Você acaba de entrar numa nova vida, e logo num tempo bastante difícil, em que muito se exigirá de si, dos seus conhecimentos e do seu bom-senso, da sua integridade e da sua força de vontade. Conhecendo-o bem, julgo ser "the right man in the right place" e, diria mesmo, "at the right time"- e você sabe de mim o suficiente para ter a certeza de que só digo isto porque sinceramente o penso. Atrevo-me mesmo a afirmar, não sem algum orgulho, que, até agora, você teve sempre uma boa escola.
Porém, como em tudo na vida, só na água se aprende a nadar. Ver os outros no jogo é muito instrutivo, até para evitar cometer alguns dos erros observados. Mas as coisas são diferentes quando se "está lá", quando se é o responsável, quando todos olham para si, para o bem e para o mal. Principalmente para o mal, como sabe.
Você começa agora. Numa bela frase que fez escola, Jaime Gama dizia que "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Tendo a concordar, embora não em absoluto, porque as imagens fixam-se diacronicamente no juízo das pessoas e o tempo ajuda a sedimentar a solidez de quem é realmente consistente. Você dir-me-á, com a sua proverbial modéstia, que isso o preocupa pouco e que, no essencial, quer apenas conseguir fazer bem aquilo que lhe propuseram. Mas, como já terá visto de forma muito crua, "em política, o que parece é", como dizia o manhoso de Santa Comba. É triste, mas é assim.
Para um observador desprevenido, a sua tarefa até pode parecer fácil. Mas você sabe bem melhor que muitos que, para além do que a opinião publicada ou comum intui, há aí desafios externos muito sérios pela frente, face à vontade de alguns de mudar o paradigma do processo colectivo, interessados que estão em assegurar a continuidade do respectivo poder, através da garantia lampedusiana de que "alguma coisa tem de mudar para que tudo continue na mesma".
Não quero parecer "patronizing", mas não resisto a deixar-lhe algumas notas: conselhos ou frutos da experiência, tome-os como quiser. Faço-o agora porque não terei nem necessidade nem ocasião de lhe dar quaisquer opiniões futuras, porque, como você e muitos outros bem sabem, é meu arreigado e inabalável hábito deixar deliberadamente de procurar ou frequentar quem assume funções elevadas.
Desde logo, tente rodear-se de gente que tenha a certeza de ser, simultaneamente, competente, fiel e crítica. E, se possível, que escreva um bom português, uma língua antiga em rápida extinção na nossa administração pública. Junte pessoas que tenham a liberdade e a coragem para lhe dizer aquilo que até pode não lhe apetecer ouvir, mas que é essencial que você ouça; embora se reserve sempre o seu direito de não concordar e decida fazer exactamente o contrário. Não hesite em mudar de opinião, quando os argumentos forem inteligentes e convincentes, mesmo se oriundos de colaboradores muito mais jovens. Sabe do que falo, claro...
Não se deixe nunca tentar por tiques de auto-suficiência ou de autoridade (que seriam estranhos em si, em qualquer caso), por reflexos de sobranceiro "déjà vu" ou por formalismos compensatórios da sua idade - como, ridiculamente, já vi emergir em (então) jovens figuras políticas, pouco à vontade com as suas novas responsabilidades. Em política, a idade que se tem é a da autoridade que soubermos transmitir, sendo a juventude, aliás, o único "defeito" que passa sempre com o tempo.
Atente bem nas lições do passado, porque nada começa hoje, embora a História nunca se repita, salvo para os que a lêem de forma preguiçosa ou dogmática. Procure decifrar bem a "agenda" de quem cruzar pelo mundo, perceba as suas motivações profundas, sem se deixar enredar em teorias conspirativas, mas igualmente sem cair em perigosas ingenuidades. Não se acomode a supostas inevitabilidades, não receie dizer "não" quando entender que isso é importante, não use "langue de bois", chame as coisas pelo nomes e não se importe de ficar isolado, nem tenha a tentação de ser simpático em matérias de Estado. O interesse do país está sempre acima dos nossos humores.
Claro que você também sabe que, à sua volta, há adulações que vêm por aí, com os "yes men" e as "yes women" que lhe darão a "música" agradável aos seus ouvidos, que acharão "genial" a entrevista que você percebeu que saiu menos boa, que dirão "o máximo" do discurso que fizer, por mais banal que lhe tenha saído. Relativize sempre tudo isso.
Seja muito firme, não dando, logo desde o início, o mínimo espaço para a sobrevivência funcional de distâncias derivadas dos tempos da carreira de onde você é oriundo (e onde agora não está inserido, lembre-se sempre!). Corrigir o erro, depois, será muito mais difícil e penoso. Exerça em pleno a sua autoridade, porque, como escreveu Balladur num recente livro, "le pouvoir ne se partage pas".
Porém, como em tudo na vida, só na água se aprende a nadar. Ver os outros no jogo é muito instrutivo, até para evitar cometer alguns dos erros observados. Mas as coisas são diferentes quando se "está lá", quando se é o responsável, quando todos olham para si, para o bem e para o mal. Principalmente para o mal, como sabe.
Você começa agora. Numa bela frase que fez escola, Jaime Gama dizia que "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Tendo a concordar, embora não em absoluto, porque as imagens fixam-se diacronicamente no juízo das pessoas e o tempo ajuda a sedimentar a solidez de quem é realmente consistente. Você dir-me-á, com a sua proverbial modéstia, que isso o preocupa pouco e que, no essencial, quer apenas conseguir fazer bem aquilo que lhe propuseram. Mas, como já terá visto de forma muito crua, "em política, o que parece é", como dizia o manhoso de Santa Comba. É triste, mas é assim.
Para um observador desprevenido, a sua tarefa até pode parecer fácil. Mas você sabe bem melhor que muitos que, para além do que a opinião publicada ou comum intui, há aí desafios externos muito sérios pela frente, face à vontade de alguns de mudar o paradigma do processo colectivo, interessados que estão em assegurar a continuidade do respectivo poder, através da garantia lampedusiana de que "alguma coisa tem de mudar para que tudo continue na mesma".
Não quero parecer "patronizing", mas não resisto a deixar-lhe algumas notas: conselhos ou frutos da experiência, tome-os como quiser. Faço-o agora porque não terei nem necessidade nem ocasião de lhe dar quaisquer opiniões futuras, porque, como você e muitos outros bem sabem, é meu arreigado e inabalável hábito deixar deliberadamente de procurar ou frequentar quem assume funções elevadas.
Desde logo, tente rodear-se de gente que tenha a certeza de ser, simultaneamente, competente, fiel e crítica. E, se possível, que escreva um bom português, uma língua antiga em rápida extinção na nossa administração pública. Junte pessoas que tenham a liberdade e a coragem para lhe dizer aquilo que até pode não lhe apetecer ouvir, mas que é essencial que você ouça; embora se reserve sempre o seu direito de não concordar e decida fazer exactamente o contrário. Não hesite em mudar de opinião, quando os argumentos forem inteligentes e convincentes, mesmo se oriundos de colaboradores muito mais jovens. Sabe do que falo, claro...
Não se deixe nunca tentar por tiques de auto-suficiência ou de autoridade (que seriam estranhos em si, em qualquer caso), por reflexos de sobranceiro "déjà vu" ou por formalismos compensatórios da sua idade - como, ridiculamente, já vi emergir em (então) jovens figuras políticas, pouco à vontade com as suas novas responsabilidades. Em política, a idade que se tem é a da autoridade que soubermos transmitir, sendo a juventude, aliás, o único "defeito" que passa sempre com o tempo.
Atente bem nas lições do passado, porque nada começa hoje, embora a História nunca se repita, salvo para os que a lêem de forma preguiçosa ou dogmática. Procure decifrar bem a "agenda" de quem cruzar pelo mundo, perceba as suas motivações profundas, sem se deixar enredar em teorias conspirativas, mas igualmente sem cair em perigosas ingenuidades. Não se acomode a supostas inevitabilidades, não receie dizer "não" quando entender que isso é importante, não use "langue de bois", chame as coisas pelo nomes e não se importe de ficar isolado, nem tenha a tentação de ser simpático em matérias de Estado. O interesse do país está sempre acima dos nossos humores.
Claro que você também sabe que, à sua volta, há adulações que vêm por aí, com os "yes men" e as "yes women" que lhe darão a "música" agradável aos seus ouvidos, que acharão "genial" a entrevista que você percebeu que saiu menos boa, que dirão "o máximo" do discurso que fizer, por mais banal que lhe tenha saído. Relativize sempre tudo isso.
Seja muito firme, não dando, logo desde o início, o mínimo espaço para a sobrevivência funcional de distâncias derivadas dos tempos da carreira de onde você é oriundo (e onde agora não está inserido, lembre-se sempre!). Corrigir o erro, depois, será muito mais difícil e penoso. Exerça em pleno a sua autoridade, porque, como escreveu Balladur num recente livro, "le pouvoir ne se partage pas".
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Alguns, de forma mais ou menos explícita, tentarão preservar fatias de decisão que se habituaram a gerir, quase a seu bel-prazer. Corte-lhes as "vazas" e, estabeleça, desde o primeiro segundo, sem tibiezas e ambiguidades, as suas novas regras. É que se o "pacote" de responsabilidades passa a ser seu, toda a decisão também lhe cabe a si, na gestão como na definição das políticas. E esteja também atento aos curto-circuitos hierárquicos, essa insidiosa forma de se sustentarem influências "por cima" de si, com "shortcuts" de oportunidade. Sei bem do que falo e você também sabe como, no passado, foram tratadas, com êxito e algum gozo, algumas derivas dessa índole.
Mantenha e frequente os amigos de sempre, comporte-se com eles com a naturalidade habitual. Eles podem ser-lhe muito úteis na "leitura" da realidade exterior de que, forçosamente, ficará um pouco mais distante. E aí estarão, ao virar da esquina, quando se esgotar a transitoriedade das funções que agora vai ocupar. Eles serão a sua eterna e insubstituível "almofada" afectiva.
Agora, um assumido conselho: não projecte a ideia de ser "o homem" de ninguém, o "remote controle" de outras instâncias, uma figura tutelada, actor secundário à espera das deixas de outros. Sem incorrer na mínima quebra de lealdade ou de disciplina face à orientação de quem tem legitimidade para lha dar, perceba que há um palco que agora é apenas seu: dirija a peça, oriente sem tibiezas os artistas - e alguns são mesmo uns "verdadeiros artistas".... É que, das palmas ou dos apupos que se vierem a ouvir, você está condenado a só poder partilhar as primeiras.
De igual modo, seja totalmente livre: evite a tentação de caminhar para a construção de um qualquer proselitismo, para a criação de "equipas" de fiéis em seu redor, esse viciado mundo, tão típico da profissão que vai co-tutelar, cuja cultura dominante se apoia em esferas de influência, em mini-nepotismos conjunturais, feitos de atribuição arbitrária de cargos e funções, a troco de lealdades com preço certo - nas promoções ou nas colocações seguintes. Ouça amigos próximos, mas decida sempre sozinho. Trate bem toda gente, mesmo os mais "sinistros", mas apenas enquanto assim o merecerem. Quanto tal não acontecer, passe então a tratá-los como realmente merecem, sem contemplações ou moratórias. O tempo das indecisões só joga contra si.
Ah! e não se esqueça: ria-se, divirta-se, mantenha um bom ambiente no trabalho e trate as coisas com a leveza que se justifica, sem perder o humor e a capacidade de exercer ironia. Até sobre si próprio. E, nunca por nunca, caia na tentação de dizer que está a fazer um sacrifício, um serviço pelo qual o Estado e o país lhe devem ficar reconhecidos. Você é que deve estar grato a Portugal por lhe ter dado a honrosa possibilidade de o servir.
Meu caro, como diria o Sérgio Godinho, "este é o primeiro dia do resto da sua vida". E só há uma, lembre-se! E porque esta vida são dois dias, aproveite bem as noites! Não esqueça a família, não lhe atafulhe os sofás com papéis cor-de-rosa, pela noite dentro: saia, jante fora, divirta-se, beba um copo, fale com amigos de outras coisas que não política, viaje e leia muito. Pode crer que o mundo não vai parar, só porque você insiste em ser uma pessoa normal.
Não lhe vou desejar felicidades profissionais e políticas, porque isso seria redundante com o que você sabe que eu penso. Desejo-lhe saúde, alegria, vontade e sorte. O resto - inteligência, honestidade, sabedoria, rigor e dedicação - você já tem.
E mando-lhe um forte abraço de amizade, esperando agora só o voltar rever, com calma e sem agenda, daqui a quatro anos, para então lhe dar conta dos meus ócios na reforma. Aproveite o tempo bem! O seu sucesso será o nosso.
Francisco
PS - Vou oferecer-lhe um clássico do Gerald Kaufman, com mais de duas décadas, intitulado "How to be a Minister". Esclareço, para leitores menos atentos, que, sendo um livro inglês, "minister" significa, entre nós, "secretário de Estado". "Bien entendu"...
Mantenha e frequente os amigos de sempre, comporte-se com eles com a naturalidade habitual. Eles podem ser-lhe muito úteis na "leitura" da realidade exterior de que, forçosamente, ficará um pouco mais distante. E aí estarão, ao virar da esquina, quando se esgotar a transitoriedade das funções que agora vai ocupar. Eles serão a sua eterna e insubstituível "almofada" afectiva.
Agora, um assumido conselho: não projecte a ideia de ser "o homem" de ninguém, o "remote controle" de outras instâncias, uma figura tutelada, actor secundário à espera das deixas de outros. Sem incorrer na mínima quebra de lealdade ou de disciplina face à orientação de quem tem legitimidade para lha dar, perceba que há um palco que agora é apenas seu: dirija a peça, oriente sem tibiezas os artistas - e alguns são mesmo uns "verdadeiros artistas".... É que, das palmas ou dos apupos que se vierem a ouvir, você está condenado a só poder partilhar as primeiras.
De igual modo, seja totalmente livre: evite a tentação de caminhar para a construção de um qualquer proselitismo, para a criação de "equipas" de fiéis em seu redor, esse viciado mundo, tão típico da profissão que vai co-tutelar, cuja cultura dominante se apoia em esferas de influência, em mini-nepotismos conjunturais, feitos de atribuição arbitrária de cargos e funções, a troco de lealdades com preço certo - nas promoções ou nas colocações seguintes. Ouça amigos próximos, mas decida sempre sozinho. Trate bem toda gente, mesmo os mais "sinistros", mas apenas enquanto assim o merecerem. Quanto tal não acontecer, passe então a tratá-los como realmente merecem, sem contemplações ou moratórias. O tempo das indecisões só joga contra si.
Ah! e não se esqueça: ria-se, divirta-se, mantenha um bom ambiente no trabalho e trate as coisas com a leveza que se justifica, sem perder o humor e a capacidade de exercer ironia. Até sobre si próprio. E, nunca por nunca, caia na tentação de dizer que está a fazer um sacrifício, um serviço pelo qual o Estado e o país lhe devem ficar reconhecidos. Você é que deve estar grato a Portugal por lhe ter dado a honrosa possibilidade de o servir.
Meu caro, como diria o Sérgio Godinho, "este é o primeiro dia do resto da sua vida". E só há uma, lembre-se! E porque esta vida são dois dias, aproveite bem as noites! Não esqueça a família, não lhe atafulhe os sofás com papéis cor-de-rosa, pela noite dentro: saia, jante fora, divirta-se, beba um copo, fale com amigos de outras coisas que não política, viaje e leia muito. Pode crer que o mundo não vai parar, só porque você insiste em ser uma pessoa normal.
Não lhe vou desejar felicidades profissionais e políticas, porque isso seria redundante com o que você sabe que eu penso. Desejo-lhe saúde, alegria, vontade e sorte. O resto - inteligência, honestidade, sabedoria, rigor e dedicação - você já tem.
E mando-lhe um forte abraço de amizade, esperando agora só o voltar rever, com calma e sem agenda, daqui a quatro anos, para então lhe dar conta dos meus ócios na reforma. Aproveite o tempo bem! O seu sucesso será o nosso.
Francisco
PS - Vou oferecer-lhe um clássico do Gerald Kaufman, com mais de duas décadas, intitulado "How to be a Minister". Esclareço, para leitores menos atentos, que, sendo um livro inglês, "minister" significa, entre nós, "secretário de Estado". "Bien entendu"...
24 comentários:
Esta carta a um amigo é pura e simplesmente uma obra prima de "savoir vivre" (para não dizer de "savoir faire"). Excelente!
PL que leia com a devida atenção este “recado” amigo...conselhos, ponderados, destes não se recebem todos os dias. E amanhã já é 2ªfeira, o primeiro dia...do resto dos 4 anos que hão-de vir”...
Adido de Embaixada
Imagino algumas caras no MNE ao lerem este texto. Gostariam de responder,mas não só não têm "huevos" como não sabem escrever à altura do Seixas. Grande banhada que lhes dá, ó 'baixador... Eles que se metam consigo e já sabem o que virá daí.
Ausente
Há textos, Senhor Embaixador, exemplares. Mesmo que o seu autor apenas considere o seu escrevinhar despretencioso e ligeiro.
É o caso desta carta aberta. E sorte a desse homem que, no exercercício de funções políticas, o tem como amigo!
este texto não é apenas dirigido ao PL: este texto devia ser oferecido a todos os senhores ministros e sec estado qd tomam posse, embrulhado numa fitinha encarnada para depois emoldurarem e porem na parede do gabinete, como nos consultórios médicos foleiros...
Depois do que anteriormente foi comentado, o que quer que escrevesse seria redundante...
Esta carta (e se eu adoro cartas!) vai ser impressa e constar de um mural de máximas e orientações especiais.
A terna lucidez, a sabedoria despretensiosa e serena, são comovedoras.
Uma arte, esse píncaro de luz.
Merci.
Sr. Embaixador:
Deixe-mo tratá-lo assim. Depois de ler a sua “Carta a um amigo”, um texto memorável, veio-me à memória um livro de Eduarda Dionísio, de 1979 (já lá vão trinta anos), de que muito poucos se lembrarão (talvez a Dr.ª Helena Sacadura Cabral se lembre, porque tenho visto que é um manancial de referências), chamado “Retrato Dum Amigo Enquanto Falo”, um livro que, desgraçadamente, caiu no esquecimento. Há poucos anos, José Luís Peixoto escreveu “Morreste-me”, um livro fabuloso de trinta e poucas páginas. Refiro-os porque são livros de sentimentos profundos, embora de circunstâncias diversas! Não sei por que os dois me ocorreram, depois desta “Carta”.
Leitor por devoção e por obrigação, pairei pelos corredores secundários do poder, quase sempre anonimamente, o que me deu para ver como o poder é afrodisíaco (quem foi que me disse isto?) e como quem quer umas migalhas se ajoelha, bajula e se chega à frente, que mais não seja para ser visto.
Não sei se o Sr. Embaixador, transmontano, é dos tempos do Monte Carlo, da Paulistana, do Vává, da Granfina, do Monte Branco, do 1.º de Maio, da Alga, de um bar que tinha uma orquestra de cegos numa esquina do Martim Moniz, etc. Foi por aí que se urdiram muitas amizades, em que os tesos pediam emprestados vinte e cinco tostões ou sete e quinhentos, ou tão-só o preço de uma bica.
Com a sua memória, que eu não tenho, se por lá andou, seria bom que nos rememorasse algumas das personagens que por lá pairavam: assim se fazem as histórias (não a História) das nossas vidas, que nada têm a ver com as do irmão do António José Saraiva.
Como os blogues são interactivos e como tenho intuído que vinhos e petiscos também lhe merecem bastante respeito, lanço-lhe um repto (se responder acertadamente, penso que não vai acertar, pago-lhe um jantar, ou um almoço, se tal ousadia me permite, embora o dito cujo restaurante não seja de “rendas e pergaminhos” de embaixador): onde fica um restaurante chamado Vallecula (ou Vallécula) e o que é que lá se come? Mas não me responda com o que pode aparecer no caixote do lixo chamado Net, esse poço de asneirame e de narizes de cera, porque eu detecto logo.
Continue com histórias como as do Boaventura e as do farmacêutico, absolutamente fabulosas. Deviam pagar-lhe não para fazer os fretes de embaixador, mas para ser contador de histórias, a publicar em livro.
Como diria Milan Kundera
A insustentavel leveza de ser...
Amigo...Fonte de inspiração de uma carta que qualquer gostaria de receber.
Por mim vou extrair as lições de sabedoria implicitas e aprender a aprender ser lider honesto sem perder a identidade por força de circunstâncias...
Isabel Seixas
É fantástico verificar como a escrita continua viva.O conhecimento é mesmo a expressão comportamental por excelência.Os diversos segmentos em que se manifesta, flui desde as mais profundas cogitações às fruições gastrobáquicas...
Assim se bloga, com inteligência e prazer, e muita, muita cultura.
Aprendi com o tempo que, nos comentários nos blogues, há duas espécies bem distintas de anonimato.
Há aquela clandestinidade cobarde, manifestada de forma insultuosa ou insidiosa, similiar às diatribes "familiares" com que se apodam os árbitros, no aconchego colectivo de uma bancada de futebol. É uma imensa minoria.
Mas há um outro anonimato, anodino, de quem não lhe apetece colocar o verdadeiro nome por debaixo do texto, por razões que só o próprio sabe, mas que não vem nenhum mal ao mundo por não fazê-lo. Essa é a grande maioria.
Porém, já não é a primeira vez que, especialmente nestes últimos, julgo poder intuir, por detrás das linhas escritas, o estilo ou as referência de alguém que conheço, com ou sem pseudónimo. Esse cruzamento a decifrar a charada, mas cabe-nos respeitá-la e não revelar a "chave".
Vem isto a propósito de mais um simpático comentário suscitado por este post (e aproveito para agradecer aqui todos os restantes), onde a densidade cumulativa de alguns nomes de lugares me faz suspeitar fortemente que conheço o nome do autor.
Nesse texto, é-me feito um teste: se acaso conheço o restaurante "Vallécula". Esta questão pode ser complexa para quantos não palmilham Portugal de lés-a-lés. Porém, para quem gosta de comer bem, mesmo que para tal tenha de percorrer algumas centenas de quilómetros, como é o meu caso, fácil é dizer que essa excelente casa se situa em Valhelhas, perto de Belmonte, dirigida pela mão segura de Luis Castro e de sua mulher. Casa pequena, com quintal ao lado de onde saem alguns dos produtos que acompanham as vitualhas e onde cacarejam galinhas que irão "ao castigo", no "Vallécula" comi pela primeira vez uma pasta de gão de bico, seguido do lombo nas ervas e das excelentes papas de carôlo, com um Dão de primeira. E já por lá voltei, em outras "visitas de estudo".
O simpático anónimo oferecia-me, se eu acertasse, um almoço. Ora bem, aqui me tem: como nos duelos, marque o terreiro e as armas. E não precisamos de padrinhos.
Para terminar - e quanto à referência escrita - agradeço-lhe que não brinque "com os pobres". Alinhar uma letras não é escrever, caro amigo. É apenas descrever, que é o que faço por aqui. Se o divertir, vá-me lendo. E corrigindo o meu português, porque já vi que é exímio nessa difícil arte da vírgula, onde tenho quase tantas dúvidas como as que alimento quanto à posição em que ficará o meu Sporting no fim do campeonato. Sporting que, a seu lado, vi ganhar 7-1 ao seu Benfica. Lembra-se?
Quem não quer perder estas oportunidades de leitura excelente que não se ausente do blogue... Ah! Como esta “carta a um amigo” é uma carta universal... que poderíamos, com as devidas referencias, enviar a tanta gente! Diria mesmo a todos quantos exercem responsabilidades, grandes ou pequenas.
Senhor Embaixador,
Este que sou um "manga de alpaca" reformado, vou-me maravilhando com os seus excelentes textos.
Que carta maravilhosa a um amigo!
Vou imprimi-la e lê-la melhor!
Nem tudo na vida é sorte para nós...
E eu tive a infelicidade, depois de servir seis embaixadores, de não o ter como meu embaixador!
Teria aprendido muito consigo como aprendi com o Embaixador Melo Gouveia de 1982 a 1988.
Seu admirador
José Martins
Li, com profunda admiração, a carta a um amigo. De um Amigo que raros têm o privilégio de ter e de merecer. Nela deixou espelhada a sua qualidade humana, o rigor, um apurado sentido das realidades, uma desassombrada honestidade intelectual. Tivera a Pátria, como seus representantes no Mundo, um punhado de Seixas da Costa e outra seria a imagem e, sobretudo, a eficácia da intervenção portuguesa das Américas às Àsias.
Se bem me lembro… (como dizia o Nemésio), ficámos lado a lado na bancada central do velho Estádio de Alvalade nesse dia fatídico em que o meu clube foi humilhado pelos tais 7-1. A partir desse dia, comecei a defender a tese de que a memória se fez para esquecer… mas lá veio agora recordar-me algo que tinha arrumado no fundo do baú. Lembro-lhe agora que, passados anos, fomos ao mesmo estádio e que o sr. Embaixador, com alguns comparsas sportinguistas (estávamos num sector de sócios leoninos, na dita bancada nova), em voz audível pelos circunstantes, começou a dizer que estava por ali um lampião, o que levou a que alguns me fulminassem com o olhar. Aperceberam-se depois que se tratava de uma brincadeira de um alguém que me tinha levado para a cova do leão e até me tinha oferecido o bilhete, desejando provavelmente que voltasse a repetir-se o tal número sete. Mas espero que, no próximo embate, nós possamos servir a vingança não fria, mas gelada.
Já não me bastava ter perdido a aposta no Vallécula e levei com este piropo! Lá estaremos. Já agora aproveito para, numa próxima vinda a Lisboa, o convidar a ir à Catedral da Luz, onde temos dois lugares à nossa espera. Tal como subiremos, quando formos a Valhelhas, à Pousada de Belmonte para, de lá, vermos o belíssimo vale do Zêzere (Cova da Beira), a Serra da Estrela, o recinto da Senhora da Saúde, onde eu adorava jogar à bola, e o caminho que, diariamente, fizesse chuva ou sol, eu tinha de calcorrear para ir à escola, para fazer a 4.ª classe.
Já que andamos pela Serra, aproveito para informar que a Câmara da Covilhã publicou um belíssimo álbum sobre a Covilhã e a Serra, com um texto do M.S.R. (aquele jovem da Boidobra/Covilhã que, nos nossos tempos de Granfina, frequentava a Faculdade de Direito, mas sobretudo o Nova Iorque, a Alga e afins pela madrugada, a quem, entre nós, chamávamos o Manel Três T…., porque ganhara, aos dezoito anos, o prémio da Inova com um livro chamado “Os Três Seios de Novélia”. Depois foi para França, onde pairou muitos anos. Para um viajante inveterado como o sr. Embaixador é, acrescento que o álbum tem fotos lindíssimas do Homem Cardoso, design de um amigo comum e também a mão deste que não se assina.
E talvez um dia revisitemos Colombes e uma Maison da Cidade Universitária, aí tão perto, porque pequenas e rocambolescas histórias foram vividas em Paris, nos idos de 60/70, por alguém que nunca, nesse tempo, pensou vir a ser aí embaixador.
Caro Anónimo, sou de facto um manancial de lembranças - sorte minha e dos meus, que delas já se serviram...
Tenho ambos os livros que refere. Peixoto porque, nos mais novos, faz a indispensável diferença e o Mário porque cresci e me fiz com muitos dos seus textos.
Caro blogger, todos esses locais que referiu, desde o VáVá ao Monte Branco passando pelos restantes, preencheram longas noites da minha vida à volta duma bica, porque a mais não chegavam as "lecas".
Devo isso e muito mais ao pai dos meus filhos que, para além deles, me deixou uma vida recheada de proveitosos ensinamentos.
Sim, tal como os anónimos avulsos, também penso que deverias escrever. E, se e quando o fizeres, terás em mim um crítico tão rigoroso quanto amigo...
Excelente!
Textos brilhantes, autênticos.
Assim se comunica, com diplomacia, amizade, e bom "etat d'esprit".
Que todos se sintam cumprimentados.
Carlos Falcão
P.S.: Mais um texto a inserir na compilação das crónicas a publicar pelo Embaixador FSC !...
Caro Anónimo
Errata. Onde escrevi Mário é, evidentemente, Maria. A pressa e o Alzheimer dão destes resultados. Honra seja feita, também, ao Mário Dionísio que igualmente a mereceria. Mas não neste contexto.
Só um pormenor, não foi Sérgio Godinho que disse "este é o primeiro dia do resto da tua vida" - esse é, infelizmente, um erro muito comum em Portugal - quem o disse em primeiríssima mão foi Arnaldo Antunes, dos (brasileiros) Mutantes, para Rita Lee cantar no seu primeiro álbum, precisamente intitulado "Hoje É O Primeiro Dia Do Resto Da Sua Vida" (1972).
A cantiga de Sérgio Godinho é de 1978.
O seu a seu dono!
LPA
Senhor Embaixador,
Como exercício de prosa gostei do seu texto. Agora, se o Senhor é realmente amigo do Dr. Pedro Lourtie deveria felicitar em público e aconselhar em privado.
Maria Teresa Relva
Cara Maria Teresa
Não entendi assim, como assim não entendeu o destinatário da carta. Porquê este hábito português de viver sempre atrás das esquinas?
Cordialmente
Caron LPA: tal como Sérgio Godinho não foi quem disse "hoje é o primeiro dia do resto da tua vida", também tenho ideia (mas posso estar equivocado na data) que, em finais de 1972, comprei em Nova Iorque um poster com esse lema. Estarei certo ou não? Provavelmente nunca conseguirei confirmar isto...
Viva! Agradeço poder lêr tão bons conselhos. Parecem quase universais, não se esgotando apenas num cargo ou profissão.
Sr. Embaixador não sei quanto tempo terá esta sua carta ao seu amigo, contudo, hoje, dia 23 de Março de 2011, a missiva está mais que actual. Quanto à carta não há dúvida que é uma Obra, quando ao destinatário, não poderia ser melhor e justamente dirigida este "SENHOR" com H.
Nota: Fazem falta muitos mais desta "fornada"
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