Os dias tinham sido cansativos. A Embaixada de Portugal naquele periférico país era muito pequena e a pressão de trabalho, preparatório e de acompanhamento da "comissão mista", tinha sido intensa. A visita tinha compreendido mais do que uma cidade, o que constitui sempre um pesadelo logístico. O embaixador e o seu único colaborador ansiavam já pelo regresso a Lisboa da imensa delegação, que se faria após o almoço (quando via partir visitas oficiais, o embaixador tinha por hábito comentar, aliviado: "mais uma lebre corrida!").
Vale a pena dizer que, no início dessa década de 80, as comitivas portuguesas ao exterior eram quase sempre grandes, brindadas com um luzido painel de representantes de vários ministérios (os "ministérios sectoriais", no nosso calão diplomático), a fazer de "corte" ao membro do governo que as chefiava. Por essa razão, a mesa da residência do embaixador estava completa, nesse almoço de despedida.
O ministro - que, no futuro, estava destinado a ter uma interessante carreira política - era do género pouco falador, entre o tímido e o distante. Muito "business-oriented", não era de graçola fácil ou de contar historietas para a assistência. Quando, em momentos raros, lhe saía algo mais "solto" e com mínima pinta de graça, convocava logo atentos sorrisos ou gargalhadas da sua "corte", publicamente feliz por poder partilhar essa inesperada intimidade.
Por essa limitação do convidado de honra, o nosso embaixador, com a técnica de alimentação social das conversas que os anos na "carreira" ensinam, lá procurava "encher" o ambiente, elegendo como interlocutora principal a mulher do ministro, que percebera ser uma figura mais expansiva e opinativa. Tudo, porém, sempre num registo bastante formal.
A certo ponto da refeição, foram servidas uma belas trutas. Mais como comentário de circunstância do que como manifestação de curiosidade, a mulher do ministro inquiriu: "Costuma ter por cá trutas, senhor embaixador?". É então que ao diplomata, talvez com a prudência e a contenção fragilizadas pelo imenso cansaço que o invadia, lhe saiu esta inopinada graça: "Não tenho estado mal servido de trutas. Logo que aqui cheguei, apareceu-me o dr. Mário Soares. Pouco tempo depois, esteve aqui a engª Lurdes Pintasilgo e, logo a seguir, o professor Freitas do Amaral. Agora, esteve cá o sr. ministro. Como vê, minha senhora, de trutas estou bem aviado".
(Vale a pena assinalar, para quem o não saiba, que, numa certa geração - que era a do embaixador -, o termo "truta" era utilizado coloquialmente como sinónimo de "pessoa importante".)
(Vale a pena assinalar, para quem o não saiba, que, numa certa geração - que era a do embaixador -, o termo "truta" era utilizado coloquialmente como sinónimo de "pessoa importante".)
A mesa gelou, com os cantos dos olhos dos presentes a tentarem analisar a reação do ministro. Houve cinco trágicos segundos de interminável silêncio, até que o mais velho membro da delegação, um homem já com algum mundo, soltou uma forte gargalhada, que teve o condão de provocar um "ressurant" esgar no ministro, um largo sorriso da respetiva mulher e rumores de risada nos restantes presentes. Do gelo, passámos ao alívio e, logo de seguida, às trutas.





































