segunda-feira, outubro 15, 2018

Paris, em meia dúzia de notas (6)


Custou um euro e meio, num alfarrabista no boulevard St. Michel, na manhã de domingo. É um livro de Marie-France Garaud, de 2006. Muitos leitores deste espaço não devem fazer ideia de quem foi. Quem seguiu a vida política francesa, em especial o movimento gaullista pós-De Gaulle, lembra-se bem do “tandem” conspirador que ela fez com Pierre Juillet. 

Marie-France Garaud chegou a ser considerada a mulher mais influente de França. Era uma “viúva” de Pompidou, uma estratega contra Mitterrand, que apoiou Giscard d’Estaing “faute de mieux”, pelo ódio a Chaban-Delmas (o Lisboa-Porto, em França, tem o seu Paris-Bordéus. Alain Juppé que o diga!). Protegeu Jacques Chirac, de quem se afastou com a definição lapidar: “Eu pensava que Chirac era feito do mármore de que se fazem as estátuas. Afinal, é feito da faiança de que se fazem os bidés...”. Teve o “desplante” de tentar concorrer às eleições presidenciais de 1981 (obteve pouco mais de um por cento...), passou depois à França anti-europeia mais radical, ao ponto de vir a apoiar Marine Le Pen, em 2017.

O livro é um expressivo manual de perfídia, que ajuda a perceber os truques e as artimanhas da França conservadora - que tentou atrasar, sem sucesso, as ascensão ao poder da esquerda, em 1981. Dou-me conta de que nunca tinha lido nada desta fantástica “operacional” da política reacionária e, devo dizer, é um texto muito bem escrito. E eu gosto muito de ler livros com que sei que não vou concordar e que pouca gente lê...

Assumo-me como um “dependente” da história política da França contemporânea (como o sou da britânica, da espanhola, da americana e da brasileira - e de mais nenhuma!) e dou comigo a pensar da imensa “sorte” que tive, durante os anos em que por aqui trabalhei, de ter tido os meus dias muito ocupados e sem grandes “escapadelas” para pesquisas de bibliografia lúdica. Ai de mim, se tivesse tido tempo para me “atulhar” destes livros, ao “preço da chuva”, dos “bouquinistes” às vendas a retalho, sobre essas décadas que me interessam imenso. Agora, dentro da reforma, posso dar-me a estes “luxos”, por €1,50... Desde que caibam na mala!

Na esplanada em que ontem almoçava, num dos mais deliciosos fins-de-semana em Paris neste ano, com sol e calor qb, notei que um cavalheiro idoso (isto é, mais ou menos da minha idade), da mesa ao lado, me olhava com circunspecta curiosidade. Por que diabo, devia estar ele a perguntar-se, um tipo de cabelos brancos, pela certa estrangeiro (a minha pronúncia não engana), lia um livro, com mais de uma década, da autoria Marie-France Garaud, dele citando em francês passagens a quem o acompanhava? O homem estava visivelmente perplexo. Tinha uma comenda da Ordem de Mérito, no blazer azul forte, com lencinho vermelho com motivos, a pingar do bolso. Deixei-o no mistério. Afinal, intrigar gente claramente de direita constitui para mim, desde há muito, um bom e justo objetivo de vida.

7 comentários:

Anónimo disse...

Lido com gosto.

Despacho:

"O livro é um expressivo manual de perfídia, que ajuda a perceber os truques e as artimanhas da França conservadora - que tentou atrasar, sem sucesso, as ascensão ao poder da esquerda, em 1981."

Então só a direita francesa é que tem "truques e artimanhas..."? Isso não existe na esquerda? Ou numa é útil e na outra é vicío?

O gosto em ler não deu para deferimennto.

Francisco Seixas da Costa disse...

O Anónimo das 13:21 é um “whataboutiste”: se se fala de uma coisa, tem de se falar de outra, para conpensar. Por que será que, se a nota tivesse sido ao contrário, até aposto que nada suscitava. Mas isso não interessa aqui. Isto não é um “orgão de informação”, é um espaço de comentário pessoal, tendencioso. É o meu espaço: falo do que quero e não falo do que não quero. Simples, não é?

Francisco Seixas da Costa disse...

E compensar é com “eme”, claro

Anónimo disse...

@ Francisco Seixas da Costa.
E, Eu até ser tolerado...... posso comentar o seu pensamento [não universal] como entender.....Right?
It's simple and straight.

[That is thee true democracy!!!]

Joaquim de Freitas disse...

Também li o livro. Vivi cá a sua época e acompanhei a no seu itinerário.

A Rasputine de saias, com o seu alter ego Jean Pierre Juillet, eram o terror de l’Elysée… Mas Bernadette Chirac mandou-a para férias longas…no Poitou! Mas quando se aliou a dois barões terríveis, um verdadeiro, Philippe de Villiers et outro falso, Charles Pasqua , antes de se aliar a Le Pen, demonstrou a sua panóplia da perfídia que tinha em reserva.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Joaquim de Freitas. Não confunda Pierre Jouillet com Jean-Pierre Jouillet!

Joaquim de Freitas disse...

Oui, Oui, OUI, Senhor Embaixador… tem razão. As minhas desculpas.

Nota

Alguns comentadores deste blogue, por coincidência sempre aqueles que vivem refugiados num confortável anonimato ou em pseudónimos, procuram...