quarta-feira, abril 22, 2009

Rota da Seda

A Ásia Central é uma região do mundo que vive sob o manto de um relativo desconhecimento, como que escondida atrás de uma Rússia com a qual tem uma relação complexa e ofuscada pela vizinhança mais mediática da China, do Irão e do Afeganistão. A antiga "Rota da Seda" é constituída por cinco dos 15 países que resultaram da implosão da antiga União Soviética e tem, dentro de si própria, fortes contradições, parte das quais resultantes de alguma arbitrariedade na definição de fronteiras que Estaline lhes impôs. O seu processo político, desde o fim da URSS, não tem sido linear e tem passado por convulsões diversas, quase sempre sob modelos políticos autoritários.

Portugal tem mantido uma escassa presença nessa área, onde não tem embaixadas mas com a qual, curiosamente, tem sabido sustentar um registo constante de diálogo, que é muito o fruto do trabalho que desenvolveu no quadro da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), da Cimeira de Lisboa, em 1996, até à sua presidência da organização, em 2002. Há dias, o ministro português dos Negócios Estrangeiros fez uma visita à região, tendo ficado desenhados vários instrumentos para uma possível cooperação bilateral entre Portugal e esses Estados, cujas instituições, bem como as estruturas da respectiva sociedade civil, se torna muito importante conseguir apoiar e reforçar.

Há uns anos, com outros três embaixadores da OSCE, viajei por todos esses países e pude aperceber-me que, por detrás de nomes com terminações similares que induzem à confusão dos não iniciados (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzebequistão), vivem realidades muito diferentes e, não raramente, conflituantes entre si. Petróleo, escassez de água, lixos tóxicos, questões religiosas e de minorias, para além das tensões estratégicas provocadas pelo radicalismo islâmico e pela fragilidade das culturas democráticas, são algumas das temáticas de que, sem qualquer dúvida, ouviremos falar muito no futuro. Os tempos da luta anti-terrorista acabaram por travar, em alguns deles, a abertura que já se pressentia nos respectivos regimes e, em certos casos, deram mesmo um álibi para novas vagas repressivas. Noutros, porém, tem vindo a detectar-se alguma dinâmica de inclusão cívica, que deve ser estimulada e relevada.

É a propósito da Ásia Central que deixo hoje uma pequena história.

Durante a nossa viagem diplomática, num desses países sujeito a um regime muito autoritário, verificou-se ser impossível conseguir contactos com opositores ao regime de partido único, por óbvio receio de represálias. O máximo que se conseguiu foi falar com a representante de uma Organização Não Governamental local, dedicada ao acompanhamento da situação dos prisioneiros políticos. Ela entrou na sede da delegação da OSCE, onde nos encontrávamos, sabedora que tinha de aproveitar a presença de diplomatas ocidentais para dar conta da terrível situação que afectava alguns dos seus compatriotas. Relatou-nos, sempre sem recorrer a um tom dramático, algumas barbaridades cometidas pelo governo do país, deu-nos nomes e locais, detalhou as imensas dificuldades sentidas pela sua organização e o escasso apoio que conseguia junto das missões diplomáticas estrangeiras, muitas delas há muito convertidas à cínica lógica da "realpolitik". Todos ficámos impressionados pela serenidade grave desta mulher, pela sua dignidade e coragem, pelo muito que arriscara ao vir falar connosco. À saída, num tom quase neutro de voz, com uma naturalidade desconcertante, deixou-nos um simples pedido: "Se vos fôr possível, peçam às embaixadas ocidentais que existem aqui no meu país para estarem atentas ao que me pode vir a acontecer. É que estou segura que as minhas autoridades não me vão perdoar pelo facto de ter vindo falar convosco..."

Protocolo

A imaginação da gastronomia protocolar não tem limites. Ontem, fui convidado para uma exposição seguida de um "cocktail dînatoire". Conhecia a expressão, mas já não a via referida há muito. É como se se avisasse que a recepção será tão abundante que, depois dela, ninguém precisará já de jantar.

Lembrei-me que há, em Portugal, um termo similar, o "lanche ajantarado". Mas, como me dizia, na ocasião, um colega português, que tem por missão dar atenção prioritária às coisas da cultura, a nós nunca nos passa pela cabeça pôr isto num cartão de convite.

Soufflé

Era num desses países onde a tradição manda que o dono da casa, no início dos jantares formais, diga sempre umas palavras sobre cada um dos convidados, sem nenhuma excepção. O exercício parece fácil mas, para um embaixador estrangeiro, para quem muitas das pessoas presentes eram conhecimentos recentes, alguns com nomes bizarros, a tarefa era sempre algo complicada. O recurso a uma "cábula", discretamente colocada em frente do anfitrião, costumava ser a solução tradicional.

Mas o nosso embaixador - porque é de um embaixador português que falamos - rapidamente perdeu a paciência para seguir, nos seus jantares, o protocolo local e decidiu-se por um expediente, que considerou ser uma imbatível trouvaille. Um dia, levantou-se ainda antes do início da refeição, e disse: "Eu teria muito gosto de falar sobre cada um dos convidados, como mandam as regras locais, mas acabo de saber de um impedimento que, julgo, todos compreenderão: há um soufflé a sair! Ora um soufflé, como é sabido, não pode esperar e afirmam-me da cozinha que está pronto a ser servido. Assim considerem-se todos cumprimentados... e bom apetite!"

Os convidados entenderam a pressa do embaixador e o jantar decorreu da melhor forma. Tudo estaria muito bem se o embaixador não tivesse decidido enveredar, nos jantares seguintes, e quase sistematicamente, pela repetição do "truque" que lhe permitia evitar o discurso. Só que não se dava conta que alguns dos convidados eram, por vezes, os mesmos e, por isso, já tinham ouvido a estafada história do soufflé. Que se tornou famosa no corpo diplomático local...

Há uns anos, regressei a essa cidade e jantei com um desses convivas, que logo me perguntou: "Que é feito daquele simpático embaixador português que, durante anos, para evitar fazer discursos, dava sempre soufflé como entrada?"

terça-feira, abril 21, 2009

Amália e os poetas

É impressionante como a figura de Amália Rodrigues continua a mobilizar as pessoas, mesmo em Paris. Ontem, durante a apresentação do livro de Jean-Jacques Lafaye, "Amália e os poetas", uma animada discussão sobre Amália e o fado, com guitarradas à mistura, deu lugar a uma concorrida sessão no Centro Cultural Gulbenkian, na avenue de Iéna. E de notar que os portugueses presentes eram bem menos que os franceses.

Canções de Abril (1)

Nesta semana em que se comemoram os 35 anos do 25 de Abril de 1974, será curioso revisitar o "Venham mais Cinco", uma das canções que marcaram essa data.

Ouça aqui.

segunda-feira, abril 20, 2009

Voltaire e Lisboa

Como modesta homenagem ao mortos de Aquila, em Itália, vale a pena lembrar um extracto do "Poème sur le Désastre de Lisbonne", que Voltaire publicou em 1756, no ano seguinte ao terramoto que devastou a capital portuguesa. Esse texto serviu de pretexto para o filósofo se opor a quantos viam no acontecimento um mero reflexo inelutável da vontade divina


O malheureux mortels! ô terre déplorable!
O de tous les mortels assemblage effroyable!
D'inutiles douleurs éternel entretien!
Philosophes trompés qui criez: "Tout est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
Qui, sanglants, déchirés, et palpitants encore,
Enterrés sous leurs toits, terminent sans secours
Dans l'horreur des tourments leurs lamentables jours!
Aux cris demi-formés de leurs voix expirantes,
Au spectacle effrayant de leurs cendres fumantes,
Direz-vous: "C'est l'effet des éternelles lois
Qui d'un Dieu libre et bon nécessitent le choix"?
Direz-vous, en voyant cet amas de victimes:
"Dieu s'est vengé, leur mort est le prix de leurs crimes"?
Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants
Sur le sein maternel écrasés et sanglants?
Lisbonne, qui n'est plus, eut-elle plus de vices
Que Londres, que Paris, plongés dans les délices?
Lisbonne est abîmée, et l'on danse à Paris.

Tranquilles spectateurs, intrépides esprits,
De vos frères mourants contemplant les naufrages,
Vous recherchez en paix les causes des orages:
Mais du sort ennemi quand vous sentez les coups,
Devenus plus humains, vous pleurez comme nous.
Croyez-moi, quand la terre entrouvre ses abîmes
Ma plainte est innocente et mes cris légitimes
Partout environnés des cruautés du sort,
Des fureurs des méchants, des pièges de la mort
De tous les éléments éprouvant les atteintes,
Compagnons de nos maux, permettez-nous les plaintes.
C'est l'orgueil, dites-vous, l'orgueil séditieux,
Qui prétend qu'étant mal, nous pouvions être mieux.
Allez interroger les rivages du Tage;
Fouillez dans les débris de ce sanglant ravage;
Demandez aux mourants, dans ce séjour d'effroi
Si c'est l'orgueil qui crie "O ciel, secourez-moi!
O ciel, ayez pitié de l'humaine misère!"
"Tout est bien, dites-vous, et tout est nécessaire."
Quoi! l'univers entier, sans ce gouffre infernal
Sans engloutir Lisbonne, eût-il été plus mal?



A Turquia e a Europa

A questão da relação da Turquia com a União Europeia permanece um tema muito divisivo.

Há quem considere que a Turquia, pela sua história e pela sua génese sócio-política, faz parte de um outro mundo e que, por essa mesma razão, o seu lugar terá de ser sempre fora da União Europeia, embora mantendo com ela um estatuto de grande proximidade.

Outros, porém, defendem que não parece congruente continuar a discutir com Ancara, como tem vindo a acontecer, diversos capítulos negociais que pressupõem o caminho para um processo de adesão, quando, ao mesmo tempo, se alerta, desde já, para a impossibilidade de se chegar ao termo desse processo - isto é, à adesão plena da Turquia à União Europeia. Essa é a posição portuguesa.

Implícita ou explícita neste debate está, muitas vezes, a questão religiosa, que em certos sectores europeus, desde há muito, se erigiu como um factor de bloqueio da maior importância. Também aqui, as visões europeias divergem bastante, embora muitos não tenham a coragem de assumir estas suas reais motivações.

Talvez só tempo possa tornar as diversas posições menos rígidas, embora me pareça evidente que, se vier a dar-se a fixação de um sentimento de hostilização europeia face à Turquia, isso pode vir a ter um efeito de perda de estímulo a quantos, naquele país, levam a cabo uma séria e corajosa luta no sentido de o aproximar dos padrões que hoje são comuns aos restantes Estadoss europeus. Por outro lado, isso também pode vir a gerar o indesejável reforço dos que, na sociedade turca, encontram, no dia a dia, motivos para olhar com desconfiança um mundo que, ao tempo da Guerra Fria, considerou o país um útil aliado estratégico no seio da NATO e que agora, fruto de novos ou renovados receios, parece rejeitar a sua aproximação.

No passado fim de semana, fui confrontado, aqui em França, com dois elementos interessantes para ajudar a reflectir sobre esta temática.

O primeiro foi um artigo de Tariq Ramadan, no "Le Monde", cujo conteúdo me parece importante ser bem reflectido e que pode ser lido aqui. Ramadan é um intelectual islâmico, de nacionalidade suíça, que conheci em 2002, em Portugal, num colóquio organizado pela Universidade Nova de Lisboa, dedicado ao tema do terrorismo, em que ambos interviemos. Ao longo destes anos, tem-lhe cabido o papel, por vezes muito difícil e mal compreendido, de tentar interpretar junto do mundo ocidental algumas posições muçulmanas. Pode não se concordar com teses que assume, mas sou de opinião que a sua lucidez, no seio do islamismo moderado, continua a ser da maior importância.

Um outro dado para a análise do caso turco é a exposição "Istanbul traversée", no Musée des Beaux-Arts, de Lille, uma impressionante leitura do convívio, na Turquia contemporânea, de dois tempos culturais em diálogo e imaginável conflito, mas por cuja resultante acabará por passar, com toda a certeza, o futuro daquele país, com ou sem presença na União Europeia. À entrada da exposição está uma nota muito significativa, que resume muito: "Ser ocidental, a despeito do Ocidente".

A França na literatura portuguesa (2)

Restaurant Paillard

Extracto de "A Cidade e as Serras", de Eça de Queirós

"Na biblioteca, o nosso retumbante mordomo anunciava: - Sua Alteza o Grão-Duque Casimiro!
(...)
E, imediatamente, batendo com carinhosa jovialidade no ombro de Jacinto:
- E o peixe?... Preparado pela receita que mandei, hem?
Um murmúrio de Jacinto tranquilizou Sua Alteza.
- Ainda bem, ainda bem! - exclamou ele, no seu vozeirão de comando. - Que eu não jantei, absolutamente não jantei! É que se está jantando deploravelmente em casa do Joseph. Mas porque se vai jantar ainda ao Joseph? Sempre que chego a Paris, pergunto: "Onde se janta agora?". Em casa do Joseph!... Qual! Não se janta! Hoje, por exemplo, galinholas... Uma peste! Não tem, não tem a noção da galinhola!
Os seus olhos azulados, de um azul sujo, rebrilhavam, alargados pela indignação:

- Paris está perdendo todas as suas superioridades. Já se não janta, em Paris!

Então, em redor, aqueles senhores concordaram, desolados. O conde de Trèves defendeu o Bignon, onde se conservavam nobres tradições. E o director do
Boulevard, que se empurrava todo para Sua Alteza, atribuía a decadência da cozinha, em França, à República, ao gosto democrático e torpe pelo barato.
- No Paillard, todavia... - começou o Efraim.
- No Paillard! - gritou logo o grão-duque. - Mas os Borgonhas são tão maus! Os Borgonhas são tão maus!..."

domingo, abril 19, 2009

Politicamente correcto

Há anos, foi Lucky Luke, a quem tiraram o cigarro pendente da boca, substituído por um qualquer vegetal.

Agora foi a vez de Jacques Tati, cujo cachimbo desapareceu, na publicidade que surge nas ruas de Paris à retrospectiva da sua obra, substituído por um ridículo catavento. Por este andar, admira-me mesmo que, ao sobrinho, não tenham colocado um capacete de ciclista...

Onde chegaremos no "politicamente correcto"?

Ainda Cuba

Era uma casa muito modesta, em La Habana, à qual cheguei por indicação de amigos, há cerca de dois anos. A proprietária era uma pintora, na casa dos 40, antiga funcionária de uma bomba de gasolina, que, anos antes, descobrira a sua vocação e se decidira a uma carreira nas artes. Para o meu olhar de leigo, a sua pintura denotava uma qualidade potencial que, se melhor educada, poderia ter condições para vir a evoluir bastante.

O trabalho da pintora cubana terá chamado a atenção de alguém e, com todas as devidas autorizações, quadros seus partiram para o estrangeiro, venderam-se e fizeram mesmo algum sucesso.

Com total candura, perguntei-lhe se tinha estado presente nalguma dessas exposições, fora de Cuba. A sua resposta, num tom resignado mas não ácido, como se fosse a tradução de um destino irreversível, veio com um sorriso de triste desencanto: "Não, nunca fui. E nunca irei. Sabe, eu nunca sairei daqui...".

E agora, sairá?

Militares

O "Expresso" escandaliza-se hoje com o facto do Vaticano, na publicitação da santificação de Nuno Álvares Pereira, se ter referido ao militar de Aljubarrota como "Alvarez".

Esta exigência de rigor contrasta, no obituário inserido no verso da mesma folha do jornal, com um erro bem mais crasso: chama "Avelino Pereira" ao também militar Aventino Teixeira.

sábado, abril 18, 2009

Português

Por influência de Angola, a língua portuguesa vai ser ensinada nas escolas primárias da Zâmbia.

É uma boa notícia. Assim começa um tempo em que os países africanos que falam português passam a assumir plenamente a bandeira da promoção externa da nossa língua comum.

La Lys

Tiveram hoje lugar as comemorações da batalha de La Lys, na qual as tropas do Corpo Expedicionário Português perderam, apenas em 9 de Abril de 1918, cerca de 7.500 homens, durante a sua participação na 1ª Guerra Mundial.

Há 20 anos que se mantém esta romagem anual, que tem vindo a ser presidida pelo embaixador de Portugal, num cerimonial com uma imensa dignidade, na presença de associações de combatentes franceses e de instituições da Comunidade portuguesa, tendo à frente o espírito generoso e empreendedor de João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg.

Durante as cerimónias, parte das quais no impressionante Cemitério Militar português de Richebourg, perto de Lille, que a imagem mostra, fiz uma intervenção, como embaixador de Portugal , de cuja tradução transcrevo um extracto:

"Esta é a primeira vez que, como embaixador de Portugal em França, tomo parte na cerimónia que celebra a batalha de La Lys. Mas gostava de dizer que não estou aqui no cumprimento de uma rotina, estou aqui no cumprimento de um dever. Um dever de português e um dever de europeu.

Permitam-me que comece por uma nota pessoal. Há cerca de 40 anos visitei o cemitério de Richebourg, como simples cidadão. Vim à procura da memória daquela que foi uma aventura trágica de Portugal, uma aventura que, na minha cidade natal, Vila Real, se evocava todos os anos, no dia 9 de Abril. Sou conterrâneo daquele que ficou conhecido como o soldado Milhões, uma figura de que me recordo ainda de ter visto, cheio de condecorações no peito, na romagem anual ao monumento a Carvalho Araújo, também ele um herói português da 1ª Guerra Mundial, um valente marinheiro que deu a vida para salvar um navio de passageiros atacado por um submarino alemão.

A minha terra, a região do norte de Portugal, Trás-os-Montes, deu muitos dos soldados que hoje estão no cemitério de Richebourg. Homens que, na sua simplicidade, souberam honrar a farda que vestiram, apesar de serem protagonistas de uma derrota, mas uma derrota de uma guerra que ajudaram a vencer.

A História de Portugal, de que muito nos orgulhamos, e com a qual os portugueses hoje vivem uma relação de grande serenidade, é feita de momentos bons e outros maus, de vitórias e de derrotas. Mas não será por acaso que hoje somos um país independente, com fronteiras reconhecidas há oito séculos. Isso aconteceu porque muitos morreram pela bandeira de Portugal, no cumprimento das missões que lhes destinaram. Nas vitórias e nas derrotas.

O debate sobre a participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial não está encerrado no meu país. Para além de quantos que contestam a opção do Governo republicano de se juntar aos aliados, outros entendem que o poder político não cuidou devidamente das condições em que essa intervenção se fez e que houve decisões que fragilizaram essa mesma participação. Esse debate continua e é importante que se faça. Porquê? Para que possamos responder com verdade perante todos estes mortos, perante todas estas cruzes. É nossa responsabilidade deixar clara bem a razão porque morreram.

Mas os países e os povos não devem apenas comemorar as batalhas que venceram. As derrotas fazem parte da vida, como fazem parte da História. Por isso, os homens que estão no cemitério de Richebourg, são figuras da nossa História, figuras de que nos orgulhamos, porque vieram, bem longe do seu país, defender os valores que o seu Governo entendeu dever proteger, num tempo em que era necessário defender a liberdade da Europa. Esses homens, esses soldados, seguramente mal equipados, pouco treinados e sujeitos a um ambiente muito diferente do seu país de origem, estiveram aqui a mostrar que um país a cuja metrópole a guerra não chegara era, contudo, um país que se sentia envolvido nessa guerra. E esses homens, esses soldados, lutaram e morreram, com sacrifício mas com honra, provavelmente pouco conscientes dos valores pelos quais combatiam. O que torna ainda mais digna a sua tragédia.

Ainda no século XX, Portugal veio a travar novas guerras em África, guerras coloniais, na defesa de soluções políticas que o tempo provou estarem já fora do tempo. Outros soldados aí morreram, também com honra, também com um espírito de sacrifício que todos temos obrigação de respeitar e saudar. Como há que saudar os militares portugueses que hoje estão presentes em operações de paz, em vários cenários internacionais de risco, no cumprimento de missões determinadas pelo poder político. Todos são parte da mesma continuidade de serviço público, da mesma História.

Portugal é hoje um parceiro de corpo inteiro da comunidade internacional. Os nossos interesses estão onde estiver a defesa da paz, da estabilidade e da liberdade. Fazemos parte da NATO e da União Europeia, mantemos uma política externa baseada no diálogo, mas sempre em torno de princípios que cuidamos em preservar e promover. Nos Balcãs ou em Timor-Leste, as nossas Forças Armadas são hoje um contributo inestimável para a acção externa do país. Tal como, em 1918, aconteceu com o Exército que veio para a Flandres, com os homens que aqui deixaram a sua vida e cuja memória hoje honramos e queremos preservar."

sexta-feira, abril 17, 2009

1969

Foto do Causa Nossa

Foi há 40 anos. Os estudantes de Coimbra entraram em luta e o ano de 1969, também por essa razão, iria transformar-se num tempo de grande tensão política em Portugal.

Marcello Caetano sucedera a Salazar, em Setembro do ano anterior. Nos primeiros tempos, a esperança de uma abertura na rigidez tradicional do regime estendeu-se a alguns sectores, seduzidos pela imagem mais liberal que Caetano cultivara, precisamente pelo seu apoio relativo à luta estudantil em 1962, que o distanciara de Salazar. Porém, muitos perceberam, desde cedo, que o novo chefe do Governo não tinha vontade e força anímica para forçar um sério movimento de liberalização política e que a sua indisponibilidade para enfrentar a questão colonial continuava a ser um insuperável factor bloqueante para qualquer evolução.

1969 será também o ano em que irão ter lugar eleições para a Assembleia Nacional, com listas oposicionistas a serem autorizadas a concorrer, embora em condições de manifesta desigualdade de oportunidades, com nenhum acesso à rádio e à televisão, com muito limitada divulgação de actividades e projectos nos jornais. Nem um só deputado da oposição conseguiu ser eleito, num escrutínio que a comunidade internacional rejeitou, por irregular.

Nas listas da União Nacional ingressará, contudo, uma "ala liberal" (com Pinto Leite, Sá Carneiro, Miller Guerra e alguns outros), com figuras que, na sua esmagadora maioria, o tempo viria a afastar de Marcello Caetano, com maior ou menor fragor político.

Para se dar ares de mudança, a "evolução na continuidade" de Marcello Caetano alterou alguns nomes: a União Nacional passou a "Acção Nacional Popular", a Censura Prévia passou a "Exame Prévio" e a sinistra PIDE passou a chamar-se "Direcção-Geral de Segurança". O regime dava mostras de só conseguir fazer uma "revolução" semântica. Teria, assim, de haver quem fizesse um outro tipo de revolução: por isso, cinco anos depois, aconteceu o 25 de Abril.

Coincidências (2)

No dia em que se ficou a saber que a Rússia considera ter terminado a sua operação "antiterrorista" na Chechénia, a NATO anuncia ter convidado Moscovo para participar nas manobras que efectuará no território da Geórgia.

quinta-feira, abril 16, 2009

Partisans

Morreu ontem, em Paris, o escritor e político Maurice Druon. Resistente à ocupação nazi, viria a ser ministro da Cultura de George Pompidou. Na Académie Française assumiu uma crescente deriva conservadora, que foi marcando a sua bela escrita e os seus actos de vida. Ficou famosa a sua rejeição à entrada das mulheres na instituição, titulando a obstrução - felizmente, sem sucesso - a Marguerite Duras.

O pretexto para esta nota poderia ser a passagem de Druon por Lisboa, em fins de 1942, após ter saído clandestinamente da França ocupada. Foi uma jornada com o também escritor Joseph Kessel, no caminho para se juntarem ao general De Gaulle. Apanharam um hidroavião no Tejo, para Londres, depois de uma travessia épica da fronteira luso-espanhola, sob neve, durante a qual ambos declamaram clássicos franceses, para entreter o tempo.

Mas hoje apetece-me lembrar que, também com Kassel, Druon foi autor da letra do magnífico "Chant des Partisans", com música de Anna Marly, que é considerada a mais marcante canção da resistência francesa, de que se pode ouvir aqui uma versão. Sempre tive a curiosidade de saber como é que o agora ultraconservador Druon vivia o facto de ser co-autor do poema de um dos hinos mais revolucionários de sempre.

Dragão

Há muito de português, bem suave, na íntima compensação que encontramos pelo facto de ser algo pátrio o golo que derrotou o Porto.

Queluz

Era um jantar de gala no Palácio de Queluz. Um rei ou um presidente estrangeiro estava em visita de Estado a Portugal. O protocolo esmerou-se em ter a imensa mesa com grandioso aspecto, belos candelabros e talheres de prata, o serviço de pratos mais requintado, tudo sobre uma toalha magnífica, só usada nas grandes ocasiões. Demorou horas a colocar tudo em ordem, mas o cenário era deslumbrante.

Salazar chegou bem antes do presidente português e do convidado estrangeiro deste. Era, cumulativamente com o cargo de chefe do executivo, ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha um cuidado pessoal com estas ocasiões solenes. Mesureiro e conhecedor do seu sentido de pormenor, o chefe do protocolo, cavalgando a oportunidade do bom trabalho feito, inquiriu se o senhor presidente do Conselho quereria dar uma vista de olhos à sala, antes de o jantar começar. Salazar disse que sim.

Lá chegados, o diplomata não resistiu e perguntou: "O senhor presidente do Conselho acha que está tudo bem? Gosta da toalha que escolhemos? Fomos buscá-la à Ajuda...". Salazar esboçou um sorriso, entre o cínico e o irritado, e respondeu: "Muito bem, está tudo muito bem. E a toalha é linda. Pena foi que a tivessem posto do avesso...".

Esta é uma história clássica no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

quarta-feira, abril 15, 2009

A França na literatura portuguesa (1)

Manuel Alegre

PORTUGAL EM PARIS


Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

(1967)

terça-feira, abril 14, 2009

Joe, the economist

Georgios Papandreou, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Grécia e actual líder da oposição, organiza umas jornadas anuais de reflexão sobre política internacional, o Symi Symposium, para as quais convida amigos de cada país, num total de cerca de 20, com composição quase sempre diferenciada. Tive o ensejo de integrar vários desses encontros, realizados durante uma semana, sempre em lugares diferentes da Grécia, e que são excelentes momentos para análise da conjuntura.

Num dos anos em que participei, estava presente um americano, de que apenas me lembrava vagamente de ter lido alguns artigos na imprensa, cujas intervenções nas sessões foram brilhantes e acutilantes. Chamávamos-lhe simplesmente Joe, era antigo director no Banco Mundial e com ele estabeleci, desde o primeiro momento, uma relação pessoal muito simpática. Isso fez com que, no regresso por Atenas, com as respectivas mulheres, tivéssemos organizado uma divertida jantarada na Plaka. Trocámos cartões e, como, à época, ambos vivíamos em Nova Iorque, ficámos de nos ver.

Poucos meses passaram e, um dia, recebo um e-mail da organização do Symi Symposium alertando-me para a necessidade de darmos parabéns ao Joe. Acabara de ser-lhe atribuído o Prémio Nobel da Economia: era Joseph Stiglitz, que viria a ser um dos mais marcantes críticos da administração Bush.

Dias depois, fui convidado para sua casa, no Upper West Side, em Nova Iorque, para um lançamento privado do celebérrimo "Globalization and its Discontents", e tive-o a jantar na minha, com Jorge Sampaio, numa noite em que nos deslumbrou com o seu brilho.

Por esta historieta se pode ver bem a desvantagem de se ser um embaixador com limitado conhecimento do mundo da grande economia mundial. E que o confessa, sem a menor dificuldade.

A área política republicana criou, no âmbito da campanha presidencial de John McCain, a figura de "Joe, the plumber", uma espécie de caricatura do americano médio. Obama pôde contar, no seu grupo de apoiantes, com este magnífico "Joe, the economist". E ganhou, claro.

Autismo

"As expressões “autista” e “autismo” deixarão de ser usadas na retórica parlamentar, à luz de um acordo a que chegaram hoje os líderes parlamentares" da Assembleia da República portuguesa, informa o Público.

Percebe-se e saúda-se a preocupação de procurar colocar as palavras nos seus contextos específicos, particularmente quando se trata de temáticas de grande sensibilidade. Mas, com o devido respeito aos nossos eleitos, não estaremos a ir longe demais no "politicamente correcto"?

Expressões como "cegueira", "paralisia", “surdo” ou “doido” são utilizadas comummente sem qualquer intenção ofensiva ou desrespeitosa. Por esse mesmo critério, deveríamos começar a eliminá-las do nosso vocabulário corrente. E essas são palavras que me ocorrem no momento. Outras seguramente haverá em idênticas condições.

Mas concedo que possa ser eu que estou errado, pelo que estou aberto a ser convencido.

Hubert Védrine

Hubert Védrine foi ministro dos Negócios Estrangeiros de França, durante o governo Jospin. Antes, havia sido íntimo colaborador de François Mitterrand, em torno de cuja figura fez um livro que considero essencial para melhor se perceber o antigo presidente - "Les Mondes de François Mitterrand".

É um homem sereno, que pensa a política externa com grande cuidado, sublinhando as vantagens de olhar os tempos em perspectiva, evitando juízos radicais ou moralistas, mas não caindo nunca num relativismo de "realpolitik".

Conheci-o bem quando, ao tempo em que ele era homólogo de Jaime Gama, nos cruzámos em dezenas de horas de reuniões, nos idos de 90, e, em especial, no processo de sucessão das presidências portuguesa e francesa, em 2000. Foram tempos complexos, em que nem sempre estivemos de acordo, antes pelo contrário. Mas guardámos uma excelente relação pessoal, que prolongámos em encontros em Nova Iorque.

Tivemos um almoço, há dias. Védrine, que há uns anos criou o termo "hiperpotência" para designar os EUA, tem hoje uma leitura expectante, mas não deslumbrada, de Obama, do novo estilo de liderança americana que alguém, por aqui, qualificou há dias de "modéstia tranquila". Tem também uma reflexão interessante sobre a inquietante não homologia entre a multipolaridade do G20 e o mundo multilateral. E incita a que observemos, com prioridade, a evolução da China e a hipótese de, a prazo, se vir a criar um irónico "G2" (EUA e China), com a Europa a ver navios...

Cuba

Que pena que o novo presidente americano não tenha aproveitado para pôr fim ao embargo comercial a Cuba!

segunda-feira, abril 13, 2009

Parlamento Europeu

As eleições para o Parlamento Europeu nunca foram, em Portugal, um momento muito mobilizador do eleitorado. As percentagens da abstenção neste tipo de eleições acabaram sempre por ser muito elevadas, a demonstrar que aquela instituição não desperta entre nós uma especial atenção. No que, aliás, não divergimos muito do resto da Europa.

Contudo, a importância do Parlamento Europeu é cada vez maior para a nossa vida colectiva. O Parlamento tem vindo a ganhar força a cada revisão dos Tratados europeus e os seus equilíbrios internos pesam decisivamente na formatação de legislação que, posteriormente, é convertida em leis nacionais. À partida, os 24 deputados portugueses não parecem ser um número capaz de marcar decisivamente o destino do voto de mais de 700 parlamentares. As coisas, porém, não são bem assim: alguns deputados, pelo seu activismo, em especial nas comissões especializadas, conseguem ter um papel de relevo e de influência. Refiro-me, claro, aos que trabalham, não aos que escolhem o destino político de Estrasburgo e Bruxelas apenas como uma rentável e cosmopolita sinecura.

Recordo-me, ao tempo em que andei noutras tarefas, de dois presidentes de comissões especializadas do Parlamento Europeu me terem pedido para que convencesse parlamentares portugueses, membros dessas mesmas comissões, a ... comparecerem às reuniões, com vista a reforçar posições que eles, ainda que doutras nacionalidades, reconheciam como importantes para a defesa de interesses portugueses que estavam em jogo. E, com gosto, também me lembro de ouvir fartos elogios a outros deputados portugueses, pela sua actividade, interesse e eficácia nos trabalhos. Em ambos os casos, a cor política dos deputados era completamente indiferente.

Porque a Europa está cada vez mais exigente, porque é vital para Portugal indicar pessoas qualificadas para as instituições europeias, seria da maior importância que, das próximas eleições para o Parlamento Europeu, viesse a resultar um conjunto motivado e eficaz de deputados, experientes, com capacidade de intervenção e qualificação técnica para influírem nas decisões que irão ser tomadas nos próximos anos. Como cidadão, entendo até que seria interessante se, pela primeira vez, fosse possível garantir, com a necessária visibilidade pública, o seu compromisso individual de prestação regular de contas em Portugal pelo trabalho que irão (ou não) executar. O Parlamento Europeu é uma instituição que não é susceptível de ser dissolvida, os seus deputados - quer trabalhem, quer não - ficam no cargo por um período de cinco anos e quem os elegeu raramente tem a mais leve ideia do que eles andam por lá a fazer. E alguns até fazem muito, acreditem!

Se alguém pudesse dedicar-se, em Portugal, à criação de um "Observatório do Parlamento Europeu", com um painel independente de especialistas que pudesse efectuar um regular escrutínio do trabalho dos nossos deputados, com divulgação assegurada por órgãos de comunicação social, que bom seria! Excepto para alguns, claro, que provavelmente virão com a conversa de que uma iniciativa dessas configuraria um demagógico acto de populismo anti-instituições. Pois...

Auto-estrada

Uma longa "seca", ao final da tarde de ontem, numa auto-estrada que conduz a Paris, para além de me trazer à memória o belo conto de Julio Cortázar "Auto-estrada do Sul", dá-me ensejo para relatar uma historieta que ouvi, há dias, durante um jantar.

Era na Polinésia francesa, numa ilha cujo nome me escapou, mas que teria alguns quilómetros de auto-estrada. O meu conviva contou que conduzia a boa velocidade por essa via quando, de repente, começou a observar que os automóveis iam abrandando, até pararem mesmo no meio da própria auto-estrada. Surpreendido, até porque não havia nenhuma razão aparente para esse movimento colectivo, estacou também o seu carro e dirigiu-se ao condutor da viatura que seguia à sua frente, inquirindo sobre a razão de tão estranho procedimento. A resposta sintetiza toda a história: "Sabe, nós cá na ilha paramos sempre para ver o pôr-do-sol"!

domingo, abril 12, 2009

José David

Foto de Susana Paiva

Paris alberga pintores portugueses que o nosso país ganharia em conhecer melhor.

José David está entre eles e do seu trabalho se falará aqui no futuro.

Palma

Que tal começar a semana ouvindo "Encosta-te a mim", tema magnífico de um Jorge Palma mais recente?

Coincidências

No dia em que se ficou a saber que um guarda americano do campo de detenção de Guantánamo terá sido convertido ao islamismo pelos prisioneiros, o ex-presidente George W. Bush reuniu alguns dos seus antigos colaboradores com vista a começar a coordenar o trabalho de recuperação da memória histórica da sua Presidência.

sábado, abril 11, 2009

Mon Oncle

Num novo espaço de exposições, numa das saídas de Paris, foi reconstruída, para prazer de memória de muitos, nos quais me incluo, a famosa casa Arpel, que foi cenário de algumas das cenas mais hilariantes do filme "Mon Oncle", de Jacques Tati.

Servido por uma música que diversas gerações identificam com facilidade, este primeiro trabalho a cores de Jacques Tati, de 1958, constituiu, ao tempo, um grande êxito em Portugal.

Tati já tinha feito o genial "Jour de Fête" e o "Vacances de Monsieur Hulot". Ao "Mon Oncle" seguiu-se o "Playtime", onde o ridículo da modernidade voltou a ser o tema central.

A retrospectiva da sua obra, que a Cinémathèque française agora iniciou, foi o pretexto para esta reconstituição. Para quem, por acaso, possa não ter desistido de sonhar, rever os filmes de Tati é quase uma obrigação eterna.

Aventino Teixeira (1934-2009)

Aventino Teixeira, o militar de Abril que hoje faleceu, era uma figura algo atípica das Forças Armadas portuguesas. Homem de convicções democráticas, aparecia para conversas nada ortodoxas, em 1973, em algumas noites na Escola Prática de Administração Militar, onde nos aligeirava o tédio dos serviços. No pós-25 de Abril, Aventino tornou-se uma figura de algum relevo na manobra política portuguesa, articulando polémicos contactos entre os maoístas do MRPP e o "Movimento dos Nove", o sector moderado do MFA que então contestava a deriva radical da Revolução. Navegador da noite lisboeta, teve, durante alguns anos, pouso regular no Procópio. Com outros, como o autor deste blogue, ajudou a escrever o livro que recolhe a memória dessa "catedral" do convívio e cuja imagem, à falta de uma foto de Aventino Teixeira, aqui fica como sua última recordação. 

Lobo Antunes

Meia página no último Le Figaro Littéraire, com foto em destaque na primeira página, dá bem conta da importância que António Lobo Antunes tem em França e do modo como a sua escrita aqui é apreciada.

Desta vez, o pretexto foi a apresentação de "Livre de Chroniques IV", tradução francesa da recolha de textos publicados na Visão, agora editada pela Christian Bourgois Éditeur.

sexta-feira, abril 10, 2009

Pomar

Foi uma excelente exposição aquela que Júlio Pomar apresentou ontem na Galerie Trigano, em Paris.

24 horas depois de ter mostrado um seu trabalho em objectos, lado a lado com Joana Vasconcelos, no Centro Cultural da Gulbenkian, foi um outro Pomar que pudemos ver em óleos marcados por um tema recorrente do seu imaginário, a que deu o nome de "Nouvelles aventures de Dom Quichotte et trois (4) Tristes Tigres".

Democracia

Na Assembleia Nacional francesa existe uma confortável maioria favorável ao presidente Sarkozy, o que facilita a adopção da diversa legislação no sentido daquilo que o Governo pretende. Ontem, porém, a maioria foi derrotada numa votação sobre o carregamento de conteúdos informáticos.

Quando o debate sobre o tema se concluiu, o Governo deu-se conta de que, na sala, estavam 16 deputados da maioria e que, pela oposição, havia apenas 8 presentes. Margem confortável, portanto. Desconfiados de tanta facilidade, até por observarem frenéticas trocas de SMS por parte dos adversários na sala, alguns responsáveis governamentais deram uma volta pelo edifício, não fosse dar-se o caso de haver oposicionistas escondidos nos gabinetes mais próximos ou na biblioteca. Mas não, num raio confortável de movimentação, nenhum deputado da oposição estava à vista. E, assim, foram dadas instruções ao grupo parlamentar para solicitar a votação imediata do diploma.

Logo que foi anunciado o voto, pelo sistema de braço no ar, o que aconteceu? Saíram detrás das pesadas cortinas vermelhas que decoram um dos lados da Assembleia, onde ninguém se tinha lembrado de procurar, dez sorridentes deputados da oposição. E a proposta do Governo foi rejeitada, com gáudio para uns, para irritação óbvia de outros.

A democracia também se faz de truques.

Notícias de Guerra

Felizes os que vivem em Lisboa e podem dar-se ao luxo de estar no lançamento dos livros dos amigos. Pobres os expatriados, como o autor deste blogue, que não têm o privilégio de poderem partilhar, quando esses mesmos amigos "cometem um livro", a alegria do seu parto editorial.

Aqui vai o retrato: João Paulo Guerra, homem inteiro, voz ímpar da melhor rádio portuguesa, jornalista "engajado" e autor de bela escrita política, sempre polémico, impertinente e afirmativo, jornalista de garra e de muitas guerras, algumas de polémico registo diário, contador gastronómico (infelizmente) inconstante. Com ele coincido muitas vezes, dele divirjo outras tantas (vá lá, muitas menos!), mas encontramo-nos à mesa comum da ironia e do convívio, sempre, sempre do mesmo lado da vida, claro.

Para gáudio dos seus amigos e forte angústia de alguns que o não são, João Paulo Guerra encaderna agora a sua "Coluna Vertebral", surgida na última década no Diário Económico e que tanta urticária política continua a provocar. Julgavam que esses textos tinham desaparecido na voragem perecível do jornal? Enganaram-se! E o prefácio é de outro escritor de bela cepa e sem papas na língua: Baptista-Bastos. Por isso, apertem os cintos!

Um forte abraço, João.

quinta-feira, abril 09, 2009

La Lys

Foi a 9 de Abril de 1918 que se iniciou a batalha de La Lys, durante a qual as tropas portuguesas, entradas tardiamente na 1ª Guerra Mundial, viriam a sofrer uma pesada derrota face ao muito melhor equipado exército alemão.

Este ano, a homenagem que é devida aos nossos soldados, entre os quais figuram alguns destacados heróis, terá lugar numa cerimónia a realizar no dia 18 de Abril, durante a qual a Embaixada portuguesa em França fará uma romagem ao cemitério português de Richebourg.

As Ruas de Mísia

Foi um espectáculo singular aquele que Mísia apresentou ontem à noite no Casino de Paris. Uma sala cheia, com muitos portugueses mas não só, teve oportunidade de seguir um percurso desenhado pela cantora, desde o fado mais ou menos (como ela gosta) convencional até um repertório internacional muito cuidado, com uma musicalidade que alia a viola eléctrica à guitarra. Este espectáculo corresponde ao seu mais recente disco, "Ruas".

Mísia é um caso à parte na música portuguesa. Culta, muito rigorosa nos poetas que escolhe, tem um estilo que pode afastar alguns puristas, mas que agrada a um público fiel. Embora tenha vários dos seus discos, era a primeira vez que ouvia Mísia ao vivo e, por essa razão, estava curioso de ver a reacção da plateia. Que foi muito positiva.

O fado anda por França com uma força que me parece bem maior do que a que tem em Portugal. Desde que cheguei a Paris, por aqui passaram, entre vários outros intérpretes, Kátia Guerreiro, Ana Moura, Mafalda Arnauth e Mísia. Que venham mais!

Páscoa

Os tempos são definitivamente outros. Em Portugal, nos anos 60 do século passado, as rádios deixavam de emitir às 3 da tarde de 5ª feira Santa e só voltavam a emitir no Sábado de manhã, depois da Aleluia, assinalada pelos sinos das igrejas, de manhã. Lembram-se os desse tempo?

Este post serve apenas para mostrar como meio século mudou imenso o comportamento dos portugueses face às datas religiosas.

quarta-feira, abril 08, 2009

"À la mode de chez nous"

Há cerca de um ano, Júlio Pomar descobriu o trabalho de Joana Vasconcelos na Pinacoteca de S. Paulo, onde tinha ido apresentar uma retrospectiva da sua própria obra, a cuja inauguração, por casualidade, eu próprio tive o gosto de estar presente, como embaixador no Brasil. Desse encontro nasceu a ideia da exposição conjunta que ontem abriu no Centro Cultural da Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, sob o título bem significativo de "À la mode de chez nous".

À imensa criatividade de Joana Vasconcelos, baseada na ligação insólita de elementos tradicionais portugueses a objectos que, à partida, lhes seriam bem alheios, a exposição alia magníficos trabalhos de Júlio Pomar, em torno da recriação, também em termos marcados pelo insólito, de elementos da cerâmica tradicional de Bordalo Pinheiro.

O resultado é surpreendente e o modo entusiástico como o público ontem acorreu à avenue de Iéna revelou que a aposta de Rui Vilar e de João Pedro Garcia foi mais do que ganha.

A Gulbenkian irá, dentro de alguns meses, mudar de morada em Paris, abandonando o palacete em que habitou Calouste Gulbenkian para uma zona tida como mais prática para o público. Eu, confesso, começava a achar graça às actuais instalações.

Em tempo: leiam a reportagem de Daniel Ribeiro no site do Expresso.

Porto

Já aqui foi dito: o Futebol Clube do Porto é, nos dias de hoje, a grande face de prestígio do futebol português à escala internacional. E criou hipóteses de ver mais longe no seu caminho na Champions.

Mas muita atenção! Apesar do excelente resultado obtido pelo Porto em Old Trafford, o Manchester United é sempre capaz de grandes surpresas.

terça-feira, abril 07, 2009

Bilboquet

Em 1966*, os Sheiks, agrupamento musical português que à época fazia furor, desembarcaram no Bilboquet, em Paris, onde, durante algum tempo, se apresentaram ao público francês. Recordo-me das reportagens na "Plateia", lidas, entre nós, com alguma inveja, pelo que presumíamos serem as delícias da noite parisiense. A julgar pela imagem de hoje, a noite continua divertida por lá.

O Bilboquet permanece na rua Saint-Benoît, em Saint-Germain-des-Prés. Fundado em 1947 por Boris Vian (é verdade!), diz o Google que por ela passaram nomes como Duke Ellington, Charlie Parker, Sidney Bechet e Miles Davis.

Os Sheiks desapareceram, embora reapareçam em "remakes" pontuais. Para os saudosos, aqui fica o seu "Missing You", no que não tenho a certeza seja a versão original.

* Data corrigida por Luis Pinheiro de Almeida

Palmas

Deve ser embirração minha, mas confesso que não consigo perceber o hábito, muito português (embora não exclusivo), de bater palmas após a aterragem dos aviões. No passado, quando as portas da cabine de pilotagem se mantinham obrigatoriamente abertas na aproximação ao solo, o som de júbilo dos passageiros ainda chegava ao comandante. Agora, nem isso.

Será que bater palmas à chegada é uma forma de exorcizar o medo sentido na viagem?

segunda-feira, abril 06, 2009

Tu

A prática diplomática faz com que, na maioria dos casos, os embaixadores, num determinado posto, se tratem entre si por "tu". Nos países de língua inglesa, ou quando o inglês é a língua de comunicação, o problema nem se coloca, porque o "you" dá para tudo. Porém, no caso do francês, alguém tem de propor a passagem ao "tu" - ou, pura e simplesmente, começar logo a usar o "tu", sem formalidade.

Hoje, quando um colega me propôs, no fim de um almoço, que nos passássemos a tratar por "tu", não pude deixar de lembrar-me numa historieta célebre de François Mitterrand.

Um conhecido seu estava inseguro sobre se tratava ou não por "tu" o presidente francês e, por isso, ousou perguntar-lhe: "François, est-ce qu'on se tutoie?". Distante como era, Mitterrand respondeu-lhe: "Si vous voulez..."

domingo, abril 05, 2009

Universidade

Historicamente, há duas cidades de Vila Real. Antes e depois da criação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

O impulso para a criação daquilo que viria a ser a UTAD foi dado por muitos quadros universitários chegados de África, no rescaldo da descolonização. Foi um trabalho paciente e longo, de gestação de uma massa crítica de prestígio académico, hoje plenamente reconhecido nos vários sectores especializados, portugueses e estrangeiros.

A cidade mudou muito com a UTAD, numa dinamização da sua vida que afectou positivamente a economia, contribuiu para a fixação de pessoas e para a criação de muitos postos de trabalho. Como observador exterior, fico com a sensação - porventura errada - de que essa "mistura" da universidade com a cidade ficou sempre, contudo, aquém do que seria desejável, em especial na indução de uma cultura de modernidade que só muito lentamente Vila Real tem vindo a ganhar. Concedo que essa possa ser uma visão distorcida e de pendor voluntarista, de quem gostaria de ver a sua terra dotada de uma outra expressão à escala nacional.

Ontem à tarde, acedendo a um convite que muito me orgulha, tomei posse como membro do Conselho Geral da UTAD. Espero que essas funções me qualifiquem a poder ser mais activo na defesa dos interesses comuns à universidade e a Vila Real.

sábado, abril 04, 2009

Nanterre

Nanterre traz, para muitos da minha geração, a imagem da revolta de Maio de 1968. Por essas bandas houve então lutas épicas, iniciadas na universidade e prolongadas nas fábricas, em tempos de uma revolução que acabou com mais mudanças nas mentalidades do que nas coisas concretas da vida. Mas da qual, para o mal e para o bem, a História da França e do mundo se não liberta.

Ontem, inaugurei no Espace Chevreul, em Nanterre, a Feira de Produtos Portugueses, promovida pela ARCOP (Associação Recreativa e Cultural dos Originários de Portugal), uma magnífica iniciativa organizada em 30 stands, com a presença orgulhosa de vários autarcas das nossas regiões, especialmente do Minho e de Trás-os-Montes, mas também da Beira e do Alentejo. Jaime Alves está no centro desta realização, com o seu filho Marco, autarca de Nanterre, a demonstrar a força da nossa integração em França.

Da Nanterre vermelha, de há mais de 40 anos, resta a cor política do nosso simpático anfitrião, o Maire de Nanterre, Patrick Jarry, eleito pelo Parti Communiste Français. Ele tinha então apenas 14 anos...

Márcio Moreira Alves (1936-2009)

Não era um homem muito conhecido fora do Brasil, salvo para aqueles que com ele privaram nos seus tempos de exílio. Mas Márcio Moreira Alves, que ontem faleceu, foi uma personalidade de grande coragem que, em plena Câmara de Deputados, em 2 de Setembro de 1968 (na foto), ousou desafiar a ditadura militar, apelando, entre outras coisas, a que os pais brasileiros não deixassem casar as suas filhas com membros das forças armadas brasileiras. Esse seu discurso de denúncia da situação política é hoje uma peça da História do Brasil.

O regime militar não lhe perdoou e o seu caso acabou por ser a gota de água que justificou a introdução do Acto Institucional nº 5, que marcou o início de um surto repressivo sem precedentes no país.

Moreira Alves era jornalista de profissão e fez política pelo Movimento Democrático Brasileiro. Esteve exilado em vários países, entre os quais a França, onde se doutorou em Ciências Políticas. aqui em Paris.

Mais tarde, residiu em Portugal, onde o conheci, quando dava aulas no Instituto Superior de Economia de Lisboa. Vim a procurá-lo e a encontrá-lo, já com a saúde muito abalada, no Brasil.

sexta-feira, abril 03, 2009

"Muda de Vida"

Os "Humanos" foram (são?) um grupo que juntou figuras como Manuela Azevedo (dos Clã), Camané e David Fonseca, interpretando temas de um dos mais originais criadores portugueses de sempre, António Variações.

Vale a pena começar o fim-de-semana a ouvir "Muda de Vida".

Uma frase

"Gosto tanto de Portugal que chego a gostar dos nossos defeitos".

Helena Sacadura Cabral (num comentário neste blogue)

A excepção e a regra


Em 1966, o presidente De Gaulle cansou-se do que entendia ser uma insuportável tutela americana sobre a segurança e defesa europeias. A saída da estrutura militar integrada da NATO foi o modo como a França entendeu poder garantir caminho livre para a criação da sua “force de frappe” nuclear e, de certo modo, iniciar o que viria a ser a sua política de “excepção” no quadro ocidental.


A França, contudo, não saiu da Aliança Atlântica, não se dessolidarizou nunca dos seus objectivos, mas conseguiu criar, numa gestão de colaboração cujo casuísmo identificou a sua diferença, uma independência reforçada, a qual, em especial durante a Guerra Fria, não deixou de ter consequências interessantes no seu posicionamento à escala mundial.


Entretanto, o muro de Berlim caiu, a Alemanha reergueu-se, o terrorismo passou a global, a Europa alargou-se até às portas de Moscovo e os EUA, depois de mais um ciclo de unilateralismo, redefinem o modo de proteger os seus interesses no mundo. É neste contexto que a NATO discute o seu novo conceito estratégico, ao qual não será indiferente a jurisprudência de segurança resultante da sua acção “out of area”, na qual a França amplamente participa.


Para a França, ficar fora da NATO já só significava manter um símbolo datado, face ao interesse maior de preencher em pleno um lugar de decisão. Para a NATO, a França representa a possibilidade de ter no seu seio uma voz aculturada a um registo de alguma singularidade estratégica. Na perspectiva de Portugal, o pleno regresso da França à NATO pacifica a dimensão transatlântica, que é nosso interesse reactualizar construtivamente, coloca o peso francês no comando em território português e, de certo modo, reequilibra uma relação de forças intra-europeia que deve servir de base à densificação de uma dimensão de segurança e defesa à escala da UE, na qual estamos interessados.


Por isso, o fim da “excepção” francesa na NATO, com a retoma da regra da sua participação plena, é, para Portugal, uma excelente notícia.


(Artigo de Francisco Seixas da Costa publicado na edição de hoje do "Diário Económico)

quinta-feira, abril 02, 2009

João Moniz

Vive entre Portugal e Paris, onde tem um atelier na zona de Montmartre.

Saiba mais sobre este "pintor do branco ou do quase branco" aqui.

Em Setembro, a meu convite, vai expor na Embaixada.

Paris Match

Fez 60 anos o Paris Match.

Vale a pena lembrar esta sua capa, de 1961, com a reportagem sobre o assalto feito ao paquete Santa Maria pelo grupo do capitão Henrique Galvão.

Há dias, Geneviève Chauvel, escritora e jornalista do Paris Match, contava-me como, em inícios dos anos 70 do século passado, acompanhou Spínola pelas matas da Guiné, como antes havia visitado o Norte de Angola com as tropas portuguesas. E de como conheceu Otelo Saraiva de Carvalho, depois da Revolução de Abril.

O Paris Match, publicação de grande expansão, que sempre teve a fotografia como imagem de marca, esteve presente na cobertura de muitos dos grandes acontecimentos de Portugal contemporâneo.

Tell Barroso

O presidente da Comissão Europeia colocou à disposição dos cidadãos um site para o qual os cidadãos europeus podem escrever-lhe para dar sugestões sobre a Europa.

O site tem versões em inglês, francês, alemão, espanhol e polaco.

quarta-feira, abril 01, 2009

Nós e o G20

Muitos se interrogam sobre o verdadeiro significado da reunião dos G20, que hoje se inicia em Londres.

Este fórum de concertação, ao qual estão presentes bem mais do que 20 participantes, existe já há uma década, mas pode dizer-se que é talvez a primeira vez em que a sua convocação vem acompanhada por uma atenção global como a que actualmente lhe é dirigida. A crise, e a incapacidade de algumas grandes economias de conseguirem meios de combate à mesma sem a ajuda de outros parceiros fora dos G8, levou estes a aceitarem utilizar este mecanismo para uma cooptação de sócios de oportunidade, numa lógica que originariamente estava principalmente focalizada nas negociações do comércio internacional, mas que, no momento, se pretende alargar a outras dimensões económico-financeiras à escala global.

Na realidade, o G20 é hoje um grupo relativamente inorgânico que reune os antigos G8, acompanhados pelos grandes países emergentes e algumas economias mais desenvolvidas do chamado "Norte". A sua última convocatória a este nível teve lugar em Novembro de 2008 e, entre outras tomadas de posição, saldou-se por um compromisso solene de todos os seus membros de cumprirem uma moratória em matéria de medidas de natureza proteccionista. O resultado está à vista: 18 desses países não cumpriram essa promessa, de acordo com o Banco Mundial. Esperemos melhor sucesso desta vez.

Para um país como Portugal, a racionalidade subjacente ao G20 só é aceitável numa dimensão conjuntural ou de produção de efeitos que se projectem, em primeiro lugar sobre o próprio grupo, podendo, se assim suceder, servir de útil "benchmark" num quadro mais global. Não tendo nós problemas de maior em aceitar grande parte das ideias para as quais se pretende obter um novo compromisso, também nos não revemos, naturalmente, na possibilidade de este grupo poder vir a firmar-se como uma espécie de novo "directório" político-económico do mundo.

Sem pôr em causa a legitimidade de reuniões desta natureza, em especial se delas puderem resultar acordos firmes em matéria de "governança" entre os seus pares, entre os quais se encontram alguns dos fautores maiores da onda de desregulação que afecta a economia global, o primeiro-ministro português teve já ocasião de adiantar a nossa visão sobre a necessidade de alargar a sua representatividade futura, em especial nelas fazendo projectar estruturas de natureza regional. Caso tal não suceda, importará lembrar que existem instituições de natureza multilateral onde estas questões podem e devem ser discutidas e acordadas, estruturas essas dotadas de regras de decisão próprias e mecanismos de representação e controlo aprovados e ratificados por todos os Estados. Coisa que o G20 estará sempre longe de ter.

Tarde do dia de Consoada