quarta-feira, agosto 31, 2016

A direita da esquerda


Era a véspera do primeiro Conselho Europeu de François Hollande, recém-eleito presidente francês, em meados de 2012. Durante semanas, os embaixadores europeus em Paris tinham tentado perceber, para benefício informativo dos seus governos, o que faria a "nova" França pós-Sarkozy com a questão da ratificação do Tratado Orçamental. 

O tratado era o colete de forças macro-económico que a Alemanha, sob pressão conjuntural dos mercados, impusera à Europa, depois de ter verificado que, para a sustentação reputacional do euro - e após ter cometido o sinistro erro de Dauville, ao abrir caminho para a "hierarquização" das dívidas soberanas -, não lhe chegavam as quatro regras que Theo Weigel impusera, em 1997, para Bona (Berlim só viria mais tarde) vir a prescindir do marco. Em estado de necessidade, com as agências de "rating" já a discriminarem os países, todos correram a ratificar esse trágico acordo que, sob a glória formal do retrato "à la minute" das contas públicas nacionais, passou a condenar alguma Europa à permanente estagnação. Escrevi "alguma", porque há outra Europa que está bem e se recomenda, que empocha em superávites aquilo que para os outros são défices. Os europeus que mandam podem ser cínicos, mas não são parvos.

Voltando a Paris. Das conversas com Pierre Moscovici e outros putativos governantes socialistas, algumas mais privadas, outras em fóruns mais alargados, os arquivos do MNE devem ter por lá aquilo que nem sequer me parecia ser uma previsão difícil de fazer: a França iria subscrever o tratado, claro, depois de lhe acrescentar uns "pozinhos", a dar-se ares de que Paris, sob Hollande, fazia "toda a diferença". No fundo, seria um "remake" de 1997, quando, em noites agitadas em Amesterdão, o novo governo Jospin, com Chirac em apoio (que saudades do gaullismo "social"!), "conseguiu" transformar o Pacto de Estabilidade em Pacto de Estabilidade... e Crescimento. Já ninguém se lembra, mas foi assim mesmo.

Nessa véspera do Conselho Europeu, o Eliseu chamou os embaixadores da União Europeia para um "briefing". E lá fomos nós, quase todos de Moleskine, eu com um caderninho preto do meu "stock" da saudosa Heróica, a papelaria que a movida da rua das Flores, no Porto, levou na enxurrada do sucesso.

Era alguma a curiosidade sobre quem é que a presidência da Repúbluca francesa colocaria a falar connosco. O "briefing" foi bicéfalo. Foi aberto por Philippe Léglise-Costa, assessor europeu, filho do meu amigo Pierre Léglise-Costa, que fala português como qualquer de nós, fruto de um casamento luso-francês. Philippe vinha da Representação Permanente em Bruxelas, onde era uma "estrela" que Hollande não podia perder. Hoje, é o assessor diplomático do presidente.

Phillipe fez o enquadramento das questões políticas e apresentou depois o seu parceiro de mesa, Emmanuel Macron, assessor económico. Nunca tinha ouvido falar dele, o que não era de estranhar, numa equipa que só estava há dias naqueles corredores. O que dizia era, pelo menos ... estranho! Podia ser dito perfeitamente por um assessor de Sarkozy! Não era tanto a forma, era a lógica subjacente ao seu raciocínio que contrastava, de forma muito evidente, com o famoso e não muito distante discurso de Le Bourget, de Hollande. Notei o fácies de Léglise-Costa, ligeiramente crispado, ao ouvir o mantra neoliberal do seu colega. Dito isto, que fique claro: ficou evidente que era uma pessoa muito bem preparada, um "enarca" de primeira água. Só não se percebia muito bem o que estava a fazer por ali, numa equipa presidencial de um governo socialista. À saída, recordo-me de me ter voltado para o meu colega sueco, Gunnar Lund, um velho amigo que comigo fez muita Europa, nos anos em que ambos estávamos no governo, e ter comentado, em tom de gozo: "Este deve ter cá ficado da equipa anterior!" Mas Gunnar não tinha desgostado...

Macron, entretanto, foi subindo. Com Valls como primeiro-ministro, chegou a ministro da Economia e, de um dia para o outro, começou a mostrar uma ambição pessoal incessante. Criou um movimento ("En marche!") daqueles de que a direita sempre gosta (isto é, dos que se dizem "nem de direita nem de esquerda" ou que isso é uma falsa e ultrapassada dicotomia) e, dia após dia, foi fazendo declarações em que se ia afastando da linha oficial, o que obrigou Hollande a o "recadrer", como dizem os franceses. Até que, há dois dias, se demitiu.

Macron não o afirmou ainda, mas parece evidente que vai ser candidato à presidência, nas eleições do ano que vem. Com jeito, ainda pode entrar nas "primárias" da direita... 

2 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Um politico da direita, desorientado, veio desaguar, há dois anos, na esquerda francesa, mais exactamente no partido socialista, ou antes no governo, dito, socialista de F. Hollande. E já foi embora. Hoje. Pôs-se em “marcha”, para criar um partido que se chama “ En Marche”. Muito bem.
Chama-se Macron. Vê-se a olho nu, é macroscópico, o jovem ex-ministro da Economia e é macrocéfalo e tem a falsa humildade do carniceiro que espera pela sua hora.
Ele é superdotado, brilhante, primeiro da classe, genial, refrescante, luminoso, em 38 anos somente! Grande prémio de piano. Tem todas as qualidades do ganhador, dum filho de boa família, criado com um biberão de prata, bem-educado. E sabe contar a finança. Nestas famílias sabe-se contar muito bem. Com 38 anos, este antigo financeiro de Rothschild já é milionário. E quando diz aos trabalhadores que é preciso trabalhar mais para ganhar menos, sabe o que diz!
Sabe contar os seus dinheiros e os nossos também. A prova, é que vem da Finança “J.J;Rousseau dizia que a palavra finança é uma palavra de escravo”.
Tão competente como os prodígios do FMI, do Banco Mundial, e do Banco Europeu.
Este jovem Ministro veio durante dois anos mostrar-nos como se faz frutificar o dinheiro, o dos patrões, dos homens de negócios, de todos aqueles que nos fazem sonhar, que fazem frutificar o nosso dinheiro, que não pagaram em taxas e impostos, e evadiram para o Panamá, a Suíça, as Ilhas Virgens, que nos protegem durante o nosso sono.
Ele agrada aos poderosos porque é um dos seus, vem da Rothschild .
Deu-me grande vontade de rir, ao ouvi-lo hoje explicar a sua demissão do governo.
Ele diz que é “apolítico” ! Ah o “apolitismo” ! A folha de vinha virgem do capital …Tão jovem e já quer fazer de nós cretinos! Nem da direita nem da esquerda, diz ele!!!
Venha a nós a santa Bolsa! Tudo se “encaixa”! Todos unidos contra os trabalhadores! Esfolemos o vil povo! Combatamos os seus privilégios!
Deixemos a revolução aos rectroarcaicos. Para nós o dinheirinho! Ao povo as lágrimas, o suor, o caminho da cruz quotidiano, Os pobres escolheram de ser pobres, é bem feito para eles.
Os homens só valem que o que possuem. Lá onde a lei é a lei da selva! Cervantes disse que " a honra e o lucro nao dormem na mesma cama" !
Quem disse que o dinheiro não tem odor? Falso! O dinheiro cheira à trampa, ao sangue, à espoliação, a escravatura, à alienação, à guerra, o canibalismo.
Se se ouvir um grande estrondo na Europa em 2017, é que Sarkozy voltou ao poder com um primeiro-ministro chamado Mácron. E será em seguida a Revolução.

Anónimo disse...

caro defreitas

quer queiramos quer não, a revolução, a acontecer, em frança, sera mais por parte da extrema direita que da esquerda. é a extrema direita que é subrepresentada em relação a votação que tem (eu sou de esquerda, mas tenho alguma dificuldade com a idiossincrasia, so possivel em frança, de um partido que tendo metade ou quase dos votantes tenha apenas 3 deputados ou parecido, ailleurs ça ne serait pas de la démocratie)

são as tematicas identitarias e do crime as que dominam a crise francesa. bem sei que não são as unicas. mas para alguem que defende o estado de direito, a frança esta longe o ser. e decerto que em nenhum pais que se preze, tanta gente (de todas as origens e de todas as correntes politicas) trataria tão mal, ao mesmo que o vai bebendo e esmifrando, o estado e o estado social.

e o problema identitario da racaille em frança, é um verdadeiro problema, não vale a pena escondê-lo. Ha chineses mais franceses que arabes de terceira geração. Quantos putos de origem argelina fariam mais facilmente o juramento da bandeira a argelia (ou a outros...) do que a frança? Bem sei que o franceses não são faceis, mas de la a aceitar quem os não quer, também não entendo porquê...


cumprimentos





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