sexta-feira, abril 08, 2016

A descolonização de Portugal


Com o tempo, tenho vindo a aprender que, afinal, quem não se descolonizou fomos nós. Trinta anos passados sobre a independência das colónias portuguesas, alguns continuem a olhar para elas como se tivéssemos um "droit de regard" sobre o que por lá se passa, com juízos condenatórios, dando-nos, por cá, ao luxo de escolher os "bons" e os "maus que por lá estão. À esquerda e à direita, porque nisto de “bitaites” sobre as antigas colónias, a lateralização ideológica é indiferente.

O caso de Angola é exemplar. Depois de 13 anos de conflito colonial, o país entrou, em 1975, numa terrível guerra civil que, com uma pausa ligeira, só terminou em 2002. Angola esteve na linha da frente das últimas décadas da Guerra Fria, com a Rússia e os EUA a decidirem, por intermédio de mortos e estropiados angolanos, as suas últimas batalhas. A paz tem, por lá, pouco mais de 14 anos. A experiência democrática local, seja ela o que for, e todos sabemos o que é, tem exatamente a mesma idade..

As estruturas do Estado, a gestão patrimonial dos bens nacionais e o modelo de governação não podem ser medidos pelos padrões de um qualquer assético país nórdico. Angola está em África, o seu "benchmark" são os países africanos, os seus vizinhos continentais. Isso é válido para a democracia, para a corrupção, para o nepotismo, para a pobreza e para as chocantes desigualdades. E até é válido para a sua comunicação social, para o nível das suas diatribes contra o ex-colono, que tanta urticária provocam em Lisboa. Só se pode comparar o comparável.

O Estado de direito em Angola é discutível? A separação de poderes existe? Eu pergunto: contribuiu Portugal, preparando quadros e estruturas, para uma transição pacífica do período colonial para a independência ou, ao invés, prolongou estupidamente um conflito com os angolanos, que se viram forçados a lutar de armas na mão? 

Quando a guerra colonial começou não havia uma única universidade nas colónias e a educação primária dos negros era da responsabilidade das missões religiosas. Alguém se lembra que o Tarrafal foi reaberto em 1961, depois de encerrado para os anti-fascistas portugueses, para lá colocar os nacionalistas angolanos, os "turras" de então? Ah! Mas não fomos nós! Foi a ditadura do Estado Novo. E não era Portugal? Do Minho a Timor? 

Angola entrou agora em grave crise. O FMI volta a ser chamado em auxílio do país. É fruto de má governação? Claro que sim. E nós? Nesse mesmo período já tivemos o FMI por cá, não duas mas três vezes! Foi fruto de quê? De boas políticas? Acho que um pouco de humildade e sentido da medida, sem pretendermos dar lições aos outros, não nos ficaria mal.

8 comentários:

Luís Lavoura disse...

Quando a guerra colonial começou não havia uma única universidade nas colónias e a educação primária dos negros era da responsabilidade das missões religiosas.

Sim, mas também em Portugal a educação era muito deficiente, muita gente ainda não tinha educação primária e as universidades eram bem poucas e pequenas.

Luís Lavoura disse...

contribuiu Portugal, preparando quadros e estruturas, para uma transição pacífica do período colonial para a independência ou, ao invés, prolongou estupidamente um conflito com os angolanos, que se viram forçados a lutar de armas na mão?

É uma pergunta correta, mas também países, como a Inglaterrs, que permitiram uma transição pacífica das suas colónias africanas para a independência, não deixaram de ver nelas grassar partidos únicos, nepotismo e corrupção.

Retornado disse...

As grandes e exemplares colonizações de África, (Angola, os dois Congos, Ruanda, Nigéria, República Centro-Africana...e a nossa ex Guiné etc.,) da responsabilidade da ONU, EUA, URSS, destes últimos 50 anos é que são os grandes responsáveis de uma situação insuportável para milhões de jovens vagueando por enormes capitais como Luanda...que não se sabe onde isto vai parar.

Portugal é o menos responsável pelo que se passa em África, que vai sobrar para a Europa.

Bem podem aramar a fronteira em Ceuta que não seguram os jovens que também querem ir para o tunel da mancha.

Portugal foi o que menos colonizou e que descolonizou, em África e na América.

Retornado disse...

Portugal tem que ficar para a história que foi o primeiro "reinado" que (i)respnsavelmente globalizou as tribos africanas e não só, e o último que (i)responsavelmente desistiu das responsabilidades que assumiu.

Todos sabiam que as consequências das desistências cínicas a que se chama descolonização iam dar muito mal.

Mas só que pensavam os europeus que os africanos não iam pedir satisfações mais tarde.

Não é pela colonização mas sim pela descolonização que implicitamente está no consciente do mundo inteiro.

Deixemo-nos de cinismos e denunciemos e não percamos a memória.

Anónimo disse...

Quer queira, quer não, na minha modesta opinião, claro que temos o direito de opinar sobre Angola! Era só o que faltava que não! Não se esqueça que o país tal como ele agora é, foi fruto de portugueses, o que aumenta as nossas responsabilidades. Sentimo-nos ligados aquela gente, tanto pelo que fizemos de errado, como de certo. Por isso, porque não falar e denunciar o que possamos achar mal? Porque não falar sobre a pobreza escandalosa que aumenta de ano para ano, enquanto a família Santos e a sua entourage delapidam em proveito próprio os recursos daquele país? Afinal, Portugal tem muitas (não todas) culpas no cartório.

Como deve concordar, não é admissível ver alguém precisar de uma injecção para se curar de uma doença, e esta poder só ser ministrada com autorização de Luanda, autorização essa que chega muito depois do funeral da vítima. Também não é admissível ver angolanos a vasculhar o lixo para se alimentarem, enquanto a “empresária” Isabel dos Santos investe em empresas e bancos. (sabe muito bem de onde vem o capital desta “empresária” de sucesso)

Concordo que não devemos julgar Angola sobre o prisma de “qualquer asséptico país nórdico”. África é África, ou lá o que isso queira dizer, mas também já chega de conversas de culpas do passado pelo que se passa no presente, coa breca! Também já chega de desculpas pelo que se passa no presente com o passado. Eu enquanto português, não tenho que pagar pelo que fizeram os meus antepassados, e fechar-me sob uma cúpula de vergonha e espiação.

Tenho que discordar quando acusa Portugal de não contribuir na preparação de quadros e estruturas (…) para uma transição pacífica do período colonial para a independência”. Embora seja verdade o que diz, isso não é desculpa para os males que afligem o país. Como bem sabe, muitos dos quadros fundadores do MPLA foram formados nas universidades metropolitanas, como Agostinho Neto. Outros, foram formados por outros países na lógica do internacionalismo comunista, nos quais destaco Eduardo do Santos.

O MPLA lutou contra o poder colonial pela independência, mas também para mudar tudo o que estavam mal! Agora pergunto: eles fizeram isso? Não, tanto não fizeram nada como ainda agravaram a coisa. A cleptocracia angolana até se tem portado pior que o colonizador, traindo os valores que nortearam o MPLA na luta contra, nós, os portugueses!

Quanto à chamada do FMI, não devemos misturar as coisas, porque das três vezes que esse sindicato de agiotas foi chamada a Portugal, foi para pagar os desvarios da Revolução, as incompetências de Balsemão e do seu ministro Cavaco, e aquela traição à Pátria que foi a adesão à UEM. Angola se tem lá num espaço de poucos anos o FMI, foi devido ás políticas cleptocratas da família Santos, e dos “generais”. Também não esquecer que Angola tinha uma enorme dívida com Portugal, e que essa foi em grande parte perdoada. É nessa perspectiva que eu vejo estas coisas com Angola, mas isso não me faz ser um daqueles que aqui critica neste seu artigo de opinião. Eu opino da mesma maira com Angola, como com Portugal e outros países. Concordo consigo que devemos ter “humildade e sentido de medida” e não tentar dar “lições a outros”, porque é uma grande verdade que há compatriotas nossos que deviam primeiro olhar para a casa deles, antes de olharem para a dos outros. Eu já fiz esse exercício!

Por isso, caro Embaixador, e em jeito de conclusão, em alguns pontos concordo consigo, porque seguramente pretende criticar alguma gente que ainda pensa com o capacete colonial na cabeça, mas muito do que o MPLA fez desde a morte de Agostinho Neto, já não é desculpável com a colonização, nem com a descolonização.

alvaro silva disse...

Coitados destes autóctones angolanos que tem que falar português para se entenderem entre si. Que mais não fosse só isto bastava para que tivessem eterna gratidão; tudo o mais são especulações (ou expectorações?) de intelectuais alvos (de alvura, não de tiro ao arco).

La Mère Supérieure disse...

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1759206-piedosa-e-louca-d-maria-1-e-homenageada-em-missa-pelos-200-anos-de-sua-morte.shtml

Jaime Santos disse...

Sr. Embaixador, permita-me discordar do tom, mas não totalmente da sua mensagem. Miguel Sousa Tavares disse um dia que Portugal não tinha política externa, tinha interesses no estrangeiro. E muitos tem em Angola e Angola em Portugal. Por que razão, se nos preocupámos com os direitos humanos na China, em Cuba na Rússia e por aí a fora, não haveremos de denunciar um processo em que está acusado um cidadão português, e em que foi grosseiramente violado o princípio da Legalidade Processual, ao ser trazido um novo crime para a acusação durante o julgamento? Não me diga que isto é uma especificidade africana a que devemos fechar os olhos. Porque, de outro modo, podemos ofender o Governo de Luanda? Isto quando Portugal e o seu Governo são mimados periodicamente com epítetos pelo Jornal de Angola, órgão oficial do regime de Luanda, que acaso fossem ditos em qualquer órgão de comunicação social Português sobre Angola, seriam considerados, e bem, como racistas? Francamente, estou farto da subserviência que Portugal presta a Países como Angola e o Brasil e olho quer para a moção do PS quer para o fino comunicado do MNE sobre o julgamento dos ativistas angolanos como uma refrescante evolução no comportamento timorato de todos os partidos portugueses, BE excluído, em relação a esta matéria. Como olho com bom olhos para a discreta diplomacia do PM no sentido de resolver o problema do BPI, porque se não quero que os interesses angolanos percam a face neste processo, quero que percebam bem que não têm nenhum 'droit de regard' sobre Portugal...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...