segunda-feira, novembro 06, 2023

Escolham

A confusão que, nos últimos dias, tem sido feita, aqui nas redes sociais mas também em alguns media, entre os conceitos de "genocídio" e de "limpeza étnica", cujas diferenças são abissais, parece-me derivar de duas razões: desonestidade ou ignorância. 

12 comentários:

netus disse...

Bom dia
Concordando consigo, respeitosamente, creio que há muita ignorância por cá e lá por fora incluindo em quem por lá brama, mas sobretudo muita desonestidade incluindo ao nível da ONU.
Mas, como sempre, admito poder estar enganado.
António Cabral

aguerreiro disse...

Essa de4 genocídio em gaza dá vontade de rir pois em 1967 eram duzentos mil e em 2023 são dez vezes mais. O pessoal para essas bandas só sabe fazer bombas e filhos.
A caminho do genocídio vão os portugueses que estão velhos e cada vez procriam menos (É altura do Medina botar uma taxa para os que não procriaram).
Eu penso estar isento pois tenho 3 filhos e já vou com quatro netos.

Lúcio Ferro disse...

Antes de ser encurralado numa escolha dicotómica entre conceitos cuja noção é flutuante ao longo do tempo, proponho antes a apresentação de três conceitos que estão documentados historicamente, num contexto temporal relativamente preciso e que remonta à década de 1940. Estes conceitos são os de Ghetto, Campo de Concentração e Campo de Extermínio. No primeiro caso, um Ghetto (como o de Varsóvia e antes o de Vilnius), consiste na acumulação dum enorme excedente populacional de “indesejáveis” numa zona geográfica muito diminuta (bairros de cidades), cercada por muros e onde tudo o que entra ou sai é controlado por quem está de fora. Nesse sentido, o Ghetto é deixado à “autogestão” de um “governo” próprio, cujos atributos são os de manter a ordem no interior do ghetto e aceitar todas e quaisquer directrizes por partem de quem está do outro lado dos muros. Assim, no Ghetto entram os alimentos, a electricidade, os medicamentes e todos os recursos que quem está de fora autoriza (ou não) que entrem. A taxa de mortalidade é muito elevada, porque o que entra n unca supre as necessidades da população amontoada. Periodicamente, é permitido que trabalhadores do Ghetto, sob forte vigilância, possam sair do mesmo, regressando ao final do dia, de modo a fornecerem mão de obra barata a quem controla o Ghetto. Já o Campo de Concentração é diferente do Ghetto. O Ghetto tem uma polícia própria e um órgão administrativo próprio e é estabelecido em zonas residenciais pré-existentes. Nada disso sucede no Campo de Concentração. Este é, regra geral, uma prisão construída de raiz, ao estilo caserna, cercada por arame farpado, torres com guardas armados, onde não existe uma autoridade própria e onde os prisioneiros são “reeducados” por intermédio de “trabalho”, em terríveis condições sanitário-nutricionais, possivelmente piores que as de um Ghetto, com consequentes elevadíssimas taxas de mortalidade. Chegamos, então, ao Campo de Extermínio. No campo de extermínio o objectivo não é tanto o do utilizar a mão de obra prisioneira, mas antes liquidar a mesma tout court e rapidamente, com o recurso a eficientes mecanismos de carnificina, como por exemplo câmaras de gás, sendo, portanto, o exemplo perfeito do conceito de genocídio. Aqui chegados, somos forçados admitir que, durante e ao longo de décadas, Gaza se transformou, efectivamente, num Ghetto, o que não é, necessariamente, sinónimo de genocídio. Neste quadro conceptual, podemos admitir que apenas o Campo de Extermínio configura uma situação de genocídio, na medida em que quer no Ghetto, quer no Campo de Concentração, a elevada mortalidade não é o objectivo principal e tão só um “dano colateral” resultante das péssimas condições de vida. Passando agora ao conceito de limpeza, étnica, ele não existe em qualquer um dos três paradigmas anteriormente analisados. (cont.)

Lúcio Ferro disse...

(cont.) A limpeza étnica é uma solução que passa não pelo assassínio em massa dos “indesejáveis”, mas sim pela sua expulsão das zonas em que habitam. Historicamente, o “Projecto Madagáscar” foi a tentativa mais ousada de limpeza ética da história recente. Nesse plano, pretendia o regime Nazi expulsar todos os judeus residentes no Reich para a dita ilha, assim limpando o seu território dos “indesejáveis”. Todavia, tal plano nunca chegou a ser levado a cabo, porque a guerra e o controlo dos mares por parte dos Aliados o impediam cabalmente. No presente conflito, o que assistimos remete, também, para uma analogia história: a do levantamento armado do Ghetto de Varsóvia. Tal como então, resistentes armados judeus ousaram sublevar-se contra os ocupantes (ainda que apenas após a deportação, limpeza étnica e consequente genocídio, de dezenas de milhares de residentes) e foram bem-sucedidos em matar alguns dos seus carrascos. Curiosamente, o Ghetto estava cheio de túneis construídos pelos insurgentes. No entanto, nas semanas subsequentes, os Nazis desencadearam no Ghetto toda a selvajaria possível, demolindo quarteirão após quarteirão. O general Stroop, comandante nazi, inclusivamente, escreveu um relatório, no final da acção, intitulado “O ghetto de Varsóvia já Não existe”, que perdurou até aos nossos dias. Quase todos os judeus foram exterminados, quer na batalha, quer após feitos prisioneiros. Regressando a Gaza, não parecem existir muitas dúvidas de que ao Estado de Israel seria mais benéfico uma solução de limpeza étnica, i.e., a saída em massa dos “indesejáveis” para países vizinhos, nomeadamente para o Egipto. Porém, os países vizinhos, nomeadamente a Jordânia, para onde no passado já foram etnicamente limpos centenas de milhares de “indesejáveis”, não concordam e não estão dispostos a receber a diáspora de mais de dois milhões de pessoas que Israel deseja limpar eticamente. Enquanto tal não sucede, Israel bombardeia indiscriminadamente hospitais, escolas, campos de refugiados, postos das Nações Unidas, etc, com o cada vez mais ridículo pretexto da “auto-defesa”, sem se perceber qual o “end-game” do Estado de Israel. O que nos leva a algumas conclusões: (i) se a limpeza étnica não é possível, (ii) se o massacre indiscriminado está para durar, então não tenho qualquer dúvida de estarmos na presença, à luz dos princípios do século XXI de um GENOCÍDIO por parte de um bando de criminosos que —esses sim — já deviam estar a ser alvo de mandados de captura por parte do Tribunal Penal Internacional.
Cumprimentos.

Anónimo disse...

Para os mortos o resultado é identico.
Para quem tem principios éticos e valores humanisticos ambos, seja lá qual for que Israel vem a praticar, são um crime horrendo!!!

Luís Lavoura disse...

Lúcio Ferro,

a sua descrição cuidadosa daquilo que é um ghetto está muito boa.
Também é muito claro que Israel tentou, antes de avançar sobre Gaza, fazer uma limpeza étnica desta, com a ajuda dos EUA (envolvendo diretamente Blinken primeiro, e Biden depois), não o tendo conseguido porque nenhum país árabe (e europeu muito menos!) aceitou acolher os habitantes de Gaza.
Já não me parece, de forma nenhuma, que esteja em curso um genocídio. Israel está a fazer alguns esforços no sentido de reduzir as mortes civis (isso não é confessado por ninguém, mas é evidente que Israel avisa previamente quais os prédios que vai bombardear, e também é sabido que Israel tentou esvaziar o norte da Faixa de habitantes). Não há qualquer indicação, de forma nenhuma, que Israel pretenda eliminar todos os habitantes da Faixa.

J. Carvalho disse...

Nesta guerra há tanta coisa que me custa a entender que tenho dificuldade em expor o que penso.

Não entendo a hipocrisia, o cinismo, dos políticos – Marcelo, Cravinho, Von der Leyen, Schultz, Mácron e afins, para só citar os europeus, que agora não se calam com a “nova” solução dos dois Estados, quando deixaram, ano após ano, os sucessivos governos de Israel expulsarem das suas casas e terrenos os palestinos, para os entregarem a colonos e agora se preparam para tomar conta de mais uma parcela da Palestina;

Não entendo que tantas resoluções aprovadas pela ONU nem uma tenha sido cumprida, não houve qualquer sansão, o que deu aso a que todos os governos de Israel ficassem com as mãos livres para agirem , sem consequências. No entanto, ainda hoje, nenhum líder europeu o refere;

Não entendo que os líderes árabes recebam o Sr. Blinken, que jornalistas o felicitem, quando o que ele anda a fazer pelo médio oriente não é mais do que entreter os árabes., os muçulmanos, e a própria comunicação social enquanto Israel prossegue o seu plano de trabalho num acerto absoluto com governo dos EUA e, obviamente, o Sr. Blinken;

Não entendo que possa existir alguém que negue o que as imagens mostram profusamente, que há um território edificado a ser arrasado, com as pessoas lá dentro, que obviamente só podem morrer em catadupa. Que esse alguém possa questionar os números: “às tantas não morreram as 4 mil crianças que dizem que morreram”, “como é que sabem”, deve ter sido um pouco menos. Não há paciência. Haja Deus.

E por falar em Deus, não entendo que valores trará o Messias Salvador que o Sr Netanyahu e os seus ministros ortodoxos estão à espera que Deus lhe envie.

Carlos Antunes disse...

Caro Embaixador
Tem toda a razão “limpeza étnica” e “genocídio”, embora se possam reconduzir a uma mesma concepção de violação de direitos humanos e do Direito Internacional, não têm a mesma concretização ou finalidade.
Mesmo que prossigam o mesmo objectivo, a destruição de um determinado grupo num território específico, os dois crimes tem intenções diferenciadas: um (genocídio) é eliminar todo um grupo étnico, outra (limpeza étnica) é deslocá-lo.
O académico canadiano William A. Schabas in “Genocide in International Law”, pág. 234, explicita de modo exemplar a diferença:
«ao passo que a limpeza étnica tolera a existência do grupo, o genocídio já não.
Hitler tinha a modesta ambição de eliminar todos os judeus na Europa, todavia, se ele tivesse a oportunidade, estenderia com certeza a sua campanha a todo o mundo.
Milosevic, por outro lado, pretendeu livrar o território do Kosovo de muçulmanos mas não pareceu ter ficado preocupado com a ideia de que eles se fossem restabelecer quer na Macedónia quer na Albânia.
Não existirá aqui uma grande diferença?
Tudo bem que os actos materiais cometidos poderão ser os mesmos, no entanto, estão aqui em causa duas diferentes intenções específicas: uma pretende deslocar uma população, a outra preconiza a sua destruição.»
O Embaixador tem escrito, e naturalmente bem, que o que Israel tem vindo a fazer na Cisjordânia e em Gaza é o da “limpeza étnica” dos palestinianos, a qual teve início com a criação do Estado de Israel em 1948, em que pela força das armas e da intimidação mais de 750.000 palestinos (85% da população palestina) foram expulsos das suas ancestrais terras na Palestina e deslocados forçadamente para a Jordânia e outros países árabes limítrofes.
Cordiais saudações

Anónimo disse...

Ao Ocidente, do alto da sua hipocrisia e cinismo, não repugna os massacres, de agora - e de há décadas -, praticados por Israel. O número de civis (sobretudo crianças e mulheres) que têm vindo a ser vítimas de Israel, em Gaza, nestes últimos dias, devia chocar as consciências ocidentais. Mas, não, como sabemos.
E, naquela sua atitude subserviente perante Washington, esse mesmo Ocidente lá vai destilando umas tantas declarações inócuas perante a carnificina que Israel vem praticando. Até mesmo a tresloucada, irresponsável e gravíssima declaração do patife de um Ministro israelita, do Governo do ignóbil Netanyahu, de sugerir o recurso a uma arma nuclear sobre Gaza (o PM israelita limitou-se a suspendê-lo de funções, em vez de o demitir. Regressará em breve ao elenco governamental israelita, uma vez a “borrasca” termine), mereceu a indiferença deste nosso sórdido Ocidente. A “rapariga” Ursula preferiu ir, uma vez mais, até Kiev, assim desviando as atenções de semelhante “dislate” político, to say the least, de uma imensa gravidade e, tanto quanto se conhece, não se registaram reacções de maior, quer da parte dos EUA, quer da sua subserviente “aliada” UE, “plus” o Reino Unido (imaginemos uma declaração deste tipo por um qualquer membro do Governo Russo! Seria uma espécie de antecâmara de uma 3ª Guerra Mundial). E, claro, por cá neste Rectângulo à Beira-Mar plantado, portamo-nos como se “impõe”, ou seja, como se “espera” que deveremos reagir, sem alarido, procurando não beliscar Israel, a par de umas tantas tretas de “apoio” (vago e reduzido) à Palestina.
a) P.Rufino

Lúcio Ferro disse...

Luís Lavoura,
Partindo do princípio de que de facto Israel "telefona" a avisar que vai destruir este ou outro edifício, ou quarteirões de edifícios, vide imagens de satélite, de fraco consolo isso servirá a quem não tem para onde fugir. Recordo-lhe, por exemplo, o número excessivo de funcionários das Nações Unidas assassinados no decorrer das últimas três semanas (não foram avisados?) e também o facto de as telecomunicações para Gaza terem sido praticamente anuladas.
Há ainda um outro aspecto que não referi e que me parece possa estar em curso; como saberá, a solução final Nazi não foi estanque; primeiro aventou-se a solução de limpeza étnica para Madagáscar, depois os ghettos, os Einsatzgruppen na Rússia a partir de 1941, os campos de concentração ainda antes e finalmente os campos de extermínio e todas estas modalidades coexistiram e foram advogadas simultaneamente pelo menos até à Conferência de Wannsee. No entanto e curiosamente, a partir de 1944 há até uma inflexão na política do genocídio, na medida em que a escassez de mão de obra força a liderança nazi a "suavizar" a prática do Holocausto, empregando dezenas de milhares de "indesejáveis" em complexos fabris, como os da IG Farben em Birkenau ou no complexo gigante de Dora-Mitelbau.
Seja como for, o processo foi dinâmico, mas teve sempre como pano de fundo a impossibilidade do Projecto Madagáscar — de limpeza étnica. Pergunto-me, então, novamente, qual será o “end-game” dos radicais nazis do governo israelita (um dos tolinhos até veio sugerir despejar uma bomba nuclear em Gaza). Se não conseguirem levar a cabo a limpeza étnica (algo que parece cada vez mais distante, vide as declarações de hoje da Jordânia de que tal equivaleria a uma declaração de guerra), o que poderão fazer? Matar mais umas dezenas de milhares de pessoas, reduzir tudo a escombros e proclamar vitória? Ocupar militar e de forma permanente um território cuja população lhes será sempre hostil? Não me parece que qualquer destes cenários seja viável. Talvez alargar o conflito, culpar o Irão, trazer o amigo americano “all in” para o barco e provocar a terceira guerra mundial? Não sei, espero que a comunidade internacional os trave e o quanto antes, mas com líderes do calibre de um biden ou de um sunak, duvido.

J. Carvalho disse...

Acabei de ouvir o Secretário-Geral das Nações Unidas e quero deixar aqui o meu registo de apreço.
António Guterres descreve Gaza como “um cemitério de crianças”, a “crise da humanidade”. Gaza sofre “claras violações do direito internacional”, diz, em Gaza, “em quatro semanas foram mortos mais trabalhadores das Nações Unidas do que em qualquer período na história da organização”.
Vale a pena ouvir ou ler o que disse Guterres, até porque ajudará na validação do horror que os ortodoxos israelitas estão a espalhar e que Netanyahu diz ser uma guerra global. É pena que o Secretário-Geral não possa pedir a intervenção do TPI e do Conselho de Segurança a fim de aplicarem sanções imediatas aos governantes de Israel e aos líderes do Hamas.

AV disse...

Conceptualmente, são noções diferentes. O problema é quando na prática existem linhas de demarcação muito esbatidas e os métodos de limpeza étnica resultam em formas de genocídio, como se viu ao longo da história. Por isso, existe uma linha de pensamento crítico em relação ao conceito de limpeza étnica.

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