quinta-feira, fevereiro 07, 2019

A questão europeia


Estão à porta as eleições para o Parlamento Europeu. Entre os deputados a eleger pelos “27” (ou pelos “28”, se o Brexit se atrasar) haverá, com toda a certeza, uma percentagem de eurocéticos, ou mesmo de anti-europeus, superior a qualquer anterior legislatura, o que tornará aquele areópago numa instância mais contrastante e polémica. E isso não ocorrerá sem consequências negativas para a eficácia daquela instituição, cujos poderes, à luz dos tratados, têm vindo a crescer. Esse vai ser um problema europeu, para os próximos cinco anos.

Estranho, contudo, que ninguém fale de uma outra realidade, paralela a esta, a qual, a meu ver, pode ter efeitos bem mais graves no funcionamento da União: refiro-me à composição da nova Comissão Europeia, que estará em funções no final do corrente ano, depois de aprovada pelo novo parlamento.

A Comissão, que tem o exclusivo da iniciativa legislativa, é uma instituição composta por personalidades - uma por país - indicadas pelos Estados membros, designadas pelos respetivos governos, em diálogo com o futuro presidente. Em princípio, os comissários designados devem “esquecer” a sua nacionalidade, mas a realidade da vida aponta quase sempre noutro sentido, isto é, quase sempre carreiam para dentro do colégio as linhas políticas que marcam os governos que os escolheram.

Durante muitos anos, a Europa habituou-se a viver sob a égide de duas grandes famílias políticas – uma conservadora, outra social-democrata. Essas correntes foram hegemónicas ao longo de toda a história europeia, com expressão natural na composição das sucessivas Comissões. Mantinham algumas diferenças entre si, mas as suas parecenças foram sempre bem maiores do que as suas dissemelhanças, pela circunstância de olharem o desenvolvimento do projeto europeu sob um prisma basicamente comum. No trabalho coletivo dentro da Comissão, sob a coordenação de um presidente oriundo da família política dominante no conjunto dos governos nacionais, as suas eventuais diferenças geralmente esbatiam-se, sob esse “template” europeísta.

Tudo isso pode agora mudar. Há governos europeus, alguns que hoje são membros “rebeldes” das famílias políticas tradicionais, que não quererão perder o ensejo de enviar para o seio daquela instituição figuras que consigam defender a sua “diferença” e até, porque não?, a sua vontade de contestar o próprio projeto europeu. É a democracia que lhes confere esse direito. A menos que aconteça um “milagre”, os anos que aí vêm serão muito difíceis para a Europa.

(Artigo que ontem publiquei no “Jornal de Notícias”)

6 comentários:

Anónimo disse...

O “milagre económico” da Geringonça é ficar no último terço do crescimento da UE.....

Joaquim de Freitas disse...

A Europa padece de doenças congénitas que não conseguiu tratar até hoje.
As lacunas são muitas e variadas. Luta contra o desemprego, protecção dos direitos sociais, crescimento económico, e desde há algum tempo a deterioração dos direitos do homem.
Nada foi feito ou muito pouco na luta contra o crime económico organizado, a segurança alimentar, a promoção da paz e da democracia no mundo.
Inexistência duma politica estrangeira comum, os seus membros estando continuamente ou quase a reboque dos EUA, o que os leva a guerras que os povos não querem avalizar.
O caso do desprezo do Direito Internacional pelos EUA, que a Europa avalizou, alinhando no reconhecimento dum usurpador como presidente da Venezuela, contra a posição das Nações Unidas, mas num seguidismo execrável e vergonhoso, com o álibi que o Presidente eleito; Nicolas Maduro não é legitimo, é consternante.
Sobretudo quando penso, que dois governos portugueses sucessivos, um da direita e outro de esquerda, não hesitaram a negociar acordos no passado com Nicolas Maduro e a visitá-lo em Caracas. Onde está a coerência? Portugal, agindo desta forma, nem teve em conta os interesses da comunidade Portuguesa na Venezuela.
A Europa, nem conseguiu ontem pôr-se de acordo para criar uma frente comum no ferroviário grande velocidade, proibindo a união dos dois principais actores neste campo na Europa, Siemens, alemão, e Alsthom, francês. Para que os Chineses os engulam mais facilmente no futuro…
Les Français considèrent comme une réussite la paix (64%, +4 points), le marché unique (44%, -12 points), l’euro (36%, +9 points) et les programmes d’échanges pour les étudiants comme Erasmus (21%, +3 points). Ils estiment cependant que beaucoup reste à faire en termes d’intégration politique (56%, +11 points), d’intégration économique (42%, +5 points) et de coopération culturelle (39%, +4 points).

Anónimo disse...

Político e também Quatremer já anteviram a próxima composição do PE onde os populistas não serão tão representativos quanto isso. O que há de novo são os liberais e os verdes que serão necessários à formação da nova Comissão.
Preocupante é o silêncio do PS quanto à lista de candidatos que propõe. Perante uma lista de barões do PSD que procura encaixar todas as ambições do aparelho laranja teria sido bom o PS apresentar uma lista de mulheres, jovens, minorias e gente de fora.
Mas começa mal com a indicação de um cinzento ministro. Mesmo assim votarei PS como sempre fiz.

Anónimo disse...

Caro embaixador, permita-me lembra-lo dum pormenor nada dispiciendo. O aumento de força dessas familias no PE não acontece por milagre ou imposição seja de quem for. Acontece porque os eleitores nelas votam. Se calhar o que a sua área política deve reflectir é porque é que tantos e cada vez mais votam nesses partidos.

Será porque eles prometem resolver-lhes os problemas, coisa que o grande centro não consegue fazer até por as soluções lhe serem congenitamente impossiveis de adoptar?

Francisco Seixas da Costa disse...

O Anónimo das 22.18 não deve ter chegado ao penúltimo parágrafo do texto

Anónimo disse...

Claro que cheguei. Li o texto na íntegra. Penso que não percebeu onde pretendi chegar. Em varios países os eleitores simplesmente querem menos Europa. Querem menos UE a interferir nas suas vidas e na forma como se governam enquanto sociedades nacionais com a sua historia, os seus interesses, as suas visoes internacionais e toda uma panoplia de temas sobre os quais a UE vem cada vez mais retirando soberania aos países.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...