O Azerbaijão, onde me desloquei no ano passado pela UNESCO, e a Arménia, onde hoje me encontro pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, mantêm entre si um estado de tensão político-militar, por virtude do conflito do Nagorno-Karabakh, um território que foi objeto de uma guerra sangrenta no início dos anos 90. Esse território, cercado pelo Azerbaijão (há uma única estrada de ligação à Arménia) é hoje ocupado por populações e forças arménias, situação que os azeris não reconhecem. Esta questão tem vindo a ser tratada, desde 1994, pelo chamado "grupo de Minsk", uma entidade internacional composta por 11 países (de que Portugal faz parte), cujo trabalho negocial não tem dado resultados muito visíveis, "to say the least".
A zona do Nagorno-Karabakh constitui um dos clássicos "conflitos congelados" que derivaram do fim da União Soviética, sendo os restantes a Transnístria, a Ossétia do Sul e a Abcásia. Com exceção deste último caso (que compete à ONU), os restantes têm a sua sede de tratamento na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). No ano 2002, coube-me dirigir, em Viena, a presidência portuguesa da OSCE, razão pela qual passei a seguir estes temas, até hoje, com alguma curiosidade e interesse.
Um dia, na segunda metade de 2002, o diplomata português que seguia o dossiê na nossa presidência, José Manuel Carneiro Mendes, transmitiu-me o convite do chefe do chamado "High Level Planning Group" (HLPG), dependente do "grupo de Minsk", para que eu visitasse essa estrutura. Vim então a ser simpaticamente acolhido, num andar de Viena, por um grupo multinacional de dez oficiais (idealmente serão 13, atualmente serão 8), secretariados por uma simpática senhora, que me fizeram um "briefing" sobre a situação no terreno, a qual nada diferia das informações que o "Conflict Prevention Centre" da OSCE regularmente me transmitia.
Mas, afinal, para que servia o HLPG? O objetivo desta estrutura seria montar uma operação de "peacekeeping" posterior ao estabelecimento de um acordo, eventualmente a ser obtido pelo "grupo de Minsk". Com exceção de algumas missões de observação no terreno, quando as partes assim o consentiam, o grupo vivia (e vive) encerrado naquele andar, com mapas desatualizados, sem um serviço mínimo de "intelligence" que o abastecesse de dados relevantes, sendo as "missões" da OSCE na Arménia e no Azerbaijão os seus escassos suportes informativos. Desde 1994...
Na ingenuidade de que a razão podia prevalecer, sondei discretamente os "major players" da OSCE, bem como as duas partes diretamente interessadas, com vista a tentar perceber se não seria possível fazer "destroçar" a tropa acantonada naquele dispendioso andar da capital austríaca. A minha ideia era fazê-los regressar aos respetivos países, reconstituindo-se o HLPG se e quando uma hipótese remota de acordo viesse a ser viável. A poupança orçamental seria significativa, fosse para os cofres da OSCE, fosse para os países de onde os militares (de várias patentes) eram "seconded".
O que eu fui dizer! Com maior ou menor ênfase, não houve um só dos meus interlocutores que desse a menor abertura a essa minha "bizarra" ideia, a começar pela Arménia e pelo Azerbaijão. Para todos eles, se levada à prática, a minha proposta indiciaria um menor empenhamento internacional na resolução do conflito. E assim fracassou a minha ideia.
Ontem, aqui em Yerevan, capital da Arménia, vim a confirmar que o HLPG permanece galhardamente no seu posto em Viena. Para o ano, comemoram-se 20 anos (!!!) desde que esse grupo de oficiais, regularmente renovado, foi criado e se mantém em "funções", encerrado naquele andar, fantasiando uma "operação de paz" que terá lugar lá para as calendas gregas.. Quando ouço por aí falar nas "gorduras do Estado" e dos gastos supérfulos, lembro-me muitas vezes do HLPG...
Em tempo: hoje à noite, durante um jantar, falei deste assunto com um responsável político arménio. Esclareceu-me que o HLPG em Viena gasta cerca de 200 mil euros/ano, sem contar com os salários dos militares. E ele também me confirmou não haver consenso para o desmantelamento da estrutura, dado que ela "faz parte de um processo complexo, que não teria sentido sem uma das partes" (sic).
Acrescento também um mapa, que dá conta da complexidade da área. A cinzento, na parte de baixo do mapa, pode ver-se o enclave azeri de Nakhichevan, que visitei em 2012. Da capital do Azerbaijão, Baku, a única forma de chegar é por avião, entrando no espaço aéreo do Irão.