Há dias, alguém me dizia que a Ucrânia, onde vai decorrer, daqui a pouco, uma parte do campeonato europeu de futebol, é um dos países mais perigosos do mundo. Fiquei intrigado. Já por lá andei e não me recordo de ter sentido que fosse mais perigoso do que qualquer das outras repúblicas vizinhas. Esse meu velho conhecido esclareceu: "Experimenta ir lá sozinho, sem a tua mulher, e logo verás se não é "perigoso"...". Aí, entendi. E olhando para o impublicável título do grupo de jovens que pretende combater a onda de prostituição que, no seu entender, por lá terá lugar, livre e pelos cantos, para os prolongamentos e para os foras-de-jogo do campeonato, reconheço, de facto, esse imenso "perigo".
A Ucrânia é um grande e belo país, com uma relação sempre muito complexa com Moscovo, polarizado política e humanamente entre uma tentação pró-russa e uma dinâmica favorável a uma maior aproximação com o ocidente, maxime com a União Europeia, que o seu parceiro nesta aventura futebolística, a Polónia, sempre procura estimular. Por lá se cruzam, assim, culturas políticas algo contraditórias, que oscilam entre as dinâmicas autoritárias a leste e os ventos da liberdade que sopram do oeste. E porque, nos dias de hoje, o desporto é uma arma política, graças à potenciação mediática, não nos espantemos se virmos este campeonato transformar-se num palco de reivindicações dessa natureza.
Fui à Ucrânia, pela primeira vez, há muitos anos, ao tempo em que era parte da União Soviética. Viajando numa baratucha excursão norueguesa, passei uma semana nas praias do mar Negro, com a curiosidade acrescida de poder sentir, com os meus próprios olhos, o ambiente do palácio de Livadia, onde, em 1945, muito do destino que o mundo de hoje ainda anda a viver foi desenhado pelas conversas entre Stalin, Churchill e Roosevelt. Sem autorização para sair da cidade mais do que alguns poucos quilómetros, quase sem ter acesso a lojas e com escassos pontos turísticos acessíveis, pouco havia para fazer nessa estranha vilegiatura, numa cidade que já fora deslumbrante e que então sofria de uma decadência sem graça.
Uma tarde, passeando em Ialta, à beira-mar, com ar de uma oriental Riviera datada, demo-nos conta, de repente, de que imensas mulheres que conosco se cruzavam usavam sapatos vermelhos, todos do mesmo tipo. Eram dezenas, sem exagero, umas a seguir às outras. Quase por acaso, fomos dar a um grande armazém, o qual, como era de regra na URSS, muito pouco tinha à venda (ainda me arrisco a ser contraditado neste blogue por algum nostágico, que por lá tenha andado de férias pagas pelo "Komsomol"). Entrámos, escapando a uma fila de mulheres que, de forma paciente, se formava escada acima, não se percebia muito bem para quê. O mistério desfez-se, minutos depois: eram os sapatos vermelhos que "estavam a sair", expressão que, poucos anos mais tarde, muito ouviria em Luanda, nos momentos mais folgados do "socialismo esquemático" (expressão local que significava um tipo de socialismo cujo quotidiano só se podia suportar graças a "esquemas"). Nesse dia, como novidade, só havia à venda esses sapatos vermelhos... Estou certo que as belas ucranianas de hoje já não usam sapatos desses, quanto mais não seja porque muitas foram aculturadas a detestar o vermelho.
A nós, na Ucrânia, em termos futebolísticos, vai-nos competir descalçar uma das botas mais difíceis deste torneio, num grupo "impossível". Se assim não conseguirmos, e como povo que ciclicamente coloca a salvação da sua alma nacional na biqueira de uma Nike, de uma Adidas ou de uma Puma, lá teremos nós um traumatismo... ucraniano!
Uma tarde, passeando em Ialta, à beira-mar, com ar de uma oriental Riviera datada, demo-nos conta, de repente, de que imensas mulheres que conosco se cruzavam usavam sapatos vermelhos, todos do mesmo tipo. Eram dezenas, sem exagero, umas a seguir às outras. Quase por acaso, fomos dar a um grande armazém, o qual, como era de regra na URSS, muito pouco tinha à venda (ainda me arrisco a ser contraditado neste blogue por algum nostágico, que por lá tenha andado de férias pagas pelo "Komsomol"). Entrámos, escapando a uma fila de mulheres que, de forma paciente, se formava escada acima, não se percebia muito bem para quê. O mistério desfez-se, minutos depois: eram os sapatos vermelhos que "estavam a sair", expressão que, poucos anos mais tarde, muito ouviria em Luanda, nos momentos mais folgados do "socialismo esquemático" (expressão local que significava um tipo de socialismo cujo quotidiano só se podia suportar graças a "esquemas"). Nesse dia, como novidade, só havia à venda esses sapatos vermelhos... Estou certo que as belas ucranianas de hoje já não usam sapatos desses, quanto mais não seja porque muitas foram aculturadas a detestar o vermelho.
A nós, na Ucrânia, em termos futebolísticos, vai-nos competir descalçar uma das botas mais difíceis deste torneio, num grupo "impossível". Se assim não conseguirmos, e como povo que ciclicamente coloca a salvação da sua alma nacional na biqueira de uma Nike, de uma Adidas ou de uma Puma, lá teremos nós um traumatismo... ucraniano!
Em tempo: quanto os resultados, há dias, com a Macedónia e, ontem, com a Turquia, não "liguem": nós sempre fomos um país que cuidou em fazer gestos simpáticos aos candidatos à União Europeia...