quinta-feira, abril 21, 2016

O novo ministro


Ontem, o novo ministro da Cultura foi entrevistado na televisão. Eu não o teria aconselhado a, tão cedo, se expor às luzes inquisitivas do jornalismo. Mas ele entendeu fazê-lo. No final (eu vi de madrugada, com calma, em repetição), cheguei à conclusão de que o país deve ter entendido que tem, perante si, alguém que traz uma rara autenticidade ao discurso governativo, que joga com as cartas sobre a mesa, que está ali, vindo por bem, com o genuíno desejo de ajudar, com equilíbrio e isenção, a essa tarefa quase impossível que é fazer a "sopa da pedra". Luís Castro Mendes sabe, desde o primeiro minuto, que, tal como João Soares, não tem um orçamento que possa estar à altura das expetativas de um mundo cultural muito "demandeur", pelo que vai ter de desiludir alguns e ser bode expiatório da frustração de outros. Mas o sentido de serviço público que revelou (e eu gostei muito que o fizesse) é a demonstração clara daquilo que dele se pode esperar. 

Com toda a franqueza, tenho esperança que o país tenha entendido bem o homem que ontem teve à sua frente. É que, quando ele falou da sua poesia, das pulsões ciclotímicas da escrita e da evolução da mesma perante o quotidiano que se transforma, Luís Castro Mendes deixou claro aquilo que, verdadeiramente, constitui a essência da Cultura e do papel desta na sociedade. Disse-o com simplicidade, sem gongorismos, numa linguagem acessível e transparente, num discurso de quem é muito culto sem necessitar de ser críptico nem hermético. Espero bem que tenha surpreendido.

Uma raínha em Vila Real


Em Vila Real, a terra onde eu nasci, havia uma sala de espetáculos que tinha por nome Teatro Circo. As novas gerações vilarrealenses não fazem a mais pequena ideia do que isso era, mas talvez possam entender um pouco essa realidade de lhes for dito que o espaço onde existia essa curiosa sala fica perto do Pioledo, numa geografia entre o Barracão e o café Brasília. Se, mesmo assim, não conseguirem lá chegar, então nada feito! De todo o modo, creio que poucos dessa geração lerão este texto.

Numa tarde de fins de 1953 ou, mais provavelmente, de inícios de 1954, andava eu pelos meus seis anos, recordo-me de mim mesmo num camarote do Teatro Circo, levado por uma tia-avó, a visionar o filme da coroação de Isabel II de Inglaterra. Nunca consegui esclarecer se o filme era um documentário, antecedendo o filme principal, ou se constituía o essencial da programação dessa tarde (só sei que era uma tarde, porque, nessa idade, eu só ia a "matinés"). A primeira hipótese, contudo, era a mais provável.

Por uma qualquer razão, esse filme permanece como um dos primeiros da minha vida de espetador cinematográfico. (Esclareço, sem falsa modéstia, que nunca fui um grande cinéfilo, como nunca fui um grande melómano, como nunca fui um grande leitor de ficção, como nunca fui um grande cultor de artes plásticas, como nunca me deu para mentir sobre as minhas "habilidades" culturais).

Isabel II de Inglaterra permaneceu sempre, para mim, nesse remoto registo cinematográfico, até que as voltas da vida me colocaram um dia, em 1990, pessoalmente perante ela, ao tempo em que era ministro-plenipotenciário em Londres.

Numa noite, no palácio de Buckingham, fui-lhe apresentado (eu e umas centenas de outros diplomatas, diga-se) e troquei com ela umas breves palavras de circunstância. Isso viria a repetir-se em anos seguintes, nas receções ou nos "garden parties", sem que o sentido dessa "conversa" (chamar-lhe "conversa" é obviamente um exagero para qualificar essas trocas de palavras) tivesse mais do que um simples sentido protocolar. Como sempre acontece com as figuras da História com que nos cruzamos, nós lembramo-nos de todos os pormenores e elas, claro!, não fazem a mais pequena ideia de quem nós somos ou lembram o que nos disseram ou de nós ouviram. É a lei destas coisas!  

Em 1993, o presidente Mário Soares fez uma visita de Estado ao Reino Unido. Coube-me a responsabilidade de coordenar a organização desse evento, pela parte portuguesa. Um dos pontos relevantes da visita era a receção à raínha na embaixada portuguesa em Londres. Por virtude da velha Aliança - hoje, talvez, a sua real virtualidade! -, a única embaixada estrangeira a que Isabel II se desloca em Londres é a missão diplomática portuguesa. 

Foi algo complexa a organização da cerimónia, mas o que nunca esquecerei foi a naturalidade formal da soberana, o seu profissionalismo simples, ao lado do seu marido, Philippe de Edimburgo, mas também dos filhos Charles, Andrew e Edward, da irmã Margareth, bem como de Diana, que - vale a pena confessar - concentrava as nossas atenções (pelo menos, as minhas). Recordo eu algo que Isabel II tenha dito? Nada! Nunca lhe ouvi dizer nada de especial, embora fale sempre, numa "langue de bois" muito competente, feita de redondas banalidades que tendemos a levar à conta de coisas "sérias", sendo que, ao tempo da última frase que nos dirige, o seu olhar já está colocado na próxima pessoa a cumprimentar, antes que possamos retorquir a algo que ela própria tenha suscitado - o que faz sempre por um gesto ritualista, sem nunca verdadeiramente ficar à espera de uma resposta. Ser rei ou raínha é muito isto!

Isabel II faz hoje 90 anos. Quem diria! Por isso, por muito que isso me "envelheça", não posso deixar de me ver ao lado da minha tia Tininha, no Teatro Circo, em Vila Real, a olhar no écran a sua cara (não excessivamente) laroca, recebendo a coroa real, em Westminster, das mãos do arcebispo de Canterbury. Parece que foi ontem! Mas, infelizmente, não foi...

De toda a forma, com a maior sinceridade republicana do mundo, os meus parabéns, Ma'am! E que conte muitos!

quarta-feira, abril 20, 2016

Condecorações

Não sou contra as condecorações. Acho perfeitamente normal que um Estado queira, através desta forma de nobilitação republicana, prestar preito público a cidadãos (espero que as cidadãs percebam que a expressão também as inclui...) que se hajam distinguido em determinadas áreas. Trata-se de um reconhecimento e de um ato de respeito.

Mas sou bastante crítico do modo como a atribuição das condecorações é atualmente feita, quanto mais não seja por ter sido já testemunha privilegiada de lóbis e de truques, normalmente por parte de agentes político-partidários, para que certas pessoas (seus amigalhaços) fossem condecoradas. Entendo que, nesta matéria, é inescapável ter de viver com alguma subjetividade e discricionaridade, mas, se houver vontade, há formas de as limitar.

Além disso, acho que a quantidade de condecorações que anualmente são entregues é excessiva. Haveria, por isso, que pôr termo alguns exageros, quer redefinindo critérios (mudando a lei, por exemplo), quer sendo parco na utilização dos graus (vejo "grã-cruzes" em peitos a quem um mero "oficialato" já seria mais do que  adequado), quer estabelecendo limites quantitativos muito estritos, a serem seguidos como regra fixa pelos Conselhos das Ordens, encarregados da gestão das propostas.

Li hoje que o presidente Rebelo de Sousa terá decidido reduzir as condecorações do Dia de Portugal. Se assim é, aplaudo.

terça-feira, abril 19, 2016

Sem culpa formada

O preconceito é uma coisa terrível e todos nós, confessemos ou não, somos um pouco ou muito preconceituosos. Não escapo à regra. Melhor (ou pior), sou muito preconceituoso.

Há um género de figuras (de figurões, já em registo de preconceito) que, de há muito, chamam a minha atenção. Olho para elas, para a sua cara, e fico com a ideia imediata de que são ou más pessoas ou óbvios "bandidos". São aquilo a quem eu chamo os que deviam de imediato "ser presos sem culpa formada". 

Numa sociedade ideal, esses meus ódios impressionistas de estimação seriam presos de imediato, depois investigavam-se com calma e, pela certa, na grande maioria dos casos, a possibilidade de se estar a cometer um erro judiciário era muito limitada. O mundo ficava muito melhor e eu ficava muito mais sossegado, o que é bem mais importante, claro.

Acontece-me muito ter esta reação perante alguns dirigentes do futebol, tal como em face de uns tipos de ar untuoso e gravata descaída que falam "da massa do vinte-vinte" em almoços de lóbi. Há dias, num jantar, fiquei ao lado de um deles. Não digo a profissão que tinha, para não prejudicar a sua inscrição da Ordem. Há minutos, sentado ao sol neste delicioso "Café Marly", nesta primavera imbatível de Paris, fazendo horas e água na boca para a sanduíche da TAP, tenho ali em frente dois espécimens desta fauna. 

(Num mundo ideal, chegaria daqui a minutos o comissário Maigret e engavetá-los-ia no 36 do Quai des Orfèvres. Mas Maigret não existe, embora continue a existir a magnífica "blanquette de veau" (provei uma deliciosa, ao almoço) que ele tanto apreciava comer na Brasserie Dauphine, restaurante que, por acaso, também não existe no tal mundo ideal em que, igualmente por não existir, estariam sempre "dentro" os bandidos de quem eu não gosto).

Mas, voltando à minha fixação, devo dizer que nunca encontrei tantas figuras do jaez que descrevi como na votação no parlamento brasileiro, há dois dias. Foi um fartote! 

Uma nota final: quem levar a sério o que aqui escrevi será "desamigado". Mas não perdoarei aos restantes, podem crer!

As verdadeiras mentiras de Ali

Não sei há quantos anos me habituei a ver surgir, nervosa e rápida, aquela figura magra, com um sorriso desdenhoso, que, aí pela uma hora da tarde, irrompe pelo perímetro do cruzamento entre o boulevard Saint Germain e a rue de Rennes, aqui em Paris. Dizem-me que anda também por outras paragens, mas nunca vi.

Quem, pela primeira vez me chamou a atenção para ele foi José Paulouro das Neves, ao tempo em que era embaixador em Paris, quando me trazia a almoçar ao Lipp. Nunca mais o perdi de vista, sempre que almoço por lá.

No braço, o Ali traz invariavelmente o "Le Monde" acabado de sair, mas igualmente, nos dias de saída, o "Le Canard Enchainé", o "Charlie Hebdo" e o "Le Parisien". Nunca o vi com o "Le Figaro", sei lá bem porquê.

Ali é paquistanês de origem. É um "ardina", como se diria na Lisboa de outros tempos. A peculiaridade que assume no modo como vende jornais - o que faz no Flore, no Lipp, no Deux Magots ou nos "nouveaux territoires" (Armani, etc) - está nas "bocas" que manda, sempre "mentiras" preparadas e ditas em alta voz, como se o jornal que vende as trouxesse. 

Ouvi-lhe imensas coisas notáveis, como "Le Pen va chanter à L'Eurovision", "Sarkozy était dans la même chambre avec Strauss-Khan" e, há meses, quando também passei por aqui, "le Pape a été arreté". Hoje, mudou de estilo, havia uma notícia pessoal: "Aidez moi! Ils ont fermé mon offshore au Panama", além de outra, como sempre, política: "Hollande est candidat. Juppé vote pour lui"...

Só para comprar o "Le Monde" ao Ali, vale a pena vir a Paris.

segunda-feira, abril 18, 2016

Uma comunidade diferente

Há dias, reproduzi por aqui um texto que publiquei na última edição do quinzenário cultural "Jornal de Letras" sobre a ação da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, neste ano de comemoração do cinquentenário da sua Delegação em Paris. Nesse texto, referi a circunstância da Gulbenkian estar a caminhar para um "encontro" com uma nova comunidade nacional fixada na capital francesa, parte dela de uma nova geração emigrada de Portugal ou oriunda já de outros países, outra parte emergente de uma segunda ou terceira geração da migração tradicional.

Esta manhã, em Paris, estive presente num encontro organizado pelo presidente da Fundação, Artur Santos Silva, durante o qual o primeiro-ministro português, António Costa, teve o ensejo de ouvir um grupo representativo dessas pessoas. No meu caso, participei na minha qualidade de presidentdo Conselho Consultivo da Fundação para a sua Delegação em Paris.

Foi muito interessante recolher testemunhos de gente que por aqui hoje está nos novos movimentos associativos, nas artes, na ciência, na academia, no mundo empresarial e outras atividades. Gostei de sentir a diversidade das suas perspetivas, os "conselhos" dados ao país a que se sentem muito ligados - muito mais do que aquilo que alguns poderiam pensar, depois de alguns anos de alheamento oficial sobre o seu futuro. Devo dizer que, em especial, me agradou ver reconhecido o trabalho desenvolvido, ao longo de vários anos, no domínio da ciência, que hoje continua a dar evidentes frutos. Imaginei ver, à volta daquela mesa, o sorriso satisfeito de José Mariano Gago.

domingo, abril 17, 2016

Um presidente de Cascais aos Urais...

O presidente Rebelo de Sousa escolheu o fundo da baía de Cascais para a sua fotografia oficial. Fez bem, fez mal? Não sei. Logo se verá.

Nasci no tempo de Carmona, passei a infância com Craveiro Lopes, tive o divertidíssimo "direito" de crescer nos idos de Tomaz. A ditadura obrigou-me a ser herdeiro desses "venerandos" chefes de Estado. Um dia, foi-me dado o ensejo histórico de contribuir para uma conjuntura que colocou em Belém essa figura de opereta que foi Spínola.

Marcelo introduz agora a novidade de um sorriso, quebrando o olhar esfíngico de Costa Gomes, o fácies graduado de Eanes, a bonomia contida de Soares, a seriedade de toga de Sampaio e o rictus indescritível de Cavaco.

Em democracia, e em matéria de presidentes, aprendi a seguir a regra de Almeirim para os melões: só depois de abertos e experimentados é que se sabe se são bons ou maus...

Brasil

O Brasil, sendo um país que nos é humanamente próximo, convoca, com alguma naturalidade, a nossa atenção. A conjuntura politíca que atravessa é muito complexa e o desfecho desta é, à hora a que escrevo, muito incerta. 

Como amigo do Brasil que me prezo de ser, só posso desejar o melhor para o seu futuro, qualquer que ele venha a ser. Mas, devo confessar, sinto-me muito perplexo com a situação que ali se vive e, agora já como observador político, fico muito surpreendido e triste com o facto de, no caso do processo de destituição da presidente, se verificar um nítido desprezo pela letra e pelo espírito da lei fundamental, em favor de uma avaliação de natureza puramente política, ainda por cima titulada por muito atores políticos cuja autoridade ética é praticamente nula.

Dilma Rousseff é uma figura política por quem não tenho a menor simpatia, que assumiu frequentes atitudes que revelaram completa fala de simpatia e até desprezo por Portugal e pelos interesses. Os brasileiros, sem a menor das dúvidas, avaliam-na hoje, maioritariamente, de uma forma muito negativa (nenhuma sondagem contraria esta perceção). Não é arriscado afirmar que uma maioria de brasileiros, neste dia, se sentiria satisfeito se ela abandonasse a presidência da República. 

No entanto, analisando com distanciamento e frieza a Constituição brasileira, bem como as razões que são invocadas para a sua possível destituição, não tenho a menor dúvida em afirmar que estamos perante uma imensa deturpação do direito, levada a cabo por uma classe política que, a consumar-se este gesto, ligará tragicamente a grande nação brasileira às mais tristes tradições políticas da América Latina.

sábado, abril 16, 2016

Uma picuinhice equivocada

O "meu" JN, simpático diário do Porto onde publico uma coluna semanal, cometeu ontem um deslize grave, que acabou por criar uma "notícia" especulativa sobre Luís Castro Mendes, o novo ministro da Cultura. No essencial, o jornal titulou, em parangonas de primeira página, que o ministro teria usado indevidamente o título de embaixador. 

O jornal errou duas vezes. Porém, antes de provar isso, quero contextualizar o caso, com uma explicação, tão simples quanto possível, sobre a carreira diplomática (que passarei a referir como a "carreira").

A carreira tem várias categorias, através das quais transitam, ao longo do tempo (por modelos diversos e sucessivos de  promoção), os diplomatas: adido, secretário, conselheiro, ministro plenipotenciário e embaixador. A partir do acesso à categoria de ministro plenipotenciário, a penúltima da carreira, um diplomata está qualificado para chefiar uma embaixada, "com credenciais de embaixador". Para todos os efeitos, é-lhe atribuído o título de embaixador, que não só pode como deve usar, numa prática que é corrente em muitas outras carreiras. Também é regra habitual, em Portugal e noutros países, neste caso seguindo uma tradição de cortesia que nunca vi contestada durante as minhas quase quatro décadas de carreira, que um diplomata que haja exercido as funções de embaixador continue a ser designado como tal, mesmo fora desse exercício. Luís Castro Mendes chefiou sucessivamente as embaixadas na Hungria e na Índia, a que se seguiram a Unesco e o Conselho da Europa. 

Este foi o primeiro erro do JN: o novo ministro da Cultura exerce as funções de embaixador desde 2003, isto é, foi embaixador por 13 anos consecutivos. Há mais de uma década que tem pleno direito ao uso do título.

Mas há mais. Com efeitos a partir de finais de 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros decidiu promover Luis Castro Mendes da categoria de ministro plenipotenciário à categoria de "embaixador". Eu sei que isto pode parecer confuso a não iniciados, mas, como terão notado na listagem de categorias que antes fiz, há uma última categoria acima da de ministro plenipotenciário, que tem precisamente como título "embaixador". É o topo da carreira, compõe-se hoje apenas de 34 vagas. Na linguagem das Necessidades, chama-se a este núcleo de embaixadores, para os distinguir dos outros, os "embaixadores de número". Os britânicos chamam-lhe  "full rank ambassadors". O agora ministro da Cultura está, há sete anos, nesta última categoria, através de um decreto assinado pelo presidente da República.

Entretanto, como ocorre muitas vezes nas carreiras profissionais, um determinado ministro plenipotenciário, que não foi escolhido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para integrar os "embaixadores de número", interpôs um processo contra esse mesmo ministério, reclamando dessa decisão. Em causa ficavam, indiretamente, as promoções dos vários diplomatas que o haviam ultrapassado, entre os quais figura Luis Castro Mendes. Refira-se que alguns desses diplomatas ocuparam, neste longo período de tempo, determinados cargos a que só podiam ter acedido desde que fossem "embaixadores de número", tendo entretanto circularo entre postos, sempre preservando essa categoria. O MNE tem em curso uma contestação administrativa à pretensão daquele ministro plenipotenciário e, até ao seu desfecho, mantém, como deve manter, Luís Castro Mendes e os outros diplomatas no grupo dos 34 "embaixadores de número". O novo ministro nada tem a ver com a reclamação do seu colega: ela dirige-se ao MNE e este não lhe retirou, em nenhum momento, o acesso à categoria de "embaixador de número".

Portanto, o JN equivoca-se uma segunda vez: também por este segundo critério, o novo ministro - que já antes podia e devia usar o título de embaixador - reforça esse direito, tanto mais que, repito, nenhuma decisão do MNE reverteu até hoje a sua integração nesta categoria.

Aqui chegados, resta uma pergunta: por que luas foi o JN desencantar esta história, esta "não notícia",  no momento da posse do novo ministro? Que relevância tem o anterior estatuto profissional do novo governante - questão em que o JN se equivoca duas vezes, caramba!  - para o exercício das funções que vai ocupar.

Eu tenho uma resposta para estas perguntas, mas não a dou - ou melhor, deixo que a intuam -, pelo respeito que o "meu" JN me merece.

sexta-feira, abril 15, 2016

Um debate oportuno



O presidente da República fez, há dois dias, uma proclamação de europeísmo em Estrasburgo. Fez bem. Portugal continua a ser um dos Estado da União onde se mantém acesa, na opinião pública, alguma chama europeia. Contudo, não serão necessárias sondagens de opinião para se constatar que a desilusão face à Europa já marca hoje muitos cidadãos portugueses, que se revelam desencantados com as virtualidades do processo de integração. Tenho a certeza de que esses cidadãos estão equivocados quanto ao sentido do saldo real destes 30 anos, mas, na vida de um país democrático, as convicções profundas de alguns não valem mais do que as perceções impressionistas de outros.

A Europa comunitária mudou imenso desde a nossa adesão. Tornou-se mais ambiciosa em matéria de políticas comuns e alargou-se geograficamente. A pretexto destas alterações, os seus tratados foram revistos e a relação interna de poder foi drasticamente afetada. Com a entrada de novos “sócios”, o clube também mudou de natureza, integrando novas sensibilidades, bem como as questões decorrentes das novas vizinhanças. A Europa está, assim, em tudo, diferente. Na crise do euro, a divisão Norte-Sul foi evidente. Na adesão diferenciada às políticas, o caso britânico é exemplar. Na questão dos refugiados, fica a sensação de que os países europeus vêm de civilizações diferentes, nos valores e dimensões humanistas. A tudo isso, soma-se um crescente desrespeito pela proteção das minorias, pela liberdade dos media, pela separação de poderes, tudo sob o olhar neutro de Bruxelas. Que Europa é esta?

Perante um projeto que se transmutou, o que fez Portugal? Refletiu a sua estratégia de integração, questionou caminhos, ponderou opções que eventualmente estivesse ao seu alcance fazer? Nada disso. Numa espécie de fé inabalável nas virtualidades intrínsecas do modelo integrador, Portugal, qual Maria, “foi com as outras”, seguindo um destino tido por inexorável. Manteve, desde o primeiro momento, com todas as colorações políticas, uma dependência indefectível a Berlim, que começa a afirmar-se como o sucessor natural do tropismo pró-britânico que nos marcou por séculos. E, no restante, limitou-se a escolhas pontuais que nunca colocassem em causa esse vínculo essencial.

É possível outro caminho? É desejável? Há mais vida para além da relação preferencial com a Alemanha? Não sei, mas é preciso discutir. Há que questionar o até agora “pensamento único” dominante em matéria de estratégia europeia. A ideia é muito simples: se a Europa mudou tanto, se hoje alguns a querem mais flexível, pondo em causa os seus equilíbrios, não seria tempo de, entre nós, pararmos um pouco para pensar a nossa posição nela à luz dos nossos interesses?

quinta-feira, abril 14, 2016

Elisa Ferreira


Faço um "disclaimer": sou amigo de Elisa Ferreira.

Dito dito, quero afirmar que dormirei muito mais descansado, a partir de agora, sabendo que Elisa Ferreira vai estar na administração do Banco de Portugal. E creio que é tudo quanto preciso de dizer.

A Europa infiel


                                         

"Está tudo acabado entre nós!". Às vezes, fico com a sensação de que a frase clássica pode, de um momento para o outro, ser pronunciada entre os dirigentes europeus, tão distantes parece serem já os projetos que se cruzam nesta que um dia foi uma "casa comum" e que, nas horas que correm, mais parece um "pátio das cantigas", com vizinhas envolvidas numa sonora bulha verbal, cada vez mais despudorada e aparentemente sem recuo.

Que se passou na Europa, que aconteceu entre nós, como é que, num espaço curto de alguns anos, passamos a olhar o vizinho com desconfiança, tomamos sempre como alheia a agenda dos outros, somamos, no dia a dia de Bruxelas, razões para nos acantonarmos, de novo nos descobrimos soberanistas? De espaço de esperança e de algum sonho, convertemo-nos, num tempo muito curto em termos de História, numa mera folha de Excel, para a qual convocamos a demagogia egoísta, nos entrincheiramos em inventários de interesses próprios, como se o projeto fosse sustentável pelo seu simples somatório, como se não houvesse contradições a gerir e a acomodar.

Quem traiu a Europa? Quem foi (mais) infiel ao projeto que nos unia, à cultura de reconciliação e usufruto de diferenças que era (foi?) a nossa riqueza? Quem repudiou a solidariedade, quem aduba hoje sentimentos mesquinhos, atitudes de superioridade de grupo, uma espécie de "racismo" que só uma réstia de cobardia, que não de vergonha, não deixa emergir em todo o seu chocante despudor? 

Anda por aí um juízo de facilidade que, em síntese, reduz a crise europeia ao efeito dos últimos alargamentos. Alguns observam o comportamento de alguns desses novos parceiros, a sua crescente distância face ao paradigma do anterior projeto, a sua bem maior gratidão ao outro lado do Atlântico e, pura e simplesmente, pensam de si para consigo: "esta gente não devia ter entrado na Europa!". 

E, no entanto, "essa gente" são opiniões públicas que expressam os seus temores e anseios, titulados por quem lhes não faz um mínimo de pedagogia sobre os imensos custos da "não-Europa", por líderes que se limitam a ecoar algumas dessas ideias estranhas e simplórias, de quem só vê o futuro até à próxima esquina da História. São esses povos os culpados por tê-las, por escolherem dirigentes que se limitam a ser câmara de eco dessa cultura de retração? A Europa que "já cá estava" poderia ter feito outra coisa diferente que não fosse acolher esses países, essas culturas, esses medos, essas desconfianças? Não e sim.

A Europa "de cá" não podia dizer "não" a quem lhe batia à porta, seduzida pelo projeto de liberdade e desenvolvimento que, por décadas, andou a gritar para o outro lado do muro. Mas, "sim", essa Europa podia ter feito diferente no modelo por que optou para acolher os novos membros do clube.

A Europa traiu o seu futuro ao ter cedido, por cobardia estratégica, ao deixar que o seu padrão ético que levou décadas a estabilizat fosse corrompido por facilitismos, por cedências sucessivas, por precedentes cumulados, talvez na convicção pateta de que, com o tempo, tudo "iria ao sítio". Foi a "realpolitik" dos que verdadeiramente contam na decisão que forçou, deliberadamente, para debaixo do tapete, o que se sabia serem as fragilidades da estrutura legal de alguns candidatos, o "apartheid" que outros já praticavam face a minorias internas, as barbaridades já evidentes nos "checks-and-balances" institucionais, as tentações de controlo dos meios de comunicação que estão na matriz de alguns de alguns demagogos ou iluminados. Tudo isso era (e é) mais do que conhecido em Bruxelas e Estrasburgo e, no entanto, a hipocrisia dos sorrisos e das fotos de família, do rotineiro "perp walk" do Berlaymont ou do Justus Lipsius, com as bandeirinhas das estrelinhas em fundo, tudo continuou (e continua) a disfarçar. Não há consenso para medidas radicais? Chamem-se "os bois pelos nomes", faça-se um corajoso "naming names" e acabe-se com a hipocrisia dos esgares faciais. 

Há que dizer que a terapia preferida por alguns, de forma mais ou menos explícita, passaria agora pelo recuo, tido como confortável, ao núcleo fundador do projeto. É uma ilusão estúpida, como se a França de Le Pen, os populismos holandeses, a Bruxelas de Molenbeek e outras Europas que também fazem parte desta Europa tivessem alguma coisa a ver com os "avós fundadores", de Di Gasperi a Adenauer. Recordo sempre uma noite tumultuosa de debate europeu em que um "grande líder" mandou praticamente calar um dirigente luxemburguês, lembrando-lhe que, se houvesse uma nova guerra na Europa, o seu país não teria espaço para acomodar todas as sepulturas. É este o "espírito europeu" dos "seis" a que se pretende regressar?

A Europa é hoje uma grande mentira mais ou menos bem encenada, muito arrumadinha no palco dos interesses, com os seus bastidores em cacos. Quem a traiu? Todos levámos longe demais o teatro do entendimento ideal, todos fomos militantes do sorriso complacente. Para não comprar chatices hoje, hipotecámos o futuro e desvirtuámos quase por completo um projeto bem original. Será tarde, agora?
Confesso que não sei, mas sinto que a nossa infidelidade ao projeto comum pode ter, um dia, como preço, virmos a ouvir a tal frase: "está tudo acabado entre nós!" O que virá a seguir só se pode suspeitar.

(Artigo que publico no último número da revista "Egoísta")

quarta-feira, abril 13, 2016

Nós por lá

Paris foi sempre uma festa para a cultura portuguesa. Até há poucas décadas, as nossas vanguardas “bebiam”, com uma reverência quase acrítica, as ondas culturais parisienses. Antes de Berlim, Londres ou Nova Iorque se imporem como espaços de afirmação de padrões contemporâneos para as variadas artes e letras, o sonho criador português realizava-se quase exclusivamente nos “boulevards” parisienses. Para aí rumaram, em ondas temporais muito diversas, os mais dotados ou, pelo menos, os mais afortunados ou mais ousados, dentre quantos tinham real talento para por lá se destacarem.

É uma pouco simpática ironia ter de constatar que a França iria ser, também a par de um destino frequente de exílio, durante a longa ditadura do século XX, o grande porto de acolhimento de centenas de milhares de emigrantes económicos, saídos da pobreza a que foram condenados na terra onde haviam nascido, com o futuro bloqueado pelas guerras coloniais. Passando as “passas de Champigny”, muitas aldeias portuguesas transplantaram gentes para terras de França, confinando-se num registo próximo daquele a que o atraso cultural condenara as suas origens. Só a recuperação da liberdade em Portugal, em 1974, iria iniciar, nessa comunidade, um excessivamente lento movimento de mudança.

Triste é ter de convir que estes dois mundos só raramente se cruzam, vivem ainda hoje em compartimentos separados, por muito que alguma retórica otimista queira fazer transparecer o contrário. E – sejamos justos! – se alguma aproximação já teve lugar, ela foi originada nos setores mais esclarecidos da emigração económica, onde germinaram entretando algumas iniciativas voluntaristas de valia. Infelizmente, o Portugal oficial também nunca teve meios para ajudar a acelerar esta mudança.

Ao longo do último meio século, a Fundação Calouste Gulbenkian, através da sua extensão em Paris, levou a cabo um trabalho relevante de promoção da “alta cultura” (como noutro tempo se dizia) portuguesa, federando lusófilos franceses, influenciando meios académicos e intelectuais. Com naturalidade, ao longo de muitos anos, a Fundação acabou por se revelar mais próxima da nossa vanguarda intelectual, ainda que longe de a representar na sua totalidade, talvez pelo privilégio de atenção que sempre conferiu às áreas culturais mais clássicas. Uma coisa é certa: não foi nunca sua opção ir ao encontro dos outros setores da nossa comunidade.

As coisas mudaram, entretanto. Sem descurar a linha de trabalho anterior, mas numa curiosa “aliança” com gerações que emergem da “nova” comunidade, vivificada esta por profissionais que se destacam nos mais variados domínios da sociedade francesa, parte deles luso-descendentes de segunda geração, há que reconhecer que a Fundação desenvolve, nos dias de hoje, um trabalho muito
mais diversificado e criativo.

Neste cinquentenário da presença da Gulbenkian em Paris, a magnífica exposição da obra de Amadeo de Souza Cardoso, agora  exposta no Grand Palais, e que se soma a um conjunto de outros eventos culturais de grande qualidade neste ano de 2016, cumpre uma dupla função: ajuda a dignificar o nome de Portugal, através da revelação de um extraordinário talento que muito deve à influência cultural francesa, e, simultaneamente, tem como ambição funcionar como catalizador do orgulho que é ser português em França. E talvez seja mais um passo para acelerar o encontro dos vários mundos que por lá nos representam.

(Artigo que hoje publico no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, na qualidade de presidente do Conselho Consultivo da Fundação Calouste Gulbenkian para a sua Delegação em França)

Hofburg


No palácio Hofburg, em Viena, são sediadas as reuniões da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa).

Uma amiga que ontem passou por um dos corredores registou esta fotografia, colocada nas paredes, dos dois presidentes sucessivos do Conselho Permanente da organização, durante a única presidência portuguesa da mesma.

Uma bela recordação.

Os governos e as crises

As crises fazem parte da sina de todos os governos. Por culpa própria ou da conjuntura. A primeira é integrada pelos erros dos governantes. A segunda traz essa coisa temível e inesperada que são os "factos", isto é, o inesperado, aquilo que tudo condiciona, sem ser previsível. A capacidade de um governo consiste saber em superar, rapidamente, cada crise emergente, colocando um ponto final nos novos problemas, não deixando que estes inquinem, até pela sua repetição, a imagem do executivo. Isto é sempre mais fácil no início dos governos, dado que, com o passar do tempo, a capacidade destes para superarem os problemas vai diminuindo, com o fim do (mais ou menos longo) "estado de graça" e com o inevitável desgaste.

O governo de António Costa foi, nesta matéria, um tanto atípico. A sua formação - e, para muitos, a sua legitimidade - foi polémica, pelo que, curiosamente, veio a ganhar um "estado de graça" progressivo, grandemente derivado da "habilidade" (que é, em linguagem comum, sinónimo de "capacidade política") do PM. O facto de ter conseguido superar alguns processos complexos (p.e., TAP e orçamento) e se ter mostrado expedito e afirmativo em outros (p.e.,Banif) conferiu-lhe uma imagem daquilo a que os anglossaxónicos chamam de "troubleshooter", isto é, de "resolvedor" de problemas. A noção de que muitos agravadores tradicionais de conflitos (partidos mais à esquerda, sindicatos) estão agora na maioria de apoio do governo criou a impressão pública de que essa capacidade resolutiva tinha condições para perdurar bastante no tempo. O desnorte da oposição (que é composta, por ordem decrescente de eficácia, pelos comentadores económicos televisivos de direita, PSD, "Observador" e CDS) ajudava ao resto. A tudo isto veio cumular-se um chefe de Estado manifestamente interessado em não ser visto como fator de instabilidade, o que, numa sociedade política, funciona como "neutralidade colaborante", para utilizar uma formulação clássica.

Porém, no horizonte governativo, começaram a surgir os "eventos". 

As medidas na Educação revelaram a dependência de uma agenda que o país não entendeu nem achou prioritária, e indiciaram um primeiro erro de "casting" de António Costa. A ligeireza (algo ruidosa) com que agora ocorre a demissão de um secretário de Estado de que nunca ninguém tinha ouvido falar também não é saudável.

O episódio João Soares era francamente evitável, mas Costa soube atalhá-lo com célere maestria.

O caso Lacerda Machado revela evidente descuido, até porque, muito injustamente, abriu caminho a que alguns colocassem em causa o bom nome de uma pessoa que há muito tenho por proba e altamente competente. Por muito que tendamos a defender - e eu faço-o, sem a menor reticência - a boa fé de todos os envolvidos no processo, coloco uma simples e honesta pergunta aos meus amigos de esquerda: o que é que, durante a vigência do governo anterior, teria acontecido se, de repente, se viesse a saber que o dr. Passos Coelho utilizava "o seu maior amigo" para ajudar o Estado a negociar acordos desta magnitude, sem um qualquer vínculo contratual? Não "caía o Carmo e a Trindade"? Respondam-me, por favor.

Finalmente, a "trapalhada" do Colégio Militar. 

(Um parêntesis para dizer que começo a ter escassa paciência para esta ideia de que a a "tropa" é uma espécie de "chasse gardée" em que sempre se deve tocar com pinças, por uma espécie de reverência eterna que é devida a uma instituição composta por gente que, em princípio, se dispõe a arriscar a vida pela pátria (embora paga para isso) e a quem, além do mais, devemos o 25 de abril. Os* militares parece pretenderem preservar neste país um estatuto à parte, como se, lá no fundo, recusassem uma completa subordinação ao poder político, tentando garantir que na sua "quinta" mandam eles. Detesto e rejeito este sentimento de casta, até porque faço parte de uma carreira que lhes pede meças em patriotismo e devoção ao interesse nacional. Acho, aliás, que já chegou a hora do país deixar de levar a sério algumas indignações castrenses, que indiciam um tropismo obsessivo de afirmação de uma espécie de aristocracia fardada, pouco consentânea com os valores de abril.)

Confesso que não tenho opinião formada sobre as razões neste caso, em especial sobre as culpas ou não do ministro, que tenho por uma pessoa muito respeitável. Nem isso é importante para o que aqui trago. A realidade é que o governo tem agora um problema para resolver neste setor, e deve fazê-lo com rapidez, tanto mais que o assunto começa a ser cavalgado pela direita (cuja "autoridade" nesta área é conhecida, como ficou patente nas relações entre Aguiar Branco e a corporação).

António Costa tem de conseguir evitar a repetição de casos polémicos. Nada pode fazer contra o surgimento de novos factos, mas, para não se desgastar rapidamente, tem de ter uma equipa coesa, disciplinada e com nervos de aço.

* onde escrevi "os militares" naturalmente que deveria estar "alguns militares". Quem me conhece, em especial muitos militares que tenho como amigos, sabe que é exatamente isso que penso. A rapidez da escrita informática leva a estes erros.

Notas do fim do dia

António Guterres

Foi um "show de bola", a sua apresentação nas Nações Unidas. À altura das minhas melhores expetativas: preparado, convincente, criativo, com empatia e brilho. Pode não conseguir o lugar de SG da ONU - as decisões naquele palácio são muito complexas - mas deixou uma imensa marca em quem o ouviu. E prestigiou o nome de Portugal, o que não é menos importante. Parabéns!

Francisco Nicholson (1939-2016)

Recordo-me dele no "Adoque" (que se lembra desse teatro no Martim Moniz?), no "Pides na Grelha", nos idos de 1974/75. Deprois, por anos, ao lado de Armando Cortez (de quem, curiosamente, estava bem distante politicamente), fez o "Riso & Ritmo", com algumas passagens de ano onde era inevitável a tirada: "Já é uma hora? Que grande banquete!", que ficou no património das "deixas" televisivas. Depois, dedicou-se mais à escrita e a roteiros de telenovela. Agradeço a Francisco Nicholson os bons momentos proporcionados.

Diogo Lacerda Machado

Se há caso em que se poderá dizer que "não havia necessidade", esse é o da polémica em torno do nome de Diogo Vieira Machado. Trata-se de um jurista de mérito, com grande sentido de serviço público, com provas dada, de quem fui colega num governo por breves meses e por quem tenho admiração e amizade. Não me custa reconhecer que pode ter havido alguma informalidade excessiva no modo como se processou a sua intervenção em alguns processos, em que, no entanto, não negociou em nome do Estado, mas em que ajudou a gizar os termos dos compromissos que viriam a proporcionar soluções que o Estado decidiu vir a subscrever - o que é muito diferente. Um estatuto de consultor jurídico, desde o início assumido "de papel passado", teria sido mais adequado. Mas daí a suscitar comentários que chegaram a colocar em causa a sua honorabilidade vai a distância da crítica legítima à calúnia. Tudo por mero oportunismo político. Vou citar Santana Lopes, ouvido há pouco sobre isto, alguém que não é "da minha freguesia": "as pessoas que são sérias, à partida, não desconfiam dos outros".

Ana Lourenço

Regressou à televisão pela mão da RTP. Em boa hora. A sua serena competência fazia falta. Estive na noite passada na RTP3 num debate como Bernardo Pires de Lima, moderado por ela. Um tempo muito agradável, sob a orientação desta excelente profissional. Já tinha saudades da sua presença. Pela minha experiência (e é alguma), posso assegurar que não há muita gente como ela por essas televisões.

Cristiano Ronaldo

Mais umas prestações como estas e lá vou eu ter de encontrar um lugar para Cristiano Ronaldo entre os meus "melhores dez" de sempre. Que jogador!

terça-feira, abril 12, 2016

Banco Assim-Assim


Aflora à porta a cabeça do Meireles.

- Entre, entre, Meireles! Ó Meireles, "atão" você faz-nos uma destas, homem! Manda dinheiro "prás" contas dos clientes, assim sem mais nem menos! E logo uma batelada de massa!

- Ó "shotôr"! Enganei-me! Desculpe lá! Carreguei no botão errado. Eu já tinha avisado o Sebastião da Informática para não andarem sempre a mexer no sistema. Olhe! Desta vez calhou-me a mim! Acontece aos melhores, "num" é?

- É pá, mas é uma chatice... Temos o Banco de Portugal à perna, já ligaram ao presidente lá das Finanças, estava ele no Pabe! Nem sei que lhe diga... Bom, mas vá lá, vá lá, por esta você escapa! Mas outra igual e vai parar c'os costados ao "banco mau"...

- Nem me fale nisso, "shotôr", que eu tenho mulher e filhos!

- Vá com deus, Meireles, vá com deus!

Sai o Meireles.

O "shotôr" olha a janela. Ao lado, tem o Salvador. O rapaz, filho de um amigo, tinha saído com 11 da "Business School" e já fora de afastado de outro emprego ("Vais ver que gostas dele! Aquela saída da Deloitte foi uma patifaria"!). Como currículo, o Salvador ainda arranjou duas linhas como assessor de um secretário de Estado qualquer, naquele governo de "uma semana e picos". Mas regressou logo ao banco, claro.

O Salvador está ali, o lado do chefe. Olha mais longe, a outra banda da avenida. Lembra-se de que tem um fato para prova, no Rosa & Teixeira. E a Matilde tinha-lhe pedido para levantar uma saia na Cos.

- Bem, se me permite, "Shotôr", vou andando.

- Ó Salvador, o que é que você acha que se faça com esta patetice do Meireles?

- Eu cá por mim, "Shotôr", se quer que lhe diga, deixava cair o assunto. Assim "cumásssim" quem vai pagar toda esta trapalhada é o Fundo de Resolução, "num" é? Mais milhão, menos milhão, tanto faz!

- Você é capaz de ter razão, Salvador. Olhe! E o seu pai? Espero que o "Expresso" o não venha a chatear muito com aquilo do Panamá...

- Ele anda roído, pode crer. "Inda" por cima, já tinha tudo no Luxemburgo. São uns patifes!

- É uma maçada! Mas é a vida, Salvador, é a vida. Dê-lhe um abraço meu.

segunda-feira, abril 11, 2016

Old habits...



Os anglo-saxónicos usam a expressão "old habits die hard" para definirem a dificuldade que temos em nos libertarmos dos velhos hábitos, das rotinas da vida, privada ou profissional.

Hoje, fui almoçar à residência de um embaixador europeu em Lisboa, a seu convite. Foi uma conversa longa, sem agenda visível, em que ambos falámos um pouco de tudo: da política portuguesa, do seu país, das vicissitudes da Europa e de vários outros temas. Ele é um homem preparado, culto e atento. Deu-me a sua visão avalizada sobre vários assuntos, as suas impressões sobre pessoas, a sua leitura sobre questões em curso na Europa e o modo como o seu país as encara. Foram bem mais de duas horas de agradável e proveitosa troca de pontos de vista.

A embaixada em causa situa-se a cinco minutos do local onde vivo. Quando regressei a casa, peguei nos jornais da manhã, que ainda não tinha lido, e fui sentar-me num sofá. À medida que ia passando pelas suas páginas, invadiu-me uma sensação estranha. Sem perceber bem o que se passava, criou-se dentro de mim a perceção de que havia qualquer coisa de errado, de que, na realidade, eu deveria estar a fazer outra coisa e não aquela lúdica e leve leitura. Mas não percebi logo o que era. Passaram uns bons vinte minutos antes que eu tomasse consciência do que, na realidade, ocorria comigo.

Só então entendi. O que é que faltava? O "telegrama"! Como diplomata, habituei-me, imediatamente após um encontro sobre temas políticos numa embaixada, a ir de imediato tomar notas e relatar a Lisboa a minha conversa, as posições ouvidas, aquilo que me parecesse de interesse para Portugal. Ora eu tinha ouvido nessa conversa coisas interessantes, leituras fundamentadas sobre a posição daquele país sobre temas que nos respeitam. Tivesse esta conversa tido lugar num posto onde eu estivesse como embaixador e, com toda a certeza, por uns bons três quartos de hora, eu ficaria "agarrado" ao computador a fazer aquilo que, na ironia da carreira, se chama "um bem elaborado telegrama".

Mas não, nos dias de hoje, estou livre e bem livre dessas tarefas, até porque, nem por uma hora da minha vida, tive alguma vez a mais leve nostalgia desses meus antigos encargos diplomáticos. E, hoje, no momento em que realizei isso mesmo, entrei num súbito estado de bem-estar e "relief".

Penso que os meus antigos colegas da carreira diplomática, portugueses ou estrangeiros, entendem bem esta sensação, esta deformação profissional. Porque, ao mesmo tempo, acaba por ser um imenso prazer constatar que já não temos uma determinada obrigação, que nos livrámos dela. Como diria Pessoa: "Ai que prazer/não cumprir um dever/ter um livro para ler/ e não o fazer". Não se trata de não fazer nada: trata-se de fazer outras coisas, que nos podem conduzir a outros prazeres alternativos. 

O meu colega Luís Filipe Castro Mendes, que também é colega de Pessoa na escrita poética, terá, a partir de hoje, uma sensação similar: ir fazer as coisas novas que lhe apraz fazer.

A Caixa em festa!


A Caixa Geral de Depósitos fez ontem 140 anos. Uma bela idade. A Caixa faz parte da minha vida. O meu pai foi funcionário da Caixa Geral de Depósitos por 47 anos, 25 dos quais como gerente, em Caminha, Monção e Vila Real. Vivi parte da minha juventude na residência que lhe era atribuída. Foi pelo exemplo dele, como funcionário da Caixa, que aprendi a respeitar e a reverar o serviço do Estado.

"Nisto não se mexe, isto é do Estado!". Tenho esta frase no ouvido desde sempre. Eu devia ter 7 ou 8 anos e o meu pai havia-me levado, uma tarde, a assistir à abertura de uns caixotes de madeira que, uma vez por ano, chegavam, "de Lisboa", com o material de papelaria, para ser utilizado pelos funcionários, nos 12 meses seguintes. Eram resmas e blocos de papel, lápis, cartolina, borrachas, elásticos e tinta para canetas. Para quem, como eu, vive, desde que se conhece como gente, fascinado pela "stationery", a visão desse material deve ter-me criado imensa água na boca. Mas o meu pai, nas coisas do Estado, era inflexível: nunca tive, pela sua mão, um lápis ou uma borracha "do Estado" e, recordo-me muito bem que, quando passei a poder usar uma velha máquina de escrever da família, o meu pai trazia para casa fitas já usadas, consideradas demasiado gastas para o serviço...

Foi assim que, em minha casa, aprendi, para vida, o que era o Estado. Dessa forma me foi ensinado o que era ser servidor público, como o meu avô já o fora, este mostrando-me, pelo exemplo constante de vida, que servir o Estado era sinónimo de servir o país. Com eles aprendi a recusar uma dualidade pessoal com o Estado, porque, como sempre ouvi, "o Estado somos todos nós".

Durante muitas décadas, a Caixa foi o banco popular de Portugal. Era à Caixa, porque a Caixa era do Estado, que as pessoas mais simples confiavam os seus haveres. A Caixa tinha "cadernetas" escritas à mão, onde era inscritos os juros e registados os saldos. Os depositantes compraziam-se em passar pelo balcão da Caixa, para fazer esse acrescento regular, que lhes assegurava "quanto tinham na Caixa".

O meu pai recordava, às vezes, uma pequena história. Um dia, um funcionário veio avisá-lo de que um cliente, depois de ter pedido para "atualizar a caderneta", informara que queria levantar todo o dinheiro que tinha na sua conta, em espécie. Tratava-se de um montante bastante elevado e, até por razões de segurança, era um pouco estranho que o cliente quisesse transportar o dinheiro dessa forma. Estaria o homem insatisfeito com o serviço prestado pela Caixa?

O meu pai mandou entrar o cliente para o seu gabinete. Era um homem simples, residente numa aldeia próxima de Vila Real, idêntico a uma imensidão de outros clientes oriundos das áreas rurais, que constituiam uma grande massa dos depositantes na Caixa. Tinha uma atitude de alguma reserva, talvez mesmo desconfiança, típica de pessoa de aldeia confrontada com a realidade, menos transparente, da cidade. Perante a estranheza manifestada, pela inusitada (e até arriscada) operação que ele pretendia executar, o homem respondeu: "O dinheiro é ou não é meu? Posso ou não posso fazer com ele o que me apetecer? Quero levantá-lo todo e já!". Perante esta inabalável determinação, o meu pai mandou preparar grandes envelopes com as notas, que foram entregues ao cliente. Após receber o dinheiro, o homem perdeu largos minutos a contar todas as notas. No final, disse: "Agora, quero depositar isto tudo outra vez. Foi só para saber se o dinheiro ainda era meu!". E era, claro.

Em 1971, no meio de algumas atribulações académicas que suspenderam o meu percurso universitário, e como forma de evitar que os meus pais continuassem com encargos derivados das trapalhadas universitárias do filho, decidi empregar-me. E fiz concurso para a Caixa, que admitia algumas centenas de novos funcionários.

Nesse concurso público de entrada, algum domínio da escrita terá compensado falhas na área da contabilidade. Antes de ser admitido, li e assinei, sob o olhar atento de um antigo ministro de Salazar, uma declaração onde atestava o meu "ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas". No meu bolso, recordo-me bem, levava um livro de Engels, das Éditions Sociales. Só avisei o meu pai, de quem passei a ser "colega", depois do resultado das provas ser tornado público. Tenho, aliás, a ideia de ter ficado lá para o meio da tabela... 

A Caixa Geral de Depósitos tinha então a sua sede no majestoso edifício do Calhariz (na imagem), onde eu passei a trabalhar no "serviço de títulos".

As regras eram à antiga. Eu vinha dos Olivais, de autocarro, passava para o metro, subia o elevador da Glória e atravessava o Bairro Alto. Entrava-se às 9.30. Às 9.35, o senhor Marques, chefe da secção, recolhia o livro de ponto. Para o assinar depois, era necessário justificar o atraso e penitenciar-se pelo mesmo. A hora de saída, para almoço e à tarde, era, também, sagrada. Cinco minutos antes do encerramento do expediente, o Serra, na secretária ao meu lado, sacava invariavelmente de um pano de feltro para limpar os sapatos que, logo depois, apontavam para a porta, para onde disparava quando o ponteiro do relógio tremia nas 17.30.  Ah! e trabalhava-se nas manhãs de sábado!

Ao almoço, espalhavamo-nos pelas tascas da zona, em grupos variáveis. Se o sol aparecia, escostavamo-nos, antes do regresso ao trabalho, pelos passeios em frente, apreciando o "pequename" que passava. Eu aprendia a vida com quem a vivia com dificuldades bem maiores do que as do episódico colega que eu era, futuro licenciado, olhado como figura passageira pelos colegas, entre os quais fiz - diga-se - sólidos amigos. 

O meu curso universitário prosseguia entretanto, como "estudante voluntário". No primeiro ano, para fazer as "frequências", tive de pedir autorização excecional para as escassas ausências. Mais tarde, foi necessário utilizar os dias de férias, para poder  estar presente a esses exames. Dispensa para aulas ou exames era, então, uma miragem.

O trabalho era sereno, burocrático, sem surpresas. Nem muito exigente, nem deixando tempo para "calaceirices". Essas ficavam para colegas antigos, "primeiros oficiais", com mais "ronha", alguns eternamente parados nas suas secretárias ou saltitando em conversas, sempre sob o olhar crítico do senhor Marques, que prescutava as várias áreas do imenso "open space" por onde nos distribuíamos. 

Os contínuos, o Rui e o Abrantes, forneciam-nos, regularmente, uma caneta Bic. Quando a respetiva carga acabava, trocavamo-la por outra igual, devolvendo a velha, claro está! Nas horas vagas, tentavam impingir-nos relógios Cauny, com preços "de favor". 

Às segundas-feiras, dominava o futebol. Não se falava muito de política, salvo com  o Aldeia e com o Murta, amigos com quem essa maior intimidade entretanto se criara. Dois ou três sabiam que a minha eleição não tinha sido "homologada", por duas vezes, como dirigente associativo universitário, e que isso me tinha criado "problemas", sobre os quais nunca elaborei muito Com eles, mantinha alguma cumplicidade, pela comunhão de que "isto" tinha de mudar, mais cedo ou mais tarde. As vigorosas manifestações do sindicato dos bancários, do qual não podíamos ser associados por sermos funcionários públicos, eram comentadas com todo o cuidado, porque as paredes tinham ouvidos. As paredes e alguns "fachos" que nos rondavam, que pressentíamos poderem ser perigosos.

Pela véspera de Natal, o chefe de repartição, o senhor Trancoso, que durante todo o ano assomava uma meia dúzia de vezes à nossa sala, quase sem nos olhar, colocava-se junto à saída para um excecional  aperto de mão anual de favor. E, de 26 até 31 de Dezembro, lá estávamos nós, em horas extraordinárias (não pagas aos novatos), para tentar garantir os "acertos" para as contas do ano ficarem exatas.

Era assim a vida de um bancário público, que fui durante quatro anos. Nostalgia? Nenhuma, podem crer. 

A Caixa mudou muito. Nem sempre para melhor. Há uns anos, numa dependência da Caixa, em Vila Real, testemunhei o drama de uma pobre senhora de aldeia, a dona Celeste, confrontada com a impossibilidade de resgate do montante de um "produto" em que, há alguns anos, tinha sido convencida a empregar alguns largos milhares de euros e que, agora, se via impossibilitada de levantar, sem perder uma importante fatia do próprio capital. Assiti então, por largos e pungentes minutos, ao embaraço delicado dos funcionários, dos lamentos lancinantes da senhora, seguidos do seu desmaio, com hipótese de convocação do 112. Um espetáculo triste, penoso e indigno, que incomodou quem a ele assistiu. Que não sei mesmo como acabou, porque, logo que pude, saí, indignado.

Quem terá sido o funcionário espertalhote que vendeu à dona Celeste o "produto", em cujo "small print" estavam (espero eu!) as condicionantes limitativas das possibilidades de resgate? Aquele que o fez impingiu àquela pobre senhora, que tinha uma evidente limitação cultural para entender as peculiaridades da evolução financeira dos mercados, um "produto" em que enterrou muitos dos seus haveres. E, goste-se ou não da palavra, essa pessoa incorreu, na prática, numa verdadeira fraude. Ela e, com ela, a Caixa Geral de Depósitos, instituição onde também eu tenho as minhas economias e que, por ser propriedade do Estado, sempre tive por um banco diferente, onde tinha a certeza que os clientes nunca seriam tratados assim. Enganei-me, pelos vistos. 

Se fosse vivo, e se tivesse assistido a esta lamentável cena, o meu pai teria sentido uma imensa tristeza, idêntica à que eu próprio experimentei. Mas ele já morreu, como também já parece ter desaparecido uma parte daquela Caixa Geral de Depósitos que foi o seu orgulho, em que as pessoas mais simples deste país, por muitos anos, se habituaram a confiar.

Apesar de tudo, mas por tudo o resto, parabéns à Caixa. E uma nota interessante: gostei de ouvir o chefe do Estado, numa dependência da Caixa Geral de Depósitos, afirmar que era favorável a que a instituição permaneça pública. Eu também sou, claro.

domingo, abril 10, 2016

Luís Castro Mendes



Nós vivemos da misericórdia dos mercados.
Não fazemos falta.
O capital regula-se a si próprio e as leis
são meras consequências lógicas dessa regulação,
tão sublime que alguns veem nela o dedo de Deus.
Enganam-se.
Os mercados são simultaneamente o criador e a própria criação.
Nós é que não fazemos falta.


Luís Filipe Castro Mendes


Quando Otelo concorreu a Belém, o cartaz dizia: "Otelo - um amigo na Presidência". Eu agora digo: um grande amigo na Ajuda.

Força Luís!

sábado, abril 09, 2016

Quem me empresta um quarto de hora?

Não sei quando começou, mas é um vício já com algum tempo. Tem a ver com o prolongamento da consulta ao computador para ver os emails, ou com a dificuldade de deixar um livro ou jornal que estou a ler ou mesmo um programa de televisão. Deixo-me ficar, meço muitas vezes mal o tempo de que necessito para chegar aos locais, não conto com a imponderabilidade do trânsito ou com um telefonema de última hora, e, depois, lá vou eu aflito para chegar a tempo a alguns compromissos. Às vezes, também, é alguém que cruzo na rua, outras a dificuldade de encontrar lugar para estacionar.

Preciso de quinze minutos. Tivesse-os eu e nunca andaria afogueado, a mandar o velho SMS "estou atrasado", nunca teria de pedir desculpa por algum imponderável que me ocorra.

(E, porque assim é, vou sair já para um jantar que tenho no outro lado da cidade...)

PS - Este texto saiu simultaneamente no blogue e no Facebook. Aqui saiu "imponderábel". Lá o erro não surgiu. Coisas... 

sexta-feira, abril 08, 2016

Draghi em Belém

Mario Draghi é um funcionário europeu. Deve o lugar que ocupa, na presidência do Banco Central Europeu, à confiança do governo da Alemanha. Sem ela não teria sido nomeado em substituição do ortodoxo Trichet. Sem ela não teria continuado, depois da demissão de um diretor-geral alemão do BCE, em oposição às suas primeiras medidas. E, claro, sem a confiança de Angela Merkel não estaria hoje a praticar o "quantitative easing", que tem dado uma certa estabilidade (embora relativa) à zona euro, depois de sabiamente ter afirmado, para o ouvido dos mercados, que faria "whatever it takes" para proteger a moeda única.

Como funcionário europeu, Draghi não tem estados de alma. Conduz uma política tão bem quanto sabe, não pondo em causa a filosofia de base que também prevalece no eurogrupo, idêntica à que é maioritária no seio do Conselho Europeu. Verdade seja que Draghi, em algumas decisões, testa os limites do seu mandato. Mas fá-lo, sempre e só, porque sabe que tem a Alemanha por detrás - e a voz da Alemanha está para o euro como a voz dos EUA está para a NATO.

O presidente Rebelo de Sousa quis trazer Draghi à primeira reunião do seu renovado Conselho de Estado. A presença deste convidado, na inauguração do novo tempo, não me pareceu excessivamente feliz. Mas compreende-se. O Conselho não reúne com frequência e vive-se um tempo em que as questões financeiras são prementes, nomeadamente as que dependem das decisões das instâncias europeias, isto é, do BCE e da direção-geral da Concorrência da Comissão Europeia. Se estas duas entidades têm hoje, por muito absurdo que isso possa parecer, uma palavra determinante - e isto é um "understatement" - sobre elementos fundamentais da nossa soberania, a moeda e a banca, é mais do que natural que o presidente da República quisesse ouvir Draghi e fazer com que ele também escutasse alguma coisa. Poderia tê-lo feito em privado. Trazê-lo ao Conselho de Estado foi, contudo, uma decisão que combinou com o governo, como é sabido. É minha convicção fundada que a menor oposição deste teria inviabilizado a presença de Draghi naquele órgão.

Imagino que o novo presidente da República esteja tão chocado como a generalidade dos portugueses com o absurdo custo que o recente caso Banif trouxe aos bolsos dos portugueses. E sabe-se que Rebelo de Sousa está longe de ser um leitor acrítico da bondade dos efeitos do programa de ajustamento. Draghi veio dizer sobre a situação portuguesa o que se esperava - não trouxe a menor novidade, isto é, disse o mesmo que quem manda na Europa pensa. E para que não houvesse dúvidas (evitando ser interpretado pelas fugas portuguesas de informação e porque responde perante os "powers that be" em Berlim), publicou logo a seguir que disse, imagino que para conforto dos que por cá tão obedientes foram aos seus conselhos e algum mal-estar de quem hoje dirige o país. Mas tudo bem. O importante é que não saiu da reunião de Belém sem ter percebido que, dentre as destacadas figuras que são conselheiros do chefe do Estado português, se vive um sentimento de escândalo e de injustiça face à política europeia no tocante à nossa banca, valha isso o que valer. Ao que já se sabe, Draghi ter-se-á furtado a responder neste âmbito específico. Mas ouviu e isso foi importante.


A descolonização de Portugal


Com o tempo, tenho vindo a aprender que, afinal, quem não se descolonizou fomos nós. Trinta anos passados sobre a independência das colónias portuguesas, alguns continuem a olhar para elas como se tivéssemos um "droit de regard" sobre o que por lá se passa, com juízos condenatórios, dando-nos, por cá, ao luxo de escolher os "bons" e os "maus que por lá estão. À esquerda e à direita, porque nisto de “bitaites” sobre as antigas colónias, a lateralização ideológica é indiferente.

O caso de Angola é exemplar. Depois de 13 anos de conflito colonial, o país entrou, em 1975, numa terrível guerra civil que, com uma pausa ligeira, só terminou em 2002. Angola esteve na linha da frente das últimas décadas da Guerra Fria, com a Rússia e os EUA a decidirem, por intermédio de mortos e estropiados angolanos, as suas últimas batalhas. A paz tem, por lá, pouco mais de 14 anos. A experiência democrática local, seja ela o que for, e todos sabemos o que é, tem exatamente a mesma idade..

As estruturas do Estado, a gestão patrimonial dos bens nacionais e o modelo de governação não podem ser medidos pelos padrões de um qualquer assético país nórdico. Angola está em África, o seu "benchmark" são os países africanos, os seus vizinhos continentais. Isso é válido para a democracia, para a corrupção, para o nepotismo, para a pobreza e para as chocantes desigualdades. E até é válido para a sua comunicação social, para o nível das suas diatribes contra o ex-colono, que tanta urticária provocam em Lisboa. Só se pode comparar o comparável.

O Estado de direito em Angola é discutível? A separação de poderes existe? Eu pergunto: contribuiu Portugal, preparando quadros e estruturas, para uma transição pacífica do período colonial para a independência ou, ao invés, prolongou estupidamente um conflito com os angolanos, que se viram forçados a lutar de armas na mão? 

Quando a guerra colonial começou não havia uma única universidade nas colónias e a educação primária dos negros era da responsabilidade das missões religiosas. Alguém se lembra que o Tarrafal foi reaberto em 1961, depois de encerrado para os anti-fascistas portugueses, para lá colocar os nacionalistas angolanos, os "turras" de então? Ah! Mas não fomos nós! Foi a ditadura do Estado Novo. E não era Portugal? Do Minho a Timor? 

Angola entrou agora em grave crise. O FMI volta a ser chamado em auxílio do país. É fruto de má governação? Claro que sim. E nós? Nesse mesmo período já tivemos o FMI por cá, não duas mas três vezes! Foi fruto de quê? De boas políticas? Acho que um pouco de humildade e sentido da medida, sem pretendermos dar lições aos outros, não nos ficaria mal.

quinta-feira, abril 07, 2016

À lambada, não!


Era tempo! Lisboa andava abúlica, sem nervo, tirando as noites da Ameixoeira. 

Passos Coelho deixou de "dar luta" e já faz propostas construtivas ("passou-se"?). Cristas joga o "descubra as diferenças" com o passado, numa bancada lateral de Portas fechadas. O Bloco, cada vez mais "governista" (anote-se a crescente gravidade do tom das senhoras), o máximo a que chega em matéria de indignação é uma queixa feminista a Arroja ou uma arruada morna a Draghi. O PCP, empochadas as quotas sindicais nos transportes e com Nogueira no poder, é hoje um cordeiro do lobo que foi.

Neste mar de acalmação, João Soares, sem orçamento mas com superávite de verbo, decidiu agitar as águas, ameaçando com um par de bofetadas dois críticos que, no seu entender, haviam ido longe demais. Hoje em dia, na escrita, tudo é permitido, desde o insulto "ad hominem" às insinuações mais torpes. Se alguém se lembra de acionar a ERC ou os tribunais, aqui del rei que se está a limitar a liberdade de imprensa, porque a liberdade de insulto é sagrada, o desrespeito pela pessoas está protegido por uma bula eterna da justiça que nos saiu em rifa. Soares não foi por aí, foi por onde entendeu ir.

Estou de acordo com as bofetadas? Não estou. Não acho bem, não é chique. Mas, então, como reagir ao comentário sem maneiras? Como? À bengalada! A bengala é, desde o romantismo novecentista, o instrumento nobre de retribuir a agressão, de xingar o atrevido, de castigar o adversário que se excedeu. O Dâmaso foi baixo? Promete-se-lhe umas bangaladas em frente à Havaneza. Agora, pelo destinatário, é preciso fazer isso no Gambrinus? Que seja! E o momento certo até poderia ser o do acender da chama dos crepes Suzete! Com Jameson, até teria mais sainete, como antes se dizia.

quarta-feira, abril 06, 2016

Qual é a pressa?

É quase meia noite. A antiga ministra das Finanças continua a ser ouvida na Comissão de Inquérito sobre o caso Banif.

Com a maior sinceridade, continuo a não perceber: por que razão este tipo de trabalho não se faz nas horas normais de "expediente"? Tratando-se de um assunto do passado, cuja clarificação não ficaria prejudicada por uma semana a mais ou a menos de debate, que necessidade há de estar a criar olheiras aos deputados? É para dramatizar? É para a agenda mediática? Qual é a pressa? 

terça-feira, abril 05, 2016

O ouro da vida

No passado sábado desloquei-me à sede de um pequeno município no Douro. Tratava-se da entrega de uma medalha de ouro municipal a um amigo, que reside em Lisboa, promovida pela Câmara Municipal da terra de onde é originário. 

A distinção era justificada, entre outras razões, pela projeção que esse meu amigo dá à sua terra, através do seu prestígio e honradez profissionais. Tratou-se de uma dentre as várias personalidades locais que receberam o galardão.

Foi uma cerimónia simples, mas, curiosamente, não foi uma cerimónia "vazia", feita de retórica balofa, pelo que não foi nada penosa de acompanhar. Das palavras genuínas que alguns dos homenageados pronunciaram ficou patente o gosto pelo reconhecimento que haviam obtido mas, principalmente, pelo facto do respetivo percurso de vida, muito diverso de caso para caso, ter merecido uma consagração em face dos seus concidadãos, funcionando assim como um exemplo para estes. Estavam ali muito poucos "doutores & engenheiros"; na sua maioria era tudo gente simples, que arregaçara as mangas da vida e fora capaz de trocar as voltas ao destino menos fácil que o seu início de vida indiciava.

Deixo aqui um abraço ao meu amigo Joaquim Pinto pelo merecido galardão que lhe foi atribuído.

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.