segunda-feira, novembro 02, 2009

Saramago

As polémicas com conotações políticas não são o forte deste blogue, como é sabido. Mas confesso que não resisto a dizer algo breve sobre o conflito que tem sido suscitado em torno de Saramago, a propósito da sua nova obra - "Caín".

Para afirmar três coisas.

A primeira, para deixar claro que não li o livro e que, pela temática que aborda, não me parece que ele venha a ingressar nas minhas prioridades de leitura, nos tempos (anos) mais próximos.

A segunda, para dizer que acho que José Saramago escreve muito bem, que já li coisas dele que me deram um grande prazer e que, como português, tenho um grande orgulho que a ele tenha sido atribuído o prémio Nobel da literatura. Como o poderiam ter tido Torga, Jorge de Sena, Sophia, Lobo Antunes ou Lídia Jorge.

A terceira, para expressar, alto e bom som, que continuo a achar de uma inqualificável infelicidade, num mundo como o de hoje, atitudes e comentários obscurantistas de certas pessoas, como Sousa Lara no passado ou Mário David há dias, diabolizando o escritor, num triste sectarismo político e numa manifestação de reaccionarismo religioso primário. Acontece que ambos são meus amigos pessoais, mas tais tomadas de posição, embora as possa compreender, não consigo respeitá-las - e não desconheço que seria bem mais consensual construir o final desta frase ao contrário. Mas é isto que eu penso.

10 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

Tem o Senhor Embaixador toda a razão naquilo que diz. Desde que não esqueça, também, a perseguição de que muitos jornalistas foram vítimas no Diário de Notícias de Saramago.
E já agora, de caminho, a limpeza mórbida que fez das dedicatórias a Isabel da Nobrega - a quem pessoalmente tanto deve -, quando da reedição das suas obras!
O passado, Senhor Embaixador acompanha-nos sempre. Mau sinal quando o pretendemos alterar...
Por isso admiro a sua franqueza e espero que perdõe e aceite a minha tristeza ao referir estes dois pormenores que certamente conhece.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena Sacadura Cabral: nós somos de uma geração que, para o bem e para o mal, se lembra de tudo. Por isso, embora não viesse à história (até porque uma coisa não justifica a outra), claro que não esqueci os "24" e também, a seu tempo, comentei com a Isabel a tristeza do que refere.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador,
Perdõe-me, mas talvez seja por isso que somos mais fiéis àqueles que respeitamos. Mas tem razão: os 24 e a Isabel não vinham ao caso e não justificam as atitudes tontas de quem não está preparado para exercer certas funções.
À época indignei-me com a atitude de Lara e zurzi no Santana. Mesmo não pensando como Saramago, acho indiscutível o seu talento.
A justiça do Nobel, essa, será outra história e julgo que se deverá a Pilar del Rio uma boa parte do dito.
Pessoalmente teria preferido a senhora D. Agustina, de quem tanto me orgulho, mas quem sou eu?
Sabe, Senhor Embaixador, não há meio de conseguir calar o que sinto ser injusto. Ou melhor, dificilmente separo o homem - que se arroga de ter uma ética-, dos seus comportamentos menos éticos...
Talvez, por isso mesmo, seja tão grata a quantos me ajudaram a ser quem sou!

José Barros disse...

A polémica à volta de Saramago faz-me lembrar a razão de Salman Rushdie e os seus “Versículos Satânicos” mesmo se os críticos de Saramago, neste caso específico a “Caim”, fazem uma diferença entre o islão e a religião católica e para eles no catolicismo nunca houve, não há, e não haverá práticas que se possam comparar às que Rushdie enumera nos seus “Versículos”.

João Antelmo disse...

O que esteve em causa na recente polémica(?) que envolveu Saramago não foram as suas posições políticas, a sua personalidade e a sua história política nem sequer a qualidade da literatura que pratica; não foi, sequer, o conteúdo ou a forma do livro que agora lançou.
O que esteve em causa foram afirmações acerca das histórias contidas na Bíblia, as quais, a fazer fé nas ofendidas mentes dos que o atacaram, não podem ser lidas literalmente (como se algum livro, com excepção de listas telefónica ou catálogos de artigos para venda o pudesse ser), de ser uma abordagem simplista e, pasme-se, do respeito que JS deveria ter por davids, laras e outros santanas lopes.
E o que disse Saramago foram algumas verdades evidentes sobre personagens da Bíblia, aí incluído o Deus do Antigo Testamento, o aniquilador dos primogénitos do Egipto, o destruidor dos cananeus (homens, mulheres, velhos, crianças e até gado), o carrasco de Sodoma e Gomorra e da mulher de Lot e por aí adiante. E mais disse que se a Igreja não pensa que a Bíblia é um manual de maus costumes porquê proibir, durante tantos séculos, a sua leitura? E que, se para se ler a Bíblia é necessário fazer a exegese do texto, então deveria haver um teólogo ao pé de cada leitor.
Vasco Graça Moura defendeu-o; quem atacou VGM?
Almas pequenas e mentalidades idem.
É que, como disse Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”.

M. Cunha disse...

De facto, tudo o que seja coarctar a liberdade de expressão dum escritor consagrado (ou não) é resvalar para um caminho ingreme e perigoso. As atitude dalguns são ou foram deveras obscurantistas. Concordo com o comentario do Senhor Embaixador, todavia para além do passivo de intolerância de Saramago, parece-me cada vez mais alguém "azedo" e que resvala para a ofensa e o desdém com certa facilidade. Saramago acaba por defender que se deveria proibir a leitura da Biblia. Saramago nunca foi democrata, mas para um escritor é um entorse à liberdade de expressão. E considera que todos os catolicos são um bando de ignorantes ajoelhados perante uma hierarquia que apenas quer manter o statu quo. Juizos de valor tão radicais sobre tanta gente nunca contribuiram para melhorar a condição humana. E um bom escritor, mas profundamente intolerante e arrogante. Pena é que alguns "adversarios" lhe sigam as pegadas. Pessoalmente, prefiro ignora-lo...

Anónimo disse...

Peço desculpa a M.Cunha mas não creio que Saramago tenha alguma vez defendido que "se deveria proibir a leitura da Biblia" ou que "considere que todos os catolicos são um bando de ignorantes ajoelhados perante uma hierarquia que apenas quer manter o statu quo".
Quanto às restantes considerações, elas são totalmente subjectivas, não são partilhadas por muitas pessoas (incluindo o Comité Nobel) e, sobretudo, não vêm ao caso.
Mesmo um não-democrata tem todo o direito a pronunciar-se e a exprimir-se.
A liberdade para as maiorias é fácil de defender; difícil, difícil é defender a liberdade para quem não está de acordo com as maiorias.

Anónimo disse...

Por norma, não vou atrás de supostos sucessos de livraria para comprar e depois ler. Neste particular caso e porque gosto de Saramago - o escritor, e porque me chateou todo esta verborreia crítico-reaccinonária (em boa parte), comprei, li e gostei bastante. Lê-se num ápice, não só por não ser extenso, mas por ter interesse, porque tem(e ser divertido), não querendo dizer com isto que este “Caim” é uma grande obra literária. Saramago tem muito melhor. Embora compreendendo algumas das observações aqui feitas relativamente ao “outro Saramago”, aquilo que se disse recentemente a seu respeito, nada teve a ver com esses aspectos, mas tão só com o que escreveu neste seu último livro (e pelo facto, num ou noutro caso, de ser comunista). E, nesse sentido, não me parece haver matéria, séria, para tanta exaltação. Sinceramente, para aqueles que ainda não leram, mas criticam, deixo um pequeno conselho: leiam e verão que o livro não lhes tirará o sono. E lê-se, como atrás disse, muito bem.
P.Rufino

Azul disse...

Sou da geração de gente que ronda a idade dos 40 anos, e talvez por isso, não guarde tanta raivinha contra o passado, com todo o respeito que me merecem os mais velhos do que eu. Pauto-me sim, por tentar viver cada dia da minha vida aproveitando o que conseguiram outros - viver em liberdade, seja ela de afectos, de pensamentos, de opiniões e, já agora, de leituras. Já li o Caim, sim senhor(Saramago é um hábito meu, mais antigo do que o Nobel!), e devo dizer que mais uma vez fui presenteada com uma enorme Voz da escrita! Tal como Foucault em "O que é um autor?", este livro de Saramago mostra-nos o que é um texto-voz, de um autor no mais profundo sentido da palavra. É pois, com desencanto, que assisto a tantos ditos despropositados acerca do texto Caim, proferidos por gente a quem tanta gente deste pequenino paíszinho já dedicou tanto crédito. É mais do que lamentável que saibam ler tão mal, e que nos mostrem ter lido tão pouco na vida. Um texto é simplesmente um texto, e um homem ou uma mulher com a envergadura de Saramago não se podem, nem se devem, julgar pelo que escrevem. Disfrute-se do texto, seja lá ele de quem for, ame-se ou odeie-se o autor.

Respeite-se o texto, em primeiro lugar! E aprenda-se a elevar o pensamento e a criar!

A Antunes disse...

Azul... O que muitos tendem a confundir é o texto e a ombridade. Poucos leram Caim. Até pode ser a maior obra prima d'aquém e além mar... Mas não é por se ser escritor, ou mesmo bom escritor, que alguém se torna uma voz da moralidade e da verdade. Paul Ricoeur dizia ninguém tem a verdade, movemo-nos na verdade. Respeitem-se os hoimens e a humanidade, em primeiro lugar? E depois desfrute-se do texto. Assim é que se eleva o pensamento. Também sou da geração de 70, do século passado. E a raiva ou falta dela não é exclusivo duma geraçao, conforme.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...