sábado, fevereiro 09, 2019

As estrelas de Bragança


Durante muitos anos, para quem era da minha terra, de Vila Real, a cidade de Bragança quase não existia. A estrada para lá era difícil, as curvas de Murça exigiam, no final, que se bebesse um quarto de Pedras na “Mira”, para atenuar o enjoo, quando, a caminho, se parava em Mirandela, para nos abastecermos das alheiras da Adelina. Às vezes, no percurso, comia-se (e ainda se come bem) no “Maria Rita”, no Romeu, ou, em Macedo, na saudosa “Estalagem do Caçador”, com uma inesquecível e bizarra decoração. Fora essa jornada forçada, que raramente fazia parte dos nossos percursos turísticos, Bragança era apenas o caminho para Espanha (e, em especial, para França), via Quintanilha e Zamora.

Recordo que se chegava a Bragança sempre arrasado, com a vista do castelo (ela aí está!). Era uma terra muito fria no inverno, onde nos cruzávamos com gente de samarra, e uma brasa infernal no verão, com aquelas terras e gentes a viverem uma injusta distância do mundo, que só as estradas do défice e da democracia viriam a atenuar. Vá lá, depois de arribados, havia por ali a simpática Pousada de São Bartolomeu, com uma lareira magnífica. Mas, na sala ao lado, sempre se jantou apenas assim-assim.

Onde se comia em Bragança, nesses tempos dos anos 70? Lembro-me apenas do “Lá em casa”, com coisas de caça, e do “Solar Bragançano”, naquele primeiro andar com ar de pensão de província, junto à Sé, onde se conversava sobre vinhos (pouco variados, então) com o patrão. No resto, que me perdoem, a cidade era um verdadeiro deserto culinário. Um dia, chegou-me a informação de que, fazendo uns quilómetros mais, em Gimonde, o “Dom Roberto” apresentava algumas coisas simpáticas. Ao lado, surgiu depois o “Quatro”. Hoje também há por lá o “Abel”, com excelente posta. 

Mas voltemos a Bragança. Tudo mudou por ali (por aqui, porque hoje estou em Bragança!). A cidade tem hoje um imenso orgulho na renovada Pousada, onde funciona o restaurante do Óscar Gonçalves, como o seu irmão e escanção António Luis a dirigir superiormente a sala. Trata-se do “Restaurante G”, que há semanas obteve uma esplendorosa estrela do Guia Michelin. Para mim, que assisti, ano após ano, à construção desse sucesso, foi uma imensa alegria. E espero que o tenha sido também para Bragança (a medalha de ouro da Câmara Municipal não deve tardar, se é que já não saiu), como o é para todo o Trás-os-Montes. 

Esta aventura do “Restaurante G” nasceu de um outro espaço da cidade, o magnífico “Geadas”, dos pais do Óscar e do Tó Luís, onde ambos fizeram a tarimba. O “Geadas”, que conheço há mais de duas décadas, continua excelente, com o Adérito e a dona Iracema nos comandos. 

Mas Bragança, em matéria de restauração, não parou. Ainda hoje, ao almoço, tive a felicidade de experimentar uma casa de primeira qualidade, que recomendo vivamente: a “Tasca do Zé Tuga”, dentro do castelo de Bragança, do chefe Luis Portugal. Posso dizer uma coisa muito sincera? Há já algum tempo que não comia tão bem! E disse isso ao chefe (quando não saio satisfeito, também digo). Um menu de butelo e um lombelo de se lhe tirar o chapéu, com sobremesas altamente criativas. Parabéns!

Mas há mais em Bragança! No centro da cidade, come-se bastantr bem no “Poças” e, fora, na estrada do Portelo, vale a pena uma visita ao “Javali”, num espaço rural muito simpático, e que vi hoje que já tem uma extensão dentro do castelo de Bragança, quiçá para fazer marcação à vizinha “Tasca do Zé Tuga”.

Uma lacuna, de que me penitencio: ainda não fui ao “Porta”, um espaço de cozinha contemporânea da cidade de que me falam muito bem. A vida não dá para tudo.

Amanhã regresso à minha Vila Real que - lamento ter de dizer - fica, nos dias de hoje, muito atrás de Bragança em matéria de restauração.


Hoje, deixemos as tristezas para trás. Fígados ao alto! E viva Bragança!

7 comentários:

Erk disse...

Sr.Embaixador, com a sua licença, recomendo também uma vista de olhos ao restaurante do Cavaleiro, do simpatiquíssimo e hospitaleiro sr. Alcino Cavaleiro, ali pouco antes de chegar ao Abel.

Um forte abraço.

Anónimo disse...

Para quem há vinte e sete anos ía de Lisboa a Bragança, dez horitas de viagem, de carro...

Esse butelo/botelo (chouriço de ossos) sempre com as belas das "cascas" associadas!

É uma delícia...

Essa gente não pensa, dez meses de inverno e dois de inferno, é no que dá.

Anónimo disse...

Por falar em comezaina, como é que anda a picanha brasileira que tanta celeuma causou há alguns anos atrás com as domésticas bragantinas indignadas por os maridos irem jantar fora tantas vezes?

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Que rico roteiro gastronómico e cultural.
E a nota histórica também muito interessante, especialmente para termos a noção do que era viajar noutros tempos, neste caso o abismo que há entre a N15 e a A4 (muito embora eu adore passear por estradas velhas).

Portugalredecouvertes disse...


Sr. Embaixador, eis uma bela crónica com notícias simpáticas :)
essa região de Portugal é de louvar pela boa qualidade dos seus produtos,
assim que se associem a boas experiências culinárias, só nos resta festejar
visitando os habitantes muito hospitaleiros !

Anónimo disse...

Há cerca de 25 anos atrás, depois de ter passado uns anos no estrangeiro, resolvemos fazer uma excursão de oito dias em Portugal, pelo que nos dirigimos a uma agência de viagens. No programa estava tudo incluído, refeições e hotéis, apenas uma refeição seria de nossa conta e isso aconteceu em Bragança. Como não conhecíamos a cidade fomos olhando os restaurantes até que uma indicação levou-nos a um primeiro-andar. Era uma casa modesta, sem luxos. Foi-nos aconselhado vitela assada no forno com batatas e grelos. Nunca antes nem depois comemos
uma vitela com umas batatas saborosas e grelos que ainda hoje relembramos.

Luís Lavoura disse...

Olha-se para esta (muito bela) fotografia de Bragança e repara-se, a paisagem natural é tão similar à de terras espanholas ali perto, porém a arquitetura é tão completamente distinta!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...