terça-feira, março 08, 2016

Cavaco Silva


Aníbal Cavaco Silva sai amanhã da cena política. Em quase metade da minha vida como servidor público tive-o como ministro, primeiro-ministro e presidente da República.

Conheci-o ainda antes, como examinador, na minha prova oral de entrada para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 1975. Ele era então um jovem professor de economia, regressado de York, onde se tinha doutorado. Foi uma prova exigente, dura, mas correta. O tema - assuntos europeus - estava, à época, muito longe de ser a minha especialidade... Saí-me, creio, assim-assim. Tive a classificação que merecia.

Trocámos impressões sobre esse episódio, quatro anos mais tarde, na Noruega, era ele ministro das Finanças e eu diplomata na nossa embaixada. Notei o prazer que revelava por ter sido membro desse júri de admissão dos novos diplomatas. É, de facto, uma tarefa nobre e interessante. Também eu, anos mais tarde, fiz parte dos membros desse júri, ao lado de outro examinador que se chamava Marcelo Rebelo de Sousa.

Se, como ministro, Cavaco mantinha uma certa reserva, que sempre me pareceu fruto de alguma timidez e aversão a terrenos onde se não sentisse seguro, como primeiro-ministro fiquei com a sensação de que estimulou (ou aceitou, com agrado - a doutrina divide-se) a criação, à sua volta, de uma redoma de proteção, com uma hiper-segurança e uma corte reverente que o isolava. Creio que se sentia bem confortável assim, distante, parcimonioso na palavra, frio a um ponto de ser quase desagradável. É "um estilo", dizem alguns. Talvez, mas os estilos sujeitam-se a ser qualificados por quem se confronta com eles.

Por coincidência, fui o primeiro embaixador português a ser recebido por Cavaco Silva, enquanto presidente. Notei-o nesse dia mais solto, como se o regresso à política, noutro patamar, depois de uma década de travessia do deserto, lhe tivesse feito bem. Contudo, essa impressão não se confirmaria nos anos seguintes, onde o fui sentindo progressivamente crispado, como se o atravessasse uma desconfiança permanente, o receio de um passo em falso, um cuidado extremo em funcionar "by the book".

Na última vez que nos cruzámos, em 2013, estávamos ambos de fraque, nos dourados de Queluz. Eu,  já reformado da função pública portuguesa, representava uma entidade internacional, o Conselho da Europa, na cerimónia anual de cumprimentos ao chefe do Estado pelo corpo diplomático estrangeiros acreditado em Lisboa. Era então diretor executivo do Centro Norte-Sul, curiosamente uma organização a que Cavaco Silva dedicou sempre grande interesse. Não tive tempo para lhe lembrar que, em 1989, fora eu, enquanto diplomata, quem lhe escrevera o discurso que fez na inauguração do Centro.

Nunca mais encontrei pessoalmente Aníbal Cavaco Silva. Neste que é o último dia da sua função presidencial, acho que o mínimo de elegância aconselha a não falar demasiado do lado político de Cavaco Silva, particularmente por parte de quem, desde o primeiro dia que com ele se encontrou, nunca teve um mínimo de sintonia com a sua forma de estar na política e no serviço público. Não duvido, longe disso, que Cavaco, como ontem disse, tenha sempre agido na convição de que o fazia "de acordo com o superior interesse nacional". Porém, se um político a quem o país deu quatro maiorias absolutas acaba com a popularidade mais baixa do que qualquer outro presidente teve no final do seu mandato, das duas uma: ou é ele que está enganado ou foi o eleitorado que se equivocou. A História irá escolher.

21 comentários:

Anónimo disse...

Numa sociedade tão emocional como a Portuguesa vejo como natural que Cavaco, frio, distante, pragmático, racional, acabe o mandato com a popularidade pelo chão. Agora se isto é defeito de Cavaco ou da sociedade Portuguesa é outra questão.

Septuagenário disse...

Chegar aonde chegou, sem aventais, sem sotainas, sem panfletagens, sem jornalistas, sem ligar a comentaristas, sem agradar a gregos nem a troianos, sem pertencer a elites nem à fina flor do entulho, algo de estranho se passa.

Será que é exactamente porque nunca se enganou? ou melhor enganou-se apenas quando concorreu com Sampaio?

Temos que tirar o chapéu a Cavaco, nem que seja ao virar da esquina, para disfarçar.

Anónimo disse...

A sociedade viu em Cavaco o tipo de político impoluto que não viu noutros. Foi por essa razão que ele foi ganhando como ganhou e não pelas políticas que praticou, algumas delas, nem merecem comentários de tão más que foram. Agora que não deixa saudades não.

Isabel Seixas disse...

Nunca mas nunca mesmo mesmo nunca me enganou...
nunca precisei de lhe dar o golpe misericordioso do mal menor ou do medo da autoridade obsoleta, que se vá com a hipocrisia das fachadas ou se quiser com o cantar das cegadas...

Anónimo disse...

Rejoice! Já nem 24 horas faltam.

JPGarcia

Joaquim de Freitas disse...

Subscrevo as palavras de Isabel Seixas Seixas. Nao se podia dizer melhor.

Thiago de Assumpção disse...

é pelo visto ele sai, e vocês teve ventos de mudanças.
Já aqui no Brasil a coisa ta muito feia, tamo quase entrando numa guerra civil aqui.

josé ricardo disse...

Cavaco também nunca me enganou. Mas também é verdade que ele nunca nos enganou. Tal como o recente Passos Coelho, disse sempre ao que vinha. Acontece que ao sebastiânico Cavaco primeiro-ministro - homem das finanças públicas (tal como Salazar), o primeiro não advogado a ser eleito para a chefia de um governo em democracia (o primeiro não-político, portanto) - faltava-lhe porventura o que de mais precioso um presidente da República pode possuir: a cultura humanista. Como um dia referiu o insuspeito Nuno Rogeiro a respeito das crises Cavaco-Soares, o problema de Cavaco está tão-somente nos livros que não leu (em claro contraponto com Mário Soares).
Devo, no entanto, notar que Cavaco Silva foi também alvo de um achincalhamento gratuito por parte da letradíssima e bem-nascida burguesia da linha Lisboa-Cascais, que o jornal independente foi claramente o maior estandarte comunicativo. Na verdade, para a pacovice lisboeta, nascer na província e fazer figura sempre constituiu uma irrazoabilidade.
Afinal, será assim tão grave não saber que os lusíadas têm doze cantos? Ou será que são nove?...

Anónimo disse...

O Sr. Embaixador acha que a História vai perder algum tempo a escolher?
A esquerdalhada pode estar sossegada, que tanto dele como de todos os outros vão restar os quadros pintados, pendurados nas paredes, e os nomes nas placas inaugurativas que ninguém vai conhecer!
Dos fracos não reza a História!

msampayo disse...

Assim se mostra que um diplomata jamais deixa de ser um diplomata. Ainda bem que assim é.

Anónimo disse...

caro zuricher

pergunte ao dias loureiro!

cumprimentos

Anónimo disse...

Para provinciano, já basta o pobre do pinto de sousa, tal como ele se justificou perante o juiz. Coitado, diz que era um pobre provinciano que andou uns anitos na politica e a pedir dinheiro emprestado ao pobre do amigo silva, mas depois o dinheiro ia para as amázias, ihhhh

Anónimo disse...

Fica-lhe bem e demonstra coerência. Alguém que já fez posts a defender e apoiar soares, sócrates e lula da silva não pode defender, em simultâneo, o mais relevante político do tempo democrático em Portugal. E é muito normal que não tenha " um mínimo de sintonia com a sua forma de estar na política e no serviço público". Cavaco Silva não faz muito o seu perfil sr. embaixador, ele é uma pessoa discreta, pacata, não é gourmet e, verdade, sempre esteve focado nos superiores interesses nacionais. Entretenha-se antes a escrever sobre os seus amigos, que fazem uma novela bem mais interessante para os seus leitores.

NG disse...

Votei várias vezes em Cavaco Silva. Fui ludibriado. O seu segundo mandato espatifou Portugal. No momento em que o país mais precisava dele, no auge da crise financeira global, incendiou o governo em funções para satisfazer caprichos e ressabiamentos pessoais. E o país deixou de ser o que era.

Anónimo disse...

Amanhã, dia 9 de Março de 2016, devia ser feriado! UFA!! Finalmente sai de cena o contabilista/troglodita, com pouco jeito para tudo, inculto, vingativo, torcido, provinciano. Saiu de Boliqueime, mas Boliqueime não saiu dele. Humilhou o povo que o elegeu com a atoarda mentirosa da sua pensão de reforma, que não sabia se daria para as suas despesas, (10.000 euros + ajudas de custo). Ao não querer receber o vencimento da função de PR, definiu-o, como tal. A reles história das escutas, etc. As imagens nas vacas dos Açores e a pegar na passarinha (cagarrinha). Enfim, uma pessoa, que quando entrava no elevador do BP, não dava o bom dia aos colegas. UFA!!

Unknown disse...

Presumo que a popularidade mais "baixa" da historia, se posta a prova, ainda iria dar pano para mangas. Os "tudologos" em circuito fechado, dâo-se ares que frequentemente são desmentidos pela realidade.

Joaquim de Freitas disse...

Quando leio textos como o do anonimo das 21:02 e o comparo com os da maioria expressa aqui, digo-me que é normal que Bush ainda tenha americanos que o admirem , apesar de "tudo"! Como se o pais onde viveu, este anonimo, fosse outro que aquele no qual Cavaco causou estragos . Noutros paises, no passado, chamavam-se "colaboracionistas"!

Curtas & Baratas disse...

E não é que, de repende, se respira melhor? É impressão minha ou o ar está mais puro?

Anónimo disse...

É estranho que ninguém goste dos politicos ou candidatos a politicos. Mas eles passaram por lá e até engordaram, com o voto de quem? Salazar, quando se dirigia ao povo estava rodeado pelas multidões a aplaudirem-no. Morreu pobre, porque soube separar o trigo do jóio.Mas deixou a cada português uma dívida de 100 contos, mesmo que eu a não tenha contraído. Apareceram outros não politicos transformados em politicos e até a pouparam uns cobres ao Estado. Foram acusados de tontos por se terem recusado a receber ao que tinham direito. Apareceram os supernavegadores que, dizem, até deram a volta ao mundo o equivalente a três viagens. Criaram Fundações e o OE põe lá dinheiro. Idem a CMunicipal. 9 000 000 €/dia entraram em Portugal durante anos. Uns a fundo perdido, outro a fundo desviado e agora estamos perante uma dívida colossal.Dizem uma dívida equivalente a 3000 contos/português, mas eu não contribuí. Pagaram-se reformas a quem nunca descontou ou trabalhou.Hoje vemos aposentações miseráveis pagas a quem trabalhou um eternidade e dão-se milhões a quem pouco produziu. Mas eles mostram enriquecimento e até disseram que com ordenados de 1000 contos morriam de fome ou com 3000 euros continuam a morar debaixo das saias da mãe. Ramalho; Soares; Sampaio e agora Cavaco, estão-se nas tintas para a pobreza de Portugal e dos portugueses, mas o povo além de sereno é humilde, mesmo com a garganta e o estômago a apertar-se à barriga.Que Marcelo traga outra alegria ao país já que nada mais pode fazer pelos portugueses, se não o seu sorriso e que o OE não o obrigue a gastar, mais do que ele pretende e os portugueses não têm.

Joaquim de Freitas disse...

De todos, o mais nocivo, o que mais empobreceu os Portugueses foi aquele que aferrolhou o ouro, para ter um escudo forte, mas não investiu no futuro, que são a educação, o desenvolvimento de todos os sectores vitais da economia, para que esta pudesse gerar a riqueza que teria posto os Portugueses num nível decente e não onde está hoje, na cauda da Europa, obrigados desde sempre a levar a força do seu trabalho ao estrangeiro.

Mais ainda, o ouro que não se investiu inteligentemente foi depois talvez mal gasto por outros. Investir no futuro duma Nação é como uma empresa que investe em novas maquinas, mais modernas, para ser mais competitivo no mundo que o envolve.

O maior roubo que se pode fazer a um povo é o seu futuro. Porque são gerações que partem para a batalha sem as armas necessárias. Salazar foi o coveiro de Portugal.

Quanto aos outros que seguiram, há os que criam sinceramente, poucos, e os que apanharam as rédeas para explorar o filão inextinguível da estupidez humana.

Reaça disse...

Joaquim de Freitas é um português muito infeliz.
Umas romarias a Santa Comba fazem bem.
Vá lá e leve uma coroa de flores.

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...