Ontem, aproveitando um dia de “boas abertas”, fiz uma incursão na Outra Banda, procurando descobrir todas, repito, todas as perspetivas possíveis sobre a costa de Lisboa que, da Trafaria a Almada, se pudessem descortinar. As hipóteses, apurei, não são muitas: os acessos ao rio ou à sua visão são escassos, mas, onde isso foi possível, usufruí de panoramas soberbos, num fim de tarde deslumbrante. A luz do sol declinante conferia a tudo aquilo uma imensa beleza, ainda que distante, desde Lisboa ao início da “linha”.
Dei comigo a pensar que era precisamente essa distância a que estava da outra costa que impedia que se notassem alguns “monos” que, na realidade, existem ao longo desse panorama, desconchavos urbanísticos ou fabris que arruínam o equilíbrio global da paisagem.
Quantas vezes, por esse país fora, não deparamos com o resultado da prevalência do mau gosto, que estraga espaços interessantes, seja em zonas construídas, seja rompendo, com brutalidade, áreas naturais muito homogéneas. Como alguns amigos arquitetos me têm dito, acaba por ser quase tão caro construir coisas feias como elementos que, com algum cuidado, poderiam agredir bastante menos a paisagem. Mas pouca gente parece ligar a isto.
Perto de Deauville, no norte de França, Calouste Gulbenkian adquiriu, em 1937, um grande espaço de natureza, Les Enclos. Trata-se de uma mistura imaginativa onde foram construídos jardins, junto de prados e de bosques, um projeto que revela uma sensibilidade que talvez nos ajude a "ler" melhor a mentalidade do filantropo. Há A Fundação Gulbenkian decidiu em 1973 doar essa propriedade à municipalidade de Deauville, o que, há cerca de uma década, mereceu uma homenagem da Mairie à Fundação, ato a que assisti.
A certo ponto da muito completa visita feita ao espaço, que hoje creio ser visitável, e apontando-me um panorama soberbo que Calouste Gulbenkian criara deliberadamente, como linha de harmonia entre duas alas de verde - de imensos e diferentes verdes, que também nos ajudam a perceber melhor alguma pintura impressionista -, o delegado local do Ministério francês da Cultura explicou-me que todo aquele panorama, até ao infinito que é visível, está hoje protegido por lei, sendo insuscetível de ser objeto de qualquer construção, ou mesmo de um mero rearranjo arbóreo alternativo, sem autorização legal, sob pena de procedimento criminal. Fiquei siderado, ainda mais quando me foi explicado que há bastantes outros exemplos análogos por todo o território francês.
O que isto significa em matéria de civilização! E que “pobre” país é a França, que conserva paisagens que não podem, com facilidade legal, ser beneficiadas com a instalação de um qualquer barracão de zinco de cores berrantes ou com a graça de uma pedreira a céu aberto!