quarta-feira, novembro 11, 2009

Europa

Ouvir Angela Merkel afirmar, sob o Arc du Triomphe, junto ao monumento ao soldado desconhecido francês, que " nunca esqueceremos o que os franceses tiveram de sofrer por causa dos alemães durante a primeira metade do século XX" foi um momento de grande simbolismo, a que tive o privilégio de assistir esta manhã. E igualmente importante foi ouvir o presidente Nicolas Sarkozy dizer que, "neste 11 de Novembro, não comemoramos a vitória de um povo sobre o outro, mas uma provação que foi tão terrível para um como para o outro".

A França e Alemanha, ao longo do passado recente, titulados por líderes diferentes, entenderam bem o carácter fundamental da sua reconciliação. Em cada um desses momentos, foi a coragem dos respectivos dirigentes que ficou à prova, porque eles sabiam que, atrás de si, estavam e estão povos eternamente marcados por fortes traumatismos, aos quais era importante apontar o novo rumo a seguir.

Essa coragem foi hoje, em Paris, assumida por Angela Merkel e por Nicolas Sarkozy, como corajoso havia já sido o primeiro entendimento entre De Gaulle e Adenauer, bem como, mais tarde, a imagem das mãos dadas entre Helmut Kohl e François Mitterrand. Sob o mesmo Arc du Triomphe, junto ao qual Adolf Hitler fez passar as suas tropas e fez a arrogante visita a Paris, a chanceler alemã mostrou que a qualidade dos políticos também se afirma na forma como conseguem, com grande dignidade, enterrar a História no passado a que ele pertence. E o gesto do presidente francês, ao convidá-la a partilhar o dia em que, até agora, a França comemorava a derrota alemã, esteve bem à altura dessa atitude.

Tenho a sensação que nós, portugueses, não obstante termos as nossas vítimas no termo do primeiro grande conflito mundial, nunca entendemos bem o sentimento profundo do que foi a imensa tragédia vivida nesta parte da Europa, durante todo o século passado. O peso da ditadura e a nossa concentração no patético estertor da aventura imperial, colocaram Portugal num mundo à margem dessa penosa realidade, a que foi possível escaparmos. Com efeito, não vivemos directamente uma tragédia que explica muito do que viria a passar-se mais tarde e que dá maior valor a este tipo de exorcismos, feito em torno de comemorações onde se sublinha, quase obsessivamente, a ideia da paz. Talvez ainda por essa mesma razão, em Portugal, não se olha para a Europa e para o seu projecto de unidade política da mesma maneira que outros o fazem e não valorizamos devidamente o fantástico empreendimento que a construção europeia representa e em que agora temos o ensejo de participar em pleno.

8 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Concordo. Às vezes é preciso uma guerra para se dar valor à paz. Mas será que, para além das "entidades" a população da França ou da Alemanha, em especial a mais nova, pensa da mesma forma?

JMCPinto disse...

É por isso que eu aprecio muito os alemães. Que outro povo carregaria essa culpa durante tantas décadas? Que outras gerações aceitariam herdar a culpa dos seus antepasados?
Basta ver o que se passa em Portugal e na França para citar apenas dois exemplos - mas poderia citar muitos mais - a propósito dos crimes cometidos pelo colonialismo e durante as guerras coloniais. Em Portugal e em França os que praticaram esses actos são heróis e aqueles que insistem em os denunciar, traidores!
JMCPinto

Anónimo disse...

pois é senhor embaixador, tem toda a razão. lamentavelmente na cidade onde estou em posto, o embaixador polaco fez um discurso por ocasião do dia nacional onde desancou russos e alemães a propósito dos (de resto, compreensíveis à luz da história) traumas polacos relativamente a estes dois países. sem dúvida que a memória tem de ser preservada, mas não se fez a UE justamente p superar as dores que era impossível carregar sózinhos?

Helena Oneto disse...

Este 11 de Novembro marca uma página importantíssima da História da Europa. Angela Merkel fez um discurso exemplar. O de Nicolas Sarkozy não ficou aquém. Ouvi-los, comoveu-me imenso e conforta-me a esperança que pode haver ainda amanhãs que cantam.

margarida disse...

Gostei muito de o ver e ouvir, mesmo que 'de fugida', nas notícias da 'dois'...
É um particular orgulho sermos representados por alguém tão especial como V.Exa.
O resto (encómios sortidos e quejandos) ficam nas entrelinhas, que 'lerá' com essa particular acutilância e sensibilidade.
J'en suis sûre.
:)

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador, gostava muito de ser viva para um dia poder ver Portugal - o país que amo e onde resido por opção -, finalmente, reconciliado com o seu passado colonial. Não é, ainda, e apesar do retorno crescente dos portugueses a África, aquilo a que assistimos!

Julia Macias-Valet disse...

Caro Expressodalinha, creio que os jovens franceses (a realidade alema nao conheço) estao conscientes do grande drama que foram as duas Grandes Guerras e do valor que a Paz têm. Em quase todas as familias alguém perdeu a vida num desses conflitos. E a palavra "Résistence" é bem conhecida.
O programa de Historia da 3ème (equivalente em Portugal do 9°ano de escolaridade) incluiu o estudo da 1° e da 2° Grande Guerra.
Todas as cidades e no caso de Paris todos os bairros (arrondissements) têm um "Monumento aos Mortos". Na classe do meu filho cada aluno têm que escolher este ano lectivo um "Monument aux Morts" e devera fazer uma analise do ponto de vista historico e artistico bem como da localizaçao na cidade desse monumento.

No que diz respeito a Portugal, pena é que esse reconhecimento publico para com aqueles que perderam a vida na Guerra Colonial seja quase inexistente. Conheço apenas uma vila, Moura, no Alentejo onde existe uma lapide com os nomes de todos os jovens do concelho que perderam a vida no Ultramar. Como se esse nao lembrar fosse uma forma de esquecer.
é necessario nao esquecer para melhor construirmos em conjunto laços solidos com Africa no presente e no futuro.

Anónimo disse...

Já para não falar dos sobreviventes do ultramar,combatentes e familias que têm de continuar a viver com as sequelas de stress pós-traumático e com a impotência e falta de reconhecimento votados ao esquecimento do silêncio dos "Inocentes".
Também concordo que é necessário não esquecer...
Até para lembrar uma das dimensões do respeito, por Aqueles que acreditaram estar a defender a Pátria.
Isabel Seixas

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...