segunda-feira, fevereiro 18, 2019

A política externa e a política


No mundo crispado da política portuguesa, o relacionamento externo do país tem vindo a beneficiar de uma réstea de relativo consenso de Estado. Como é sabido, há quem se queixe disso, sob a ideia de que afinal vivemos numa espécie de “diplomacia reiterada“, que apenas passa por ser uma política externa. Mas há quem valorize esse facto, argumentando que, para um país como o nosso, com algumas persistentes fragilidades, essa imagem de continuidade e quase unidade na frente externa é um valor a cultivar.

O facto de PS, PSD e CDS terem tido responsabilidades partilhadas no palácio das Necessidades, e dos presidentes da República constitucionais terem revelado uma atitude basicamente comum face aos interesses internacionais do país, criou uma matriz condicionante, que tem evitado aventuras desviantes. A Europa, o Atlântico e a lusofonia, diáspora incluída, constituem o triângulo temático básico, intocado mesmo por algumas divergências ocorridas.

É verdade que, aqui ou ali, a alguns protagonistas mais sectários fugiu o pé para o dissenso, mas fica a sensação de que o país mede essas atitudes dissonantes pelo seu valor real, no mercado das ideias que vale a pena respeitar. Mas, atenção!: nada garante que este estado de coisas se prolongue eternamente. O tema europeu e, nele, as áreas da segurança e defesa e a questão migratória já mostraram que o risco de derivas existe e pode emergir de novo, a qualquer passo.

Caso diferente são os dois partidos do sistema que, em tempo constitucional, nunca tiveram as menores responsabilidades governativas: o PCP e o Bloco. 

Os comunistas, numa indiscutível e conservadora coerência, vivem na fidelidade ao que sobeja de um mundo que já desapareceu, cujos rituais de confronto formal persistem em observar, agora estimulados por uma administração americana que lhes fornece oportunas munições para o maniqueísmo. Moscovo já não é a União Soviética mas Putin é o sucedâneo possível para congregar as vozes contra o “satã” americano. A Europa, atravessada agora pela vaga populista, surge como aquilo que os comunistas sempre pensaram que era: um cúmplice subordinado da estratégia de Washington. Deve ser bom sentir o conforto das peças que encaixam num puzzle já antigo.

O Bloco, em termos de política externa, acaba por ser um fenómeno mais interessante. Nos debates estratégicos essenciais, tem, com o PCP, uma similitude na atitude face a Washington e à Nato, coisa que, convenhamos, se torna relativamente fácil, nestes sombrios tempos de Trump. Porém, ao contrário dos comunistas, a Rússia não serve de “farol” automático para o Bloco. Mais do que isso, sente-se que por ali se vive alguma “balcanização” interna de opiniões que, por vezes, obriga o partido a ser sensível a essa coisa complexa de identificar e de mobilizar para a sua defesa que é a liberdade. O esforçado equilíbrio retórico que o Bloco teve na questão da Venezuela, como já acontecera no caso de Angola, só não entra pelos olhos de quem não quer ver.

É impossível isentar a política externa das crises e das conjunturas. Mas, se queremos que ela seja um instrumento coerente para a construção do poder nacional, devemos cuidar em preservá-la das emoções cíclicas e, em especial, da demagogia.

(Artigo publicado no “Jornal Económico” em 15.2.19)

6 comentários:

Anónimo disse...

Lido.

Despacho:

Muito bem observado.
Mas como tudo quanto diga respeito à política, seja ela internacional ou nacional pouco sugere a uma solução. É apenas informativo de uma antiga visão do mundo.

Deferido quanto à exposição. Não às soluções a procurar.

Anónimo disse...



Lido.

Concordo com o despacho das 13:09.

Com efeito, penso que o Sr. Embaixador padece "de uma antiga visão do mundo".

Publique-se.

João Pedro

Francisco Seixas da Costa disse...

Gosto muito de heterónimos, em especial quando são anónimos. Rio-me imenso com eles

Joaquim de Freitas disse...

" Os comunistas, numa indiscutível e conservadora coerência “escreve o Senhor Embaixador. , E é verdade. “Estimulados por uma administração americana que lhes fornece oportunas munições para o maniqueísmo.” Verdade também..

Ainda bem que escreveu “administração americana”, porque todos os presidentes, sem excepção, desde o fim da última guerra, forneceram as tais munições. A lista seria longa de todas as guerras “americanas” no mundo.

Admirável coerência, Senhor Embaixador, na política estrangeira dos Estados Unidos, não acha? E é a esta que responde a coerência dos comunistas...

Mas existe uma grande diferença entre os Russos e os Americanos: Se a URSS acabou no momento em que o Muro de Berlim ruiu, e o comunismo com ele, o imperialismo americano continuou e desenvolveu-se mesmo na medida em que os EUA, por intermédio da NATO tomaram o controlo da politica estrangeira da Europa, que de Portugal à Polónia e aos países baltas, portanto à fronteira da Rússia, apertam o cerco aos Russos.

Quem despedaçou a Jugoslávia não foram os Russos. Quem apoiou os nazis na Praça Maidan, em Kiev, para fazer cair a Ucrânia na NATO, não foram os Russos, quem disse “Fuck EU” foi Madame Nuland, americana…

Quem anunciou a ”Neue Europa” onde hoje os nazis desfilam de novo de Berlim , Budapeste a Varsóvia, foi Donald Rumsfeld, furioso porque alguns europeus não apoiavam a invasão ignóbil do Iraque…

Esta “Neue Europa” que os Estados Unidos formatam pouco a pouco, com a NATO como armadura de ferro, no lugar da “Cortina” do mesmo nome, provocando a aparição da “besta” nazi por todo o lado, não é nada menos que a Pax Americana que promete paz e prosperidade como um certo Império Romano poderia ter sugerido, oferecendo Pax Romana.

Claro que os comunistas são coerentes e são contra esta ocupação militar e económica, que autoriza os EUA a impor a extraterritorialidade das suas leis, que nos impede de fazer negócios com quem queremos.

Como se, tendo aceite a ocupação militar, devemos aceitar o resto…"Se você é contra a ocupação de Roma, você é contra Pax Romana e, portanto, para a guerra".
« A Europa, atravessada agora pela vaga populista, surge como aquilo que os comunistas sempre pensaram que era: um cúmplice subordinado da estratégia de Washington.”, escreve o Senhor Embaixador! Exactamente.

“A política de Roosevelt era exactamente a dos americanos no sudeste asiático hoje e na América Latina.. Eles não podem imaginar qualquer outro. Fantoches, isso são o que eles querem na frente deles.”

"De Gaulle, note bem, que quando tivermos de escolher entre os Franceses e os Americanos, escolheremos sempre os Americanos". Winston Churchill.

"Você pensa que os Americanos e os Britânicos desembarcaram na Normandia o fizeram para o nosso prazer ? " Charles de Gaulle

"Os Americanos não se preocupavam mais de libertar a França que os Russos de libertar a Polónia." Charles de Gaulle.


E o discurso de ontem em Munique, da Chanceleira Angela Merckel , em resposta a Trump e ao seu unilateralismo, confirma o que pensava De Gaulle , dos Americanos, abrindo ainda mais o fosso entre os dois lados do Atlântico; é o "bouquet" final. Sim, porque quando Trump diz que as importaçoes de automoveis alemaes nos EUA é uma ameaça para a segurança nacional, é o màximo...é

PS) “O esforçado equilíbrio retórico que o Bloco teve na questão da Venezuela” escreve o Senhor Embaixador:-:

…, Pena foi que o PS e o governo Português tivessem esquecido no caso da Venezuela, que no passado, já foi a tibieza e mesmo traição dos socialistas franceses, dos ideais da Internacional Socialista, que levaram Mussolini e Hitler aos braços de Franco,

e, recentemente, a vergonha de participarem à coligação contra o governo legal da Síria, propondo mesmo a Obama (Hollande) o bombardeamento de Damasco ( 4 milhões de habitantes), numa submissão indecente aos Americanos , que o povo sírio nunca perdoará. Colocando-se assim, objectivamente, ao lado de Daesh e de Al Qaïda. Para o resultado que conhecemos.

Portugalredecouvertes disse...


Sr. Joaquim de Freitas: que Deus nos ajude !

Joaquim de Freitas disse...

Portugaldecouvertes;

Parece-me bem que já há muito tempo que as ovelhas perderam o seu pastor...Pelo maior dos acasos, passei esta tarde meia hora a conversar durante o meu passeio de após sesta, com uma família que cruzo frequentemente e que foi recolhida na minha comuna. São cristãos iraquianos, e falam uma língua estranha: o Aramaico!

Entre os Curdos, os Turcos, os Árabes, os Americanos, e os Sírios, e sobretudo Daesch, não sabem mais para que santo se voltarem…com três deuses que reclamam o território!

E entre os homens, há muitos que têm a arte de complicar o que é simples : viver !

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