sábado, setembro 14, 2013

Wolfgang Münchau

O influente colunista do "Financial Times", Wolfgang Münchau, foi uma das personalidades estrangeiras que, nestes dois dias, interveio no congresso "Presente no Futuro". Sendo alemão, um analista perspicaz e havendo a convicção de que "bebe do fino", sobre ele recaíram várias perguntas sobre o que  pode acontecer às orientações da política económico-financeira europeia em função dos resultados das próximas eleições legislativas alemãs.

Münchau foi muito prudente, defendendo basicamente a ideia de que, qualquer que seja o resultado desse sufrágio, um futuro governo alemão dificilmente se afastará de uma opinião pública nacional, aliás partilhada pela de outros "like-minded countries", que se mostra muito relutante em flexibilizar a sua visão de que não pode vir a pagar os erros dos outros, por muito simplista e caricatural que esta perspetiva possa ser.

A uma pergunta que lhe coloquei, sobre se, pelo menos, a realização das eleições alemãs não poria fim a este "atentismo" em que temos vivido, dando-nos uma maior previsibilidade para os tempos futuros imediatos, Münchau comentou que esse sentimento de "dependência" face à decisão alemã era de tal ordem que tinha surgido na net a anedota de um miúdo alemão que, ai dizer ao pai que ia à casa de banho, teve a seguinte reação do progenitor: "só depois das eleições alemãs!"

Discutir a Europa


Hoje, segundo dia do Congresso "Presente no futuro", continuamos a discutir a Europa, no liceu Pedro Nunes, numa organização da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Entro em campo, daqui a horas, numa mesa redonda moderada pelo diretor da SIC-Notícias, António José Teixeira, com a professora Catherine Moury e o meu colega e diretor-geral dos Assuntos europeus, Francisco Duarte Lopes.

Cabe-nos debater o modo como somos representados na União Europeia, o que implica falar do poder que hoje temos (ou não) e daquilo que o pode determinar ou condicionar.

Uma advertência: as entradas para o Congresso estão esgotadas.

Em tempo: e por lá, entre outras coisas, disse isto.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Regresso aos mercados

Não se esqueçam! Este é o mês do regresso aos mercados!

Natália Correia

Artur Bual
Hoje, se fosse viva, Natália Correia faria 90 anos. Às vezes, ouço dizer de alguém que é uma pessoa "intensa". Não conheci muito bem Natália Correia (sobre quem ontem vi que foi publicado um livro de Fernando Dacosta), mas, pelo que acompanhei da sua vida e perfil humano, acho que o epíteto se lhe aplica muito bem.

Conheci-a pessoalmente, uma noite, no final dos anos sessenta, num bar, situado numa cave, perto do mercado de Campo de Ourique, julgo que frente à igreja, um local que nunca mais consegui localizar. Nele tocava então Denis Cintra, filho de Lindley Cintra, no tempo em que as baladas "de protesto" estavam na moda. Natália entrou, com Ary dos Santos e um pequeno séquito, juntando-se à nossa mesa, onde havia amigos comuns, por pouco mais de uma hora, partindo depois para outras noites.

Anos mais tarde, já pós-abril, voltei a falar com ela algumas (muito poucas) vezes no Botequim, o bar na Graça de que era proprietária e que se tornou num dos locais icónicos para a classe política da época. Basta dizer que foi Natália Correia quem apresentou Snu Abecasis a Sá Carneiro, de quem se tornaria feroz apaniguada, o que a levou a uma passagem pelo parlamento, que abalou com a sua verbe e a sua graça.

Não sou um fã da sua escrita, como o não fui das suas opções políticas, mas reconheço-lhe uma "intensidade" única e uma presença ímpar na sociedade portuguesa, onde sempre dizia em voz bem alta o que pensava. É um lugar comum, mas apetece-me dizer que fazem-nos hoje falta figuras como Natália Correia. Quase que imagino o que ela por aí hoje diria...

quinta-feira, setembro 12, 2013

Nós e a França

Ontem à noite, na embaixada de França em Lisboa, na despedida do embaixador Pascal Teixeira da Silva e da sua mulher, no termo de três anos da sua bem sucedida missão em Portugal, lembrei-me, de súbito, do meu pai.
 
O embaixador Teixeira da Silva, na sua orgulhosa ascendência portuguesa, representa bem o êxito da integração da diáspora nacional em França. Tal como o meu amigo Ruben Alves, que também encontrei por lá e a quem ficamos a dever esse magnífico filme testemunho que dá pelo nome de "Gaiola Dourada". Ambos, e muitos e muitos mais, contribuem hoje para o laço que eternamente nos une à França.
 
Por que razão me lembrei do meu pai, para além das óbvias razões pessoais que me levam a nunca o esquecer? Não que ele alguma vez tenha entrado no belo palácio de Santos, mas porque, à sua modesta medida, fez o que pôde para promover entre nós a língua francesa. Durante mais de vinte anos, a filhos de familiares e amigos, sem nunca cobrar um cêntimo, o meu pai deu aulas de francês, apenas e só porque era um devoto da língua de Voltaire e entendia, tal como eu acho e Thomas Jefferson disse um dia: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France".

quarta-feira, setembro 11, 2013

Santiago

 
Foi há 40 anos. Dia por dia. Ao final da tarde de 11 de setembro de 1973, um pequeno grupo de soldados-cadete, de "Ação Psicológica" e "Licenciados em Direito", da Escola Prática de Administração Militar, ao Lumiar, fazia formatura para sair da unidade.
 
Um dos cadetes, hoje figura pública, disse: "Já sabem as novidades do Chile? O Allende está prestes a ser derrubado por um golpe de estado militar. Convido todos a virem beber uma taça de champanhe a minha casa. Temos de comemorar!"
 
A maioria do grupo era extremamente conservadora e, se bem me lembro, exultou com a notícia. O António Franco, o Miguel Lobo Antunes e eu (e creio que mais ninguém) rugimos algumas imprecações, reagindo para provocar os colegas "fachos".
 
Até que o António se saiu com esta: "Vocês estão é com sorte. Já entreguei no armeiro a minha G3..."

Eleições na Noruega

Há dois dias, a direita regressou ao poder na Noruega. Neste caso, o qualificativo "direita", não sofre contestação: o partido que indicará o novo chefe do governo chama-se "Høyre", o que, em norueguês, significa... "direita". Nos últimos 77 anos, só em 16 deles o Partido Trabalhista esteve afastado do governo.

Em setembro de 1981, quando eu vivia em Oslo, a direita também chegou ao governo, depois de dezenas de anos de domínio trabalhista. Um semanário português, "O Jornal", havia enviado à Noruega o jornalista Fernando Dacosta, para cobrir o acontecimento. Embora, de acordo com todas as sondagens, a mudança fosse já previsível, ela não deixava de ser, aos olhos internacionais, uma alteração com uma dimensão algo histórica. Para Portugal, colocava-se a questão da sustentabilidade das ajudas que os governos socialistas noruegueses nos vinham a dar, desde o 25 de abril, tema que preocupava a embaixada.

Dei todo o apoio que pude a Fernando Dacosta. Apresentei-lhe jornalistas e outras personalidades locais e obtive-lhe uma entrevista com o futuro primeiro-ministro, Kåre Willoch. Passámos a noite eleitoral nas instalações da NRK, a televisão local, até ao apuramento dos resultados definitivos.

No final do escrutínio, Fernando Dacosta pediu-me se eu podia levá-lo até ao centro da cidade, junto da sede do partido vencedor. Fiz-lhe a vontade, sorrindo para mim mesmo. Lá chegados, não se via vivalma. Não havia a menor manifestação, nem uma bandeira era agitada, nenhum automóvel buzinava. A derrocada de um governo no poder, desde há décadas, não era objeto da menor comemoração pública. À meia-noite, a sede do vitorioso "Høyre" já estava mesmo fechada. No dia seguinte, bem cedo, a Noruega regressaria ao trabalho.

Júlio Dantas, na "Ceia dos Cardeais", escrevia: "como é diferente o amor em Portugal". A política também.

terça-feira, setembro 10, 2013

Discutir

Aqui há uns anos, num almoço em casa de um colega, a conversa, com outro convidado, resvalou para o terreno político. Eu tinha responsabilidades de governo por esses tempos e senti-me provocado com algo que ele disse - e não faço já a mais leve ideia do que foi. Irritei-me e julgo que fui longe demais, não apenas na argumentação utilizada, mas, especialmente, no tom que assumi. No dia seguinte, telefonei ao dono da casa a desculpar-me, tendo este, com simpática benevolência, desvalorizado o assunto.

Ontem, li num jornal que o meu interlocutor dessa conversa polémica morreu. Ele não estava totalmente inocente no tocante ao rumo que a nossa discussão teve. Mas, ao ler a notícia da sua morte, senti pena por nunca lhe ter dado uma palavra sobre o assunto.

segunda-feira, setembro 09, 2013

Amistoso


Faltava menos de um mês para eu encerrar a minha missão no Brasil. A seleção portuguesa de futebol fora convidada para a inauguração do "Bezerrão", um novo estádio de futebol construído no Gama, nos arredores de Brasília. Ia cheia de vedetas, o que, por antecipação, fazia vibrar de entusiasmo a comunidade portuguesa local. Alguns diziam-me: "que sorte, embaixador, poder ter por aqui a nossa seleção, logo no fecho da sua estada no Brasil!". Eu, sempre nada fã das soluções de Carlos Queirós, tinha um mau pressentimento. Mas, pronto!, lá fui para o estádio, cachecol ao pescoço, com a embaixada em peso de verde-e-vermelho e as bancadas cheias de compatriotas ansiosos de bandeira em punho.

Os alunos de uma escola primária, para crianças desfavorecidas, que a embaixada apoiava, entraram em campo pela mão dos nossos jogadores, radiantes! Depois, foi o que se viu. Uma equipa displicente e mal dirigida, que parecia estar a fazer um frete, que não corria, que não se empenhava e, muito em especial, que não percebia que um jogo "amigável" (ou "amistoso", como se diz no Brasil) tem uma importância muito grande para a comunidade portuguesa expatriada ou descendente. Para os jogadores aquilo era um jogo-treino, para os portugueses era o orgulho nacional que estava também em jogo. Para o senhor Queirós, que se entretinha em substituições para "fazer" internacionais, aquilo era, aparentemente, pouco mais que um jogo-entre-solteiros-e-casados.

Perdemos por uns imensos 6-2. Uns dias depois, em Nova Iorque, o colega que me ia substituir em Brasília, o embaixador João Salgueiro, deu de caras com Pelé, num restaurante. E apresentou-se, como futuro representante diplomático português no Brasil. Pelé retorquiu: "vai substituir aquele embaixador de cabelos brancos, que eu conheci, muito triste!, em Brasília, na noite em que Portugal perdeu por 6-2 conosco?". O meu colega confirmou. Eu estava, de facto, bastante triste e isso não deve ter escapado a Pelé. O que ele não sabia é que tê-lo conhecido terá sido a minha única alegria daquela noite.

Boa sorte para esta madrugada!

Em tempo: afinal, foi o que se viu. Com toda a tranquilidade...

Síria

Governar é escolher, dizia Mendès-France. A escolha, no caso sírio, é de uma extrema complexidade. Deixar impunemente Bashir Al-Assad continuar a repressão de parte do seu povo parece obsceno, agora que as acusações de uso de armas químicas fizeram a guerra civil mudar de patamar. Mas decapitar o poder em Damasco, provocando uma espécie de "balcanização" armada, com a entrega do poder a grupos islamistas radicais, muito fragmentados entre si, sem a menor garantia da criação de um processo democrático alternativo, é também um risco estratégico fortíssimo.
 
Que fazer? A escolha dos EUA e alguns aliados, mas ainda não plenamente assumida e fragilizada na reunião do G20, seria no sentido de provocar um forte abalo do regime sírio, por ataques cirúrgicos a estruturas e entidades que suportam o essencial da sua ação militar, com vista a provocar o seu enfraquecimento e a forçá-lo à negociação de um qualquer compromisso. Curiosamente, no discurso ocidental, poucos falam na substituição de Assad e mesmo no seu possível julgamento pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), talvez porque alguns considerem que um cenário "menos mau" ainda pode ter de vir a passar por ele. Longe vão os tempos do "regime change" que era voz corrente no caso do Iraque.
 
Em todo este contexto, valerá a pena não perder de vista algumas coisas:
 
  • que o regime de Assad, não obstante a violência dos seus métodos (aliás, na velha tradição bárbara do pai do ditador), tem um considerável apoio popular no país, por razões de equilíbrios étnicos que têm muito a ver com a própria existência do país. O sunitas moderados, bem como as minorias cristãs, druzas, chiitas e curdas parece continuarem a preferir Assad à instauração de um modelo islâmico radical.
  • que a oposição está extremamente fragmentada entre grupos no exterior, sem grande influência interna e apenas relevantes nos refugiados e na diáspora, e os grupos internos que conduzem as operações militares, fortemente extremistas, que fazem parte de uma espécie de "brigadas internacionais" salafistas, que o ocidente se resignou a apoiar, sob pressão dos seus aliados sunitas (Turquia, Arábia Saudita e Qatar).
  • que a agenda anti-Assad, na realidade, tem como importante objetivo tentar enfraquecer a aliança entre a Síria e o Irão - porque a questão iraniana permanece como o elemento vital de toda esta questão. Por forma a evitar que o Irão se assuma potência central da região, em especial se vier a obter poder nuclear, o ocidente decidiu tomar partido pelas forças sunitas, na tentativa de quebrar a ligação entre as forças chiitas que ligam Síria, Irão e Iraque, bem como o Hezbollah libanês.
 
No caso sírio, como às vezes acontece, parte do mundo encontra-se perante a "alternativa do diabo": qualquer escolha será má, restando saber qual será a pior.
 
ps - porque é bem ilustrativa do que a Europa política é, note-se o esforço declaratório da União Europeia sobre este assunto, recheado de ambiguidades para poder acomodar o mar de divergências no seu seio.

O cano

"Estes tipos estão muito atrasados. Parece impossível! Não sabem colocar canalizações!"

Estávamos na Líbia, em 1976, numa artéria de Tripoli. Com o condutor local, viajávamos três portugueses, membros de uma missão técnica exploratória das possibilidades de negócio em matéria de construção civil e obras públicas.

(Para a história, diga-se que essa missão, decidida pelo então ministro nos Negócios estrangeiros, Medeiros Ferreira, iria abrir caminho a uma imensidão de rentáveis contratos nesse setor, para empresas portuguesas, nas décadas seguintes).

O autor da frase, um engenheiro civil português, que seguia ao lado do motorista, queixava-se de uma elevação, que atravessava toda a faixa viária, obrigando a viatura em que seguíamos a "subir" essa protuberância rodoviária, com algum incómodo para os passageiros e, naturalmente, obrigando a uma sensível redução da velocidade. Ele achava que era um cano...

Ao meu lado, no banco de trás, um homem da banca portuguesa, Mascarenhas de Almeida, deu-me uma cotovelada cúmplice e ambos contivemos, a custo, o riso. Mas nada dissémos.

Por essa altura, por esse mundo fora, apenas num número escasso de países fora já introduzido o método de colocar, nas ruas e estradas, em locais mais sensíveis, amortecedores de velocidade. A Líbia era um deles, mas o nosso engenheiro, embora "civil", aparentemente não conhecia ainda a novidade.

Passaram-se alguns minutos. O engenheiro deve entretanto ter constatado que mais "canalizações" iam aparecendo, ao longo dessas avenidas. E a certa altura, saiu-se com esta:

"Pensando bem, esta ideia de usar tubagens para reduzir a velocidade dos automóveis não é má de todo! Às tantas, era capaz de ser útil fazer isto em Portugal..."

Terá sido ele?

domingo, setembro 08, 2013

Vale tudo?

Um político português abriu, em Portugal, uma conta num banco e nele fez um depósito. O banco era uma sucursal de uma intituição alemã: como o Santander é espanhol, o Barclays é britânico ou o BNP-Paribas é francês. O banco oferecia, a quem quer que fosse ao seu balcão, boas condições e, com toda a naturalidade, o político escolheu-o. Que sentido teria optar por um banco que lhe desse piores condições?

Foi ilegal a abertura da conta? Não. Houve alguma ilegalidade ou ilegitimidade na operação? Nenhuma.

Um jornal, porém, coloca em título que o político "põe poupanças em banco alemão". "Banco alemão"? Ó diabo! O leitor incauto logo conclui, pela fórmula habilidosa utilizada, que, com um malote atulhado de euros, o político, quem sabe se numa "aberta" de uma deslocação oficial à Alemanha, terá colocado o dinheiro, à sucapa, na segurança das terras da senhora Merkel.

Vale tudo? Não vale. Mas quem é que abriu a caixa de Pandora?

sábado, setembro 07, 2013

Os ódios e as ideias

A pretexto de algumas lamentáveis reações à morte de António Borges, a historiadora Maria de Fátima Bonifácio deu à estampa no "Público" um texto inqualificável, no qual, misturando deliberadamente os seus ódios com bugalhos alheios, deu uma expressiva nota da intolerância que afeta as mentes de certos setores políticos em Portugal. Ao lê-la, devo dizer que me percorreu um frio na espinha, sentindo o sopro de um vento ideológico que eu pensava amainado e enterrado no passado. Com a sofisticação de quem sabe o que escreve, a professora Fátima Bonifácio fez-me recuar aos tempos em que, noutros contextos, alguns intelectuais de mérito serviram de adubo pensante e justificador de certas barbáries. 

Devo dizer, com sinceridade, que mantenho respeito intelectual pela professora Maria de Fátima Bonifácio, com quem integrei, no ano passado, um grupo de trabalho, nomeado pelo governo, que produziu as bases para um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Reconheço-lhe a autoria de uma obra relevante, que, desde há uns anos, tem vindo a ser produzida sob o prisma de uma linha ideológica cada vez mais radical. Contudo, leio-a sempre com bastante proveito e continuarei a fazê-lo, a ela bem como aos restantes cultores de uma historiografia conservadora, alguma mais liberal que outra, que agora está um pouco na moda, que reconheço que é muitas vezes (embora nem sempre) servida por boa escrita e interessante investigação, que se apoia em setores universitários e em editoras que alimentam a mesma agenda ideológica, sendo também promovida com empenhamento por certa imprensa e blogues. 

Situando-me, com cristalina clareza e sem ambiguidades, no espetro das "sinistras" ideias diabolizadas no texto da professora Fátima Bonifácio, fica-me a dúvida sobre se o que aqui escrevi sobre António Borges, na ocasião da sua morte, também se enquadrará nos comentários por ela policiados.

Aga Khan

Num mundo onde a solidariedade anda pelas horas da morte, é um gosto ver Portugal acolher as meritórias iniciativas de uma instituição "do bem" como é a Fundação Aga Khan, a qual, sem grandes alardes, promove uma notável obra internacional de cooperação e de difusão cultural, com forte sentido universalista. Esta semana, Lisboa é o palco escolhido para a entrega do prémio internacional Aga Khan para Arquitetura, com a presença do próprio príncipe Aga Khan.

A comunidade ismaelita portuguesa, uma orientação muçulmana com raízes em Moçambique, constituiu-se em Portugal, em especial após 1974, como um setor dinâmico, respeitável e com um profundo sentido de responsabilidade social. A figura tutelar de Nazim Ahmad, que no nosso país dirige a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, é uma personalidade que honra, simultaneamente, a Fundação e o nome de Portugal, representando, de forma exemplar, o trabalho dessa comunidade de prestígio, cujo percurso tenho acompanhado, desde há décadas, com sincera admiração. 

Num tempo de tropismo para a crítica, vale a pena destacar - e lembrar, porque normalmente não são "notícia" - as coisas positivas que por aí existem.

Bombeiros

É um lugar comum mencionar, por estes dias, o trabalho magnífico e esforçado dos bombeiros portugueses. Já por aqui disse, um dia, que cresci numa cidade onde, não só admirávamos as duas corporações de bombeiros, como tomávamos partido por uma dentre elas, numa rivalidade feita de fascínio saudável. Sou, assim, insuspeito de indiferença face a essa atividade com forte dimensão cívica.

Porque digo isto? Para enquadrar melhor a ideia, que venho a alimentar nestas últimas semanas, de que muitos dos infortúnios que têm afetado os nossos bombeiros, com a ocorrência de várias vítimas mortais, pode também ser a consequência de algum amadorismo e, em especial, de falta de uma adequada preparação técnica. O modo como vários desses tristes acidentes ocorreram, pelos relatos ouvidos, pode apontar nesse sentido. Admito estar errado, mas, se assim for, gostava que alguém me explicasse, por exemplo, que tipo de formação orientada para operações em zonas de montanha, com declives e variações eólicas muito específicas, têm os bombeiros que foram deslocados de cidades do sul, como foi o caso dos integrantes das corporações das zonas urbanas na periferia de Lisboa.

Fico com a sensação que, por detrás da justificada emoção com que glorificam os bombeiros que faleceram, pode estar uma história mal contada. Acho que a memória dessas mortes merece a verdade.

sexta-feira, setembro 06, 2013

Para alemão ver*


Angela Merkel é a atual "patroa" político-económica da Europa. Na existência da UE, nunca um só país foi tão relevante no seu equilíbrio interno de poderes. Esta singularidade conjuntural, devida à fragilidade da França, cria uma realidade nova que, sendo má para a União, acaba por não ser cómoda para Berlim. Essa solidão de poder acaba por ter um efeito nefasto sobre a imagem do país, embora não devamos exagerar na ideia de que se caminha necessariamente para o acordar de alguns demónios históricos.
 
Nestas condições, Angela Merkel é, de facto, a mais importante personalidade, no que toca à economia portuguesa. Atenta a nossa dependência da orientação que a politica económico-financeira europeia venha a assumir, e tendo em conta que nada do que aí se passar deixará de ter a posição alemã no seu centro, é obvio que o chanceler federal, seja ele quem for, tem nas suas mãos parte importante do nosso destino. O resto, que ainda é algum, dependerá da competitividade do nosso tecido económico (o que hoje tem essencialmente a ver com a capacidade dos nossos empresários, no vazio do investimento público), da determinação política que Portugal vier a mostrar na obtenção de melhores condições no plano externo (que é o contrário do seguidismo e do atentismo sobre o que a Europa "nos dê") e, claro, da evolução da situação económica global.
 
O governo português, nos últimos dois anos, colocou todas as suas cartas em Berlim, na convicção de que a Alemanha premiaria os casos de sucesso nos países sob resgate e, se algo corresse mal, acorreria a ajudá-los, desde que tivessem sido alunos aplicados no ajustamento. Lisboa procurou evitar todo o gesto, por menor que fosse, que pudesse contrariar Berlim. Prova disso foi o modo como Portugal (não) negociou as ultimas "perspectivas financeiras" comunitárias, no fatalismo de que tudo acabaria sempre por se passar como a Alemanha determinasse. Custa-me ter de concluir que esta não foi a melhor forma de defender os interesses portugueses.
 
* texto que hoje publico no "Jornal de Negócios" como comentário à decisão do jornal de considerar Angela Merkel a mais importante personalidade da economia portuguesa.

"A Internacional"

Na noite de quarta-feira, na comemoração das ainda escassas décadas de existência de um bom amigo, acabámos a cantar-lhe os "parabéns a você", com a música de "A Internacional". É uma prática pouco comum nas festas de aniversários, salvo quando a densidade daqueles que seguem pela faixa esquerda dos caminhos da vida é forte e maioritária. Como era, obviamente, o caso. De qualquer forma, a letra cantada era bem mais inóqua do que a da original "A Internacional" (e, à atenção de quem não saiba, há uma variedade de letras de "A Internacional" muito apreciável), tanto mais que não se registava a presença de quaisquer "vítimas da fome", o que também era assegurado pela participação no repasto do "papa" da crítica gastronómica portuguesa, José Quitério.

Lembrei-me então que um dia, num intervalo de um Conselho de Ministros de um dos dois governos de António Guterres, foi decidido comemorar o aniversário do primeiro-ministro, com bolo e as inevitáveis velas. Alguns (assumo que fui um deles) decidimos pôr os ministros e secretários de Estado a cantar-lhe as palavras do "parabéns a você" com a música inesquecível de Pierre de Geyter. Foi curioso ver as reações: alguns de nós arrancámos a cantoria com a energia de uma geração que um dia soube ao que ia, outros, mais ou menos embaraçados ou com um sentido das conveniências apurado, trauteavam baixinho, e, finalmente, alguém vindo do tempo "da outra senhora", cooptado pela democracia com generosa abertura, parecia não saber onde se meter, como o sorriso amarelo bem denunciava.

Mais a sério: "A Internacional" é uma canção que ficou ligada à memória comunista, mas cujo espírito progressista sempre foi muito para além desse terreno específico de acantonamento ideológico. Para muitas pessoas da minha geração (política), "A Internacional" foi uma bela arma contra a ditadura, um terreno comum onde muita gente que lutava pela democracia e pelas ideias da solidariedade e do progresso se encontrava, com alegria e entusiasmo. Para mim, "A Internacional" faz assim parte da minha melhor memória afetiva. E não tenho o menor receio de o afirmar.

quinta-feira, setembro 05, 2013

O intérprete acidental

Ontem fiz uma viagem aérea ao lado de uma jovem intérprete de conferências. Falámos da sua profissão e explicou-me que viaja por todo o mundo para colaborar em vários eventos, sendo que um dos seus grandes clientes é, imagine-se, a Fifa!

O meu respeito pela profissão de intérprete é imenso. Trata-se de uma atividade de grande responsabilidade, que exige uma elevada qualificação técnica e que é extremamente exigente em termos físicos e mentais. Fazer interpretação simultânea (o que é uma coisa totalmente diferente de fazer tradução escrita de textos) é uma tarefa muito cansativa, razão por que muitas vezes vemos reuniões terem de terminar mais cedo por exaustão dos intérpretes.

A meu primeiro contacto com esta realidade foi na Noruega, em 1980, durante uma visita de Estado do presidente Ramalho Eanes. No termo da visita, estava prevista uma conferência de imprensa do presidente, no hotel SAS, em Oslo. Embora me recorde que outros temas conjunturais acabaram por se sobrepor, a ideia original era dar conta à comunicação social norueguesa da avaliação do chefe de Estado português sobre os importantes programas de cooperação que a Noruega desenvolvia, à época, em Portugal.

(Depois da Revolução de 1974, os governos trabalhistas noruegueses levaram a cabo um vasto conjunto de programas de solidariedade para com a nova democracia portuguesa, desde o apoio aos "retornados" das antigas colónias a diversas contribuições em setores técnicos, de que foram exemplos os setores da saúde, da investigação marítima, etc. Fico com a sensação de que o nosso país nunca prestou um suficiente testemunho da gratidão devida à Noruega por estes gestos materiais de grande solidariedade, num tempo difícil para nós.)

Porque a conferência de imprensa do presidente Eanes se situava fora do programa oficial da visita, coube à nossa embaixada organizar a logística do encontro com os jornalistas. Havia assim que prever um intérprete para fazer "chuchotage" (interpretação em voz baixa, ao ouvido) do presidente, fazendo-o entender as perguntas da imprensa, e outro para, numa cabine, traduzir para os jornalistas, em norueguês, as respostas de Ramalho Eanes. Para a primeira função escolheu-se Joelle Bastviken, uma luso-norueguesa que já acompanhava em permanência o casal presidencial, infelizmente já desaparecida. Para a segunda, e no "deserto" que então era o mundo dos noruegueses com conhecimentos de português, decidimos encarregar da tarefa o tradutor da embaixada, Johan Jarnaes.

Jarnaes era professor de português na universidade de Oslo e pensámos que, se o seu conhecimento da nossa língua era suficiente para nos fazer pequenos resumos da imprensa local ou traduzir cartas, talvez fosse capaz de passar para norurguês as respostas do presidente. Com grande boa vontade, Jarnaes voluntariou-se para a tarefa, não sem que antes, com toda a honestidade, me tivesse avisado das dúvidas que tinha sobre se estaria à altura da função. Animei-o, com a inconsciência de quem não tinha outra solução.

Fui com ele para a cabine de interpretação, para atenuar o nervosismo de que dava mostras e, talvez, também por um pressentimento de que as coisas poderiam não correr bem. Como não iriam correr, de facto.

Logo às primeiras respostas de Eanes, cujo discurso, como é sabido, tende a ser rebuscado e pouco direto, para além de assente numa verbalização alcainense menos fácil para um ouvido estrangeiro, o nosso Jarnaes começou a gaguejar, a suar em bica e, num certo momento, bloqueou por completo. O facto de Eanes debitar longas frases e encadear o discurso, sem pausas, justificava o "pânico" em que Jarnaes entrara que me fazia sinais desesperados de que não conseguia prosseguir. Do alto da cabine, eu olhava para a sala e constatava a perplexidade na cara dos jornalistas noruegueses, que olhavam uns para os outros, dando voltas ao aparelho da interpretação, acreditando que o silêncio que lhes passara a ser oferecido se devia a alguma avaria técnica.

Foi então que decidi correr um imenso risco, com vista a ultrapassar o embaraço em que estávamos. Arranquei o microfone a Jarnaes e passei a fazer eu a "interpretação" , mas, desta vez, para inglês, língua que todos os jornalistas noruegueses compreendiam. Aqui para nós, tenho hoje a sensação que improvisei imenso, que coloquei na boca do presidente muitas coisas que ele, na realidade, não disse (como, no dia seguinte, vi nas citações de imprensa que lhe foram atribuídas). A verdade é que também eu era incapaz de seguir o ritmo das palavra de Eanes, pelo que fui avançando com frases que pressenti se colavam, mais ou menos, àquilo que eu sabia ser o pensamento do presidente, pelo que dele conhecia através da imprensa. Foi uma grande irresponsabilidade? Talvez, mas era necessário salvar, ainda que modestamente, a situação criada. Até porque dela eu era o principal responsável...

No fim daquele esforçado e penoso exercício, recebi um abraço de agradecimento do assessor diplomático do presidente, embaixador Luis Martins, que se apercebera da súbita complicação surgida e do meu ato de "desenrascanso". Mas, devo confessar, aqueles quinze minutos foram dos mais longos da minha vida e, para sempre, fiquei a ter um imenso respeito pela dificílima tarefa dos intérpretes profissionais.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Mundos


Lembrei-me há pouco de uma cena, passada neste mesmo aeroporto de Roma, onde agora estou.

Foi há mais de uma década. Vinha do Irão, onde fora chefiar uma "troika" de diálogo político com as autoridades locais. No voo da Iranair que nos trazia de Teerão, todas as mulheres seguiam as determinações religiosas, com as cabeças devidamente tapadas. A ausência estrita de bebidas alcoólicas a bordo ajudava a lembrar-nos que o ambiente comportamental em terra tinha o seu estrito prolongamento no ar.

Chegados ao corredores de Fiumicino, notei que uma revoada de passageiras se agitou em direção às primeiras casas de banho públicas que surgiram, como se uma súbita urgência diurética tivesse atacado a ala feminina dos viajantes desembarcados desse voo.

Bastaram alguns escassos minutos para se entender melhor a razão de tudo. Do local para onde tinham entrado essas figuras embrulhadas em trajes escuros, de cabelo tapado e longas vestes, saíam sucessivamente mulheres em roupas bem ocidentais, muito bem pintadas e com belos adereços, com cabelos magníficos, algumas tão belíssimas como as iranianas frequentemente podem ser.

Enfim, para citar H. G. Well, esta é, de uma certa maneira, uma "guerra dos mundos". 

terça-feira, setembro 03, 2013

As contas do Nagorno-Karabakh

O Azerbaijão, onde me desloquei no ano passado pela UNESCO, e a Arménia, onde hoje me encontro pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, mantêm entre si um estado de tensão político-militar, por virtude do conflito do Nagorno-Karabakh, um território que foi objeto de uma guerra sangrenta no início dos anos 90. Esse território, cercado pelo Azerbaijão (há uma única estrada de ligação à Arménia) é hoje ocupado por populações e forças arménias, situação que os azeris não reconhecem. Esta questão tem vindo a ser tratada, desde 1994, pelo chamado "grupo de Minsk", uma entidade internacional composta por 11 países (de que Portugal faz parte), cujo trabalho negocial não tem dado resultados muito visíveis, "to say the least".

A zona do Nagorno-Karabakh constitui um dos clássicos "conflitos congelados" que derivaram do fim da União Soviética, sendo os restantes a Transnístria, a Ossétia do Sul e a Abcásia. Com exceção deste último caso (que compete à ONU), os restantes têm a sua sede de tratamento na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). No ano 2002, coube-me dirigir, em Viena, a presidência portuguesa da OSCE, razão pela qual passei a seguir estes temas, até hoje, com alguma curiosidade e interesse.

Um dia, na segunda metade de 2002, o diplomata português que seguia o dossiê na nossa presidência, José Manuel Carneiro Mendes, transmitiu-me o convite do chefe do chamado "High Level Planning Group" (HLPG), dependente do "grupo de Minsk", para que eu visitasse essa estrutura. Vim então a ser simpaticamente acolhido, num andar de Viena, por um grupo multinacional de dez oficiais (idealmente serão 13, atualmente serão 8), secretariados por uma simpática senhora, que me fizeram um "briefing" sobre a situação no terreno, a qual nada diferia das informações que o "Conflict Prevention Centre" da OSCE regularmente me transmitia. 

Mas, afinal, para que servia o HLPG? O objetivo desta estrutura seria montar uma operação de "peacekeeping" posterior ao estabelecimento de um acordo, eventualmente a ser obtido pelo "grupo de Minsk". Com exceção de algumas missões de observação no terreno, quando as partes assim o consentiam, o grupo vivia (e vive) encerrado naquele andar, com mapas desatualizados, sem um serviço mínimo de "intelligence" que o abastecesse de dados relevantes, sendo as "missões" da OSCE na Arménia e no Azerbaijão os seus escassos suportes informativos. Desde 1994...

Na ingenuidade de que a razão podia prevalecer, sondei discretamente os "major players" da OSCE, bem como as duas partes diretamente interessadas, com vista a tentar perceber se não seria possível fazer "destroçar" a tropa acantonada naquele dispendioso andar da capital austríaca. A minha ideia era fazê-los regressar aos respetivos países, reconstituindo-se o HLPG se e quando uma hipótese remota de acordo viesse a ser viável. A poupança orçamental seria significativa, fosse para os cofres da OSCE, fosse para os países de onde os militares (de várias patentes) eram "seconded".

O que eu fui dizer! Com maior ou menor ênfase, não houve um só dos meus interlocutores que desse a menor abertura a essa minha "bizarra" ideia, a começar pela Arménia e pelo Azerbaijão. Para todos eles, se levada à prática, a minha proposta indiciaria um menor empenhamento internacional na resolução do conflito. E assim fracassou a minha ideia.

Ontem, aqui em Yerevan, capital da Arménia, vim a confirmar que o HLPG permanece galhardamente no seu posto em Viena. Para o ano, comemoram-se 20 anos (!!!) desde que esse grupo de oficiais, regularmente renovado, foi criado e se mantém em "funções", encerrado naquele andar, fantasiando uma "operação de paz" que terá lugar lá para as calendas gregas.. Quando ouço por aí falar nas "gorduras do Estado" e dos gastos supérfulos, lembro-me muitas vezes do HLPG...

Em tempo: hoje à noite, durante um jantar, falei deste assunto com um responsável político arménio. Esclareceu-me que o HLPG em Viena gasta cerca de 200 mil euros/ano, sem contar com os salários dos militares. E ele também me confirmou não haver consenso para o desmantelamento da estrutura, dado que ela "faz parte de um processo complexo, que não teria sentido sem uma das partes" (sic).

Acrescento também um mapa, que dá conta da complexidade da área. A cinzento, na parte de baixo do mapa, pode ver-se o enclave azeri de Nakhichevan, que visitei em 2012. Da capital do Azerbaijão, Baku, a única forma de chegar é por avião, entrando no espaço aéreo do Irão.

Dê-lhe o arroz!

"O Arroz Português - um Mundo Gastronómico" é o mais recente livro de Fortunato da Câmara, estudioso da gastronomia e magnífico cr...