segunda-feira, março 11, 2013

O bispo e as Felicianas

Ao ouvir, há pouco, na rádio, notícias sobre o conclave para a eleição papal, recordei-me dos tempos do concílio Vaticano II, realizado em Roma, entre 1962 e 1965. Dentre os 29 membros portugueses de uma delegação do episcopado português a Roma, contava-se o bispo de Vila Real, dom António Valente da Fonseca. Como administrador apostólico ficou, pela diocese, monsenhor Libânio, uma figura esguia que ainda hoje justifica o nome dado a um cadeirão comprido, herdado do meu avô, a que sempre chamamos a "cadeira do padre Libânio", não obstante o próprio nunca a ter experimentado.

Nas ociosas noites do Verão vilarealense, havia muito pouco que fazer, quando eu andava pelos meus 15 anos. Por isso, num grupo de amigos, alguém se lembrou de inventar uma chamada telefónica "feita" pelo bispo, que, desde há samanas, estava em Roma para o concílio, destinada ao monsenhor Libânio, que então vivia no seminário de Vila Real.

O local do "crime" foi a casa do celebrado fotógrafo da cidade, Mário Silva, "Marius" de nome artístico, pela mão do seu filho, António Manuel. O autor material da chamada telefónica foi um primo deste, Dionísio Rodrigues da Silva, o "Nizo", um amigo já desaparecido, talvez o elemento mais velho desse pequeno grupo que se juntou para a organização da "partida".

Desconhecedores do que era uma chamada internacional, ao tempo obrigatoriamente feita através de telefonista, inventámos um conjunto de ruídos que supostamente credibilizariam a comunicação. Ligámos para o número do seminário, pouco depois da hora de jantar. Atendeu-nos uma voz a quem, num italiano de má opereta, deixámos a indicação de que "don António voglio parlare con il signor don Libânio". A chamada era entrecruzada por arbitrários silvos e apitos, sons secos e uma profusão de sinais que, no nosso entender, poderiam fazer parte de uma ligação telefónica internacional. A nossa preocupação era escusada: no seminário, o porteiro sabia de italiano e de comunicações externas bem menos do que nós...

Após alguns minutos, ouviram-se passos apressados no lagedo  de mármore da sala de entrada do seminário, onde se situava então o único aparelho telefónico da casa: Um ofegante dom Libânio surge então ao auscultador. Do outro lado, "de Roma", o senhor "dom António" interpela-o:

- Então, Libânio, como vai você? E a diocese?

Extasiado com a oportunidade proporcionada pela maravilha das comunicações, dom Libânio respondeu:

- Muito obrigado, senhor bispo. Vai tudo muito bem, graças a Deus. E como passa vossa excelência reverendíssima?

- Estou bem, Libânio, estou bem. Mas diga-me uma coisa, ó Libânio, com que estou preocupado: como é que vão as nossas Felicianas*?

Dom Libânio presumiu ter ouvido mal, tanto mais que as comunicações, à época, eram más e o lenço que utilizávamos para tentar tapar a voz criava uma distância que afetava a audibilidade das mensagens.

- Como? Não estou a ouvir bem... Como disse, excelência reverendíssima?

- As Felicianas, Libânio, as pequenas da Vila Velha que sempre alegram as nossas noites por aí...

O pobre do administrador apostólico deve ter ficado à beira de uma apoplexia. As Felicianas era um plural pouco magestático para designar umas raparigas, da mesma família, que facilitavam alguns prazeres físicos tarifados, bem conhecidas de toda a cidade.

- Não consigo ouvir, senhor bispo! Não ouço quase nada! Vou ter de desligar...

E assim fez. Nós já estávamos no limite da gargalhada coletiva. Mas tínhamos ganho uma excelente noite.

* o nome talvez não fosse bem este...

domingo, março 10, 2013

Motorista

Para o exercício das funções de diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, considerei importante, desde o inicio, poder ter o apoio pontual de um motorista, com vista a facilitar a execução de certas tarefas laborais em Lisboa. Estando eu a prestar tais funções pro bono, isto é, sem por elas receber qualquer salário, achei que ser essa uma compensação mínima. 

O MNE também assim entendeu e acaba de proporcionar-me esse apoio. E, talvez porque me conhece bem, foi gentil ao ponto de caprichar na escolha do motorista que me dispensou. Chama-se Américo Tomás.

sábado, março 09, 2013

Revelação

O cenário da curta conversa era clássico: um velório. Ontem, em Vila Real.

Chegou sozinho. Não percebi bem quem era. Foi simpático e agradável. Mas, quase de imediato, tentou "confessar-me" sobre a atual situação política no país. Procurava, claramente, "tirar nabos da púcara". Como eu não o conhecia bem e, pelos vistos, ele também me não conhecia muito melhor a mim, a conversa andou um pouco às voltas, comigo a dizer umas coisas redondas e óbvias, para perceber onde é que ele queria chegar. De certo modo, o diálogo divertia-me, embora o "outing" político me parecesse um exercício pouco adequado para aquele momento.

A certo ponto, olhou para ambos os lados, aproximou-se um pouco e deixou, em voz baixa, a informação: "Sabe? Eu apoio este governo e estou de acordo com quase tudo o que ele tem feito". E voltou a olhar em volta, claramente à espera que ninguém tivesse ouvido esta sua revelação.

O que é que eu lhe disse? Apenas o procurei sossegar, dizendo-lhe: "tem todo o direito a ter essa opinião". Sorriu-me, creio que grato, embora disso não tenha uma absoluta certeza. Minutos depois, vi-o afastar-se. Sempre sozinho.

Tempos difíceis, estes. Para todos, como se vê. 

Notícias



Há um minuto, na RTP, vi a imagem da capa do "Diário de Notícias" de hoje, tendo como um dos títulos: "Moção de estratégia do líder do PS critica governo".

Caramba! Que notícia! Que surpresa! Quem diria?! Quem seria o inspirado jornalista que teve esta genialidade? Provavelmente, estaria à espera que o principal partido da oposição apoiasse o governo. Daí a imenso espanto, convertido em título de primeira página.

Ele há cada um...  

quinta-feira, março 07, 2013

Atitude

Há dias, ao ver falar na televisão uma determinada figura, dei comigo a lembrar-me de um velho embaixador que tinha um hábito que sempre me irritou. Num dia, afirmava, com uma inabalável segurança, uma determinada ideia ou orientação, derrotando qualquer proposta em contrário que se lhe pudesse contrapor. Alguns dias passados, porque a realidade entretanto mudara, afirmava posições que eram em tudo divergentes das anteriores, talvez pensando que eramos esquecidos ou parvos. Se acaso lhe lembrávamos que a sua opinião mudara, arranjava argumentos, por mais bizarros que fossem, para tentar explicar que não havia a mínima dissonância entre uma posição e a outra e que, antes pelo contrário, a segunda decorria "logicamente" da primeira. Uma única coisa nunca lhe ocorria: dizer que se tinha enganado.  

quarta-feira, março 06, 2013

Roissy

Hoje no meu regresso de Estrasburgo, passei de novo no aeroporto parisiense dito Charles de Gaulle, a que muitos franceses (e eu próprio) teimam em chamar Roissy.

(Estas designações póstumas podem ser algo constrangentes. Muitas vezes a memória popular não acompanha o voluntarismo afetivo dos proponentes. Veja-se o que acontece, em Paris, com a place de l'Etoile, onde está o Arco do triunfo: ninguém a designa por "Charles de Gaulle", sendo esse, no entanto, o nome oficial. Em Portugal, a maior "maldade" foi darem ao Areeiro o nome de praça Francisco de Sá Carneiro (e colocarem por lá uma espécie de estátua artisticamente ofensiva). É óbvio que ninguém chama o lugar por esse nome. E, no Porto, ouço ainda muita gente a falar da praça Velasquez ou do aeroporto de Pedras Rubras, em lugar de nomearem a malograda personalidade que, por onze meses, chefiou o executivo português, durante 1980).

Quem não viveu essa época não pode imaginar a fortíssima impressão que o novo aeroporto de Paris podia fazer a quem, como eu, por lá passava, pela primeira vez, em fevereiro de 1976, menos de dois anos após a inauguração. A arquitetura muito avançada, quase espacial, daqueles "tubos" transparentes que levavam aos "satélites", conferia ao local uma imagem dos cenários de "Barbarella" e tudo rimava com o "Concorde", que por aí começou e por aí acabaria, de forma trágica.

Enviado pelo Ministério da Cooperação (já ninguém se lembra, mas existia então um ministério com esse nome, para onde eu fora destacado), tive de ir a S. Tomé e Príncipe, via Paris e Libreville, para tentar pôr termo a uma greve de algumas dezenas de professores cooperantes que Portugal tinha enviado meses antes, e por cuja pré-seleção eu fora responsável. Embarquei em Roissy e, confesso, fiquei extasiado. O "choque" com a modernidade do aeroporto foi imenso.

Hoje, quase quatro décadas depois, sempre que por lá passo noto que a imagem do aeroporto está longe de ser tão "glamourosa". O edifício envelheceu mal, os "tubos" e os "satélites" tornaram-se anacrónicos, todo o espaço é muito pouco funcional. Para obviar aos problemas de crescimento, o aeroporto multiplicou estruturas cumulativas. Anteontem, estive uma par de horas no hall G, uma instalação que pede meças, em fealdade e frieza, àquele edifício sinistro que foi construído como complemento do aeroporto de Lisboa (ou da Portela), a que, eufemisticamente, se chama "terminal 2".

Tenho tendência a olhar para os velhos aeroportos (e para os hotéis, também) como se eles fossem pessoas: os que envelhecem mal, os que mantêm beleza e dignidade na inevitável decadência, os que, enquanto podem, se rejuvenescem, nomeadamente através de "liftings" com sucesso. Mas, porventura, estou a ser demasiado cruel. Para os aeroportos, claro. 

terça-feira, março 05, 2013

No labirinto

Nunca tinha tido um contacto com aquele assunto. Mas, perante a instrução que me era dada, em face da ausência do colega que normalmente tratava da questão, não tive qualquer reticência em receber aquele empresário português que nos pretendia transmitir o resultado de uma sua deslocação a um determinado país de expressão portuguesa, onde a situação político-militar era muito confusa. Ao que me haviam dito, tratava-se de uma pessoa com muito bons contactos e que nos poderia ajudar a contribuir, de forma positiva, para a estabilização e para o diálogo interno, por forma a superar os dissídios fratricidas em curso.

O nome do empresário era-me familiar. Tratava-se de um homem já de uma certa idade, muito simpático, profundamente religioso, claramente sem "agendas escondidas", que apenas pretendia ser útil a um país de que gostava muito. A sua ligação à rede da igreja e a muitos responsáveis políticos e económicos tornavam-no precioso, tanto mais que, na recente viagem que agora nos ia reportar, uma das muitas que profissionalmente fazia ao território, tivera novos e muito interessantes contactos.

Começou por agradecer a minha disponibilidade para o receber e relatou:

- Como sabe, tenho muito bons amigos locais. No Norte, falei com o bispo, que me deu conta da tensão que se adensa. O vosso Ministério já sabe, bem melhor do que eu, o que aconteceu por lá no passado. Algumas coisas não vieram a público, e ainda bem!, mas vocês conhecem-nas bem. O governador, como já disse há semanas a um seu colega, é um homem inábil e conflitual. Aquelas confusões, em setembro, eram perfeitamente escusadas, mas o homem, que, como sabe, tem aquele irmão mais velho nos negócios (eu não sei se o tipo de Vila do Conde ainda é sócio dele) e aquela prima que anda aí por Lisboa (casada com o "grandalhão" dos portos), teima em criar dificuldades. Eu, na reunião passada com o seu colega, já deixei claro que as coisas têm tudo a ver com o tráfico daquilo que sabemos. E o homem da Marinha, como vocês suspeitavam, está "enterrado" até à cabeça na tramóia. Nesta viagem, um amigo ligado a empresa do homem disse-me que o presidente da República de lá estava furioso com o assunto. E até o nosso amigo brigadeiro, que você aqui receberam há meses, foi da mesma opinião.

A conversa prosseguiu, sempre neste tom. As informações jorravam... mas eu não sabia de quem é que ele estava a falar. Não surgia no relato um único nome, seguramente por uma delicada "precaução" de segurança. No que me tocava, havia cometido um erro de palmo. Deixara passar largos minutos sem inquirir de quem é que ele estava a falar. E, a certo ponto, já era tarde para inquirir "o bispo é de onde?", "quem é o general?", o "irmão nos negócios é quem?". Eu cometera o lapso de pensar que, com o decurso da conversa, acabaria por apanhar o fio à meada e "agarrar" a história. Mas era tarde! O meu embaraço era total. Não perante o homem, que prosseguia, sem cessar, as referência "àquela empresa portuguesa que o governo português bem tem apoiado", ou "aos nossos interlocutores habituais mais lá em baixo" ou mesmo "aos bons amigos que o senhor ministro, como sabe, tem por lá". E foi assim, até ao fim.

No termo do encontro, que tentei apressar, agradeci todas as "utilíssimas" informações que nos tinha passado e quase tive vontade de me rir, às gargalhadas, de mim mesmo. Que iria eu dizer a quem me encarregara da tarefa? Já não me recordo muito bem do que aconteceu. Apenas registei que falei com o meu colega que habitualmente tratava da questão, a quem relatei o sucedido. Muito nos rimos. Estou certo que, nos dias que correm, estando ele como embaixador português junto da OCDE, já não se confronta com situações tão crípticas.

segunda-feira, março 04, 2013

... e Paris aqui tão perto

Sensação curiosa esta: passar por Paris - aterrar aqui em Roissy, para apanhar um avião para Estrasburgo - como se se tratasse de um qualquer aeroporto, como se, ali bem perto, não estivesse a cidade onde, até há pouco mais de um mês, vivi desde 2009. Com a maior das franquezas, devo dizer que não tive a menor tentação, nem vontade, de dar uma saltada a Paris. Como se ainda fosse cedo para rever amigos e lugares.

Sempre tive por curiosa esta minha propensão para "fechar" as cidades onde vivi. Aconteceu-me sempre, sem nenhuma exceção - em Oslo, em Luanda, em Londres, em Nova Iorque, em Viena e em Brasília. Àparte esta última, a todas já regressei, a algumas por mais de uma vez, mas apenas tempos mais tarde, para rever as pessoas, notar os locais e as suas mudanças. Tudo, porém, num registo de que esteve em absoluto ausente qualquer espécie de nostalgia.

Algumas pessoas acham estranha esta minha atitude. Devo dizer que até eu! De certa forma, ela pode ser lida como uma espécie de defesa, uma fuga implícita à constatação da impossibilidade de um regresso. Ou talvez não: pode ser apenas a necessidade de me concentrar a 100% no futuro, que me obriga a colocar parêntesis no passado. Seja lá como for, a verdade é que é muito agradável nunca sentir qualquer dependência dos dias de ontem.

domingo, março 03, 2013

Questão de substância

Era e é um homem simpático, sempre sorridente, com graça e uma boa cabeça. Aquele embaixador, porém, tinha - e imagino que ainda tenha - como vício irritante responder às questões com outra pergunta. Se se inquiria, a propósito de uma determinada atitude do governo do país onde estava acreditado, "o que é que você acha que eles querem?", era muito possível que a resposta fosse "mas a posição deles foi vista como ofensiva?" ou uma coisa do género.

Trata-se, nem mais nem menos, do que mais um cultor da velha "escola" de abstenção opinativa que sempre existiu nas Necessidades. Há colegas que fizeram toda a sua carreira furtando-se habilmente a dizer o que pensavam. Alguns procuram ouvir os interlocutores para, de forma mais ou menos subtil, se colarem ao que acham ser a posição deles, num mimetismo seguidista, para logo caírem nas respetivas boas graças. Outros limitam-se a questionar e vão conseguindo, por elaboradas artes de dissimulação, nem concordar abertamente com o parceiro mas também nunca o afrontar. Não é fácil! É uma elaborada escola do "nunca me comprometo". Outras vezes, por detrás dessa atitude, não há sequer quaisquer razões de fundo: a fuga para a reação interrogativa está-lhe no sangue, é superior à suas forças. Era o caso do embaixador de quem vou contar uma historieta passada comigo.

Um dia, estava eu então no governo, recebeu-me, de passagem, na sua residência, numa determinada embaixada europeia. Eu tinha andado de um lado para o outro, durante todo o dia, envolvido em reuniões. Com a pressa, e porque o programa era muito intenso, fui adiando a necessidade, que se ia tornando cada vez mais premente, de ir a uma casa de banho. Assim, chegado à embaixada, logo que encontrei o embaixador, ainda no hall de entrada, perguntei-lhe, algo ansioso:

- Posso ir a uma casa de banho?

- Para quê?, perguntou-me o embaixador.

Devo ter feito um ar de grande surpresa. Então o homem pretendia saber a razão pela qual eu queria ir a uma casa de banho? Isso era coisa que se perguntasse? Fiquei sem palavras. O mesmo não aconteceu com o embaixador, que logo esclareceu:

- Se é para uma coisa "simples", pode ir aqui a esta pequena casa de banho, junto ao hall. Mas se é para uma coisa mais "substancial", é melhor ir a uma das casas de banho do primeiro andar.

Nunca mais esqueci o requintado qualificativo, que não deixa de ter algo de quantificativo, que, na peculiar organização espacial do homem, fazia toda a diferença.

sábado, março 02, 2013

Protesto

Olhei para a cara das pessoas que hoje estavam na manifestação que, em Vila Real, se associou ao protesto nacional - contra a "troika", o governo e algumas entidades mais. Pareceu-me haver algum desânimo pelo facto do cansaço, e talvez do sentimento da eventual inutilidade do gesto - porque ninguém de bom-senso pensará que há hoje mais conquistados para as políticas praticadas -, ter afastado muita gente e transformado este evento numa sombra do protesto de setembro de 2012. Parece-me, porém, que laboram num equívoco. Esse protesto de então foi único, porque foi o primeiro momento em que aquele Portugal que não era parte do setor público (jornalistas e comentadores incluídos) sentiu que lhe estavam a "ir ao bolso". Fez toda a diferença!

O humor faz também parte destes exercícios e, pelo menos em Vila Real, ele ainda persistiu em alguns cartazes. Um deles rezava, de forma muito transmontana e numa bela transcrição fonética, dirigido ao poder: "num baleides um tchabelho". Sorrir, mesmo de forma amarela, ainda não paga imposto.

sexta-feira, março 01, 2013

Aos papéis

Volta e meia, responsáveis políticos são chamados ao parlamento para serem confrontados com decisões que tomaram durante os tempos em que exerceram funções governativas. Nada de mais natural, numa República democrática em que a responsabilidade pessoal se não esgota no momento em que se abandonam os cargos.

O que mais me surpreende é o facto desses antigos responsáveis políticos aparecerem a responder nessas instâncias parlamentares escudados em documentação do tempo em que exerciam tais funções executivas. A menos que essa papelada lhes haja sido fornecida pelos seus imediatos sucessores - hipótese improvável, no ambiente de "guerrilha" em que se transformou a vida política nacional -, só posso presumir que, ao abandonarem os cargos, essas figuras políticas levaram consigo cópia de tal documentação, que hoje lhes serve de escudo contra eventuais acusações, muitas das vezes injustas, como se comprova pelo facto de raramente alguém ser "condenado" nesse contexto.

A posse de duplicados de tais documentos oficiais é, assim, um ato de mera prudência e até de bom-senso. Só que há um pequeno, embora talvez não despiciendo, problema: é que isso é ilegal. Ninguém pode guardar documentos oficiais quando deixa de exercer funções políticas. Ponto final.

Tive consciência disso ontem à noite, neste tempo em que me divirto a arrumar em casa a minha papelada, na curiosa revisão retrospetiva de vida que a aposentação propicia. No que pessoalmente me toca, não fiquei com um único dos despachos e, em especial, de qualquer das decisões de concordância relativas a verbas, cuja movimentação autorizei ao longo do mais de cinco anos de funções governamentais que exerci. Se acaso fosse hoje chamado a uma comissão parlamentar, entraria na sala apenas com a minha memória. A qual, não sendo má de todo para aquilo que me interessa, tem hoje saudáveis brancas para as burocratices da vida. Com os riscos inerentes, claro.  

Comentava isto hoje a um amigo, ao almoço. A reação foi: "Dá-lhes ideias, dá!..."

Grillo

Eu tinha à volta de vinte anos. Numa madrugada, o Sud-Express em que seguia a caminho de França parou, por alguns minutos, numa estação espanhola. 

Dado que a "couchette" que me cabia era grandemente incómoda, há horas que eu vagueava pelo corredor do comboio, espantando o sono. Era Verão e abri uma janela, na noite quase deserta de gente, no meio da meseta. Perguntei a alguém que passava onde estávamos: Medina del Campo, foi a resposta.

Foi então que, de alguém que viajava duas carruagens adiante, ouvi, num tom arrastado, num registo de óbvio gozo, uma voz gritar: "Grilo! Ó Grilo!". Ao meu lado, um viajante, também sem sono, comentou: "Quem será este Grilo?". Eu sorri.

Não expliquei, talvez porque era uma longa história, que o passageiro aos berros era, com toda a certeza, um queiroziano de mérito. Numa noite ferroviária em Medina del Campo, repetir o chamamento do "Grilo" era, garantidamente, alguém a reproduzir a cena famosa de "A cidade e as serras", quando um desesperado Jacinto temia que o criado negro, que tinha a seu cargo as milhentas bagagens destinadas a confortabilizar Tormes, se viesse a perder na mudança de comboio. O que acabou por acontecer, com as 27 malas a irem parar a Alba de Tormes...

Lembrei-me deste episódio ao ouvir ontem, em toda a comunicação social, imensas notícias sobre um Grilo. Este Grillo tem dois "ll", é italiano e parece que vamos ouvir falar muito dele no futuro, para mal dos nossos pecados - para quem os tenha, claro.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Sporting!!!

... de Braga.

Ainda a língua portuguesa

A nossa língua continua a ser tema recorrente de debate. E ainda bem. Ontem, intervim no I Congresso Internacional de Língua Portuguesa, uma oportuna iniciativa do Observatório da Língua Portuguesa, com participação de representantes de vários Estados em que o português se fala. 

Foi um interessante momento de discussão sobre o modo de promover o estatuto internacional da terceira língua europeia mais falada no mundo, a língua mais falada no hemisfério sul - para usar duas imagens utilizadas por Guilherme Oliveira Martins, que moderou o painel em que participei. Deixei várias "dicas" para o trabalho junto das organizações multilaterais, à luz da minha experiência.

A realidade é que, já hoje, "o crescimento económico fala português", como sugestivamente lembrou a minha companheira de debate, a professora Maria Isabel Tavares. Quando, durante a sua intervenção, mencionou 1973 como o ano em que o árabe ganhou o estatuto de língua oficial das Nações Unidas, não pude deixar de recordar que esse foi precisamente o tempo do "choque petrolífero", em que o mundo percebeu melhor a sua dependência face ao petróleo dos países do Golfo. É que a força institucional das línguas depende muito do poder económico dos países que as falam e as impõem.

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

UTAD

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) faz 25 anos da sua existência.

A UTAD é a universidade de Vila Real, a terra onde eu nasci. Fruto da feliz conjugação da iniciativa de entidades locais - e gostava de distinguir aqui, por elementar justiça, a figura do Engº Manuel Cardoso Simões - com um conjunto de personalidades que haviam tido já um percurso académico nas antigas colónias, a ideia de criar uma estrutura de ensino superior na capital transmontana conseguiu vingar no seu caminho e garantir um espaço de afirmação que, anos mais tarde, veio a consagrar-se na criação da atual universidade.

Muita água passou, entretanto, sob as pontes do rio Corgo. A UTAD evoluiu, transformou-se, cresceu e prestigiou-se, em especial em algumas áreas em que a sua massa crítica soube firmar-se com qualidade. A UTAD criou e agregou a si novos docentes, num conjunto muito alargado de valências especializadas. Dela saíram quadros técnicos de grande valia, hoje espalhados pelo país. Com universidades estrangeiras, a UTAD soube criar importante parcerias de cooperação. 

A UTAD não ficou imune às crises que a vida universitária portuguesa atravessa, elas próprias reflexo do que se passou na generalidade do país. A meu ver, a UTAD tem perdido algum tempo face à inevitável necessidade de vir a redimensionar-se à luz desse novo cenário. Essa perspetiva foi por mim claramente transmitida, tal como por muitas outras pessoas que aí desinteressadamente colaboraram, durante os anos em que chefiei o Conselho Geral da UTAD.

A cidade de Vila Real deve imenso à UTAD. Sou de opinião de que a cidade não soube até hoje criar - e interessa-me pouco saber quem terá a maior quota-parte de culpas - um laço adequado com a sua universidade. Uma coisa me parece evidente: a cidade de Vila Real não seria a mesma sem a UTAD.

Parabéns à UTAD e a quem hoje a compõe, uma casa onde deixei amigos e cujo futuro continuo a seguir com atenção.   

terça-feira, fevereiro 26, 2013

A Europa e o Mediterrâneo

Convidado pela Fundação Luso-Americana participei na manhã de hoje num interessante debate no âmbito do "Mediterranean Strategy Group", organizado pelo "The German Marshall Fund of United States". Coube-me falar no painel "The European crisis and Mediterranean Europe: Economic, social and political challenges", com um ministro grego e um editorialista do "El Pais".

O facto do debate ter sido feito sob a "Chatham House rule" impede-me de focar as posições em confronto com alguns outros integrantes do debate, em alguns casos mesmo no âmbito luso-português... Mas posso dizer que falei dos riscos da situação política, económica e social que se vive em Portugal, do precário estado atual da Europa bem como dos problemas da difícil compatibilidade entre a legitimidade democrática dentro dos países e as preocupações de eficácia dos responsáveis pela conjuntural ajuda externa.

É extremamente estimulante tomar nota de visões bem diversas, algumas do outro lado do Atlântico, sobre realidades relativamente às quais temos opiniões fundadas. É que, concordemos ou não com ele, esse outro olhar integra o cenário exterior com que inevitavelmente temos de nos confrontar.  

Buracos

Aqui há uns anos, recordo-me de ter sido divulgado um número de telefone que podia ser utilizado para chamar a atenção do município lisboeta para buracos que eventualmente aparecessem nas ruas da capital. Uma brigada especial tinha por missão, aparentemente, acorrer ao local e sanar as coisas, em poucas horas ou dias.

Perdi esse número. Alguém mo pode dar? É que, desde que regressei a Lisboa, já descobri alguns milhares de buracos e graves irregularidades nos pisos, com impactos negativos muito fortes nos pneus e suspensões dos carros, para reportar. Será que é apenas porque ninguém telefona?

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Procópio

A cerimónia de entrega podia não ter o "glamour" de Hollywood, mas o espaço à volta do fontenário em frente ao bar enchia-se de gente divertida, naquele único dia de mãos largas em que a "Sedonalice" nos dispensava (limitados) álcoois que fluiam de borla.

Eram os prémios Procópio, consagrados numa estatueta de metal desenhada pelo cartoonista António, a qual, anualmente, era atribuída a figuras da política, da música, das artes, do desporto, etc.

Num livro que foi publicado sobre o bar Procópio, escrevi uma "crónica dos anos 90", onde contei: "por essa época, eram distribuídos com regularidade, na festa estival, os famosos prémios Procópio, sob critérios de justiça que, pelo menos num caso, o autor destas linhas não tem razões para pôr em causa. Sabe-se hoje que malévolas reticências à democraticidade do júri que atribuía tais galardões eram completamente infundadas, dado que a Alice cuidava em seguir à risca um modelo há muito consagrado nas instituições do Burundi, recomendado por uma embaixadora que com ela toma chá."

Quais Óscares qual quê?! Vivam os "Procópios"! Então, Alice, que tal fazer renascê-los este ano, em contraciclo arrogante com a crise?

domingo, fevereiro 24, 2013

Regras de protocolo


Aparições

- Olha lá! Não será que estás a aparecer demasiado? Desde que regressaste de Paris, no fim de janeiro, já te vi um par de vezes na televisão, ouvi-te na rádio, saíste numa revista e no DN, hoje vens longamente no "Público", além de conferências feitas e outras já anunciadas. Não será demais?

- Talvez. Não sei... Limitei-me a aceitar convites que me fizeram. Não pedi rigorosamente nada a ninguém! Recusei mesmo outras coisas. Claro que podia ter dito que não àquilo que aceitei. Mas por que é que havia de fazê-lo? Julgo que é apenas o efeito "novidade". Daqui a dias, vais ver, começo a "desaparecer"...

Este foi um diálogo telefónico com um amigo, esta manhã. Há dias, um outro amigo mandou-me um SMS: "Há muita inveja. Não te exponhas demasiado. Lembro-me de um conselho que me deram: compra carro em segunda mão; nunca digas que vais viajar; usa roupa vulgar e, se possível, já gasta; oferece os presentes que te derem; mesmo que não precises, pede dinheiro emprestado."

Caramba! Terá que ser mesmo assim? Estranho país este...

sábado, fevereiro 23, 2013

Armas da crítica

Descontentes com as políticas que hoje afetam as Forças armadas, que sentem já não serem forças amadas pelos atuais poderes, militares de antigas hierarquias reuniram-se em jantares por onde perpassaram as suas aspirações corporativas.

Vão muito longe os tempos em que o tilintar dos sabres prenunciava borrasca político-militar, intentonas ou pronunciamentos que colocavam a vida quotidiana dos portugueses à mercê da conjugação sediciosa dos humores castrenses. Hoje, com a democracia, nas mãos dos militares apenas tilintam os talheres. Decididamente, invertendo Marx, os nossos militares optaram pelas armas da crítica em saudável detrimento da crítica pelas armas.

Contudo, talvez seja oportuno lembrar que o ambiente de liberdade que hoje vivemos se deve precisamente ao movimento protagonizado pelas nossas Forças Armadas, "coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos", como reza o preâmbulo da Constituição da nossa República. 

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

TVI

A TVI fez 20 anos. Parabéns. É um caso de sucesso televisivo. Goste-se ou não do modelo, há por ali muito profissionalismo.

Esta comemoração, porém, não deve fazer esquecer como tudo começou: a atribuição de uma televisão à igreja católica. Recordo bem como, por todo o país, grupos de fiéis, mobilizados pelas estruturas religiosas, juntaram economias para dar um écran à sua fé, criando uma espécie de Rádio Renascença a cores. Recolhas de fundos levaram alguns crentes fervorosos a venderem os ouros familiares e, em alguns casos, a endividarem-se. Depois, as coisas deram uma grande volta e acabaram assim.

Ínvios são os caminhos dos senhores da mídia.

Atraso?

Há certas pessoas que têm um conflito insanável com os relógios e para quem os horários são sempre referências apenas tendenciais. Várias teorias existem sobre o que estará subjacente à atitude dos endemicamente atrasados. Alguns chegaram a ministros dos Negócios Estrangeiros. Foi esse o caso de Vasco Futscher Pereira, uma das brilhantes figuras da nossa diplomacia.

Era muito difícil fazer "arrancar" o embaixador Futscher Pereira para qualquer compromisso. Como acontece com todos os atrasados, tinha sempre pretextos para ficar mais algum tempo. 

Um dia, Futscher Pereira tinha um encontro ao meio-dia num local que distava cerca de 20 minutos do seu escritório. Os seus colaboradores começaram a ficar preocupados, ao verem o embaixador envolver-se em outras tarefas, à medida que o tempo corria. A certo passo, um deles ousou dizer:

- Já está atrasado para a reunião...

- Essa agora!? Mas que horas são?

- Já são cinco para o meio-dia!

- Mas não me tinhas dito que a reunião era só ao meio-dia? Ainda faltam cinco minutos! Não estou atrasado... 

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Post impopular

Acho triste o contentamento que anda aí em certas hostes com o achincalhamento público e o boicote da palavra de um membro do governo. Em democracia, o direito à manifestação e até à indignação tem sempre de ser compatível com o respeito devido às figuras institucionais e, em particular, o respetivo direito à palavra. Por muito que alguns não gostem de certas autoridades da República, a verdade é que se trata de personalidades que assumiram os cargos que hoje ocupam com plena legitimidade. As formas públicas de expressar o legítimo descontentamento têm assim de ser compatíveis com o quadro de deveres que a democracia impõe. 

Sei que há quem não goste de ouvir isto embora desconfie que, se tocasse "aos seus", a posição dessas pessoas seria diversa.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Medeiros Ferreira

Com inteligência culta, José Medeiros Ferreira deu ontem uma bela lição de história diplomática contemporânea, na conferência sobre o papel de Mário Soares como ministro dos Negócios Estrangeiros, que ontem proferiu nas Necessidades, a convite do Instituto Diplomático.

Tenho uma limitada esperança de que a totalidade dos auditores possa ter sabido apreciar, à exaustão, esta magnífica prestação e, em especial, algumas sofisticadas subtilezas que lhe estiveram subjacentes. Na sua forma e no seu conteúdo - de há muito aprendi que, com Medeiros Ferreira, as duas coisas são sempre inseparáveis -, esta revisitação dos primeiros tempos do Portugal pós-abril constituiu uma riquíssima interpretação desses tempos conturbados, do ponto de vista de alguém que, tendo sido ator político relevante nesse mesmo domínio, não foi apenas um observador neutral desse período. 

Tendo lido quase tudo o que sobre essa época se escreveu, creio nunca ter visto uma desconstrução tão fina e cuidada sobre a figura diplomática de Mário Soares no contexto da política de descolonização, tendo como cenário de fundo os conflitos, abertos ou subliminares, havidos com Spínola (e, depois, não só com ele) nesse contexto. Pela primeira vez, esta conferência ajudou-me a refletir sobre a evolução do papel político de Soares face à negociação dos processos independentistas. Interessantes também foram as notas sobre o posicionamento de Mário Soares perante a Europa e os EUA, bem como a revelação da (pouca) importância que atribuía às relações com a Rússia e a Europa de Leste.

Medeiros Ferreira só ligeiramente aflorou, para logo se afastar do tema, o tempo em que foi, ele próprio, ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro-ministro Mário Soares. A questão de Israel, que terá estado na origem da sua decisão de sair do cargo, veio à baila nesta conferência, num registo muito curioso, embora apenas para iniciados. Lembrei-me, na ocasião, de uma frase que ouvi Mário Soares dizer a Itzhak Rabin, em 1995: "Foi por causa de Israel que perdi um ministro dos Negócios Estrangeiros". 

Devo dizer que fiquei muito satisfeito por ter tido a oportunidade de ter estado presente nesta conferência e nela observar o meu amigo José Medeiros Ferreira na sua melhor forma. A qual comporta sempre a dimensão polémica que é a sua inigualável imagem de marca.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

António Pinto Rodrigues (1947-2013)

Há dias, falei de ti por aqui. No que então escrevi, optei por não colocar nada de definitivo. Porém, já então sabíamos que o destino estava marcado, mas a esperança é sempre uma teimosa saudação à vida, enquanto ela existe. Partiste hoje. Alguém, ao meu lado, me dizia, há pouco, que o sorriso que mostras nesta fotografia era o mesmo de quando nos falavas dos teus filhos ou para eles olhavas à nossa frente. É verdade, é isso mesmo. Viveste para eles, para a Dee e para a tua Mãe. Era esse o teu mundo, um mundo que sempre cultivaste pequeno mas que, para ti, foi sempre imenso. Desde que te conheci, há mais de 45 anos, foste sempre a mesma pessoa - intensa, apressada, impaciente, agarrada ao futuro, com sonhos grandes, assentes numa ética à qual repugnava a mediocridade e o arranjismo. Lembro-me bem - que discussões homéricas nós tínhamos, quando eu andava pela governação e te tentava justificar algumas coisas! - como te desesperava um certo Portugal, que nos atrasava os dias, precisamente o contrário do país moderno e de progresso por que sempre ansiaste. Hoje, o ciclo fechou-se, os teus vão aprender a viver com a riqueza da memória afetiva que neles deixaste. Daqui a uns tempos, em Sande, todos iremos fazer-te uma última despedida. A tua Mãe, a suave dona Irene, para quem tu eras toda a vida da sua vida, lá está, há uns anos, à tua espera. Adeus, António.

Problemas de espaço

Conversa no sábado, com um colega já reformado, numa loja do Chiado.

- Como é que você resolveu o problema dos livros a mais, no seu regresso definitivo a Lisboa?

- Nem me fale! Foi um inferno! Não houve espaço para todos eles. Tive de fazer uma seleção.

- É que eu estou num sufoco. Tenho milhares de livros em caixotes, num armazém. Ainda não sei bem como vou proceder.

Comentário irónico da mulher desse meu colega:

- Vocês nem se dão conta do lugar onde estamos a ter esta conversa. Depois queixem-se...

Estávamos a comprar livros na Bertrand.

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Klaus Hansch

O antigo presidente do Parlamento Europeu, Klaus Hansch, vai proferir em Lisboa uma conferência sobre "O nosso futuro na Europa".

Cabe-me a mim apresentá-lo* e moderar o debate, que terá lugar no Instituto Goethe, no nº 37 do Campo dos Mártires da Pátria, pelas 18 horas de quinta-feira, dia 21 de fevereiro.

A organização pertence à instituição que acolhe o debate, ao Instituto Português de Relações Internacionais e à Fundação Friedrich Ebert.

* Em tempo: a apresentação pode ser lida aqui

Ideologias

Um grupo de cidadãos, já com o apoio garantido de vários deputados da maioria conservadora, vai levar de novo à Assembleia da República a questão do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e contra a mudança de sexo.

Devo dizer que, em tese, a questão tem todo o seu sentido, na lógica de quem a propõe. Se uma decisão foi tomada numa certa direção, nada impede que uma nova maioria venha a concluir em sentido contrário. Basta olhar para as conclusões das nove (9) comissões criadas para avaliar o acidente / o crime de Camarate para termos um retrato da sólida constância de julgamento dos nossos legisladores.

O único aspeto que acho curioso na iniciativa agora avançada é a assumida ideia de que as legislações que agora se procura reverter eram meras "medidas ideológicas". Está-se mesmo a ver que esta nova proposta nada tem de ideológica, longe disso!

Varela Gomes

Cruzámo-nos há dias, à porta de minha casa. Pelos vistos somos vizinhos. Conversámos por uns instantes. Já não via o coronel Varela Gomes há muitos anos.

Varela Gomes foi um mito da luta oposicionista contra a ditadura. Gravemente ferido no fracassado golpe militar de Beja, na noite de 31 de dezembro de 1961, foi detido e julgado com severidade, sofrendo uma longa pena de prisão. Creio que em 1971, fui-lhe apresentado pelo Lino Bicho (que será feito deste meu velho amigo?), num almoço da esplanada da "Casa dos Frangos", em Colares - uma casa dirigida pelo Gil, um velho militante do PCP e pela sua mulher, uma divertida espanhola que teria participado pelos "rojos" na Guerra civil do seu país. Varela Gomes tinha saído da cadeia de Peniche poucos dias antes e recordo-me da sua fragilidade física.

Imediatamente após o 25 de abril, vi Varela Gomes nos corredores do palácio da Cova da Moura. Eu era adjunto da Junta de Salvação Nacional e o coronel dirigia a polémica 5ª divisão, que por ali funcionou por algumas semanas. Com o andamento da Revolução, transformou-se numa das figuras cimeiras da "esquerda militar", a ala do MFA mais próxima do PCP, vindo a ser preso depois do 25 de novembro.

A razão porque hoje falo de Varela Gomes é porque acabo de ler, na biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, escrita por Vitor Matos, uma acusação que é totalmente falsa mas que, com regularidade, aparece publicada por aí: a de que, durante a Assembleia do MFA de 11 de março de 1975, o coronel Varela Gomes teria pedido que fosse aplicada a pena de morte aos sediciosos desse dia.

Varela Gomes pode ter todos os defeitos mais aqueles que os seus inimigos lhe queiram apontar, mas não é justo que seja acusado de uma coisa que não fez, em especial desta gravidade. É que eu estava lá, nessa Assembleia, e se alguém defendeu essa medida limite essa pessoa não foi o coronel Varela Gomes. A verdade é só uma.

domingo, fevereiro 17, 2013

Boas notícias

Ontem, ao ver a imensidão de vidros partidos na Rússia, por virtude do meteorito, lembrei-me de um colega, de um determinado ministério, que comigo fazia parte de um grupo de trabalho criado para as relações com os países árabes, nos idos de 76 ou 77, do século passado.

Nesse grupo técnico, procurávamos explorar as possibilidades de trabalho e os "appels d'offres" que íamos recolhendo, informando as empresas e gizando o apoio que podíamos mobilizar através das nossa incipiente rede de embaixadas na área, bem como das Câmaras de Comércio, em que então muito nos apoiávamos. É que, acreditem ou não, a diplomacia económica já de fazia por esses dias... e antes.

A sala de reuniões das "Económicas" do MNE acolhia esse nosso encontro. O tal colega foi dando a sua contribuição para os pontos de situação que fazíamos, país a país, aproveitando o bom ambiente de que Portugal beneficiava da parte desses Estados, como ressaca positiva do 25 de abril. A sua área técnica era muito específica, ligada aos transportes, razão pela qual todos ficámos um pouco surpreendidos quando o vimos intervir sobre uma questão de puro comércio externo:

- Um país onde temos de aproveitar as oportunidades novas que surgiram é o Líbano. Há novos nichos de mercado para certos setores da produção industrial nacional que é preciso explorar já! 

À volta da mesa, ficámos curiosos. Não tinhamos nenhuma informação nova sobre o Líbano, embora então houvesse uma embaixada portuguesa em Beirute, pelo que o representante do Fundo de Fomento de Exportação - antecessor do atual AICEP -, perguntou a que é que, em concreto, ele se referia. A resposta foi esclarecedora:

- Então não viram na televisão? Ontem rebentaram por lá várias bombas, em vários locais. Dizem que está tudo escaqueirado. Parece que os vidros de vários bairros desapareceram por completo. Vocês não acham que isto são excelentes notícias? Temos de alertar a Covina!

A sala rebentou em riso, mas o nosso homem não parecia perceber porquê: mas então a ideia não era boa?

sábado, fevereiro 16, 2013

Fernando Lyra (1938-2013)

Foi pelo "Expresso" de hoje que soube do desaparecimento do meu amigo Fernando Lyra.

Antigo ministro da Justiça e deputado brasileiro, Fernando Lyra presidia à Fundação Joaquim Nabuco quando o conheci, em 2006, por ocasião de um colóquio que a Fundação organizara, com Mário Soares e Dário Castro Alves, sobre o "assalto ao Santa Maria", que havia aportado ao Recife em janeiro de 1961. Entre nós os dois perpassou, de imediato, uma corrente de entendimento e simpatia que, por mais de uma vez, tive oportunidade de renovar, em várias deslocações a Pernambuco. Lembro-me bem da última: um jantar, creio que em 2009, no "Leite", essa magna instituição gastronómica portuguesa no Recife, durante o qual senti o Fernando um pouco cansado, mas com aquele sorriso bom e malandro com que acompanhava as deliciosas histórias de uma existência cheia de vigor e de empenhamento cívico.

O Fernando Lyra ofereceu-me um dia o seu livro "Daquilo que eu sei", com uma amável dedicatória, onde marcou bem a nossa recente amizade. É um trabalho essencial para se entender o percurso de vida do Fernando e, muito em especial, o seu papel no movimento das "Diretas já!" e na candidatura de Tancredo Neves. O fim da censura à imprensa no Brasil tem a marca de Fernando Lyra, como muitas vezes ouvi por lá afirmar. Fernando Lyra é uma figura marcante do regresso do Brasil à liberdade.

Estou certo que o seu grande amigo Mário Soares vai sentir bastante a sua falta. Deixo um abraço sentido à família, em especial a sua mulher, Márcia.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Europas

Hoje, ao estacionar o meu carro na área da rua de S. Caetano reservada a algumas viaturas de quem trabalha no Centro-Norte Sul do Conselho da Europa, que atualmente dirijo, uma senhora parou em frente a mim e disse: "Eu conheço-o de qualquer sítio! É isso, vi-o na televisão! Trabalha 'na Europa', não é?".

Desvanecido com o reconhecimento, porque o nosso ego é afagado com maior facilidade à medida que avançamos (ou recuamos) na vida, disse que sim, e que agora trabalhava ali, numa estrutura do Conselho da Europa, como se podia ler na placa de estacionamento colocada na rua.

Sempre amável, a senhora inquiriu: "Essa coisa do Conselho da Europa é onde trabalha o dr. Durão Barroso, não é?".

Desta vez com uma paciência cuja dimensão a senhora não era obrigada a adivinhar, expliquei-lhe que não, que o dr. Barroso não mandava nada por ali. E, para sua aparente surpresa, disse-lhe que o Conselho da Europa é a mais antiga instituição europeia, criada em 1949, muito antes daquilo a que hoje se chama União Europeia, que é "onde trabalha o dr. Durão Barroso".

A senhora agradeceu e disse que se lembrava de ouvir dizer, há dias, que o primeiro-ministro português estivera no Conselho da Europa.

Aí voltei a esclarecer: o dr. Passos Coelho nunca esteve no Conselho da Europa, que tem sede em Estrasburgo, ao lado do Parlamento Europeu, mas sim no Conselho Europeu, que é a instituição onde se reúnem os chefes de governo da União Europeia, geralmente em Bruxelas.

"Mas o Parlamento Europeu não é em Bruxelas? Tenho uma amiga que trabalha lá".

Aí, críptico, expliquei: "Tem razão, o Parlamento é em Bruxelas mas também é em Estrasburgo. Reune lá uma semana por mês..." 

"Há-de concordar que isto é tudo uma grande confusão!", disse-me a senhora, sorridente.

Aí retorqui: "Ó minha senhora! Concordo em absoluto! Nem a senhora sabe da missa a metade..."

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Faturas

Já me estava a parecer "muita fruta", como se diz na minha terra. 

Desde há muito que sempre me pareceu evidente a necessidade de, a cada pagamento numa transação no comércio ou serviços, dever corresponder a emissão de uma fatura, como se passa em todos os países em que se tenta combater seriamente a fraude fiscal.

Por essa razão, quando vi anunciado que isso ia passar a ser letra de lei, no novo código do IVA, achei que tinha razões para celebrar. Embora os valores da acumulação de faturas sejam quase astronómicos para se poder ter um desconto qualquer no IRS, contei com o sentido "vingativo" dos portugueses para garantir que, "até para chatear", iriam requerer o papel - e não se acomodavam ao cambalacho com o vendedor. O combate à fraude fiscal é uma guerra "do bem".

Esqueci-me, porém, de um pormenor tipicamente lusitano: a inevitável confusão da lei ou da forma como foi divulgada. Tal como na patética questão do cúmulo dos mandatos autárquicos, só posso imaginar que o texto legal relevante deve estar redigido de uma forma que suscita a confusão. Porque é que digo isto? Porque, perante o meu reiterado pedido de fatura, mas não querendo nunca dar o meu número de contribuinte (um direito a que não renuncio), desde que cheguei a Portugal recebo quatro respostas diversas: ou me dão logo a fatura sem necessitarem do número do contribuinte, ou mo pedem e, perante a minha recusa, emitem a fatura sem ele, ou me exigem o número sem o que me não emitem fatura ou só me exigem essa identificação a partir de 100 euros (já ouvi isto duas vezes).

Por que razão não aparece uma clarificação oficial inequívoca informando como é que, de facto, se deve proceder? Por que diabo as coisas, entre nós, têm de ser sempre assim?

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Olheiros

Nas últimas horas, apareceu na nossa imprensa uma nova categoria de observadores da atualidade: os vaticanistas. Uma designação que já é assumida sem sorrisos. 

Os tempos mudaram: antes havia os kremlinólogos. Nunca dei conta que houvesse "White house watchers" ou os "number 10 decrypters". Talvez em Moscovo.

Por cá, seriam os belenólogos, já que S. Bento é um nome que se torna demasiado complicado para se poder identificar, de uma penada conceptual, quem olha o que se passa naquela casa.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O nosso património

Acabo de ver num rodapé televisivo que o carnaval de Torres Vedras deseja ser consagrado como património imaterial da humanidade da UNESCO.

Já por aqui disse o que pensava, à luz de alguma experiência que tenho do assunto, sobre a necessidade do Estado português estabelecer critérios muito estritos na aferição destas propostas, antes de lhes dar a sua bênção oficial. A alternativa é apenas o ridículo.

Se as coisas continuam por este caminho, voluntario-me para ajudar à consagração das "cristas de galo" como património material doceiro de origem conventual que Vila Real tem a apresentar à humanidade. E, na reserva, ficam os "pitos de Santa Luzia"*.

* um leitor atento lembrou, e bem!, as "ganchas de S. Braz"

O Honório e Jaime Neves

Naquele tempo, não havia em Vila Real quem não conhecesse o Honório. Era uma figura um pouco bizarra, magro, de óculos redondos, vestido quase sempre de preto, com um chapéu que lhe desenhava um perfil físico que lembrava Fernando Pessoa. Tinha por profissão ser contínuo na escola do Magistério primário. Lembro-me dele escuteiro, como me recordo de o ver lançar papagaios aos domingos, aproveitando o vento da "marginal", sobre o parque florestal.

O Honório era aquilo que, com alguma crueldade, poderíamos qualificar de um "pobre diabo". Muitas vezes gozado pela rapaziada - que, pelas ruas, lhe chamava o X9 -, o Honório apareceu um dia casado, com casa em Folhadela. Numa excursão a Lisboa, ficou famosa uma coça que terá dado na mulher. 

A pobre senhora, entretanto, deixou viúvo o Honório e este envolveu-se numa questão de partilhas com os cunhados, que se arrastava pelos tribunais, sem decisão. Foi isso, pelo menos, o que um dia ele me contou. Na altura, pediu a minha ajuda, nos termos de quem achava que Lisboa era uma Vila Real "grande", onde as pessoas se encontravam com regularidade, como por lá se fazia na "esquina da Gomes" ou no "cabo da Bila":

- Quem me podia ajudar a resolver o assunto, eram vocês, lá em baixo, em Lisboa. Quando vocês se encontrarem - vós, o António Barreto, o Jaime Neves e o Albano Bessa Monteiro - bem que me podiam tratar do processo, com os conhecimentos todos que têm.

O Honório convocava aqui as pessoas "influentes" que conhecia e que andavam "lá em baixo", por Lisboa. Recordo-me de ter respondido (eu tratei-o sempre por tu, nos últimos anos ele tratava-me por "vós"), com alguma ironia, ciente da implausibilidade do cenário que ele desenhava:

- Podes ficar descansado! Se eu, um dia, eu me encontrar com o Barreto, o Neves e o Albano, garanto-te que te resolvemos o assunto.

O Albano Bessa Monteiro era (e é) um velho amigo. À época, eu não conhecia pessoalmente António Barreto. E nunca na minha vida alguma vez falei com Jaime Neves. Lá por sermos ambos vilarealenses, só pela cabeça do Honório poderia passar a ideia de que éramos amigos. 

Lembrei-me desta história, há dias, quando foi noticiada a morte de Jaime Neves.     

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O papa

No dia de hoje, com o anúncio da saída de cena do atual papa, senti a estranheza de quem vem de "outra freguesia": não tenho a menor opinião sobre o assunto. E, com todo o respeito que me merece quem vive intimamente a religião, não me parece que venha a ter.

domingo, fevereiro 10, 2013

As contas da Europa

Na sexta-feira, gravei na RTP Informação uma conversa com o jornalista Manuel Menezes, no seu programa "Olhar o Mundo" (*). Durante 20 minutos, falámos da Europa que temos, do lugar de Portugal nela, de crise do euro e dos desafios da atual diversidade europeia. No momento da gravação, os números do compromisso financeiro obtido no Conselho europeu da véspera ainda não eram muito claros. Agora já o são.

Sobre o assunto, sublinhei o que considerei ser uma forte incoerência da política orçamental da União face ao caso português. Com efeito, num momento em que duas instituições comunitárias (o BCE e a Comissão Europeia) estão comprometidas com o processo de ajustamento português, é verdadeiramente chocante ver aprovado um orçamento, para sete anos, desenhado como se estivessemos num tempo normal, sem se entender que, perante os elevados constrangimentos orçamentais nacionais, um esforço específico deveria ser feito ao nível do reforço dos fundos comunitários para os países sob assistência, elemento essencial para o investimento público. Esse esforço de coerência deveria ter sido realizado pela Comissão Europeia e não o foi. O (antigo) "executivo" de Bruxelas mostrou aqui toda a sua flagrante irrelevância atual no processo comunitário. Espero que o Parlamento europeu não esqueça isto, no debate que agora se seguirá. 

Mas voltemos às "perspetivas financeiras". Devo começar por dizer que me impressionou a forma ligeira, muito ao modo do país de "prós e contras" que por aí anda, como a generalidade dos comentadores televisivos dessa noite de sexta-feira analisou resultado de Bruxelas. Salvo uma ou duas exceções, as pessoas ouvidas optaram por um registo de seguidismo face à leitura oficial do resultado ou de mera oposição não fundamentada, face à importância daquilo que Portugal obteve. Os "situacionistas" deliciaram-se em laudas às vantagens obtidas na PAC (e para a CAP) para o "desenvolvimento rural" e o "reviralho" passou o tempo a atacar a falta de "ambição" europeia, assim fazendo forte oposição... a Bruxelas.  

Ora, à luz de alguma experiência que julgo ter neste domínio, entendo que não é muito difícil chegar a uma conclusão sobre se Portugal saiu ou não beneficiado deste exercício. Para tal, deixo algumas pistas sobre a forma como se devem ler os resultados.

Sendo uma evidência incontestável, o facto do orçamento global ter, pela primeira vez, diminuído, e isso representar uma falta de vontade dos "vinte e sete" para reforçar o projeto europeu, é relativamente indiferente na análise do resultado português. Como também o é a circunstância de se poder arguir com a ideia de que as coisas acabaram por ser um pouco melhores do que aquilo que era a proposta original: todos sabemos que é sempre assim... Finalmente, e do mesmo modo, o volume global de recursos que foram alocados a Portugal, com os "envelopes" laterais que sempre fazem parte destes exercícios, sendo um dado concreto a ter em conta, acaba por ser menos relevante para a análise que importa fazer - isto é, saber se Portugal ganhou ou perdeu nesta negociação. Como se pode chegar então a essa conclusão?

Julgo que é relativamente simples. Registe-se a percentagem que o volume de recursos obtidos por Portugal no anterior quadro financeiro representava no total do orçamento plurianual 2007-2013. Faça-se, depois o saldo final deste recente exercício, à luz do mesmo critério, descontado o efeito do futuro alargamento à Croácia. E compare-se. Como alguém dizia: é fazer as contas...

* Pode ver o programa aqui

sábado, fevereiro 09, 2013

Ponto Come

Anotar restaurantes é um "vício" que tenho (estava para escrever "alimento"...), desde há muito tempo. Comecei a fazer isso nos anos 80, com o meu amigo Alfredo Magalhães Coelho, criando guias para várias regiões portuguesas. Eram uma espécie de ajuda, a quem se passeava pelo país, para poder encontrar bons locais para comer, estivesse onde estivesse. No fundo, esses guias eram o resultado da busca que fazíamos para nós próprios, ajudados por opiniões tidas por fidedignas. Desses apontamentos constavam os pratos mais destacáveis em cada casa e as respetivas referências identificativas, com telefones e dias de fecho. 

Mais tarde, nas várias cidades do mundo por onde fui vivendo, ia tomando notas sobre os lugares que me tinham agradado e, com gosto, passava-as a amigos. Não eram críticas gastronómicas, porque não me reconheço minimamente competente para tal, mas simples listas de boas mesas, à luz da minha discutível opinião.

Como é sabido, o risco da produção das listas de restaurantes é imenso. Uma mudança de proprietário ou de cozinheiro pode alterar radicalmente, de um dia para o outro, o cariz de um restaurante, e nem sempre para melhor. As coisas mudam mas o que escrevemos fica, para eterno equívoco de quem lê.

Em Brasília, o meu "vício" passou a uma coisa um pouco mais séria: por sugestão do meu amigo embaixador Pedro Bório, fiz parte, durante dois anos, do júri da revista "Veja". Foi então que me dei conta de que a expressão de uma opinião sobre um restaurante, se lida e tida em consideração por muitas pessoas, pode ter sérias consequências no plano comercial e, por essa via, na vida das pessoas que trabalhavam nesses locais. Passei a ser muito mais cuidadoso nos meus comentários, tanto mais que eles eram baseadas em escassas visitas e isso reduzia seriamente a minha legitimidade para me pronunciar.

Em 2010, aceitei o desafio da revista "Sábado" para ser, sob pseudónimo e por um semestre, o "crítico mistério" da revista. Sucedi nessa tarefa a Paula Teixeira da Cruz, a Proença de Carvalho, a Ruben de Carvalho e a Miguel Esteves Cardoso. Embora residente em Paris, tive o maior gosto em levar a cabo essa tarefa. Mas foi aí também que percebi melhor as minhas sérias limitações como "crítico", a minha completa incapacidade de me colocar ao nível de um David Lopes Ramos ou de um José Quitério, figuras cimeiras na arte portuguesa da escolha restaurativa. Devo dizer que, desde então, olho para a crítica gastronómica com muito maior respeito. 

Ainda no Brasil, criei o blogue "Ponto Come", onde fui colocando algumas notas sobre restaurantes. Regressado a Portugal há poucos dias, decidi retomar a escrita desse blogue, nele inserindo curtas e despretenciosas notas sobre os locais a que me vou deslocando, na minha vida quotidiana. Quem quiser ler esses apontamentos deve ter a certeza antecipada que as opiniões que exprimo valem apenas o que valem, com toda a sua subjetividade e amadorismo. E ninguém se espante se vir desaparecer ou alterarem-se alguns dos "posts", porque eles vão naturalmente evoluindo à medida das minhas experiências, pelo que a data da última atualização deve ser sempre tida em atenção.

Reconheço, com facilidade, que em tempo de crise alguns poderão considerar algo ostentatória a revelação destas experiências gastronómicas. Concedo que isso possa ser visto assim, mas, não obstante o tempo que atravessamos, a verdade é que há, por todo este país, muitos restaurantes que necessitam de clientes para subsistirem e darem emprego a pessoas. É por essa razão que entendo ser adequado, por parte de quem vai tendo a felicidade de os poder visitar, sublinhar a qualidade do trabalho dos melhores profissionais deste importante setor económico.

Assim, e se estiverem interessados, consultem o "Ponto Come".  

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

A dona Maria Garcia

A dona Maria Garcia era uma mulher alta e imponente, de óculos grandes, passo pesado e olhar perscrutante. Sobre a sua vida amorosa, quando jovem funcionária, corriam lendas pela casa, dizendo-se que quebrara vários corações diplomáticos. Quando a conheci, ao tempo em que eu dava os meus primeiros passos pelos corredores das Necessidades, era já uma senhora idosa, sempre com um inconfundível e impositivo perfil. 

Rigorosa e implacável nas suas funções, a dona Maria Garcia era tida como um pilar na área da administração da casa, onde coadjuvava essa outra figura mítica da carreira, o embaixador Humberto Morgado, durante quase duas décadas diretor-geral desse setor. Dizia-se que, nesse "quarto andar", nada se fazia de importante que não passasse pelo crivo da dona Maria Garcia. E, efetivamente, havia sinais claros da sua competência profissional.

Em inícios de 1979, fui colocado na nossa embaixada em Oslo. Como sempre acontece nas transferências - e, por maioria de razão, na primeira saída para o estrangeiro - há toda uma série de papelada para tratar. Eu trabalhava dois andares abaixo e, com alguma premeditação, decidi organizar todo esse expediente administrativo... à distância. Assim, pedia os formulários, preenchia o que tinha a preencher e ia mandando entregar as coisas nos diversos setores administrativos, furtando-me sempre a subir ao "quarto andar". Fui bem sucedido em todas essas diligências, até um dia.

Informaram-me, a certo passo, que tinha de me deslocar a uma repartição, para assinar um determinado documento. Uma vez mais, inventei um pretexto qualquer e mandei perguntar se podia assinar o documento no meu serviço, devolvendo-o posteriormente. Foi então que recebi uma chamada telefónica da dona Maria Garcia, com quem eu nunca tinha trocado uma palavra: "Ó doutor! Soube que pediu para que lhe enviássemos um papel para aí o assinar. O doutor não pode deslocar-se cá acima? Com certeza, não julga que vai ser o primeiro diplomata que consegue partir para o estrangeiro sem passar pelo meu gabinete...". Fiz-me "de fino" e respondi-lhe: "Senhora dona Maria Garcia. Eu tinha precisamente a intenção, após concluído todo o expediente burocrático, de passar por aí a cumprimentá-la, antes de partir para a Noruega". Do lado de lá da linha, ouvi um elucidativo: "Pois, pois..." E lá fui eu, nessa tarde, um pouco embatucado, passar pelo pequeno gabinete a partir do qual a dona Maria Garcia dominava a gestão do MNE.

Conta-se que, chegado o momento da sua aposentação, a partida da dona Maria Garcia provocou uma crise na administração da casa, tendo sido necessário, para grande gozo da senhora, solicitar-lhe que viesse ajudar benevolamente, durante algumas semanas, as pessoas que tinham ficado a substituí-la.

Poucos anos mais tarde, recordo-me de a ter vislumbrado, ainda com a imponência física que a caraterizava, a descer a Infante Santo. A dona Maria Garcia deve ter desaparecido há já bastante tempo. Era dessa nobre raça de grandes funcionários de que a administração pública portuguesa se alimentava. 

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Ó Elvas, ó Elvas!

Em julho do ano passado, em São Petersburgo, Elvas e as suas fortalezas passaram a ser consideradas "património mundial" da UNESCO. Tenho alguma responsabilidade pessoal neste exercício, porquanto me coube convencer o Comité do Património Mundial da organização de que o processo de preparação do caso de Elvas estava suficientemente amadurecido para poder merecer a sua aprovação. Não era essa a visão das autoridades da UNESCO, mas conseguimos revertê-la.

Porque "já sei do que a casa gasta", alertei, de imediato, para a necessidade de serem colmatadas algumas deficiências evidentes na conclusão do processo de proteção, que nos tínhamos comprometido a ultrapassar. E chamei a atenção para o risco de que, se acaso tal não fosse feito, o mesmo Comité que aprovou a consagração daquele bem patrimonial poder vir a colocar Elvas como "património em risco".

Há dias, a imprensa trouxe a notícia de que o belo Forte da Graça foi saqueado. Vale a pena ler a notícia aqui. E é também instrutivo tomar nota da posição assumida pelas várias entidades envolvidas, cada uma "chutando" para a outra a responsabilidade pela situação criada. 

Resta lembrar que Portugal concorre este ano a um dos 21 lugares no Comité do Património Mundial, nomeadamente com base na experiência ganha em proteger os bens que a UNESCO consagrou no seu território...

A ordem

Fazia um certo género aquele embaixador. Nunca pedia nada diretamente, deixava no ar ideias que desejava que fossem levadas a cabo, obrigando os colaboradores a deduzirem o que realmente pretendia. Era muito raro vê-lo dar uma ordem imperativa. Se dissesse "era capaz de ser interessante mandar-se qualquer coisa a Lisboa sobre as taxas de juro", isso significava que se devia fazer, de imediato, um telegrama sobre a decisão do banco central sobre o custo do dinheiro. Se acaso os seus colaboradores não fossem suficientemente perspicazes para interpretarem estas suas ordens subliminares, o respetivo destino estava traçado. Tudo isso fazia parte da sua forma de exercer a autoridade.

Um dia, um funcionário administrativo foi chamado ao gabinete do embaixador, para tratar de uma qualquer questão. Durante esse despacho, na forma oblíqua tradicional, o embaixador comentou: "Está a começar a ficar um pouco de frio". O homem não reagiu, pelo que o diplomata foi um pouco mais explícito: "Será que os aquecimentos estão ligados?". O administrativo disse que não, que ainda não tinha chegado a "época", referindo-se à data em que, por regra, o sistema era posto em marcha. Chegado a este ponto, o embaixador, que claramente pretendia ver a sua sala aquecida, não resistiu e, já com má cara, foi explícito: "Olhe! Vá ligar o aquecimento".

O administrativo era um homem de hierarquias. Na sua perspetiva, testada ao longo de muitos anos, a pessoa que, dentro da embaixada, tinha poder para ligar o aquecimento era o chanceler, o senhor Mendes, a quem ele devia obediência direta, que se prolongava muito para além do período de funções dops embaixadores e de quem ele, desde sempre, recebia as ordens. E se essa suprema autoridade na gestão logística da embaixada não dera essa ordem, que podia ele fazer? Pelo que lhe saiu esta "pérola", para o todo poderoso embaixador, um dos homens que, na história das Necessidades, mais autoridade e influência alguma vez teve:

- Ai! isso é que não faço, senhor embaixador! Quem manda nessas coisas é o senhor Mendes. Tem de lhe pedir a ele...

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Entrevista

Foi na "Antena 1" que falei sobre a Europa destes dias, sobre a sua defesa, a sua política externa e as suas relações com os EUA. A propósito do debate sobre a língua portuguesa, disse o que pensava sobre as fragilidades institucionais do nosso idioma e do realismo com que devemos olhar para as suas possibilidades de futuro no campo internacional. Suscitei também algumas questões sobre o Centro Norte-Sul, que passei a dirigir e fui - muito sinceramente - otimista sobre o futuro do país.

Quem estiver interessado pode ouvir aqui.

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...