Sou um viciado em Portugal. Talvez pelo facto de ter vivido muitos anos no estrangeiro, habituei-me, em férias, por décadas, a percorrer o país em todas as direções, a visitar aldeias recônditas, a testar “casas de pasto” recomendadas por amigos e conhecidos, a descobrir novas estradas e paisagens. (Querem uma dica, de uma experiência de anteontem?: o belíssimo e surpreendente percurso no IP 2, pela Serra de Bornes, entre Macedo de Cavaleiros e Vila Flor).
Perco-me com gosto por ruelas de vilórias que, podendo ter pouca graça, apresentam por vezes pormenores arquitetónicos surpreendentes, igrejas ou muralhas interessantes. Sinto-me muito bem nesse mundo dos “cafés centrais”, dos largos com reformados à sombra, de pequenas bombas de gasolina onde somos tratados como numa mercearia. Adoro entrar nas tabacarias esconsas das terras pequenas, só com meia dúzia de livros à venda, alguns com ar amarelecido pelo sol, onde encontro quase sempre uma coisa que me “fazia imensa falta”. Raramente resisto a dar uma espreitadela naquilo a que chamo as lojas “de tudo”, que oferecem coisas improváveis e nos recordam o que há muito nos era “essencial” sem disso nos apercebermos. (Outra dica: visitem a “Casa Calado”, no Cabo da Bila, em Vila Real, para um deslumbre garantido).
Esse Portugal que me fascina continua por aí e eu vou continuar a frequentá-lo, com o mesmo interesse de sempre. Mas não posso deixar de notar, com algum desgosto, que ele convive com as rotundas que o mau gosto autárquico atulhou de uma estatuária inenarrável, com pavilhões multiusos desertos, com muita obra pública que o bom senso deveria obrigar a levar à barra do tribunal do bom gosto alguns irresponsáveis por atentados à paisagem.
Fico sempre triste quando comparo o cenário televisivo da Volta à França com o da sua congénere portuguesa. Deprimem-me os nossos muros caídos, as ruinas das casas velhas e das obras por acabar, as cancelas e portões decadentes, os letreiros pendentes, desbotados ou anunciando eventos com anos, a vegetação selvagem nas bermas, hoje viúvas dos saudosos “cantoneiros”, as lixeiras a céu aberto, as pedreiras chocantes, o mau gosto e o caos arquitetónico (é quase tão caro construir bonito como feio), a obscena poluição visual dos milhões de anúncios, a ridícula multiplicação da sinalética rodoviária nas localidades, a tragédia de alguma iluminação urbana, numa diversidade regida por misteriosos critérios estéticos, etc.
Portugal necessita urgentemente de uma profunda sindicância estética, de uma varredela cívica, sob um normativo que consiga acabar o que está por acabar, limpar e fazer limpar esse imenso mundo de descaso, de incúria, de lixo paisagístico, que afeta a imagem de um país magnífico, agradável e simpático. E não é preciso muito: basta algum bom gosto, boa vontade e orgulho em cuidar do que é nosso.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
23 comentários:
EXCELENTE artigo. Nem imagina como lhe estou grato por ter publicado este texto!
Caro Sr. Embaixador,
"basta algum bom gosto, boa vontade e orgulho em cuidar do que é nosso. "
O que diria o seu colega Eça sobre tal matéria ? Pois...
À disposição de VEXA,
A educação estética de um povo... O António Ferro bem o tentou, com a Casa Portuguesa do Raul Lino, o SNI, os concursos de montras, a Aldeia mais Portuguesa de Portugal, o Verde Gaio, etc. Fracassou... obviamente. E ainda não tinha surgido a vaga das casas tipo maison. Andar pela EN1 é uma viagem ao fim da noite, bem celiniana; ou meter-se no coração das trevas conradianas.
Caro Sr Embaixador,
Estamos perante mais um dos seus "posts" lapidares.
Relevava, somente, um dos aspectos que aponta o da ".... obscena poluição visual dos milhões de anúncios".
Usaria o exemplo da Noruega, que por várias vezes o Sr Embaixador traz à colação, para referir a total ausência de publicidade rodoviária nesse País e o que isso diferencia na paisagem. Por cá, e apesar da existência de legislação nomeadamente quanto a estradas nacionais é o que vemos.
Na verdade, a poluição visual é aterradora e conduz a uma situação absolutamente contraproducente ( julgo até que nada aporta aos anunciantes ).
No entanto, o que seria de uma Câmara Municipal que viesse a proibir a publicidade estática rodoviária no seu Concelho ? Julgo que ainda não estamos nesse patamar cultural.
Usando uma frase popular, muito a gosto do Sr Embaixador, " ainda nos falta comer muitas rasas de sal".
Se. Embaixador,
Padecemos do mesmo mal. Pior que a Volta à França, são mesmo as Voltas à Suíça e à Áustria. Aí vemos como estamos, mal e sem amor próprio. Outras culturas sem dúvida.
Em Lisboa, nas décadas de 70, 80 e 90, durante a minha vida profissional, conheci pessoas com alguma relevância na vida da cidade, que visitar a Tabacaria era um hábito diário. Olhar os jornais, livros e as revistas do dia e ter "dois dedos de conversa" faziam parte do seu ritual
Questiono como é que um percurso pelo IP2 pode ser surpreendente e belíssimo. Os IPs são estradas muito largas, em que se tem que circular a grande velocidade e em que genericamente o mais que se vê é a própria estrada (em particular, para o lado esquerdo só se vêem as duas faixas do lado oposto da estrada). Dificilmente um percurso por um IP pode ser tão surpreendente e belíssimo como um percurso por uma estrada secundária.
O Francisco queixa-se do excesso de sinalética e de anúncios nas estradas. Eu queixo-me do oposto: falta de sinalética. Quantas vezes não tenho que parar, quando circulo na estrada, a perguntar a pessoas o caminho para onde quero ir. E além de sinalética há sinalética errada. Por exemplo, recentemente, ao circular na auto-estrada e querer sair para visitar a cidade de Tomar, deparei-me com três saídas: Tomar Oeste, Tomar Norte e Tomar Sul (salvo erro), e não fazia ideia de em qual deveria sair. De outra vez, querendo ir para Viseu para daí tomar a estrada para São Pedro do Sul, deparei-me com uma saída "Viseu Sul" e não fazia ideia se esse seria o caminho para São Pedro do Sul ou se deveria ir por outra saída qualquer.
Andar nas estradas portuguesas é um pânico devido à falta de sinalética e à sinalética pouco informativa.
Caro Luis Lavoura. Leia bem. Eu não falei em estradas
Sim, concordo plenamente com o que é lapidarmente descrito no post. Falta-nos, de facto, muita sensibilidade estética no que concerne a estas coisas do bem público. Também concordo com o comentário do Luís Lavoura. De facto, muita da sinalética urbana e rodoviária é feita não para aqueles que não conhecem, mas antes para aqueles que conhecem.
E já agora, caro embaixador, não posso deixar de sublinhar a sua falta de rigor analítico e incoerência (tendo em conta os valores que defende e que estão plasmados neste seu escrito) nestas matérias, quando o assunto é vila real. É que estou propenso a crer que o senhor embaixador podia ajudar esta cidade a sair da pacovice provinciana que a caracteriza (e deixe lá as corridas, por favor. Fale antes da iluminação, dos passeios, da rua direita, em suma, do total desrespeito pelos munícipes).
Adenda: já estou a tremer da "descascadela' a que vou ser sujeito, mas enfim, são ossos do ofício.
Um abraço,
José Ricardo
Concordo em absoluto !
Quando ia a Portugal pela estrada, era para « vadiar » no interior, que não conhecia. Foi assim que descobri as gravuras rupestres do Tua e Freixo de Espada à Cinta e o monumento em granito com os nomes duma dezena ou mais, de Portugueses que foram por vezes os primeiros a visitar terras longínquas. Como Jorge Alvares à China.
ANTÓNIO VAREJÃO (Padre) (?–1597)
Missionário do Oriente martirizado em Salsete (Filipinas)
D. JOSÉ ALVES FEIJÓ (1816-1874)
Bispo de Macau, Cabo Verde
FRANCISCO DIOGO DE SÁ (Comandante)
Herói das campanhas dos Vátuas. Foi Governador de Macau onde veio a falecer.
GUERRA JUNQUEIRO (1850-1933)
D. ANTÓNIO MARIA TEIXEIRA (1875-1933)
18.º Bispo de Meliapor. Missionário da India,
QUINTÃO MEIRELES (Almirante) (1880-1958) , candidadto contra Craveiro Lopes.
FRANCISCO MANUEL MASSANO (Padre) (1915-1944)
Missionário do Oriente, foi preso pelos Japoneses a 21 de Outubro de 1942 e levado para a Pearls Hill Prison, em Singapura vindo a morrer de fome e tortura.
MORAIS SARMENTO (Padre)
Missionário do Oriente, fundador do Arquivo Histórico de Macau.
ARTUR BASILIO DE SÁ (1912-1964)Director da escola de Artes e Ofícios de Díli;
MANOEL MARIA SARMENTO RODRIGUES (Almirante) (1899-1979)
Comandante do Torpedeiro “Lis”; Comandante das Canhoeiras “Faro” e “Tete”; Comandante do contra- torpedeiro “Lima”; Comandante das Forças Aéreas da Armada; Comandante do Aviso “Bartolomeu Dias”; Comandante da Escola Naval; Comandante das Forças Armadas de Moçambique; Presidente da Academia da Marinha; Governador da Guiné; Governador de Moçambique; Ministro do Ultramar. »»
MANUEL TEIXEIRA (Monsenhor) (1912 - 2001)
Eminente historiador do Oriente.
Em 1985, o Presidente da República, general Ramalho Eanes, condecorou-o com a Medalha de Valor de Macau, o mais alto galardão do território. »»
Achei extraordinário que uma pequenina terra tivesse visto nascer tantos homens ilustres.
E nao muito longe dali, Sabrosa , a terra de Fernando de Magalhaes.
Exmo. sr. Embaixador,
Foi com grande agrado que li o seu post. Tantas vezes me deparo com essas situações, tantas vezes reclamo em surdina e me sinto contrariado e frustrado pelo mau gosto e descaso em que a nossa paisagem urbana se encontra. Tal como diz, as nossa malha urbana está atulhada de sinalética rodoviária e outra, placards diversos, de postes colocados onde estragam as vistas, caixotes do lixo, caixas de telecomunicações, a que chamam mobiliário urbano (quase sempre grafitadas), etc, etc, etc.
Pensava que apenas eu me queixava disso! Afinal há mais quem.
Gosto de fotografar paisagem urbana, em toda a sua diversidade, sobretudo à noite. Salvo raríssimas exceções, fotografar monumentos ou praças à noite em Portugal é praticamente impossível. A iluminação dos edifícios está tão mal projetada que qualquer exercício desta natureza resulta pessimamente mal. Não raras vezes sou acompanhado por turistas que nos visitam e também eles se mostram desagradados com a situação - procuro defender o meu país o melhor que posso, mas há factos indefensáveis. Como disse acima, a juntar à iluminação vem todo o "mobiliário urbano", nomeadamente postes, sinais de trânsito, cartazes de publicidade, caixas de telecomunicações e eletricidade e caixotes do lixo aos quarteirões... Já nem falo nos automóveis "abandonados" por cidadãos preocupados com o bem comum, tudo despejado nas praças sem qualquer preocupação estética.
Fazem-se grande obras, retira-se a circulação regular de veículos das praças. embelezam-se com magníficas calçadas pedonais e depois atulha-se tudo com caixotes do lixo em tudo o que é poste, sinais de trânsito às carradas, e por aí fora.
Sempre que me deparo com uma situação extrema, e há muitas, tenho o cuidado de enviar um e-mail para a respetiva Câmara Municipal, juntando a fotografia e apontando o que está a mais na imagem e que deveria ser ocultado. A esmagadora maioria nem se dá ao trabalho de responder, outras há que respondem apenas com um agradecimento pelo envio do e-mail.
Em Portugal, os Açores são um exemplo a seguir. Por lá, quase tudo está bem cuidado.
A. Henriques
Também iria pedir para "esconderem" os novelos de fios elétricos que se penduram em tudo o que é parede dos centros históricos !
e também que, com urgência, se dê formação apropriada aos jardineiros das câmaras municipais
obrigada Sr. Embaixador
Olhado em conjunto, o Minho é horrível pelo que fizeram dele. Não há pedaço de beleza (e são ao pontapé) que não tenha mesmo ao lado uma garagem com telhado de zinco, um anexo com porta de alumínio, uma arrecadação por rebocar. Um pedaço de verde, e lá leva com uma construção cheia de fios e por acabar no meio.
Só se pode apreciar com o ângulo fechado nos pormenores. Não vale levantar os olhos do que agradou.
E, já por duas vezes, almoçando sozinho, em Viana (da outra vez foi no Porto), sem falar com ninguém tirando com o empregado, ouvi atrás de mim contarem a história da única coisa boa de Lisboa: a auto-estrada para o norte.
Ora, eu nem sou bem de Lisboa (o meu pai era e é onde vivo, mas cresci no distrito de Santarém e a minha mãe transmontana cresceu no Porto), mas admirei o sentido de hospitalidade da mesa atrás de mim, que em duas ocasiões distintas, separadas por muito tempo, me fez ouvir duas vezes a mesma piada.
E não é preciso muito: basta algum bom gosto, boa vontade e orgulho em cuidar do que é nosso? Mas aqui em Portugal encontrar bom gosto, boa vontade e orgulho de cuidar do que é nosso (e dos outros), é como encontrar uma agulha num palheiro!
Passou na rua dos Camilos antes de acabarem com a Casa do Douro? Passou lá hoje? Veja a difrença!
Mas se quiser inveja encontra-a em qualquer esquina!
Estou a acabar umas férias na Polónia e digo-lhe que parto daqui envergonhado com a organização, limpeza e civismo destes eslavos. Há cidades (grandes), onde não se encontra literalmente um papel no chão. E crianças? Há-as por todo o lado e com ar feliz. Um outro mundo!
18:12 e 18:48, já vem o provincianismo do costume. Todos muito maus, porcos e sujos e de mau gosto, lá fora é que é bom. Falta de amor-próprio e sentido de perspectiva. Em Portugal conheço dezenas e dezenas se lugares lindos e limpos. E devo ter um azar do caraças que sempre que viajo não dou com essa organização imaculada e limpeza cirúrgica de que tanto me falam em lado nenhum, de Bruxelas a Madrid, de Praga a Dublin.
O cosmopolita das 21:24 esqueceu de mencionar o cosmopolita autor do post que aborda o problema em geral da falta de gosto, boa vontade e orgulho no cuidar do património das intervenções humanas no País.
Os provincianos nao o discutem. Apenas o lamentam!
O das 21:24 está longe de ser cosmopolita. Tem é muita dificuldade em aturar conversa tacanha de que em "Portugal bom gosto, boa vontade e orgulho sejam difíceis de encontrar". Isso não é FormulCao de lamento pelo que esteja mal. É atirar lama ao conjunto, quando há tantos e tão bons exemplos do contrário.
De qualquer modo, acrescento, nada tenho contra os termos em que FSC põe o problema. Vai uma grande distância para o das 18:12. É a diferença entre reconhecer que muita coisa está mal e o achar que nem de candeia na mão achamos bom gosto, boa vontade e orgulho.
O tipo das "27 de agosto de 2016 às 21:24" é daquelas pessoas de qualidade bronca, sempre disposto a sacar de exemplos particulares para contrariar o geral. No fim, o que se pretende é o "não se mexam que está tudo bem". Fala-se de alhos e lembra-se de bugalhos. Haja pachorra! (mas é difícil).
O gajo de "29 de agosto de 2016 às 07:31" é o habitual tacanho provinciano nacional, uma cepa boçal parida no XVIII e com longa felicidade do XIX ao XXI.
Espirra lama para cima dos outros todos e acha que esses é que não se querem mexer por lhe rejeitarem a ciência de humilhar o próximo.
Analfabruto e inculto não alcança a diferença entre tomar o todo pela parte e o não deitar fora o porco com a água da lavagem onde tantos refocilam. Acham-se mais iguais que os outros.
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