segunda-feira, janeiro 29, 2018

Dias de rei


As monarquias constitucionais europeias colocam um desafio importante aos soberanos de hoje. Tendo perdido, em todas elas, o essencial dos poderes que caraterizaram um outro tempo do exercício do seu papel no Estado, os reis, raínhas e afins funcionam, essencialmente, como fatores simbólicos de representação do país.

Com uma parte significativa da opinião pública - mais nuns países do que noutros - a colocar em causa o princípio dinástico na chefia do Estado, os monarcas atuais vivem sujeitos a uma atenta observação pública. Na minha perspetiva - embora cada caso seja um caso -, alguns monarcas estão sob uma implícita aferição pública da sua “utilidade”, a qual, porque decorrente da crescente dessacralização das suas funções, se torna dia a dia mais exigente.

Passado que foi, há muito, o tempo da sua intocabilidade pela comunicação social, os soberanos e as suas famílias têm de aguentar esse forte escrutínio, porque as sociedades democráticas não olham com bons olhos os privilégios e as mordomias, obrigando-os assim, cada vez mais, a seguirem uma vida que se assemelhe à do comum dos cidadãos. Os gastos com as famílias reais ou similares são hoje objeto de um debate muito estrito, sendo o respetivo comportamento social seguido com um interesse que vai da medíocre coscuvilhice tablóide à compreensível exigência ética.

Além disso, uma coisa é clara: todos os monarcas, no que toca à vida política, seguem por caminho muito estreito, porque a sua cada vez mais discutida legitimidade dinástica em nenhum instante se pode contrapor às instituições com representatividade democrática. Daí que a palavra dos reis e afins seja de “ouro”. Os reis não podem dizer uma palavra a mais e, em especial, essa palavra estará logo a mais se for vista como inadequada.

Aos reis que não necessitam, minimamente, de se mostrar na arena política o que é pedido é que sorriam e representem com dignidade o Estado. Aos outros, àqueles que a conjuntura obriga a intervir na coisa política, exige-se um imenso bom senso. E o bom senso não nasce necessariamente com as pessoas - e os reis são pessoas.

O rei Juan Carlos, num momento delicado da vida espanhola, revelou um bom senso que, lamentavelmente, foi perdendo numa fase mais adiantada da vida. A popularidade da monarquia espanhola perdeu com isso, somada ao comportamento negativo de outros membros da família real.

A Juan Carlos, que abdicou, seguiu-se Filipe, um novo rei que parecia bem preparado e capaz de assegurar a continuidade. Falhou, contudo, logo no primeiro teste sério a que foi sujeito. O que tem dito sobre a Catalunha, bem como o “timing” dessas intervenções, revela falta de respeito por muitos espanhóis, deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel. Mais recentemente, ao ter suscitado o caso catalão numa intervenção no Forum de Davos, Felipe VI revelou uma imensa ausência de bom senso e de sentido de Estado.

Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha, Filipe VI pode ter contribuído para isso. Se correrem bem, dificilmente terá alguma coisa a ver com isso.

16 comentários:

Luís Lavoura disse...

É interessante saber que na Europa ainda há uma monarquia absoluta, o Liechtenstein, na qual o grão-duque tem todo o poder. Foi até o povo do país quem votou para que assim fosse.

Luís Lavoura disse...

Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha

"Correr mal" tem duas interpretações.

Se isso quer dizer violência, então, não tema o Francisco, que os catalães não estão, de forma nenhuma, para aí virados.

Se quer dizer outra coisa mais suave, então, as coisas já hoje estão a correr bastante mal.

O que é chocante é que os políticos espanhóis todos não parecem ter qualquer vontade de fazê-las correr melhor. Em vez de estarem a preparar o povo para a necessidade de alterar a Constituição, estão a adiar os problemas. A empurrar com a barriga.

Anónimo disse...

" ... deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel...."

Sim, anacrónica posição a de Filipe VI. Terá sido mal servido pelos seus tutores e conselheiros?. Imaturidade?. Irá ainda a tempo de se salvar?.

O Canada, parlametarismo federal democrático, mantém como Monarca a Raínha Elizabeth II. Filipe VI bem que podia ter estudado a sua ex-eterna rival.JS

Luís Lavoura disse...

JS
Se a Espanha fosse inteligente, mudava a sua Constituição por modo a torná-la um Estado (con)federal, com Felipe como rei mas com amplos poderes para os Estados (con)federados (por exemplo, o direito a usarem língua própria). Nestas condições, a prazo, inevitavelmente, Portugal aderiria à (con)federação, pelo que Felipe passaria a ter mais 10 milhões de súbditos. Ou seja, se Felipe fosse inteligente, apoiaria para a Catalunha uma solução muito diferente da defendida pelos nacionalistas espanhóis.

Joaquim de Freitas disse...

O rei dos Castelhanos foi pedir a protecção da UE, e avivar-lhes a memória que sem a Catalunha no seu reino os resultados económicos não serão tão bons como os actuais. A Espanha, disse ele, é o segundo destino turístico no mundo depois dos EUA. E sem a Catalunha, o que seria? O que significa: sobretudo, não acordem nenhuma confiança aos Catalães e atenção ao Puidgemont !

Um reizinho de opereta, monarca de direito divino, filho daquele que foi feito rei pelo chefe fascista que lançou a Espanha na guerra civil, e manteve sob o jugo os Espanhóis durante quarenta anos.

Neste país de mágica “transição” e de “exemplar” constituição de 78, escrita pelos mesmos e controlada pelos tanques igualmente franquistas, nunca se passa nada de anormal… é tudo politicamente correcto e conforme à legislação mais pura, igualmente franquista.

Destroços dum tempo acabado, fazem-se passar por seres especiais, e continuam a reinar pela estupidez idólatra dos homens. E quando um dia forem para a eternidade do El Escurial, terão passado uma vida a viver à custa do trabalho do povo.

Joaquim de Freitas disse...

Luís Lavoura misturou dois mundos quando escreve sobre o Liechtenstein .

O Príncipe Maximilien , mais conhecido como o príncipe Max, tem um titulo sóbrio : Príncipe Hereditário do Liechtenstein e indica uma profissão: Homem de Negócios, no seu cartão de visita.

O rei de Espanha tem um titulo : por la gracia de Dios, Rey de Castilla, de León ...e o resto leva mais 15 minutos a escrever …

Anónimo disse...

O pai, que teve um papel indiscutivelmente importante no período da transição, agora faz vela, como sempre gostou e acaba de ganhar, com a sua equipa, o campeonato do mundo de vela, na categoria dos 6 metros. Com 80 anos e depois de oito operações à anca...

O «velhote», apesar das tontices, em que subestimou os media de hoje (mulherengo sempre foi, desde a muito tenra juventude, mas nesses tempos, mais fotógrafo, menos fotógrafo, ia andando, com mais encenação familiar ou menos; hoje não é assim) ficará sempre na História de Espanha.

Em relação ao problema Governo/Catalunha, o jovem rei deu-nos de facto uma triste imagem e não evidenciou ser capaz de enfrentar problemas mais complicados. Ninguém se revê nos seus discursos. Nem sei se o próprio PP não preferiria ouro sentido de Estado... É o que têm os nossos vizinhos... Até quando regime monárquico por lá?

Anónimo disse...

Eles legitimidade dinástica terão a democrática é que será mais controverso. O Juan Carlos teve azar nos genros e a imprudência de ir caçar alemãs com um elefante, mas foi um Chefe de Estado da Espanha. Este jovem Rei fez um discurso sobre a Catalunha ao nível de cabo de esquadra, como dizes.
Fernando

Anónimo disse...

Ó Luís Lavoura, essa da confederação ibérica (ainda por cima com um rei!)... Apetece dizer que você, Lavoura, não percebe da poda. Ou, então, que faz comentários de nabo.

É que, à força de tanto mandarem esses bitaites estúpidos, ainda conseguem, mesmo, convencer os estúpidos de que isso faz algum sentido.

msampayo disse...

"filho daquele que foi feito rei pelo chefe fascista que lançou a Espanha na guerra civil"

Não é só filho desse, é também filho daquele que teve um papel corajoso e decisivo na democritazação da Espanha. Bem sei que para certas pessoas democracia pouco significa, a não ser que seja a "democracia" popular...

É curioso verificar como se contesta, e bem, o direito dinástico e ao mesmíssimo tempo se passa a apontar a alguém o crime de ser filho daquele que...

Anónimo disse...

Para um não-politizado como eu custa a ler textos, de um republicano de gema dos de 1910, sobre a utilidade de haver como Chefe de Estado, um Rei dinástico.
É uma coisa óbvia: Para o nosso escriba nunca poderia haver interesse em se ter um Rei.
E os infortunados que os têem deviam destroná-lo sem dizerem porquê com terrorismo e revoluções, clamando ainda pela carbonária.
Isto é como se eu, um não-politizado começasse a dar bitaites sobre as condições políticas em que alguma Europa vive. Ao reconhecer-me como não-politizado tudo o que eu escrevesse era por isso desacreditado.

Anónimo disse...

No fim a Catalunha fará parte da Espanha e da Europa federada e globalizada e o rei terá, num momento de crise, interpretado o sentir de toda a Espanha, com excepção da pequena Catalunha, como lhe terá sido dito pelo governo que ele sim é o responsável Pala definição da política espanhola. Ou não é a Espanha uma monarquia constitucional?
João Vieira

Joaquim de Freitas disse...

O Senhor “msampayo” tem razão, quando escreve : « Bem sei que para certas pessoas democracia pouco significa…”

Pois é exactamente o caso da monarquia espanhola actual. Nunca foi eleita pelo povo espanhol. Foi imposta pela força das armas, por um ditador, que derrubou a única democracia existente em Espanha, quando organizou o golpe de estado fascista de 1936.

A verdadeira transição “corajosa” teria sido de convocar eleições livres após a morte de Franco, em 1975, e de retomar o ritmo das instituições democráticas, lá onde o golpe de estado o interrompeu.

Anónimo disse...


O Liechenstein é um caso muito bicudo mesmo.

Aqui há uns anos a população quiz-se ver livre do chefe daquele Estado.
Chegou-se à conclusão que não era possivel.... porque a terra daquele país pertence ao Principe do mesmo nome, em propriedade. Assim se o não qisesem tinham de sair da sua propriedade e ir para outras bandas.
Mas se fizessem uma reforma agrária e ocupasssem a terra já não sei....Claro que a agitação da mesma reforma agrária e revoluções iriam afastar o que faz a riqueza daquele país.
Foi desta forma que se desistiu de por lá outra pessoa.

Anónimo disse...

@ msampayo

Paece-me que se esqueceu que na URSS era-se ainda fuzilado por se ser herdeiro de sangue consporcado de burguês.
Na altura da guerra civil os funcionários do regime imperial eram raptados e serviam o exército vermelho como prisioneiros de guerra mas a trabalhar com as profissões que tinham antes, uma espécie de escravidão.

Anónimo disse...

Tenho dúvidas que Felipe VI pudesse ter tido outro tipo de discurso. Afinal, o seu único papel é o de representante da unidade de Espanha e defensor dos direitos consagrados na Constituição.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...