domingo, maio 13, 2018

Israel




Israel, para além de ter ganho ontem o festival da Eurovisão, está em infeliz evidência pela “luz verde” que claramente recebeu dos Estados Unidos para atuar como força “subcontratada” na guerra da Síria.

Porque, por estes tempos, Israel faz 70 anos - uma bela idade! -, decidi republicar aqui algo que escrevi há quatro anos, no saudoso “Diário Económico”.

Na altura em que publiquei este texto, a então embaixadora de Israel, pessoa que conhecia de outros postos onde ambos tínhamos trabalhado, ficou profundamente desagradada com o artigo e disse-mo de forma enfática. Relendo-o, não encontro razões para retirar uma linha ao que então escrevi - e até poderia acrescentar algo mais.

Aqui fica:

Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi. 

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU (já agora, sem oposição dos EUA) aprovou, muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?”

Ó vizinho!


Nos idos dos anos 70, representei a Caixa Geral de Depósitos num torneio corporativo (isso mesmo!) de futebol de salão (o nome de futsal é muito mais recente). 

Ainda guardo uma fotografia da nossa equipa desses tempos. Eu era guarda-redes. Tratava-se de uma posição na qual - do andebol, no liceu e no CDUP, no futebol de salão, no ISCSPU e na CGD - eu me "especializara" e em que tinha veleidades de ter algum jeito. Hoje, reconheço ter sido sempre um praticante apenas sofrível, em ambas as modalidades.

De um desses jogos noturnos, defendendo as cores da Caixa em futebol de salão, guardei um episódio divertido. 

A certo passo, num pavilhão cujas bancadas estavam quase desertas, "dei um frango" monumental. Por detrás da baliza que eu defendia, estava sentado, sozinho, um miúdo com uns onze ou doze anos, provavelmente ali do bairro próximo. Mal a bola se afastou para o "centro do terreno" e eu fiquei isolado e algo humilhado com a minha "nabice", ouvi-o chamar-me, muito à moda lisboeta: "Ó vizinho! Vizinho!!!". De início, não dei atenção. Mas ele insistiu: "Ó vizinho!". Acabei por olhar, de soslaio. E lá o ouvi, com um sorriso trocista, lançar-me uma onomatopeia crítica, muito galinácia: "Piu!..."

Ó vizinha!

Scarlett Johansson terá comprado casa em Lisboa. Isto começa verdadeiramente a compor-se!

Só não encontro explicação para o atraso de Marion Cotillard. Com tantas casas à venda aqui na vizinhança...

Alternativa

O CDS afirmou que está preparado para ser “alternativa”. Só não ficou claro em que praça...

Parabéns, RTP !


A RTP deu ontem - ao mundo e aos seus concorrentes internos - uma lição de profissionalismo e de qualidade. O espetáculo produzido no MEO Arena, retransmitido para todo o mundo com uma visibilidade inédita em termos de audiências, onde passaram imagens de promoção subliminar do nosso país com que nenhuma campanha poderia alguma vez rivalizar, foi um excelente exercício de verdadeiro serviço público.

Porque tive o ensejo de acompanhar de perto, como membro do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, o esforço e a dedicação que este trabalho implicou, deixo uma nota muito sincera de imenso apreço pelo empenhamento de todos os profissionais da empresa envolvidos nesta verdadeira mas muito bem sucedida aventura.

sábado, maio 12, 2018

Uma potência vocal?


Ângela Merkel reagiu ao descaso de Donald Trump, face à posição dos seus mais relevantes parceiros europeus no caso do acordo nuclear com o Irão, com a afirmação ousada de que a Europa já não pode contar com os EUA para a sua segurança e para fazer face aos seus desafios geopolíticos mais prementes. 

Ao reagir assim, Merkel lançou uma forte dúvida sobre o próprio futuro da NATO, nos equilíbrios que conhecemos nessa organização, não obstante Berlim dar sinais de estar disposta a respeitar o respetivo “burden sharing” orçamental. Pergunto-me, contudo, se a “nova Europa” a leste de Berlim partilhará desta visão da chanceler alemã, face aos temores que a sua fronteira oriental lhe suscita.

Desta postura afirmativa alemã pareceria decorrer, com naturalidade, o imperativo de um reforço do “pilar europeu”, nestes tempos complexos em que, às provocações de Trump se somam os riscos disruptores do Brexit e o braseiro do Médio Oriente parece reacender-se.

Porém, chamada à realidade por Emmanuel Macron, que desenhou em Aachen (que também já foi Aix-la-Chapelle) o básico para a formatação de uma Europa capaz de reforçar a sua autonomia, Merkel caiu na tentação ofensiva de lembrar ao chefe de Estado francês a escassa idade que ele tinha quando a Guerra Fria acabou.

Angela Merkel, que entrou num mandato que parece prenunciar o início do seu declínio político, revela que a Alemanha está ainda na fase de maturação para poder ser uma potência responsável pela liderança da União Europeia. Em política internacional, as grandes “tiradas” sem consequências práticas disfarçam, as mais das vezes, uma impotência ou a falta de vontade para assumir responsabilidades.

Lady gaga


Passei lá a pé, esta manhã. No Jardim de S. Lázaro, no Porto, junto à biblioteca. E, de repente, lembrei-me! Foi ali, exatamente ali, naquele passeio, como diria, enfaticamente, Hermano Saraiva, para os lugares da sua história com letra pequena.

Deve ter sido em 1967. À época, andava pelo Porto, a fingir que estudava. Numa matinée de sábado, no Cinema Trindade, vi-a. Era lindíssima, uns olhos verdes como nunca mais encontrei, cabelo loiro a cair pelos ombros. No resto, muito bem “desenhada”. Ao lado, um pai de farto bigode, pelo porte e peito saído era talvez militar, olhar perscrutante, mirando em redor. E uma mãe, de quem me não ficou réstea de nota na memória. Eu e ela (a filha, não a mãe, claro) trocámos um olhar breve, com aquele segundo a mais, no intervalo da fita. Pareceu-me que sorriu, mas pode ter sido só “wishful thinking” (na altura, eu ainda não conhecia essa expressão da perceção ao sabor do desejo). À saída, tentei segui-los, mas perdi-os ali pela Picaria.

Passaram meses. Num outro sábado, na Praça, no Imperial, lá estava ela com o duo paternal à ilharga, numa mesa logo à entrada, logo depois de se passar sob a águia. Belíssima, tal como antes. Nos notáveis vitrais do fundo da sala, o casal em tête-à-tête que por lá está era já eu e ela. Dessa vez, tenho a certeza de que me sorriu um pouco mais, embora ao de leve (mas já passou tanto tempo, que nem sei bem...). 

As tardes de sábado, naquele café, eram sempre de enchente (hoje é um McDonald’s...). Bem tentei arranjar uma mesa que me permitisse “to catch the eye” da jovem, para marcar terreno. Mas não consegui. 

Entretanto, chegaram dois comparsas com quem eu tinha marcado encontro por ali, para irmos já não sei onde, compromisso que não podia desconvocar. 

Minutos depois, casal e filha levantaram-se e saíram. Pedi um minuto aos meus estupefactos camaradas e fui atrás do trio. Atravessaram a Praça e, em frente à Sá Reis, apanharam o 6 para Monte dos Burgos. Ela não me viu e, por instantes, fiquei especado no passeio. 

“Fui” pela linha do elétrico. Viveria lá pelo Rosário, onde ele passava a toda a hora e eu passava a pé todos os dias? Ou pela igreja de Cedofeita, já perto do Diu, no cruzamento com a Boavista, onde eu perdia as tardes à conversa? Ela tinha aí uns 16 ou 17 anos. Andaria no Carolina? Às tantas, morava jácna Ramada Alta, onde eu tinha uma tia. Ou em Oliveira Monteiro, onde eu recebia a minha mesada. Ou então lá para a Prelada, onde, quando abonado, eu ia a umas festas noturnas inconfessáveis? Ou seria no fim da linha, já na Circunvalação? Não saberia. Desolado, regressei ao Imperial.

Um dia, ia por S. Lázaro, num autocarro, precisamente com um desses amigos, a quem eu tinha entretanto contado a história do meu romance virtual com aquela ilusiva pequena, quando a vi, sozinha, a caminhar pelo passeio. Estudaria no Esperança? Dei um salto (lembras-te, Albano?), pedi ao motorista para parar fora da paragem (uma emergência é uma emergência, caramba!) e fui ter com ela. Não faço ideia se me reconheceu dos olhares passados, mas lá corar corou, quando lhe falei. Manteve-se de cabeça baixa, sorridente mas silenciosa, até aos Poveiros, enquanto eu tentava sacar-lhe conversa. De repente, reagiu. Embora sem grande convicção, disse-me que o pai não gostava que falasse com estranhos. 

Mas nem imaginam como me disse isso! Com uma voz aflautada, a gaguejar imenso. Era gaga! Mas gaga a sério! Da-da-que-que-las que lhe não lhe sai uma palavra direita. E, além disso, tinha um tom de voz impossível, agudo, bem desagradável. Pela Passos Manuel abaixo, eu já não sabia o que havia de fazer. Ela continuava a ser muito bonita, embora então, confesso, já um pouco menos. Aí pelo Coliseu, começava claramente a dar-me uma “abébia”, deixando claro que as coisas iriam no sentido que eu quisesse. Mas, meu deus!, aquela maneira de falar, estragava tudo! 

Já não sei como saí de cena! Sei que não fui cruel, que fui correto e que inventei qualquer coisa para zarpar sem chocar aquela beleza soluçante, cujo nome, que então me disse, já esqueci há muito. Confesso que este episódio me ficou para sempre, como um imenso “balde de água fria”. Contá-lo, nos dias que correm, é talvez politicamente incorreto, mas a realidade é o que foi. 

Um dia, bastante tempo mais tarde, relatei a história num grupo, no Porto. Uma amiga disse-me: “Bonita, olhos verdes, voz aflautada e imensamente gaga? Conheço-a! Sei quem é!” A conversa com a minha amiga também já teve lugar há muito, mas como ela passa muitas vezes por esta página, pergunto-lhe agora: lembras-te da história, Milú?

sexta-feira, maio 11, 2018

Santarém, 20 horas


Eram quatro da tarde desta sexta-feira. Tínhamos acabado uma reunião de trabalho, no Porto. Um dos meus colegas, sorridente, lançou-me: “Então?! Sentiu-se atingido pelo que o Marcelo disse?”. O que é que “o Marcelo” disse? Eu estava “a leste”! E deram-me então conta do essencial das palavras do presidente, em que mencionara a nossa diplomacia em termos que justificadamente não agradaram à “casa”. Palavras que eu desconhecia, em absoluto. Tal como, naturalmente, não sabia que a nossa associação sindical tinha já reagido ao que o chefe de Estado tinha afirmado. 

Percebi então por que razão tinha no telemóvel algumas chamadas telefónicas, não atendidas, de dois jornalistas, a quem não tinha respondido, porque o meu dia de ontem foi “impossível” - entre quatro horas de aulas, escrita de dois artigos hoje publicados, uma viagem de algumas horas e outras coisas. E, no dia de hoje, com duas reuniões, não tinha ainda lido jornais portugueses (e nada vinha no FT nem no “The Economist”, que me acompanharam ao almoço solitário na “invicta”, em que ainda tive tempo para escrevinhar uma historieta de outros tempos que logo publicarei).

Que se pode dizer sobre aquilo que o presidente disse? Pouco, para sermos generosos. Creio ser óbvio que o que o presidente quis dizer é que há figuras públicas conjunturais que, pelo seu excecional impacto no mercado das imagens, levam, por vezes, o nome de Portugal mais longe do que os mecanismos oficiais e tradicionais de representação. Só que as palavras que usou não foram as melhores, “to say the least”. Toda a gente tem direito a um momento infeliz, pelo que não devemos privar o presidente da República dessa nossa “bula” de desculpabilização. Fez muito bem a Associação Sindical em reagir, nos termos elegantes, mas firmes, em que o fez. Dignificou-se e mostrou que está atenta e atuante. Parabéns! 

Quem me conhece sabe que passei a vida profissional, às vezes numa incómoda solidão, a reagir aos ataques feitos à nossa diplomacia - em artigos, comentários na imprensa ou nas redes sociais, intervenções públicas. Sem falsa modéstia, não conheço ninguém que, nas últimas décadas, tenha dado sistematicamente a cara por esta questão da forma como eu o tenho feito. 

Da última vez que “fui a jogo”, não há muitas semanas, recebi vários apoios à determinação com que denunciei mais um ataque, soez e mentiroso, contra os diplomatas portugueses. Acho que não estarei a fazer uma inconfidência grave se revelar que um desses “abraços” escritos, felicitando-me pelo modo como tinha ido a terreiro defender a dignidade da carreira diplomática, que ele era dos primeiro a prezar e muito estimar, tinha uma assinatura: Marcelo Rebelo de Sousa. Porque sei que o fez com uma sinceridade que corresponde ao que intimamente sempre pensou, acho que este assunto deve agora ser encerrado, com honra para todos.

Por onde anda a Europa?


 

Há dias, durante a 3ª Conferência de Lisboa, George Friedman traçou um retrato pouco lisonjeiro da Europa dos nossos dias. 

Naquele jeito simplificador, às vezes cruel, que os americanos têm para olhar a realidade, Friedman fez notar que o grande período de desenvolvimento e bem-estar europeus acabou por ter lugar num continente que, na era contemporânea recente, nunca controlou o seu destino. 

Com efeito, palco principal da Guerra Fria, a Europa viveu tutelada por uma União Soviética que impunha a sua ordem ao centro e leste do continente e, a ocidente, pelos Estados Unidos, que garantiam a sua segurança, face à ameaça totalitária. O Reino Unido era o seu parceiro preferencial, os arroubos soberanistas da França eram pouco mais do que isso, a Alemanha tinha um muro a dividi-la e a limitá-la. A América era o principal poder europeu.

Entretanto, a URSS perdeu a Guerra Fria, implodiu e partiu-se em 15 países, parte dos quais passaram a hostilizar a Rússia, sua principal herdeira. Com a unificação, a Alemanha tornou-se mais assertiva e menos refém dos seus fantasmas e, com a França e outros Estados “like-minded”, criou o sonho de dar vida política, sólida e integrada, à pujança económica que o projeto integrador lhe tinha criado. 

Friedman é de opinião de que o aprofundamento (aumento do corpo de políticas) e o alargamento da União Europeia, em lugar de a reforçarem, suscitou receios e tropismos nacionalistas que, nos dias de hoje, impedem o pleno sucesso do projeto e estão na origem das dificuldades que ele atravessa. Para o académico americano, ao crescer, a Europa enfraqueceu-se, perdendo em identidade.

Será assim? Com realismo, acho que Friedman não tem completa razão: as notícias sobre a morte da Europa unida parecem prematuras. A União, com todas as suas fragilidades, ainda é um espaço institucional com peso, nomeadamente nas dimensões económicas à escala global, muito embora, no plano de influência política nos grandes cenários estratégicos, apenas vá merecendo o Óscar para o melhor ator secundário.

É um facto, não passível de contestação, que a diversidade induzida na União Europeia, pelo cruzamento de culturas distintas, que configuram vontades diferentes e por vezes até conflituantes, é um fator de bloqueio à plena expressão operativa do um poder político à altura do peso económico dos seus componentes e à sua capacidade de ação conjugada – nomeadamente nos grandes dossiês comerciais, ambientais e em matéria de desenvolvimento.

A muitos custará admitir isto, mas a visibilidade europeia é sempre tanto maior quanto melhor conseguir trabalhar com o seu mais velho amigo político, ao lado de quem esteve em dois conflitos mundiais. E quando os Estados Unidos, cuja auto-determinação estratégica é feita com a liberdade que só as grandes potências têm, não vêm razões para “dar confiança” ao lado de cá do Atlântico, a Europa entra numa orfandade para a qual não consegue descobrir um lenitivo eficaz.

Trump é talvez um tempo extremo nesta deriva, mas, com alguma memória, valerá a pena lembrarmo-nos de que Obama não privilegiou a Europa e terminou o seu mandato cada vez mais voltado para a Ásia. 

Verdade seja que não há muito que a Europa possa fazer neste domínio, senão tentar tornar-se relevante para Washington. Mas isso acarreta sempre o risco de seguidismo e de diluição de uma estratégia própria consequente.

A França e o Reino Unido, ao acompanharem os EUA nas simbólicas flagelações na Síria, não representaram a União Europeia, tanto mais que Londres dela está de saída. Ambos os países representaram-se apenas a si próprios e à sua vontade de reafirmar a responsabilidade estratégica que compete a aliados e membros Conselho de Segurança da ONU.

Londres e Paris, desta vez com Bruxelas à mistura, viriam aliás a aprender, dias depois, o que realmente valem (ou não) para Washington, ao serem postos perante o facto consumado do afastamento americano do acordo nuclear sobre o Irão, em que União Europeia tanto se empenhou.

Deixemo-nos de ilusões: para aquilo que os EUA de hoje definem como seu interesse prioritário, a União Europeia é praticamente irrelevante. E isso enfraquece fortemente a Europa.

“Lisboa, Tejo e tudo”


Lembrei-me do nome de uma velha revista do Parque Mayer ao passar, ao final tarde de ontem, na Ribeira da Naus, com um sol deslumbrante e uma multidão descontraída de turistas de todo o tipo. A sensação de uma cidade de bem-estar, com segurança e acolhimento simpático, é algo que, como português, só me conforta.

Na passada semana, organizámos na Gulbenkian uma conferência de dois dias, sobre temáticas internacionais. Poucos acreditarão se disser que trouxemos - da China e dos EUA, da Índia, da Rússia e de vários outros países europeus – convidados muito qualificados, que se voluntariaram para se deslocar até nós, imagine-se!, sem a menor retribuição. O nosso evento era atrativo, mas Portugal e Lisboa são muito mais.

Às vezes, numa snobeira muito portuguesa, ouço pessoas a reagir contra a “invasão” de estrangeiros. E vejo confundir a presença de turistas com o surto de aquisição imobiliária que, em Lisboa, está visivelmente a descaraterizar alguns bairros antigos. Estamos, contudo, a falar de coisas muito diferentes, embora ambas concorrentes para aquilo que, por décadas, foi um. objeto central da nossa atividade de promoção externa: captar turismo e atrair investimento. 

Não podemos ter “sol na eira e chuva no nabal”. 

É claro que os preços andam mais altos nos restaurantes, que não se encontra um lugar sentado num elétrico, que não pode passar pela cabeça de nenhum indígena lembrar-se de ir visitar a Torre de Belém ou comer um pastel na casa deles ali perto. Porém, se queremos que o país, como um todo, beneficie do impacto dos visitantes sobre as contas do Estado, com rendimentos que abatem o défice e facilitam o exercício das políticas públicas, não podemos incorrer no erro de diabolizar a onda que inunda as nossas cidades – e Lisboa, onde vivo, é apenas um exemplo forte, como o será igualmente o Porto. O turismo poderá ser pontualmente incómodo, alguns “sofrê-lo-ão” mais do que outros, mas é, em termos globais, uma benesse que nos caiu em sorte. Sabe-se lá por quanto tempo.

Os impactos sobre o mercado imobiliário terão, com certeza, de ser melhor medidos, controlados, mas nunca desestimulados. O surto de renovação de edifícios que este influxo de capital externo provoca é algo que, a prazo, beneficiará profundamente a vida das cidades. Os estrangeiros que compram apartamentos não “levam consigo” as casas. Elas “ficam” por cá e, renovadas, são ativos imobiliários para o nosso país do futuro.

Nestes dias de Eurovisão, em que a RTP, com imenso profissionalismo, leva o melhor de Portugal pelo mundo, acho quase uma obrigação “patriótica” deixar de lado o catastrofismo cético e ficar orgulhoso pelo país aberto e acolhedor que por aí anda.

quinta-feira, maio 10, 2018

Jornalismo saloio

Quem por aí começou a dizer (porque ninguém disse isso, por décadas) “o Chipre” também diz “a Malta”? 

quarta-feira, maio 09, 2018

Género

Fez muito bem o presidente da República ao vetar a lei da mudança de género aos 16 anos. Sei que vários amigos vão dizer que sou um reacionário ao exprimir esta opinião, mas esse é o lado para onde eu durmo melhor.

Uma oportunidade perdida


A fotografia de cima é do histórico dia de 2015 em que, depois de longos meses de negociação, foi possível garantir um acordo nuclear com o Irão. À direita dessa imagem, junto de John Kerry, está o principal negociador americano, o então responsável pela Energia no governo Obama, Ernest Moniz. 

Por coincidência, Ernest Moniz encerra hoje, em Lisboa, a conferência “Sharing the future”, em que ontem tive o gosto de fazer a alocução inaugural.

Ontem, poucos minutos depois de Trump rejeitar aquilo que a América tinha assinado, deu-se a coincidência de ter jantado ao lado de Ernest Moniz.

A certo passo da nossa conversa, perguntei-lhe quem teria sido responsável por ”convencer Trump” a rasgar o compromisso. A resposta de Moniz foi imediata: ”A responsabilidade é de Obama”. Perante a minha estupefação, esclareceu: “Trump só tem uma agenda: fazer tudo exatamente ao contrário daquilo que Obama fez. Por isso, não precisou de ser convencido por mais ninguém...”


terça-feira, maio 08, 2018

De caleche ao barbeiro



O “Leão” era na Praça, o que, em Viana do Castelo, apenas significa a Praça da República. Era um barbeiro que ficava ao lado da Farmácia Nelsina, do velho Café Américo e da antiga Casa Aires, em frente ao Café Bar, perto do chafariz (nas casas à direita da imagem). Nos dias de hoje, já não existe no local.

Nesse tempo dos anos 60, os veículos acediam a todo o espaço da praça. Até as caleches, com que os fidalgos da Ribeira Lima, ou quem se lhes queria assemelhar, se passeavam, impantes, nas vésperas das Festas (nome por ali da romaria da Senhora da Agonia) ou nos verões de vilegiatura.

José Gonçalo Correia de Oliveira, ministro do salazarismo - aliás, dos melhores e mais competentes que a ditadura teve - chegou um dia à porta do “Leão”. Vinha da sua casa de férias, em Belinho, perto de Viana, e, com a coreografia equestre a ajudar, pensou dar a honra ao principal barbeiro da cidade de lhe cortar a ministerial cabeleira, naquele estilo puxado para trás, “brillcreamado”, muito Estado Novo. 

A sala do “Leão” estava cheia. Nas cadeiras, junto à parede, aguardavam vez vários clientes. Correia de Oliveira tinha pressa e disse-o ao dono da barbearia. Este, subindo a voz para ser escutado, explicou, com delicadeza, que havia uma ordem de prioridade de atendimento que era obrigado a respeitar, a menos que todos os clientes à espera concordassem em deixar passar o “senhor doutor” à frente. 

Pela sala, ouviu-se então um eloquente e esmagador silêncio. Correia de Oliveira, nesse tempo de prestígio em que a sua reputação não tinha sido ainda atingida pelo escândalo dos “ballet rose”, percebeu, fez meia volta e bateu em retirada, com aquela cara de mocho ainda mais fechada do que habitualmente já era a sua. E lá foi sentar-se na esplanada do Café Bar, com o seu ar inchado, botas de cano alto, que o Manel, pressuroso, correu a engraxar-lhe. E a caleche ficou à espera.

Nos dias seguintes, a história correu a cidade, entre risos e comentários jocosos. E ficou nos anais vianenses. 

Diz-se que, pouco tempo mais tarde, terá havido um “remake”, mas só parcial. Esbaforido, entrou no “Leão” um jovem vianense, expondo a sua pressa em ser atendido. Explicou que vinha de uma “direta”, da sua despedida de solteiro. Casava-se dali a horas e perguntava se podia ser servido com prioridade. A sala estava tão cheia como na data da infortunada entrada do ministro salazarista da caleche. A interrogação, em voz alta, do dono da barbearia foi a mesma. A resposta, porém, foi a oposta: todos os clientes, com simpatia, se mostraram abertos a prescindir da sua vez.

Ir de caleche ao barbeiro começava a não dar prioridade...

segunda-feira, maio 07, 2018

Jornalismo ou claque?

Ontem, no “Diário de Notícias”, iniciei a leitura de um texto de “opinião” de Paulo Baldaia, um jornalista que frequentemente aprecio, numa espécie de suplemento que o jornal trazia sobre a (muito justa) vitória do Futebol Clube do Porto no campeonato. 

À medida que lia o artigo, dei-me conta que estava a ser vítima de um equívoco (uso um eufemismo piedoso). Quem o escrevia não era o jornalista Paulo Baldaia, mas o adepto portista Paulo Baldaia. O comentário não tinha o equilíbrio mínimo que é exigido a um jornalista; era um artigo de claque, digno de uma qualquer “Gazeta das Antas”. Nessa altura, interrompi a leitura e notei que, na qualificação de autor do texto estava: “Jornalista e adepto do Porto”. 

Era falso: Paulo Baldaia, nos seus comentários enviezados de elegia gongórica ao seu clube, não estava a ser o bom jornalista que é, estava a ser apenas adepto do Porto. Ora eu não dou dinheiro por um jornal para ler comentários de fanáticos de emblemas, alegando, não sei bem a que propósito, a sua qualidade de jornalistas. Do Porto, do Benfica, do (meu) Sporting ou do Cascalheira, sem qualquer menosprezo para este último.

Deixo assim aqui este meu protesto ao “Diário de Notícias”, com cordial extensão ao Paulo Baldaia, anterior diretor do jornal, e ao José Ferreira Fernandes, seu atual diretor e, por acaso, adepto da agremiação que, este fim de semana, empatou com o clube do embaixador e adepto do Sporting que subscreve este texto - escrito não num jornal, mas neste seu blogue, que é de leitura gratuita.

domingo, maio 06, 2018

Bola (2)

Visto o jogo (em diferido). O Benfica foi uma equipa mais articulada e mais perigosa. Só que o (meu) Sporting tem um magnifico guarda-redes! Em puro jogo jogado, o Benfica merecia a vitória. Curiosamente, houve dois penaltis indiscutíveis perdoados ao Benfica. No segundo, o árbitro não tem a menor desculpa: estava mesmo sobre o lance. E foi perdoado um imenso vermelho direto a Bruno Fernandes. Árbitro medíocre e medroso. Por este e por outros é que não há nenhum árbitro português no Mundial.

sábado, maio 05, 2018

Bola

Excecionalmente, hoje tinha decidido ver o Sporting-Benfica na televisão. Desisti, ao final de algum tempo. Dei uns berros, insultei um adepto do Benfica vestido de árbitro por ter poupado um indiscutível amarelo a um tipo qualquer de vermelho e, logo de seguida, ter roubado ao Sporting um penálti mais do que flagrante. Para não me aborrecer mais, fui ler um livro. Acabei-o agora. São 23.30. Soube que empatámos a zero com os de Carnide, mas não sei se o resultado foi justo ou não. Logo verei. Vou agora, com toda a calma e sem hipótese de taquicardias, ver o jogo em diferido. Desde há uns tempos, só consigo ver assim os jogos do (meu) Sporting. Boa noite.

Lisboa, avenida Marx



Marx nasceu há 200 anos, num 5 de maio. Era um femeeiro, o que, estou seguro, muitos dos meus amigos não considerarão um defeito por aí além. Sobre isso, não digo o que penso. Françoise Giroud, na biografia que fez da sua mulher, a esse propósito, cobriu-o de notas de muito mau comportamento. 

Tinha um grande e rico amigo que lhe financiava muitos gastos (onde é que eu já ouvi isto?), mas chegou a passar dias de fome, dificuldades familiares imensas. Às vezes, na vida, terá sido incoerente com coisas que defendia, como acontece aos melhores. E ele estava, sem a menor sombra de dúvida, entre os melhores dos melhores: era uma inteligência brilhante, um economista e um filósofo que tratava a História por tu. 

Fui seu seguidor. Para utilizar uma expressão que Sophia de Mello Breyner dizia a propósito de um certo crítico literário, na minha juventude eu sabia mais Marx do que aquilo que compreendia... Nos tempos de universidade, para muitos de nós, ser "marxista" estava quase no inevitável "air du temps", qualquer que fosse a tendência que se escolhesse - e elas eram imensas, no menu ideológico disponível. O marxismo, mais ou menos "mecanicista" (que estiver interessado pode aprofundar o conceito), fez parte da escola “primária” de pensamento de muita gente da minha geração. Não deixa, por isso, de ser patético observar o modo como alguns se empenham, nos dias de hoje, em tentar  fazer esquecer esse que foi também o seu tempo. Por mim, não caio nessa, era só o que faltava!

Na minha primeira ida a Londres, no final dos anos 60, entrei por um buraco da cerca do cemitério de Highgate, na altura muito ao abandono, para visitar o seu belo túmulo. Fui a Trier, hoje na Alemanha, à casa onde nasceu, peregrinei por todos (mesmo todos) os lugares onde viveu, bebi à sua memória uma "half pint" no Jack Straw's Castle, o seu pub preferido, em Hampstead. Li-o com avidez, enquanto me achei soldado indispensável na tarefa cívica de mudar o mundo, quer esse mundo estivesse para aí voltado ou não. Tive metros de estante com obras suas, dos seus seguidores, dos seus intérpretes, dos seus múltiplos detratores. Todas jazem hoje na biblioteca onde repousam os livros sobre tudo aquilo em que um dia acreditei. É que isso faz parte de uma herança de ideias que, nem por tê-las abandonado, alguma vez ousarei renegar. Continuo a manter - e digo-o alto, para que não restem dúvidas - um imenso respeito por essa personalidade fascinante que marcou o pensamento político-económico do século XIX, que esteve sempre presente na vida mundial durante todo o século XX - muitas vezes associado a opções políticas sinistras, outras vezes por muito boas razões, mas nunca ausente. Agora, no século XXI, revisitá-lo parece voltar a estar na moda, mas eu, que já dei para esse peditório, que já não faz parte das minhas prioridades de leitura e estudo, não vou por aí. 

Não obstante, quando cruzo a avenida da Liberdade, pela rua Alexandre Herculano, e olho a estátua de António Feliciano de Castilho, lembro-me muitas vezes da frase do meu saudoso professor de Economia Política, Ramos Pereira, que estava longe de ser marxista mas sempre ironizava: "não sei como é que o Salazar deixou erguer em Lisboa uma estátua a Karl Marx"... 

Nada emoldura mais uma pessoa na História do que dela poder dizer-se que o mundo, se acaso ela não tivesse existido, teria sido muito diferente. É o caso de Karl Marx.

sexta-feira, maio 04, 2018

Dhlakama


Morreu Afonso Dhlakama, líder da Renamo. Nunca consegui ter uma opinião definitiva sobre se o essencial das suas reivindicações políticas face ao governo da Frelimo tinha alguma real legitimidade ou se apenas decorria de uma atitude de não aceitação do resultado do escrutínio democrático e do desejo de ver consagrada, “de facto”, uma espécie de balcanização de Moçambique.

Dhlakama parecia ser uma figura humana curiosa, a acreditar em vários testemunhos. Jaime Nogueira Pinto, no seu livro “Jogos Africanos”, dedica-lhe alguns comentários interessantes, que ajudam a definir a sua personalidade e até a sua “aprendizagem” ao mundo político, tutelada por amigos e parceiros (alguns bem estranhos) estrangeiros. Mas, ao escrever o que então escreveu (livro que recordo bem, porque vim propositadamente de Brasília a Lisboa para o apresentar), Nogueira Pinto não pôde deixar de ter em atenção de Dhlakama estava ainda no “ativo”, pelo que não deixou por escrito alguns outros pormenores interessantes sobre aquela figura, que agora pode vir a ser tentado a revelar. Ou talvez não, porque a morte “santifica” os amigos.

Dhlakama foi, durante muito tempo, uma personalidade quase mítica, sobre a qual pouco se sabia. Um dia de 1992 ou 1993, o nosso embaixador em Nairobi, Paulo Barbosa, foi autorizado a ter um encontro com Dhlakama. O diplomata mandou depois, por DHL, através de Londres, um “apontamento de conversa” em que estabelecia um interessante perfil do lider rebelde. Recebi esse texto em Londres, onde estava nessa altura, e reencaminhei-o para Lisboa. Ainda me lembro bem da leitura que o meu colega (que infelizmente já morreu há alguns anos) fazia dos traços de personalidade do político (aparentemente “naïf) que titulava a guerrilha contra a Frelimo. 

Tudo se tornará mais calmo em Moçambique após a morte de Dhlakama? Não sei. Em Angola, a morte de Jonas Savimbi abriu caminho à pacificação do país, mas cada caso é um caso.

A batalha do cheque


Uma noite primaveril de 1996, sentado numa esplanada de Roma com um colega que, tal como eu, era responsável pelos Assuntos Europeus no seu governo, depois de um jantar de trabalho, falei da questão do poder entre os países da União Europeia. Disse da dificuldade que Portugal por vezes sentia para conseguir defender os seus interesses, situados que estávamos num patamar diferente daquele que prevalecia no processo decisório em Bruxelas. E acrescentei que essa marginalização podia, a prazo, vir a reduzir a legitimidade das instituições comunitárias aos olhos dos cidadãos do meu país.

O meu colega sorriu e disse-me: “Na Europa, meu caro, o poder é importante, não por si, mas apenas porque significa dinheiro! Sem dinheiro, pode haver belos discursos, mas ninguém acredita na Europa. As “trente glorieuses” (os trinta anos de desenvolvimento e bem-estar que marcaram o início das Comunidades) só foram “gloriosas” por isso: mudanças na paisagem, dinheiro nos bolsos e, claro, uma sensação de real bem-estar. Por isso, a luta permanente é pela riqueza, pelo cheque nacional, a cada sete anos, quando chega o momento de divisão do orçamento comunitário. Sem isso, os povos não aderem à Europa”.

Ontem, ao ouvir notícias sobre a proposta modesta do novo orçamento plurianual da União Europeia, lembrei-me do comentário daquele meu colega. E voltei ao dia em que, um ano mais tarde, tinha recebido um documento idêntico, para as finanças europeias entre 2000 e 2006. Recordei o nosso desapontamento face ao que foi apresentado pela Comissão, não obstante o imenso trabalho que tínhamos feito a montante da divulgação do projeto. Guardo a imagem de uma reunião muito preocupada em S. Bento, com António Guterres e Jaime Gama, onde se estabeleceu a estratégia a seguir. Depois, foram centenas de horas de reuniões, durante dois anos, por várias capitais europeias, até àquela noite final de março de 1999, em Berlim, em que, lá pelas seis da manhã, fechámos as negociações. Com êxito, diga-se.

Este quadro financeiro europeu vai ser o mais difícil de todos, pelo que não invejo a tarefa do governo de António Costa. Com a saída do Reino Unido, importante contribuinte para o orçamento, e a pressão para o reforço de novas políticas, em especial ligadas à segurança e ação externa, com a palavra solidariedade em baixa de popularidade nos corredores de Bruxelas, esperam-se dias muito difíceis para Portugal nesta nova “batalha do cheque”. 

A Europa não é só o dinheiro, ao contrário do que dizia o meu amigo calvinista. Mas, sem ele, não há Europa.

quinta-feira, maio 03, 2018

3ª Conferência de Lisboa


Tive hoje muito gosto, como presidente das Conferências de Lisboa, de acolher o presidente da República na abertura dos trabalhos que se prolongam até ao final da tarde de amanhã, na Fundação Calouste Gulbenkian. 

As Conferências de Lisboa têm lugar cada dois anos, sob a chancela do Clube de Lisboa, cujo site pode ser consultado aqui.

A Conferência deste ano tem como título “Desenvolvimento em tempos de incerteza” e conta com a participação de especialistas estrangeiros nas várias temáticas abordadas nos seis painéis - Poder, Segurança, Globalização, Planeta, População e Europa

A intervenção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode ser vista aqui e as palavras com que abri os trabalhos aqui.

2 de maio de 1972


Onde diabo é que eu estaria no dia 2 de maio de 1972? Andava há muito cá por Lisboa, trabalhava na Caixa Geral de Depósitos, no Calhariz. Provavelmente, ao final da tarde, teria passado pelo bar que havia no topo da livraria Opinião, na rua da Trindade, para uma "cuba libre". Ou teria tido a uma aula de um curso de Semiologia, dado pelo Eduardo Prado Coelho, no Centro Nacional de Cultura, nas traseiras da Moraes. Depois, apanhado que fosse o 21, no Rossio, tinha ido jantar a casa, aos Olivais. Ou talvez não: talvez tivesse ficado pela zona do Monte Carlo, jantando no Toni dos Bifes, indo depois para a conversa no grupo do café, a comentar a confusão que, na véspera, tinha testemunhado no 1º de maio, no Rossio.

De uma coisa tenho a certeza: não estive nessa noite na inauguração do Bar Procópio, da minha amiga Alice Pinto Coelho. E ninguém (ou melhor, ela fê-lo, mas apenas hoje) me avisou a tempo para eu ir lá comemorar. Com todas estas desconsiderações, qualquer dia, levo a mal, desço as escadas e passo-me para a Tasca do Papagaio. É o mais certo!

terça-feira, maio 01, 2018

Israel e o Irão

Percebo que o programa nuclear iraniano crie sérias preocupações. Por essa razão, deve ser preservado, a todo o custo, o laborioso acordo negociado entre Teerão e a comunidade internacional, que prevê mecanismos de controlo sobre a atividade iraniana nesse domínio. Só irresponsáveis podem defender que mais países possam ter acesso a meios nucleares para fins potencialmente bélicos. 

Acho, contudo, de uma desfaçatez sem limites que Israel surja a mostrar indignação sobre o assunto, sem que o mundo solte uma gargalhada. É um segredo de Polichinelo que Israel mantém um programa análogo e tudo indica que possui já a arma nuclear. Talvez não seja por acaso que Israel se recusa assinar o Tratado de Não Proliferação e que, desde sempre, rejeitou quaisquer inspeções da Agência Internacional de Energia Atómica. As quais, note-se, o Irão tem vindo a aceitar, nos termos em que se comprometeu.

segunda-feira, abril 30, 2018

Rugby



Não sei nada de rugby, mas andei anos convencido de que, por detrás daquela confusão em campo, havia um desporto de “senhores”, onde prevalecia o “fair play”. Agora, leio que o campeonato nacional da modalidade foi interrompido por violência. Já não percebo nada! 

Sarney



José Sarney tem 88 anos, mas tem a política no corpo. 

Chegado à presidência brasileira pelo mais famoso golpe constitucional da história do seu país - ascendeu ao lugar por decisão dos militares, como vice de um presidente eleito mas que não tinha chegado a tomar posse -, viria a ser ele a inaugurar a era democrática, depois da sinistra ditadura dos generais. 

Antes, Sarney tinha chegado a presidente da Arena, o “partido” mais próximo dos militares, que contrastava com o mais democrático MDB. Curiosamente, Sarney virá a consagrar-se, depois da saída do Alvorada, como um dos principais caciques do PMDB, que sucederia ao MDB. É nessa qualidade que irá surgir como um dos mais seguros apoios de Lula, durante os seus dois mandatos, conseguindo sempre uma quota significativa de ministros e cargos públicos para os seus protegidos, ao longo de todo esse período.

Suscito isto hoje aqui porque acabo de ler na imprensa brasileira que Sarney mudou a sua inscrição eleitoral para o Maranhão. Este é o Estado que a família Sarney dominou por décadas, por familiares ou protegidos, mas cujo governo perdeu nas últimas eleições. O próprio Sarney, contudo, tinha-se entretanto “transferido” politicamente para o Amapá (um Estado resultante de uma partilha do Pará), por onde é há muito senador e onde estendeu a sua influência. Agora, parece querer regressar ao seu feudo tradicional, onde um dia mandou construir um museu-mausoleu cuja saga faz parte do anedotário do Brasil.

José Sarney não se afasta muito da generalidade dos políticos brasileiros, que sempre assentam o seu poder em Brasília na expressão política que retiram do seu Estado de origem. No seu caso, porém, há uma diferença que o não favorece, face a alguns outros desses caciques. É que, sob o seu reinado, o Maranhão estiolou economicamente, progrediu muito pouco na área social, manteve-se numa grande pobreza e tem sido regular pasto de corrupção - a qual, diga-se em abono da verdade, não abrange apenas o partido e a gente de Sarney.

O visível descaso de Sarney pelo Estado ao qual agora, pelos vistos, pretende regressar contrasta, por exemplo, com o desenvolvimento que foi induzido ao Estado da Bahía pelo também “coronel” (designação tradicional brasileira para os antigos caciques locais) António Carlos Magalhães, o famoso ACM, ou “Toninho Malvadeza”, para os seus detratores. Mesmo os críticos de ACM são forçados a reconhecer ter ele sido responsável por um notável surto de desenvolvimento em Salvador e em outras áreas do seu Estado. Aliás, ainda hoje ali mantém, depois da sua morte, uma alargada veneração pública, que, em parte, justifica que o seu neto (e homónimo) seja hoje prefeito de Salvador, num Estado onde o PT consegue ainda manter o lugar de governador. Nenhum reconhecimento similar marca a imagem de Sarney no Maranhão.

Uma nota final, agora luso-portuguesa: quer José Sarney quer António Carlos de Magalhães sempre foram bons amigos de Portugal, com claras expressões disso dadas em diversas ocasiões. O que só prova uma tese que há muito alimento: no Brasil, é quase sempre na direita que é possível encontrar os melhores amigos do nosso país. A exceção, relevante, foi Lula da Silva.

Pinho

O PS perdeu uma grande oportunidade: ter tido dele a decisão de chamar Manuel Pinho ao parlamento. Um lugar de onde ele saiu um dia, recordemo-nos, por uma indecente e má figura. Fez bem o PSD em propor a convocatória do antigo ministro (estranho mesmo é que não tenham sido o PCP ou o Bloco a fazê-lo). Se Pinho recusar ou atrasar a convocatória, então só há uma solução: a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, perante a qual não poderá recusar-se a comparecer.

“Delito de Opinião”


O “Delito de Opinião” é um excelente blogue coletivo, com uma existência de quase uma década.

Para uma antologia de textos que decidiu agora publicar, o “Delito” convidou dois prefaciadores - Ferreira Fernandes e eu próprio - e um pósfaciador, João Taborda da Gama.

Eis aqui o meu texto, a que chamei “Palavras liminares

Daqui a uns anos, quando o mundo digital vier a fazer a sua arqueologia, estou certo de que dedicará um capítulo generoso ao tempo dos blogues. Neles distinguirá aqueles que, com genuinidade, os utilizaram para o debate de ideias, às vezes integrado na luta política conjuntural, de quantos, de forma mais ou menos ostensiva, os colocaram ao serviço da promoção de negócios. Mas até o sucesso destes últimos é, em si mesmo, revelador da eficácia deste modelo de plataforma. Mesmo a montante desse inventário crítico, não hesito em constatar que a blogosfera representou - no Portugal do início do século XXI - um valioso espaço alternativo para confronto de perspetivas, um inesperado e criativo complemento da comunicação social tradicional. E não deixa de ser interessante notar que muitos cultores do jornalismo encontraram nos blogues um espaço para exercitar uma outra linguagem e muitos “bloguistas” iniciaram por aqui um caminho que os viroa a conduzir à expressão na comunicação social.

O “Delito de Opinião” surgiu semanas antes da primeira publicação que fiz no blogue diário que eu próprio alimento desde 2009, inaugurado no dia em que assumi o cargo de embaixador em Paris (embora tivesse já outras experiências no “ramo”). Aliás, o “Delito” foi dos primeiros blogues a acolher e referenciar o meu “Dois ou Três Coisas”, o que desde logo achei muito simpático, tanto mais que os seus autores, na sua ampla diversidade, eram e viriam a confirmar situarem-se em escolas de pensamento, e particularmente de atitude política, um tanto distantes da minha - e isto é um eufemismo.

Com algumas exceções, verifico que o “Delito” é escrito por gente de uma geração bem diferente da minha, creio que, na maioria, já oriundos de experiências anteriores na blogosfera. Para quem, como eu, tinha voltado a viver fora de Portugal, neste caso há mais de uma década, o “Delito”, até pelo seu saudável hábito de citar e fazer links para outros blogues, sempre funcionou como uma janela sobre um país digital que me era alheio. E como tenho o “vício” de dar prioridade na leitura àqueles com quem sei que não vou concordar, eu recolhia, e ainda recolho, no “Delito” o alimento para essa minha faceta masoquista.

Ao longo deste tempo que (caramba!) caminha para uma década, fui “zurzido” por mais de uma vez em posts e comentários no “Delito”, o que é da lei da vida. O Acordo Ortográfico foi um tema recorrente nesses embates, mas outras contradições continuam a emergir, permanecendo em autores do blogue alguns sobrolhos carregados (“to say the least”) quanto à minha pessoa. Isto só torna mais nobre o gesto de me terem convidado para escrever este breve prefácio.

Os blogues coletivos com sucesso têm, em geral, uma “alma” motora por detrás, um “teimoso” que não deixa que a máquina esmoreça. No que me é dado ver, no “Delito”, o Pedro Correia encarna essa figura, ele próprio um criativo que inaugura e alimenta linhas sequenciais de posts (músicas, palavras detestadas, etc.) que exigem pesquisa, constância e uma pertinaz vontade para prosseguir. Por ser escriba de um blogue individual, com publicação insistentemente diária, sei por experiência própria a dificuldade inerente a este tipo de trabalho. E daí a grande admiração que o “Delito” me merece.

Fiquei muito honrado com este convite do “Delito de Opinião” a alguém que vem de “outra freguesia”, para deixar umas palavras na abertura desta sua antologia. (Não sei mesmo se não vou aproveitar a ideia...). Ao blogue e aos seus autores só posso desejar determinação para prosseguir, no fundo, o mesmo que (até ver!) imponho a mim mesmo.

ps - em homenagem ao “Delito”, decidi, por uma vez, evitar contradições ortográficas...

Convido-os a visitar o “Delito de Opinião”, clicando aqui.

domingo, abril 29, 2018

Nuno


Há precisamente um ano, desapareceu o Nuno Brederode Santos. 

Fareed Zakaria


Desde há dois anos que, no outono, me tenho cruzado com Fareed Zakaria, jornalista que apresenta semanalmente o excelente GPS – Global Public Square, na CNN. É em Kiev, na Ucrânia, num congresso internacional em que ambos participamos, com ele como um dos moderadores de interessantes debates. 

“Cruzado” é uma maneira de dizer: nunca tinha falado com ele, no meio daquelas centenas de participantes, entre figuras políticas, que vão de Tony Blair a Strauss-Kahn, de John Bolton a Paul Krugman ou a David Cameron, passando por jornalistas que cobrem o Leste europeu, para além de gente ligada às relações internacionais.

A conferência tem lugar num antigo arsenal militar, a uns quilómetros do hotel onde fico hospedado, com um transporte vai-e-vem sempre disponível, através de pequenos autocarros. Num final de tarde, vi-me sozinho, numa dessas vans, com Zakaria. Meti conversa.

Veio à baila um painel dessa tarde e, ao falar-se da Europa, vi que ficou interessado em algo que eu disse sobre Angela Merkel e a Comissão Europeia. “Podemos falar um pouco, no hotel?”, sugeriu. Estávamos ambos hospedados no “Premier Palace”, com muitos outros participantes do congresso. Sentámo-nos no bar. 

Zakaria era é uma figura pequena, quase frágil, com um olhar vivo e muito atento. Com uma cordialidade profissional, olhava o interlocutor de frente, o que é sinal de segurança. Não tocou numa gota de álcool, não me acompanhando numa excelente cerveja ucraniana que lhe ofereci.

Pela nossa conversa, que durou bem mais de meia hora, passou, curiosamente, uma assimetria de interesses, em matéria de informação. 

Ele queria falar da Europa, do modo como andavam os equilíbrios entre Macron e Merkel, das hipóteses de evolução institucional, das consequências do Brexit, do futuro político da Itália, do sentimento diferenciado no continente face à Rússia. Portugal não lhe interessava minimamente, mas a Catalunha sim.

O meu objetivo era ter dele uma leitura crítica dos tempos turbulentos da administração Trump, das mudanças na Casa Branca, com análise prospetiva de algumas dinâmicas, fosse no Congresso, fosse na atitude americana nos grandes dossiês internacionais, em especial no tocante à China e Rússia. 

Lá lhe fui dizendo o que pensava, em temas em que tinha uma opinião, mas nos quais eu era seguramente muito menos informado do que ele seria sobre aquilo que verdadeiramente me interessava. Não sei se o que disse lhe serviu de muito, ou talvez o possa ter ajudado a precisar alguns pontos específicos. No que me adiantou, confesso, não houve nenhuma surpresa – ou talvez seja o facto de regularmente o ouvir na CNN que me tenha dado a ideia de que conhecia o que ele pensava.

No final, trocámos os cartões da praxe, como acontece nestas ocasiões, sem que isso sirva depois para nada. Às vezes, os encontros são quase desencontros, por mais simpáticos que sejam, como foi o caso.

Os leitores de títulos



Estejam bem atentos! De madrugada, as televisões apresentam as capas dos jornais do dia seguinte. De manhã, preguiçosas, fazem os seus alinhamentos noticiosos pirateando grande parte desses temas, enchendo-os depois de “chouriços” de video de arquivos, repescando peças antigas, chamando uns políticos para comentar aquilo que nem sequer investigaram, ao menos para saberem se era verdade ou não o que os jornais traziam em título (há mesmo um jornal que só existe pelos seus títulos). Às vezes, até parece ser interessante que o título seja falso, para alimentar a polémica, desresponsabilizando-se naturalmente o canal pelo estardalhaço que entretanto fez, à pala dessa falsidade. Se, nesse dia, houver “bola” ou entretanto estourar um outro “escândalo”, esses assuntos acabam por esvair-se. Se não, vão sobrevivendo pela tarde, pelos canais noticiosos, repetidos à exaustão. Se, mesmo assim, ao fim dessas horas, o tema ainda ”estiver a dar”, vai acabar por engrossar os telejornais das oito, a vala comum da tríade “futebol, politiqueirice & o que está a correr mal”, que por cá se tem como sinónimo de jornalismo. Depois, chegam a noite e as novas primeiras páginas. E tudo se repete.

Indicações

“Luanda não vai indicar já o novo embaixador em Lisboa”, diz o “Expresso”. Não vai “indicar”? Foi este governo angolano que solicitou “agrément” para o nome de um novo embaixador, que já foi concedido. Luanda pode atrasar a vinda do embaixador, mas é um facto que já o “indicou”.

Tempo

No ano passado, tivemos meses seguidos sem chover, dias contínuos de sol até dizer basta! Este ano, a chuva regressou, por dias que pareceram intermináveis para alguns, intermeada por jornadas de calor intenso, quase estranho. De súbito, tudo mudou. Agora, como ontem e hoje, há vários climas num só dia, da chuva-de-molha-tolos a “boas abertas” (por que será que esta deliciosa expressão desapareceu do léxico climático?), de bons ventos a um fresco quase fora de época. Grande natureza! Ela é que “a leva direita”, faz o que quer e sobra-lhe... o tempo!

sábado, abril 28, 2018

”Fair play” solar


O “Sol” replica hoje à minha resposta a uma sua anterior nota. Tudo isto começou porque eu havia chamado “clandestino” ao semanário, por não conhecer a sua tiragem. Aqui entre nós, a nota do jornal tem uma precisão mais do que discutível, porque, em matéria de números concretos, ficamos na mesma. E, se falássemos de sobras, então as coisas fiavam mais fino. Mas anoto, com gosto, o “fair play” solar.

Mal fica

Eu nem sequer ouso perguntar a alguns amigos benfiquistas, que coincide serem pessoas de bem, como se sentem ao verem o seu clube - o tal que se queixa de ver o seu “bom nome” posto em causa por aí - ser representado por quem foi na Assembleia da Liga.

Franco Charais


Numa livraria, encontrei ontem, a preço reduzido, um livro de memórias do general Franco Charais - ”O Acaso e a História, Vivências de um Militar”. Foi publicado pela Âncora Editora, em 2002. Li-o em algumas horas.

Para as novas gerações, o nome dirá pouco. Franco Charais foi um oficial de Artilharia que esteve envolvido no 25 de abril. Integrou o Conselho de Estado, fez parte do Conselho da Revolução, foi comandante da Região Militar Centro e foi um dos subscritores do chamado “documento dos nove” - um manifesto de nove figuras moderadas do MFA, publicado no auge do “Verão quente” de 1975, de “resistência” ao “gonçalvismo”. Foi uma figura de grande equilíbrio no período revolucionário, com um perfil sóbrio de militar e genericamente apreciado pela sua seriedade.

Cruzei-me com Franco Charais no palácio da Cova da Moura, em maio de 1974. Ele era tenente-coronel e trabalhava com o general Costa Gomes. Eu era então aspirante a oficial miliciano e adjunto da Junta de Salvação Nacional, ligado às questões da extinção da PIDE/DGS, no gabinete do general Galvão de Melo. Recordo-me que Charais ocupava por ali um belo gabinete com azulejos. O mesmo que, precisamente duas décadas depois, em 1994, eu viria a ocupar, por uns meses, como subdiretor-geral dos Assuntos Europeus.

Ainda em 1974, já a Junta tinha sido dissolvida na sequência do 28 de setembro, vim a estar presente (acompanhando o então major Costa Neves, ainda hoje estou para saber a que título, mas esses tempos eram mesmo assim!) numa reunião chefiada por Franco Charais, no edifício que é hoje o Instituto de Defesa Nacional, e que surge descrita no livro, na qual o CDS, em face das dificuldades sentidas para a sua implantação em liberdade, informou a “comissão coordenadora” do MFA de que estava a encarar a possibilidade de se extinguir. O que, claro, não veio a suceder. A certo passo da conversa, Charais disse: “Os senhores não são os únicos a queixarem-se. Outro partido de direita, o PPD tem os mesmos problemas”. A reação do CDS foi a esperada: “Nós somos um partido de centro!”. 

O livro tem uma estrutura narrativa às vezes não muito fácil, porque feita de saltos no tempo, com peças sobre a sua vida pessoal e militar. Para além de alguns registos curiosos sobre o tempo colonial, na perspetiva de um militar no terreno, a principal curiosidade para mim foi apreciar o modo como Franco Charais interpretou o seu papel no xadrez do MFA, como viu e interveio nas relações de força e, muito em especial, como sofreu o “phasing out” do papel político dos militares. Charais chegou a general, mas o livro deixa abundante material para mostrar o revanchismo de uma hierarquia militar conservadora que entretanto ascendeu ao poder e que prejudicou fortemente a carreira de quem fez o 25 de abril (e não estamos a falar apenas de militares tidos por radicais). Tudo isso feito com a cumplicidade objetiva, e deliberada, do PS, do PSD e do CDS, convém que se diga, alto e bom som.

Charais dedica-se hoje à pintura e realiza-se por essa via. Achei interessante ler este seu livro, coincidindo com mais uma celebração do 25 de abril que também lhe devemos.

sexta-feira, abril 27, 2018

O futuro das Coreias


Só o futuro nos irá ajudar a perceber o significado real do encontro de hoje - sem dúvida, histórico - entre os presidentes das duas Coreias. (Esperemos, contudo, que o Comité Nobel de Oslo não se precipite a dar-lhes o Prémio Nobel da Paz, repetindo a patetice que fez com Obama). 

O tempo nos dirá os eventuais efeitos daqulo que hoje ocorreu para uma distensão sustentável entre os dois países. Uma coisa me parece muito clara: as hipóteses de reunificação continuam muito remotas.

Há um ponto para o qual gostaria de chamar a atenção. 

Quem conhece alguma coisa da política da Coreia do Sul sabe que os seus líderes não têm, necessariamente, uma permanente sintonia com os governos de Washington. No passado, Seul deu algumas vezes mostras de agastamento, pelo facto dos EUA abusarem da sua função de garante militar do “statu quo”, em moldes que procuravam condicionar a sua própria estratégia nacional. Ao longo destas complicadas décadas, houve vários desentendimentos entre a Coreia do Sul e os EUA sobre o modo como lidar com o volúvel vizinho do Norte. 

Quero com isto dizer que não nos deveremos surpreender se Washington vier a mostrar reticências aos termos do entendimento que hoje foi assinado. Os coreanos do Sul têm uma lógica de movimentação face ao “irmão“ do Norte que nada garante que seja totalmente subscrita pelos EUA. Sendo que da atitude destes depende muito o sucesso ou insucesso do que hoje se iniciou.

Um “player” da região tem todas as razões para estar satisfeito: a China. Pequim viu serem dados passos no sentido daquilo que é o seu óbvio interesse: uma península coreana desnuclearizada e menos tensa militarmente, sem que haja uma alteração significativa na lógica de alinhamento internacional da Coreia do Norte. Se a isto se somar algum potencial ganho económico para o regime de Piongyang (que se especula poder fazer parte de um acordo secreto complementar), que venha a atenuar a tragédia humanitária que o país vive (e que podia “sobrar” para a China, em caso de implosão política), será ouro sobre azul para Pequim.

O outro Paralelo 38




Nesta madrugada, ao ver Kim Jong Un e o seu homólogo sul-coreano cruzarem-se no Paralelo 38, que desde 1953 marca a divisão das duas Coreias, na minha memória gastronómica soou uma campaínha.

Existia, em Loulé, o restaurante Paralelo 38, uma casa simples com ótimo peixe, cujo dono, um simpático velhote (que agora me lembram que se chamava Abílio, “Abilinho”), nos anos 70, se gabava das visitas de Mário Soares e nos servia, no final, uma bela aguardente de medronho.

Varoufakis

Olhando para a comunicação social internacional, fica muito claro o que significou esta deslocação de Varoufakis a Lisboa. 

O antigo ministro grego das Finanças quis “apanhar boleia” da festa da Revolução portuguesa para lançar o seu movimento político para as eleições europeias, precisamente no país do presidente do Eurogrupo, onde se situa o essencial das políticas que combate. 

A luta de Varoufakis é hoje também contra o primeiro ministro Tsipras, como se viu em todas as entrevistas, pelo que a Avenida da Liberdade foi a “praça Sintagma” que arranjou mais à mão. 

O partido português “Livre”, que pertence ao mesmo movimento político europeu, deu um deliberado palco a Varoufakis e aproveitou para se promover.

Notou-se o silêncio embaraçado do Bloco de Esquerda, que tanto tinha endeusado Varoufakis no passado. É que, embora os bloquistas, lá no fundo, concordem em pleno com as críticas feitas por este a Centeno, estar a destacá-las neste contexto seria ajudar à propaganda rival do “Livre”.

A Avenida


No 25 de abril, estive e sempre estarei de cravo vermelho ao peito.

A data da Revolução, para a qual, há 44 anos, dei o meu ínfimo contributo pessoal, é por mim comemorada, desde então, com uma sinceridade que não tem par com outros eventos a que me associo. Vivi-a em oito países diferentes, às vezes em família, outras com amigos, algumas vezes com cerimónias de permeio.

Fui, em algumas ocasiões, sempre por dever de ofício, à cerimónia na Assembleia da República. Nesses momentos, para além da observação coletiva de quem levava ou não um cravo ao peito, assisti à cansativa sucessão de discursos políticos e partidários, que, invariável e oportunisticamente, utilizavam a comemoração para tratar da conjuntura do momento.

Aquilo que poderia ser um espaço de proclamação de elegias à liberdade conquistada naquela data acabava por se transformar numa arena de severo combate político, com as diversas leituras de "abril" a servirem de arma de arremesso, de forma quase sempre pouco subliminar.

Com sinceridade, ninguém acreditará que essa maratona declaratória contribuía, minimamente, para levar as virtualidades da Revolução às novas gerações, para nelas ajudar a construir o culto desse momento fundacional da nossa democracia. Nos últimos dois anos, parece que este vício terá sido um pouco corrigido.

Depois, há a Avenida. Do Marquês ao Rossio, um certo país político-militar faz à tarde a sua festa. De início, parecia que essa romaria laica poderia vir a ter o caráter daquilo que foi o primeiro 1° de Maio: uma festa plural, em que a bandeira comum fosse vermelha, claro, mas com o verde da nossa República.

Cedo se percebeu que não ia ser assim, que uma certa lateralização ideológica ia prevalecer. E a Avenida logo passou a uma manifestação com com bandeiras sectárias e slogans, uma espécie de comício ambulante, onde certas forças políticas, com os seus apêndices multiplicadores de imagem, ganharam um espaço claramente desproporcionado face àquilo que vontade do povo regularmente expressa nas urnas.

Comemorar o 25 de Abril, celebrar essa magnífica Revolução que, por uma vez, quase que fez o milagre impossível de unir o país, deveria passar por uma despartidarização e consubstanciar-se na organização de festas populares - com música, com juventude, com alegria. E sem discursos, sem desfiles políticos, sem slogans. Como, em França se faz com o "14 juillet". Ah! Mas sempre, claro, com muitos cravos.

É que, no 25 de abril, estive e sempre estarei de cravo vermelho ao peito.

quinta-feira, abril 26, 2018

Vermo-nos gregos

Partilhando a alegria de alguns amigos, felizes por verem Varoufakis descer ontem a Avenida da nossa Liberdade, não tenho coragem para lhes dizer que essa presença separa mais do que une. Mas tudo bem! Viva o 25 de abril.

A raiz do pensamento

Seria muito bom saber o que, no íntimo, alguns deputados sem cravo ou ausentes de S. Bento pensam, com sinceridade, sobre o 25 de abril. Mas não temos o direito de perguntar-lhes: foi também para isso, para cada um pensar o que lhe apetece, que se fez o 25 de abril.

quarta-feira, abril 25, 2018

Um bom 25 de abril, meu capitão!


Um dia, o capitão Teófilo Bento surgiu na parada com um megafone. Estávamos nos primeiros meses de 1974, na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, uma unidade que, tempos depois, iria ser uma das primeiras a “sair para a rua”, para tomar o objetivo estratégico próximo, que eram os estúdios da RTP.

Lembro-me de alguns de nós termos estranhado o inusitado uso daquele aparelho nas mãos do Bento, porque nada o justificava. Creio que a ninguém passou pela cabeça ligar o uso do aparelho à Revolução que aí vinha. Porém, esse megafone iria ser a sua imagem de marca no 25 de abril, que se aproximava.

À época, eu era, simultaneamente, bibliotecário, diretor do jornal da unidade “O Intendente”, oficial e instrutor de Ação Psicológica na EPAM. Meses antes, ao ter ficado classificado em primeiro lugar entre os nove selecionados para a tal APSIC, fora convidado para ficar na EPAM naquele cúmulo de funções, tendo como principal missão coordenar os cursos de formação dos futuros oficial daquela especialidade.

Devo dizer que nunca percebi como fui parar à APSIC. Embora sem nunca ter pertencido a nenhuma estrutura política clandestina, tinha tido uma atividade bastante visível na CDE de Vila Real, durante as eleições de 1969. Na universidade, a minha eleição para órgãos associativos fora “não homologada” duas vezes, por decisão do governo, tendo ainda sido objeto de uma suspensão por “agitação académica”, que me impedira de frequentar as aulas e só ser autorizado a fazer as ‘frequências” e os exames finais. Estava longe, contudo, de ser um ativista ou um “politicamente ativo”, na gíria da PIDE/DGS. Por isso, estranhei um pouco a minha seleção para uma especialidade militar daquela natureza. Mas esses erros não eram incomuns: meses antes, António Reis, com muito destacada ação política e que fora candidato a deputado pela CDE, também viria a integrar o curso de APSIC.

Voltemos ao capitão Teófilo Bento. Uma tarde de fevereiro de 1974, no meio da parada da unidade, Bento, com quem eu tinha uma relação simpática, mas respeitosamente distante, dirigiu-se-me:

“Ó Seixas da Costa, preciso de falar consigo!” E como se fosse a coisa mais natural do mundo, foi adiantando: “Você estaria disponível para nos ajudar numa ação militar para deitar abaixo o regime?

Caí das nuvens! Tinha algum conhecimento da agitação que atravessava os meios militares, tinha estado presente em duas reuniões clandestinas de milicianos (uma num apartamento em Campolide, outra perto do Areeiro), mas não tinha a menor ideia de que a EPAM estivesse envolvida e de que Teófilo Bento tivesse um papel nesse contexto. Reagi, por isso, com grande prudência, não fosse tratar-se de uma provocação:

“Ó meu capitão! Isso é um assunto que não pode ser tratado assim! Tenho de ter mais informações para pensar nele”.

“Muito bem. Um destes dias falamos melhor”, respondeu-me Bento.

Nessa tarde, falei com o António Reis, que politicamente “bebia do fino” e que, rindo-se da inabilidade conspirativa do Bento, me confirmou que o capitão era a figura central da EPAM para as movimentações do que estavam em preparação. E que falaria com ele sobre o “incidente”.

Depois, as coisas aceleraram. Veio o 16 de março e, pelo modo como as pessoas na unidade reagiram a esse golpe frustrado, ficou mais claro quem estava com que lado.

Na madrugada de 25 de abril, o capitão Teófilo Bento, acompanhado do alferes Geraldes e do aspirante António Reis, teriam papel destacado na sublevação da unidade e na organização da coluna que iria tomar a RTP.

Na noite desse dia, foi Teófilo Bento quem, com todos nós a seu lado, fez as “honras da casa” na RTP a Spínola e à Junta de Salvação Nacional, que dali se dirigiu ao país.

Dois dias depois, a 27 de Abril, Teófilo Bento, que interinamente passou a chefiar a RTP, coordenou, na sala da biblioteca da EPAM, um encontro com um impressionante grupo de intelectuais, num "brainstorming" em que foi acolitado por António Reis e por mim. Pela sala espalhavam-se figuras como Luís de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luis Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que cerca de duas dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística (ficarei muito grato a quem puder ajudar a completar esta lista).

Spínola tinha entretanto outras ideias para a RTP e elas não passavam pela manutenção de Teófilo Bento e dos militares da EPAM por lá, em funções que ultrapassassem a segurança das instalações. (No 25 de novembro do ano seguinte, o meu amigo Duran Clemente ainda procurou “recordar”, na RTP o papel original da EPAM).

Teófilo Bento viria a sair da EPAM. Iria mais tarde dirigir o empreendimento agrícola do Cachão, perto de Mirandela. Perdemo-nos de vista por muitos anos. Cruzámo-nos episodicamente e mantemos uma relação solidária de camaradagem, fruto desses dias únicos que vivemos em conjunto.

Um forte abraço, amigo Teófilo Bento! 

terça-feira, abril 24, 2018

Os direitos

Contrariamente ao que alguns pensam, exercer uma democracia opinativa, através da comunicação social, não é sinónimo de lançar debates questionantes sobre a legitimidade dos direitos constitucionais dos portugueses. Como se esses direitos devessem ser referendados no quotidano.‬

Geórgia à espreita, Ucrânia à espera

Ver aqui .