Há algumas horas, ao ver Obama descer do Airforce 1, reparei na cara conhecida que o recebia na pista (de óculos, sorridente, atrás de Obama, na foto). Era o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Bruno Rodriguez.
Bruno foi meu colega em Nova Iorque, quando fui embaixador junto da ONU. Estabelecemos então uma ótima relação, idêntica à que sei que tinha com o meu antecessor, António Monteiro, e provavelmente, com colegas que me sucederam - porque sei que esteve muito tempo nas Nações Unidas.
Devo dizer que, em todos os países onde servi - da Noruega a Angola, do Reino Unido ao Brasil e a França, bem como em instâncias internacionais - criei sempre com os diplomatas cubanos um bom entendimento. Portugal era olhado por eles, e com razão, como um "honest broker", um país que, sem prescindir dos princípios que lhe competia defender na ordem internacional, tentava sempre encontrar pontos comuns e atenuar desnecessárias tensões. A diplomacia cubana era muito militante, mas o toque tropical e latino tornava-a bem mais agradável do que a do antigo centro e Leste europeus. O caráter detestável do seu regime, em matéria de Direitos do Homem e democracia, acabava por ser atenuado pela simpatia e cordialidade de muito dos seus diplomatas. A diplomacia é também isto.
Poucos meses depois de chegar a Nova Iorque, e ter sido eleito para a vice-presidência do Conselho Económico e Social (ECOSOC), fui aproximado pelo meu colega do Reino Unido, que ia deter dentro em breve a presidência do Conselho de Segurança, pedindo a minha ajuda para se organizar uma ação conjunta entre esse órgão e o ECOSOC. Seria uma jornada de um dia, já não recordo sob que temática, que se me afigurava relativamente neutral e até interessante. Perguntei-lhe se a China estava de acordo, porque o peso do G77 (grupo de países do Sul, onde a voz de Pequim era influente) era essencial. Garantiu-me que sim, que todos os cinco membros permanentes não criariam dificuldades. Achei "fruta a mais", mas falei com o colega camaronês que presidia ao ECOSOC e obtive luz verde para avançar.
As primeiras sondagens tornaram-me otimista. Procurei o colega iraniano, que tinha considerável poder de mobilização para um potencial bloqueio no G77, que, sem mostrar grande entusiasmo, disse que, por ele, não objetaria. Mas advertiu-me: "Não faças nada sem falar com o Bruno!" E lá fui à procura do simpático cubano. Na semana anterior, tivera-o a jantar em casa com a mulher. Achei que estava "no papo". Pois isso!
Bruno Rodriguez foi encantador, como sempre, começando por me dizer, com aquela memória de elefante que se cria no mundo multilateral: "Sabes que essa ideia já não é nova?" Eu não sabia. "Mas tens alguma coisa contra a iniciativa?", perguntei-lhe. Expliquei que a temática me parecia inóqua, que os restantes membros permanentes não pareciam ir criar dificuldades, que alguns "key players" do Sul que já tinha contactado também não objetariam. Porém, a influência de Cuba no G77 era grande, pelo que precisava do seu apoio.
Bruno olhou para mim, para a minha "naïveté", e disse-me: "Tens de perceber que não é o tema a tratar que interessa, porque o que importa é quem o propõe. Se essa iniciativa vem dos britânicos é porque interessa "a los yankees" e, Francisco, se a ideia interessa a Washington não nos interessa a nós. E posso assegurar-te uma coisa: os americanos fariam o mesmo, se fôssemos nós a ter a iniciativa. Só que nós nunca o faríamos, porque consideramos importante que o ECOSOC fique imune às iniciativas do Conselho de Segurança, em especial se vindas de certos países. Por isso, tenho muita pena, mas não podes contar com o meu apoio". E a ideia foi "por água abaixo". Quando expliquei, com pena, ao meu colega inglês que não pudera ser-lhe útil, fiquei com a sensação de que não estava à espera de outra coisa...
Ontem, lá estava Bruno na pista, a receber o "yankee". Terá mudado entretanto alguma coisa na ONU?