, dado a ausência de sol a maior parte do tempo não permitir a pessoas vulneráveis as trocas bioquimicas cerebrais/neuronais que mantêm um humor estável deprimindo-o, daí que empresas inteligentes patrocinem férias a funcionários vulneráveis em paises tropicais, para prevenir a depressão e os principais sintomas humor triste e depressivo e perda de interesse ou prazer nas actividades diáris devido á falta de energia e forças...
Por outro lado também é conhecimento comprovado que o bem estar promove a capacidade de iniciativa no trabalho aumentando a eficiência e a eficácia e a capacidade de intercomunicar com inteligência emocional positiva promovendo bom relacionamento interpares.
Isabel Seixas
"...uma despojada ausência de opinião própria, vivendo na eterna hesitação entre inteligentes argumentos contraditórios, relativamente aos quais não se conseguia decidir..."
Esta frase genial (e habilmente construída) dá-nos uma ideia clara de como é possivel fazer-se carreira (diplomática, pois, porque não?) sem sombra de dúvida(s)...
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