Os equilíbrios internacionais posteriores à 2ª Guerra mundial não permitiram que Portugal, sob ditadura, integrasse a organização desde o seu início. Curiosamente, isso não se iria aplicar à entrada portuguesa para a NATO, onde o “mundo livre”, pelos vistos, não teve reticências em incluir Portugal como país fundador.
O Estado Novo desconfiava do multilateralismo e tinha boas razões para isso. O tempo subsequente à admissão de Portugal na ONU, que ocorreu apenas em 1955, acabou por se revelar penoso para a nossa diplomacia. Neste caso, já menos pelas credenciais democráticas do regime e, muito mais, pela sua recusa em aceitar o direito de autodeterminação do “ultramar”, como Portugal passara a chamar às suas colónias. Num tempo em que a onda descolonizadora, pós Conferência de Bandung, estava na ordem do dia, a subsistência de um Estado que, com falsa ingenuidade, falava “do Minho a Timor”, surgia como um imenso anacronismo.
E aqui, perdoe-se-me o corporativismo, a diplomacia portuguesa esteve à altura daquilo que lhe foi pedido. Com escassos meios e lutando contra um mundo adverso, os diplomatas portugueses fizeram o seu melhor, com enorme competência. Pode parecer estranho que eu destaque aqui a figura de Franco Nogueira, mas a verdade é que, titulando ele uma política errada, o modo capaz como a soube desenhar e implementar, mobilizando a nossa pequena máquina oficial, configura um modelo profissional notável – embora eu saiba que muitos leitores não perceberão que eu escreva isto.
Isolada e acossada nas agências especializadas da ONU, a ditadura portuguesa ia tentando sobreviver num mundo onusino que, crescentemente, lhe era hostil. À diplomacia, repito, competia atrasar o inevitável. E fê-lo tão bem quanto soube e pôde.
O inevitável aconteceu num certo dia de abril de 1974. De um momento para o outro, de “pária”, Portugal passou a “enfant chéri” das Nações Unidas. A boa vontade face ao nosso país apenas ficou condicionada pela indefinição que se vivia em Portugal.
Spínola enviou Veiga Simão para Nova Iorque, para tentar fazer a “ponte” entre a face aceitável do “marcelismo” e a onda democrática e proto-descolonizadora que se vivia em Lisboa. O sucesso da iniciativa foi escasso. José Manuel Galvão Teles, segundo representante democrático português na ONU, titulou depois um Portugal ainda em convulsão.
Só a normalização política no final dos anos 70 permitiu a Portugal aproveitar em pleno a “montra” que a ONU proporcionava.
Progressivamente, e a partir daí, o nosso país foi-se destacando em várias áreas do universo nas Nações Unidas, através de qualificados técnicos e diplomatas. Assumindo o risco da injustiça por defeito, mas apenas a título de exemplo em áreas especializadas, deixo aqui a referência a nomes como Marta Santos Paes, Paula Escarameia e Catarina Albuquerque, como personalidades que, mais recentemente, ajudaram a firmar o compromisso de Portugal com setores importantes da ONU.
Em 1979/80, o nosso país seria finalmente eleito para um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança, sob a liderança do embaixador Futscher Pereira. Poucos saberão que, em 1960, ainda antes das guerras colonias, Portugal ensaiara uma tentativa frustrada no mesmo sentido.
Todas as prestações no CSNU foram sempre altamente prestigiantes para a imagem de Portugal, nomeadamente em 1997/98, com o embaixador António Monteiro e, em 2011/12, com o embaixador Moraes Cabral.
Pelo meio, ficou ainda o feito diplomático de ter conseguido eleger Freitas do Amaral para a presidência da Assembleia Geral, uma posição que, não obstante o seu caráter não executivo, tem forte significado. E, “last but not least”, é de justiça destacar as notáveis prestações das nossas Forças Armadas e policiais em operações de paz da ONU.
Portugal tem hoje a imagem justa de um “honest broker” no mundo da ONU. É essa imagem que seria agora importante reforçar com a eleição de António Guterres para secretário-geral da organização.
(Artigo hoje publicado no "Diário de Notícias")
3 comentários:
A ONU e Portugal tiveram também alguma intervenção na independência de Timor, que talvez não tenha sido a menos importante ligação entre os dois países, que com muito poucos outros ocorreu. E a diplomacia portuguesa, dos ministros ao menos qualificado secretário de embaixada não se mostrou inferior a do Estado Novo, numa causa talvez mais merecedora.
Fernando Neves
Seria muito útil serem publicados aqueles discursos que os embaixadores portugueses do Estado Novo atiravam à cara daquelas maiorias não alinhadas, e dos próprios europeus, na ONU durante a Guerra do Ultramar, em que Portugal, mensalmente era chamado à pedra.
Discursos que ninguém queria ouvir e deixavam o português a falar sozinho.
A Europa colonial já tinha abandonado Àfrica à exploração mundial, Portugal não, ia contra os «ventos da história»
Olha o que «os ventos» fizeram, trazem o resultado através do Mediterrâneo...a nado e através do arame farpado de Ceuta e Melila.
Lembro-me, devia eu ter no máximo 10 anos de idade, de uma discursata de Salazar na Assembleia Nacional em que este foi frequentemente interrompido por alguém na galeria que gritava: "abaixo os canalhas da ONU" (com u acentuado)... O presidente da Assembleia, suponho que era Albino dos Reis, ameaçou mandar evacuar a galeria. Mas não o chegou a fazer.
atenciosamente
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