Ser padre, nos anos 60, em Vila Real, era uma condição que induzia algum prestígio e atenção social. A cidade, se bem me lembro, tinha então bastantes figuras religiosas. Porém, na hierarquia psicológica da urbe, havia padres mais reverenciados, ao lado de outros tidos como um pouco mais "ligeiros", no apreço coletivo. Aquele a que me refiro estava no meio da "tabela"...
Era um homem bem-falante, de muito boa-figura, na casa dos quarenta anos. Juntava-se, pelos finais de tarde, a alguns profissionais públicos que, saídos dos empregos, em dias de bom tempo, se passeavam, até cerca da hora de jantar, com calma e à conversa, na "golden mile" que vai da Avenida Carvalho Araújo ao chamado Cabo da Vila (leia-se "bila"), onde o percurso se invertia.
O nosso homem, sempre rigorosamente de negro e de cabeção, foi ganhando espaço num desses grupos, constituído por figuras com algum relevo local. Tinha uma voz timbrada, conversa interessante, um cabelo negro sempre bem penteado. E um olhar muito percutante. Fixava as mulheres com quem se cruzava com um esgar insinuante, obrigando algumas a baixar os olhos, talvez despertando ideias noutras.
As histórias das suas "conquistas" começaram entretanto a surgir pela cidade. De início, eram apenas inconfirmados boatos. A partir de certa altura, porém, eram já densificadas por confirmações cruzadas, em especial pela regularidade com que o seu carro era visto num lugar onde vivia uma senhora cujo marido tinha longas e convenientes ausências.
Alguns dos colegas de passeio do sacerdote começaram a sentir-se incomodados, durante esses percursos vespertinos, não tanto pelas aventuras extra-altar do homem, mas ao dar-se conta de estarem a ser comparsas dessas miradas insistentes, que tinham às vezes como alvo senhoras conhecidas. E, aos poucos, certos companheiros foram-se afastando do grupo. Outros, menos sensíveis ou desatentos, permaneciam com ele nos passeios.
A meio do clássico percurso, o sacerdote forçava, com regularidade, uma pausa. Era em frente ao Café Excelsior, precisamente na sua esquina. Verdade seja que se tratava de um lugar "estratégico". Dali se observava, em frente, toda a clássica e envidraçada Pastelaria Rosas. De um lado, estava uma "paisagem" comercial clássica, do Teixeira Pelado ao Santoalha, do Rafael ao Zeca Martins ou ao Euclides. Do outro, obtinha-se uma perspetiva soberba sobre toda a "rua central", com a belíssima "capela nova" ao fundo (que aqui fica na imagem).
Alguns dos companheiros dos passeios viriam, com o tempo, a concluir que não era necessariamente a vista da igreja da escola de Nasoni que motivava o sacerdote a suspender o "trottoir" coletivo. Era apenas o surgimento, numa varanda próxima, de uma das mais belas senhoras da cidade. À sua vista, o padre estacava sempre habilmente o grupo e passava alguns minutos a deitar olhares langorosos à dama. Esta acabava por se recolher, quando percebia estar a ser colocada sob a mirada concupiscente e pouco discreta da figura do clero.
A cena repetiu-se algumas vezes. Por debaixo da varanda, num estabelecimento comercial de que era proprietário, trabalhava o marido da senhora. Um dia, avisado pela esposa do incómodo regular que a esta era provocado, o homem saiu da loja, irrompeu pelo meio do grupo e espetou um par de valentes chapadas no padre sedutor, acompanhado de um sonoro: "Vá lá galar as beatas da sua freguesia, seu cretino!"
Os passeios entre a avenida e o "Cabo da Bila" passaram, a partir dessa tarde, a não ter assistência religiosa...
(Ao ver, há pouco, na televisão, a Volta a Portugal, o nome do camisola amarela lembrou-me esta historieta)