sexta-feira, novembro 06, 2009

Os portugueses e a política francesa

O Rádio Clube Português perguntava-me, há minutos, o modo como a comunidade portuguesa em França apreciava a acção do presidente Nicolas Sarkozy, nesta primeira metade do seu mandato. Em especial, se ela acompanhava a tendência da sondagem do "Le Nouvel Observateur" de ontem, que consagra algum desgaste de imagem do líder francês.

Para além do cuidado diplomático que um representante estrangeiro deve ter sempre neste tipo de comentários, dei-me conta de que, mesmo que quisesse, seria impossível para mim ter uma opinião clara, pelo facto da nossa comunidade ter por aqui um papel de uma discrição quase extrema em matéria da vida política local.

Muito embora haja já um número interessante de eleitos de origem portuguesa nas instituições democráticas francesas, essa presença está ainda bem longe daquela que seria desejável para uma defesa plena dos seus interesses e da comunidade em que estão inseridos. E é pena que assim aconteça: bem melhor seria que os portugueses com direito a voto fossem activos protagonistas da sociedade política francesa. Nesse caso, não apenas os partidos políticos franceses procurariam, com maior frequência, recrutar figuras da nossa comunidade para lugares electivos, a fim de "arrastar" consigo o voto português, mas, igualmente, os próprios eleitos franceses se mobilizariam em favor das agendas de interesses da nossa comunidade (em especial em matéria de ensino e promoção de apoio local às suas instituições associativas).

O facto dos portugueses serem uma "comunidade silenciosa" é, com certeza, lido como uma nota positiva num magma social e étnico onde certos afloramentos e tensões, de outras origens, marcam pela negativa o quotidiano do país. Mas tem, como reverso da medalha, o preço de alguma irrelevância no plano das vantagens que decorrem da afirmação cívica.

7 comentários:

José Barros disse...

Ora aqui está um tema onde é muito difícil não dar uma opinião quando se não exercem funções de responsabilidade política. O nosso embaixador de Portugal em Paris tem uma visão muito cuidada da análise das posições políticas da nossa emigração e é verdade que ela continua relativamente discreta mas perfeitamente “influenciável” tal como a população nacional em geral.
Nas últimas eleições autárquicas onde ela participou a abstenção foi incomparavelmente superior à população francesa mas, do ponto de vista partidário, o número de candidatos afectos à esquerda e à direita não se distanciava. Uma consulta pormenorizada que pessoalmente efectuei junto das Prefeituras da região parisiense mostrou-me que as listas partidárias integravam tantos candidatos afectos a um lado como ao outro...
Seguindo esta lógica, poderia afirmar-se que eles estarão em conformidade com a sondagem do “Nouvel Observateur” que diz que o Presidente da República acusa uma nova baixa de opinião contando agora com uma opinião desfavorável a 53%.

Jorge Pinheiro disse...

Brandos costumes...

Filipe Pereira disse...

A participaçao civico-politica dos portugueses de França, apesar de ser uma lamentavel decepçao, nada tem de misterioso. A primeira geraçao de imigrantes, sacrificada por falta de cultura e de educaçao civica, nunca teve condiçoes para transmitir às seguintes um qualquer interesse pelo assunto. Creio que, no que diz respeito à terceira geraçao, a explicaçao seja de outra ordem. Pois nao se trata jà de um comportamento especificamente comunitario mas sim de um fenomeno “geracional”. A juventude francesa (sejam quais forem as suas origens) é atingida pela despolitizaçao generalizada da(s) sociedade(s) occidental(is). Nao se justifica desde logo uma qualquer analise do comportamento dos luso-descendentes da terceira geraçao como comunidade especifica, ja que deste ponto de vista a integraçao é completa.

Ja nao acredito que seja possivel amplificar significativamente a participaçao civica dos emigrantes da primeira geraçao e da segunda geraçao. Pois sao muitos entre os Portugueses que vivendo em França hà 20, 30 ou 40 anos, continuam convencidos que nem sequer têm legitimadade para se exprimir sobre a vida politica francesa. Nao têm conta as minhas conversas com compatriotas sobre o assunto. Sao muitissimos os que consideram que, nao sendo franceses, é normal que lhes seja negado o direito de votar em França. E nao lhes digam que entao votem pelo menos em Portugal. Responder-lhe-ao, como me responderam mais do que uma vez, que nao hà motivo para tal logo que nao estejam a viver em Portugal. Para tentar convencer certos relutantes sera interessante perguntar-lhes se acham normal serem considerados como cidadaos de segunda apesar de pagarem impostos como se fossem cidadaos de primeira...isto de dinheiros.

Permitam-me contar uma “anedota” pessoal. So consegui convencer os meus pais para se registarem nos cadernos eleitorais quando lhes anunciei que me candidatava às eleiçoes autarquicas da vila em que viviamos havia varios anos. E obviamente, quando entao votaram, pela primeira vez, com quase 50 anos, nao foi por consciencia civica ou por motivaçao politica. Foi apenas um gesto de amor. No entanto, desde entao votam sempre que lhes é permitido, mesmo se o filho ja nao esta envolvido na vida politica local.

Concluindo, devo dizer que me deixou perplexo a insistência dos candidatos franceses em integrar nas suas listas eleitorais para as autarquicas de 2008, candidatos portugueses ou luso-descendentes, apesar de muitas vezes so em posiçoes meramente simbolicas. Deu-se o caso comigo proprio : tendo mudado para uma cidade perto de Paris escassos meses antes das eleiçoes, fui convidado a integrar a lista do candidato favorito, apesar de serem inumeros os pretendentes legitimos a tal privilégio. Tendo em conta a fraquissima implicaçao da comunidade portuguesa nos cadernos eleitorais bem como na propria votaçao, parece-me até que essa preocupaçao estratégica dos candidatos franceses tenha sido algo desmedida. Mas nao ha que lamentar, antes pelo contrario, ja que como em muitas outras areas, os vereadores portugueses ou luso-descendentes, sao em geral empenhados e rigorosos. E pois, como nao podia deixar de ser, discretos também.

Filipe Pereira

Anónimo disse...

Parabéns pelo tema que certamente pode dar debates interessantes.

Eis apenas dois comentarios:

1.
Quando se fala da fraca participação dos Portugueses de França nas eleições municipais, fala-se da fraça participação dos cidadãos mono-nacionais.
Mas não se sabe como votam os luso-descendentes (nem se votam). O Senhor Embaixador fez bem em ser prudente sobre este assunto.
Desde os idos tempos da Dra. Manuela Aguiar (do século passado!) que não se encomendam estudos sobre a emigração portuguesa (nem em França, nem em mais nenhum pais, salvo alguns trabalhos académicos, quase sempre desvinculados de qualquer encomenda estatal).
Pode parecer paradoxal, sobretudo para um pais que tem um terço da sua população a morar no estrangeiro,... mas este é outro debate!

2.
Gostei do post de Filipe Pereira, e do facto dos pais terem 'votado por amor'.
Ora, curiosamente, se olharmos para os resultados, nota-se a olho nu (sem necessitarmos de qualquer estudo) que os Portugueses votam mais nas eleições em França, do que nas eleições em Portugal.
Curioso?

Certamente que os politicos franceses têm estado mais proximos da Comunidade portuguesa de França (os milhares de candidatos às ultimas eleições municipais mostrou-o. Mais de 3.000 foram eleitos, mas pensa-se que mais de 10.000 não foram eleitos mas foram candidatos).
Esta proximidade - este 'amor' - parece que não vem dos Politicos portugueses, que efectivamente têm estado afastados dos Portugueses que moram no estrangeiro.
Basta notar o numero de vezes que Luis Amado falou às Comunidades desde que é Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Mesmo sem ter qualquer dotes de vidência, penso que esta participação civica em relação a Portugal, vai continuar a decrescer.

Quanto à França, basta encontrar-se com os dirigentes associativos e com os empresarios portugueses, que tratam por tu os Maires das localidades onde residem, para compreender que este 'amor' vai levar cada vez mais Portugueses às urnas.

Carlos Pereira

A. Silva disse...

Quando se emigra por razoes economicas, é porque o pais de origem nao pode ou soube dar condiçoes aos seus cidadaos para serem felizes na terra onde nasceram. Apesar do amor a Portugal continuar bem vivo, na maior parte dos casos, entende-se - embora se possa nao concordar - que quem conseguiu um certo sucesso no estrangeiro continue a cultivar um certo distanciamento com a classe politica portuguesa. O Senhor Embaixador desempenha um papel fundamental, de reconciliar "alguns" Portugueses de França com o seu Portugal. E nao esqueçamos que todos os dias chegam a França novos emigrantes portugueses.
Quanto às eleiçoes autarquicas e legislativas em França, nao esqueçamos que a França continua a ser um dos unicos paises que continua a vedar a presidencia de Câmara ao que não sâo franceses (ou pelo menos, binacionais). E se virmos os lugares ocupados por muitos - nao todos - candidatos de origem portuguesa, vemos que sao relegados para o fim das listas ou, no melhor dos casos, dos lugares elegiveis.
Os Portugueses de França devem muito à França, mas também sabem que o pais de acilhimento é, muitas vezes, alergico as especificidades comunitarias e cariz politico ou social.

Helena Oneto disse...

Comentarios muito pertinentes e elucidativos.
Este assunto merece ser discutido e analisado com mais frequência.

Como diz A. Silva : "O Senhor Embaixador desempenha um papel fundamental, de reconciliar "alguns" Portugueses de França com o seu Portugal."

Julia Macias-Valet disse...

A partir do momento em que tive a dupla nacionalidade que voto (sempre e sem falta) em França. Pais onde resido. Deixei de votar em Portugal porque acho que nos devemos investir como cidadaos no local que escolhemos para viver.
Muito activa na vida comunitaria e associativa dos dois bairros de Paris onde vivi e onde vivo. Tive cargos de Sécretaria-Geral, Vice-Presidente e Présidente de uma Halte Garderie do XVème (frequentada por cem familias); Actualmente represento os pais dos alunos junto da Administraçao de um grande Liceu du XVIème e na Escola Elementar de umas das minhas filhas também sou delegada dos pais (a turma é composta de 25 crianças das quais 6 sao luso-descendentes). Estes cargos sao exercidos de forma benevola.
Nao creio que seja necessario fazer parte de listas eleitorais para nos investirmos na vida associativa e comunitaria e para podermos ajudar familias, sejam elas francesas ou aquelas com que partilhamos as origens, a lingua e a cultura.
E como sempre gostei mais de escolher do que ser escolhida... Nao penso que um dia o meu nome faça parte de listas eleitorais, aqui ou em Portugal.

PS Gostei particularmente dos post de Filipe Pereira.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...