quarta-feira, agosto 03, 2016

Juízes e juízo

Confio na justiça portuguesa? Nos tempos que correm, apenas relativamente, confesso. Como cidadão, a minha confiança no sistema judicial tem vindo a baixar ao longo dos últimos anos e, podem crer, isso angustia-me imenso. Porque fui habituado a acreditar que a justiça é como uma espécie de rede última de salvação, que pode e deve servir-nos de derradeiro e sério anteparo, quando tudo o resto falha. 

No entanto, dia após dia, somos confrontados com decisões judiciais arbitrárias, discricionárias e frequentemente contraditórias entre si. Quando se refere isto a alguém "do ramo", somos logo criticados por não compreendermos que, sendo os juízes humanos, é mais do que natural que, na sua interpretação da lei, possa haver diferentes sensibilidades. Muito bem, aceito isso, mas será que perante duas decisões judiciais em absoluto contraditórias, precisamente sobre o mesmo assunto, devemos "respeitar" a legitimidade de ambas? Ora essa! Então um diz uma coisa e o outro diz o seu contrário e um cidadão é forçado, bovinamente, a aceitar de cara alegre essa dualidade de atitudes?  E a ter de considerar que ambas têm o seu mérito próprio? 

Acredito que a maioria dos magistrados sejam pessoas de bem, que procuram fazer o seu melhor, nem mais nem menos do que em qualquer outra profissão. Haverá assim bons, maus e péssimos juízes, como há bons, maus e péssimos diplomatas, como há bons, maus e péssimos médicos, e por aí além.  Só que a profissão judicial é constitucionalmente ungida do caráter de órgão de soberania, pelo que é quase um crime de lesa-pátria dizer que um determinado juiz é um refinado cretino, que uma certa sentença é um chorrilho de imbecilidades, que uma ou outra decisão releva de uma incompetência profissional manifesta. O juíz vive "lá em cima", é-lhe devida uma reverência funcional automática, qualquer que seja a sua efetiva qualidade profissional. Se um cidadão afirmar publicamente que o juíz fulano é incompetente, arrisca-se a um processo e, claro, a ser julgado ... por um juíz! Se disser o mesmo de um diplomata, por exemplo, tem logo fartos aplausos da bancada, a começar pela comunicação social.

A que propósito vem isto? Vem da circunstância de me parecer escandaloso que um juíz que teve interesses pessoais diretos no caso colégios privados/ensino público possa, de longe ou de perto, estar envolvido no julgamento das providências cautelares suscitadas sobre a questão. A argumentação de que o cavalheiro saberá muito bem discernir entre o interesse pessoal e as questões jurídicas de princípio, que irá julgar o caso com neutralidade e independência, "só contado p'ra você", como diriam os brasileiros. 

Dito isto, também me parece menos curial que o Ministério da Educação, numa sociedade democrática onde vigora o princípio da separação dos poderes, saia à estocada contra o juíz, suscitando uma suspeição. Eu, cidadão, posso desconfiar da isenção do juíz e gostaria de ter o direito de proferir todas as diatribes que contra ele que me apeteça dizer. O governo pode tentar acionar os mecanismos legais de contestação que ache adequados. O que não pode é proceder de forma idêntica à de um executivo recente, de muito má memória, que tentou, sistematicamente, afetar a liberdade do nosso Tribunal Constitucional, aliás sob a culposa omissão do supremo "magistrado" da nação. Se o juíz incorreu em práticas que podem suscitar suspeição, as instâncias próprias do sistema judicial deveriam atuar com todo o rigor e a necessária tranparência E, para proteger a sua própria dignidade institucinal, deveriam utilizar os mecanismos ao seu alcance para que não fique a dúvida de que "isto é o da Joana", e não necessariamente Marques Vidal.

8 comentários:

Carlos Santos disse...

O ME, que é parte no processo, levantou um incidente dentro das vias que a lei possibilita, tendo todo o suporte factual para o fazer. Onde está o "pecado"?

Anónimo disse...

Confiança na justiça?
Não, não, não e não!...

Anónimo disse...

Não entendi a referência ao Ministério da Educação. O princípio da separação de poderes impede o Estado de recorrer a meios processuais acessíveis, por lei, a qualquer cidadão? É a primeira vez que leio isto. O senhor Embaixador importa-se de esclarecer melhor?

Viriato disse...

A oposição descobriu que a juíza que decidiu de modo contrario foi membro de governos do PS. Que tinha estado em comícios. Só se esqueceu de um pequeno pormenor. Á época a senhora não era juíza. E toda a comunicação social alinhou com esse esquecimento. Curioso...

Anónimo disse...

A juíza socialista não deixou de ser socialista.Curioso que a cavalheira tenha favorecido um governo...socialista.

domingos disse...

Estamos perante uma questão delicada. Primeiro, creio que não existe uma imparcialidade absoluta; que as decisões de uma pessoa por mais isenta que se julgue são sempre influenciadas pelos seus estudos, contexto social, ambiente familiar e, obviamente, interesses e ambições, etc. O problema é que se explorássemos essa via ao limite acabavam os juízes.
Por isso, apesar dessas limitações, temos de aceitar na sociedade atual até que seja possível modificá-lo, o sistema judicial tal como está. Se um juiz tem interesse direto numa questão - no caso um filho a frequentar um estabelecimento de ensino privado/ público sobre cujo litígio se terá que pronunciar - mandaria a prudência e o bom senso que pedisse escusa. Isso não impede que, teoricamente, haja hipóteses mais complexas: seria o caso de um juiz com filhos em estabelecimentos públicos e privados; seria o caso de um juiz ser conhecido no meio acadêmico por ter defendido a nível teórico uma interpretação da lei que, posteriormente fosse aplicável ao caso concreto, etc. Aliás, a interpretação das leis acaba por ser isso mesmo: um reflexo das convicções do julgador. Mas, enfim, isto já é especular demasiado...

Anónimo disse...

Sr. embaixador, com a devida vénia, já que estamos a falar de questões que envolvem a justiça e fica bem este “jargão”
O que me parece curioso e preocupante é que durante anos e anos se achasse natural que os juízes do constitucional, votassem quase em bloco, consoante as suas “origens” politicas. E que as decisões fossem muitas vezes aprovadas tipo “penaltys” do futebol ,ou seja, 6 a 5 ou 7 a 6 ,e que os “analistas encartados” fizessem até prognósticos do sentido das decisões , sobretudo nos períodos de férias, em que a composição normal se alterava, havendo até sugestões que esta ou aquela norma deveria ser apreciada em tal altura, porque a “composição” do tribunal “era mais favorável” .
E esta bagunça, ainda por cima repetida, entrou no nacional hábito, com a complacência (pelo menos) dos poderes, com o desleixo cúmplice da imprensa ( tão aguerrida noutras matérias) ,com o alheamento do país e com a sobranceria dos próprios membros do Tribunal .

Nota final: a anterior Assembleia da Republica e respetivo governo pariu tantas leis, tão grosseira e obstinadamente inconstitucionais, que conseguiu o feito ,do Constitucional ter tido decisões de todos a zero, de 11-2, de 10-3, e de se ter erguido à altura do seu estatuto e ter-se reabilitado aos olhos do pais descrente.

Anónimo disse...

Boa noite. Li o JN. Fiquei esclarecido sobre este assunto do juiz. António Cabral

Netanyahu

Tal como vários dos seus contrapartes já fizeram, seria interessante que Luís Montenegro anunciasse que, se Benjamin Netanyahu puser um pé e...