domingo, fevereiro 03, 2013

António Pinto Rodrigues

- Mas não te parece arriscado? E se o livro não se vende bem?

- Não se vende?! Tu estás é doido! Temos é que começar a pensar nas novas edições! Isto vai ser um êxito estrondoso!

A conversa era entre mim e o António Pinto Rodrigues, nesse "Verão quente" de 1975. Dizia respeito à ideia de fazermos uma "edição de autor" do livro "O Caso República", em lugar de aceitar uma proposta de uma editora, que só nos dava 10% do preço de capa. O António, o Toni, que era um intravável otimista, achava que o "êxito" era garantido e que, sendo nós responsáveis pela edição, meteríamos ao bolso uma "boa maquia".

(Para registo, diga-se que a edição foi um completo fracasso, como já aqui contei. A distribuição feita pelo Lopes do Souto foi desastrosa e o livro vendeu-se mal, "ajudado" por um tempo em que já havia um cansaço desse género de obras. Andámos muitos meses a pagar e a "reformar" letras. Tempos mais tarde, ainda tentámos fazer um outro livro, sobre a Assembleia constituinte, mas, felizmente, o realismo conteve-nos.) 

Conheci o Toni nos corredores do ISCSPU, no final dos anos 60. À época, via-o ligado a colegas pouco sensíveis às inquietações político-associativas que então me mobilizavam. A nossa relação era, assim, algo distante e até áspera. Voltamos a ver-nos no serviço militar, já em 1974, quando eu coordenava a especialidade de "Ação psicológica" e ele era um indisciplinado instruendo. Aproximámo-nos por esse tempo. A seu convite, passei a colaborar, fazendo locução para filmes, para a "Cinegra", uma empresa de cinema onde ele trabalhava. Foi por essa altura que lançámos "O Caso República". Essa aventura pelo cinema acabou entretanto, eu entrei para o MNE e o Toni foi parar a S. Tomé, como professor-cooperante. Um dia de 1976, os cooperantes entraram em greve e o MNE mandou-me a S. Tomé resolver o problema. O líder dos grevistas e meu interlocutor era... o Toni!  Ele gostou de S. Tomé e deixou por lá uma Antologia de Poesia Infantil de que guardo um exemplar dedicado.

Em S. Tomé, o Toni conheceu a suave Dee, uma americana que aí trabalhava para o PNUD. Desse encontro nasceu, já em Lisboa, a Marla, de que sou padrinho de registo (tivémos de "olear" o oficial do cartório para aceitar o pouco comum nome). Por esse tempo, o Toni trabalhava na "Liber", na área editorial. Um dia, decidiu fazer concurso para a UNIDO, a agência das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial. Nela chegaria a lugares cimeiros, tendo sido, historicamente, um dos portugueses que ocupou cargos mais destacados em organizações internacionais. Viena passou então a ser a sua cidade, numa existência com visitas regulares a Sande, perto de Lamego, onde a sua mãe, a encantadora dona Irene, se mantinha como um dos grandes amores da sua vida. Por Viena nos encontrámos muito, nos dois anos em que por aí vivi.

Até essa altura, tinhamo-nos cruzado pelo mundo, com alguma regularidade. Uma noite, em Londres, juntei-o num jantar com o Rui Santos, um outro grande amigo já desaparecido. Foi um desastre! Ambos eram pessoas afirmativas, confrontacionais, "pegaram-se" numa interminável discussão e a noite estragou-se. É que o Toni é de ideias fortes, "definitivas" e raramente tem dúvidas. Muitas discussões tivemos nós, principalmente quando eu andava pelo governo! Mas sempre como grandes amigos.

Dos EUA, onde agora reside, chegaram hoje notícias preocupantes sobre a saúde do António, que nos deixam muito tristes. Deixo-lhe aqui um fraternal abraço, extensivo à Dee, à Marla e ao Manel. E também ao Rodrigo. Com votos de que todos possam manter a imensa coragem que a extraordinária lição de vida do António sempre lhes ensinou.      

8 comentários:

patricio branco disse...

gostei...

Anónimo disse...

Aquele desperdicio da edição sobre o caso da Republica ficou deveras "atravessado". Mas há muito livro bom que se vende muito mal e muito livro mau que se vende muito bem. Às vezes, como dizia o nosso José Mário Branco, tudo dépende da raiva ou da alegria...
José Barros

Helena Oneto disse...

Je suis désolée pour votre ami. J'espère qu'il se rétablisse très vite.
Bien à vous, cher Ambassadeur.

Anónimo disse...

Muito obrigado pelas simpáticas palavras.
Rodrigo Rodrigues

Isabel Seixas disse...

Também acho no mínimo reconfortantes e quase sempre terapêuticas, as manifestações de afeto, dos amigos, nestas situações.

Anónimo disse...

Agora, a curiosidade fará com que tenha de encontrar esse livro. Pelos vistos fui dos poucos que o compraram e não me apercebi que o senhor Embaixador era um dos autores, mas a minha biblioteca aguarda a reforma do dono dos livros e está saudavelmente desarrumada, com a maioria dos livros ao alto, em duas filas e muitos atravessados...
Bem haja por essa obra.

Anónimo disse...

Nem mesmo de propósito... existe também agora em 2012 um caso, não de um Jornal República(que conheci) mas infelizment de um país, Portugal, cuja 3ºRepública é um "decalque" da primeira Republica.

Talvez com a continuação das birrinhas dos garotinhos e finórios da "Arena Publica" não sei se haverá pachorra para uma 4º República,com outra "Arena", correndo com estes garotos e finórios, mais os tiranossavrvs rex que "lhes dão gás" na sombra.

Penso que o caminho para este Portugal é ser governado directamente pela UE.

RAEI-PT - Região Administrativa Europeia Intervencionada-Portugal.

Suspendia-se assim o circo, os palhaços,os camarins à vista,os animais e seus estábulos, os vendedores de bilhetes, as caravanas,as lonas,etc, etc..

Podia ser que os portugeses ficassem pelo menos livres de ver/ouvir palhaços ao vivo e e3m imagens imagens directas dos camarins e "on stage" em directo!

Alexandre

costa.marioa@gmail.com disse...

Estava longe de imaginar que um dos autores do livro, que comprei recentemente num alfarrabista em Lisboa, era Francisco Seixas da Costa, que conheci na embaixada de Portugal em Paris...

Apenas a curiosidade me fez procurar, na internet, o que seria aquele "S" entre o "Francisco" e o "Costa", tal como o "P", entre "António" e "Rodrigues", nome dos autores que aparece apenas na última página do livro e que não lhes mereceu honras de capa que, ao invés, destaca António José de Almeida (fundador do República), Raul Rego (seu diretor) e Álvaro Belo Marques (diretor interino).

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