Faz hoje precisamente oito anos. Cheguei nessa noite a Paris, ido de Lisboa, para aquele que seria o último posto da minha carreira diplomática. A certeza da data do termo das minhas funções (à época, os diplomatas não podiam permanecer no estrangeiro depois dos 65 anos) permitia-me planear os quatro anos à minha frente com alguma calma. E, nesse dia, iniciei este blogue.
Paris havia sido uma escolha minha. Simpaticamente, tinham-me sido dadas várias outras e interessantes possibilidades em matéria de postos, mas optei pela experiência numa cidade que (pensava que) conhecia bem, com uma cultura que me era muito próxima. Paris era o sonho da minha juventude, para onde, nos anos 60, partira de Lisboa à boleia, como um muçulmano vai a Meca. A partir de então, com a periodicidade que me era possível, fui um visitante frequente da cidade. Aí viver por alguns anos não era uma hipótese que me pudesse ser indiferente. Mas, nos quatro anos que se seguiram, aprendi bem a diferença entre ser turista e residente...
Dois outros fatores me entusiasmavam. A França era um parceiro central do processo europeu e eu tinha uma especial apetência (e, vá lá, conhecimento) pela matéria, pelo que achei que tinha algumas condições para ajudar a promover os interesses portugueses, no plano europeu, junto das autoridades francesas. O segundo fator era a comunidade portuguesa, a maior no exterior. Eu vinha do Brasil, onde os portugueses residentes refletem uma realidade diferente, mas onde tinha começado a entusiasmar-me por essa fantástica aventura que era o mundo expatriado lusitano. Em ambos esses domínios iria ter excelentes experiências.
Vivi dois períodos muito diferentes, em Paris. Nos dois primeiros anos, foi tudo um pouco "business as usual". Os últimos dois anos coincidiram com os tempos da "troika", com fortíssimas restrições financeiras, com cortes drásticos nos orçamentos, salários e pessoal. Foi também um tempo de redução de estruturas consulares, de despedimento de professores que ensinavam português na comunidade.
Não foi nada fácil "representar" da mesma forma os dois tempos, tentando ser completamente leal em ambos, porque um embaixador tem de calar os estados de alma, tem como obrigação obedecer aos governos de turno, representa em última instância o Estado, de que esses governos são apenas gestores conjunturais. E é a imagem externa do Estado, isto é, do país em nome do qual atua, que importa acima de tudo preservar.
Não foi nada fácil "representar" da mesma forma os dois tempos, tentando ser completamente leal em ambos, porque um embaixador tem de calar os estados de alma, tem como obrigação obedecer aos governos de turno, representa em última instância o Estado, de que esses governos são apenas gestores conjunturais. E é a imagem externa do Estado, isto é, do país em nome do qual atua, que importa acima de tudo preservar.
Este blogue começou, assim, há precisamente oito anos, no dia 2 de fevereiro de 2009. Sem exceção, aqui deixei, pelo menos, um texto ou uma imagem todos os dias. Às vezes, mais. Lendo-o em retrospetiva, noto nele um retrato contido, nunca oficioso mas sem nunca esquecer as funções que exercia, do modo como fui lendo a realidade desses quatro anos intensos de vida. Um retrato às vezes alegre, outras vezes sofrido. Mas sempre sincero, porque aprendi que a verdade pode dizer-se de várias maneiras.
Em 2013, o blogue mudaria de estilo e de tom, a partir do momento em que a saída das funções oficiais me desobrigavam de alguma contenção, que até aí era natural. Alguns dos leitores não gostaram, outros apreciaram o que, para quem me conhecia, não era um "outing", mas apenas a vocalização mais livre das minhas ideias. E assim continuou, até hoje. E assim continuará, até que me canse definitivamente deste exercício.
Uma última nota. Saí de Paris há quatro anos, quase dia por dia. Sem a mais leve nostalgia. Quando por lá passo, e continuo a gostar muito da cidade, às vezes quase me esqueço de que vivi por ali. Pode parecer estranho, mas é pura verdade. E deixo um "segredo", que talvez ajude a explicar muita coisa: não há nada como viver em Portugal!