Alguns dirão que as diferenças entre esquerda e direita estão hoje
ultrapassadas, que essa tipificação é já sem sentido. O filósofo francês Alain
afirmava que quem dizia isso não era seguramente uma pessoa “de esquerda”. E isso
é quase sempre verdade.
Contrariamente à esquerda, que tende a afirmar-se
como tal, a direita portuguesa esconde-se geralmente por detrás de alguns “heterónimos”
- “centro-direita”, “liberal” (embora a
medo, porque "neo-liberal" surge hoje com carga muito negativa) ou, ainda,
como “conservadora”, um termo bem clássico e honroso, hoje pouco utilizado. O
mais comum, contudo, é ver a grande maioria das pessoas de direita a tentarem
escapar à classificação, afirmando "não serem de esquerda".
Porque
as sociedades democráticas só ganham em serem transparentes, faz falta ver a
direita portuguesa assumir-se abertamente como tal. Temos hoje, por exemplo, o
governo mais à direita da nossa história democrática, mas não vejo nenhum dos
seus membros assumir isso, sem sofismas - "somos de direita". Pelo
contrário, se alguém afirma isso, sente-se que ficam quase ofendidos, como se
fosse um insulto.
Alguns
dirão: “mas se nos afirmamos de direita, a esquerda atira-nos isso à cara,
chama-nos "fascistas", “reacionários”, liga-nos ao tempo da ditadura”.
Talvez
valesse a pena pensar por que é que isso acontece. Em parte, isso deve-se ao
facto de alguma direita se sentir na permanente obrigação de relativizar a
gravidade dos tempos salazomarcelistas, deixando cair, a espaços, elogios ou
desculpabilizações de parte desse passado. A direita portuguesa não soube fazer
a rutura entre um pensamento contemporâneo conservador e as brumas
sinistras da ditadura e do colonialismo. Alguma direita em Portugal não fez – e
recusa-se a fazer - o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de
abril. Quando conseguir assumir a denúncia sincera desse passado, a esquerda
mais agressiva, que se pretende “proprietária” dos valores da Revolução, deixará
de ter argumentos para a diabolização e será obrigada a defrontá-la no terreno
da luta democrática de ideias.
É
tempo da direita portuguesa, a que não tem "esqueletos no armário",
afirmar com orgulho o que é, defender as suas propostas, apresentar-se no
debate político sem disfarces. Embora, nem por um segundo, alguma direita acredite,
foi também para isso que se fez o 25 de abril.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")