Há semanas, num jantar com um antigo ministro de uma das antigas colónias portuguesas, que tinha vindo ao nosso país para estar presente numa evocação da Casa dos Estudantes do Império, coloquei-lhe uma questão: será que os novos países emergentes da colonização portuguesa manifestaram já o seu reconhecimento àqueles que, em Portugal, sob a repressão da ditadura, lutaram a seu lado, defendendo a independência dessas colónias?
A oposição ao Estado Novo chegou tarde ao anti-colonialismo. O patriotismo do movimento republicano, no final do século XIX, tinha a defesa das colónias no eixo da sua doutrina. Já no século XX, Portugal forçou a sua entrada na Grande Guerra como forma de poder sentar-se à mesa dos vencedores, que decidiria o futuro dos territórios. Cunha Leal e Norton de Matos, figuras destacadas da oposição a Salazar, eram orgulhosos "colonialistas", tendo-se confrontado nesse terreno com Salazar em termos meramente metodológicos. Nos anos 50, perante o movimento independentista que se generalizou às colónias britânicas, francesas e belgas, os democratas portugueses permaneceriam por muito tempo numa linha recuada.
Embora com um "timing" bastante atrasado face aos seus congéneres europeus, verificaremos que os comunistas portugueses foram os primeiros a iniciar uma leitura sobre a inevitabilidade da independência das nossas colónias. O desencadear da luta armada em Angola, e a tomada do Estado da Índia, em 1961, marcam o início desse novo tempo. Se nenhuma hesitação se pode igualmente registar da parte dos movimentos de extrema-esquerda, surgidos na vida política portuguesa a partir de 1962, já na área socialista o tema levou muito mais tempo a maturar: durante as "eleições" legislativas de 1969, o discurso "ultramarino" da Ação Socialista Portuguesa (ASP), liderada por Mário Soares na CEUD, manteve-se ainda muito equívoco. Já antes, aliás, na origem da crise da Resistência Republicana e Socialista, que daria origem à cisão entre a ASP e a Ação Democrato-Social, a questão colonial havia estado já ligeiramente presente.
Pode dizer-se que as eleições de 1969 representaram o momento em que a questão da luta anti-colonial passou a estar no centro do discurso oposicionista. É nessa altura que começam a multiplicar-se ações muito concretas de apoio aos "movimentos de libertação", com uma curiosa incidência nos meios católicos, enfunados pela leituras radicais do Concílio Vaticano II, de que o episódio da Capela do Rato (1972) é um exemplo importante. Exemplos como o CIDAC (Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial, reconvertido, após 1974, em Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral) e as ações violentas conduzidas pelas Brigadas Revolucionárias e pela Ação Revolucionária Armada são apenas algumas dentre as muitas estruturas cuja ação ilustrou, de forma muito clara, essa atitude anti-colonial no seio da oposição à ditadura. Note-se que a repressão policial tinha as expressões de apoio à luta armada nas colónias como alvo prioritário.
Apoiar a independência das colónias nunca foi fácil. Com tropas portuguesas a morrerem nas frentes africanas, no combate aos movimentos independentistas, estava longe de ser cómodo assumir, em Portugal, um apoio a esses grupos. Quem o fez arrostou - e às vezes ainda arrosta - com um labéu de "traidor", que se estendeu com particular virulência aos desertores. Ter razão antes do tempo é, quase sempre, bastante complexo.
E volto ao princípio, para me interrogar sobre se os novos Estados, passados que são quase 40 anos sobre as suas independências, marcaram já, de forma clara e inequívoca, o seu reconhecimento histórico face a quantos, deste lado europeu - mas também, em alguns casos, no seu próprio território -, arriscaram a sua vida e a sua segurança para apoiarem uma luta que consideravam justa. Não creio que isso tenha sido feito e tenho pena: essa seria uma ação pedagógica junto das próprias opiniões públicas das antigas colónias, que assim melhor perceberiam que os seus povos puderam contar, a partir das suas primeiras movimentações de contestação dos poderes de Lisboa, com bons e leais amigos na "frente" do próprio país colonizador, que por eles correram fortes riscos e muitos dos quais pagaram por isso um imenso preço. Talvez a própria imagem de Portugal junto desses novos Estados pudesse vir a ganhar com isso. Mas, um gesto desses, a ser feito, teria de sê-lo num prazo de tempo razoavelmente rápido. É que essa geração portuguesa começa já a desaparecer.