Era no tempo em que, no palácio das Necessidades, ainda havia ocasião para longas conversas (mas podia passar-se hoje...). Um jovem diplomata, em diálogo com um colega mais velho, revelava o seu inconformismo. A situação económica do país era complexa, os índices nacionais de crescimento e bem-estar, se bem que em progressão, revelavam uma distância, ainda significativa, face aos dos nossos parceiros. Olhando retrospetivamente, tudo parecia indicar que uma qualquer "sina" nos condenava a esta permanente "décalage". E, contudo, olhando para o nosso passado, Portugal "partira" bem:
- Francamente, senhor embaixador, devo confessar que não percebo o que correu mal na nossa história. Como é possível que nós, um povo que descende das gerações de portugueses que "deram novos mundos ao mundo", que criaram o Brasil, que viajaram pela África e pela Índia, que foram até ao Japão e a lugares bem longínquos, que deixaram uma língua e traços de cultura que ainda hoje sobrevivem e são lembrados com admiração, como é possível que hoje sejamos o mais pobre país da Europa ocidental.
O embaixador sorriu, benévolo e sábio, ao responder ao seu jovem colaborador:
- Meu caro, você está muito enganado. Nós não descendemos dessa gente aventureira, que teve a audácia e a coragem de partir pelo mundo, nas caravelas, que fez uma obra notável, de rasgo e ambição.
- Não descendemos? - reagiu, perplexo, o jovem diplomata - Então de quem descendemos nós?
- Nós descendemos dos que ficaram por aqui...
18 comentários:
Não é nada o que acho! E acho que essas graças deviam ser tão tabu como as de pretos ou as machistas.
Cultivam o Sentimento.
Cheiram a fado saudosista.
A viagem é agora!
Se não temos velas temos que remar a dobrar!
Hehe!
Na ...
Oh!::::::
Para quê abdicar!...
Naveguemos!
Nos barcos possíveis...
Com os sábios
Nos barcos sensíveis
Com os Magos
Isabel Seixas
Este remate de « Nós descendemos dos que ficaram por aqui » recordou-me aquele rifão que um amigo aqui na emigração tantas vezes me repete a propósito dos políticos em Portugal: “em terra de cegos aquele que tem um olho é rei”
Senhor Embaixador,
Nós descendemos dessa gente aventureira e afoita navegando pelos mares dos oceanos, tenebrosos, das sete partidas do Mundo.
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O que aconteceu foi que depois de tantas aventuras e naufrágios à mistura uma classe de portugueses, da noite para o dia, ficaram ricos enquanto outros com a “maçã dos porcos”.
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Absorvido há anos na era da expansão e de tantos fidalgos criados na Índia, cheguei a uma conclusão que os portugueses não podem ter uma réstia de riqueza. Esbanja-a quando é facilmente ganha.
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Já nessa altura, existiam uns portugueses, pobres honestos, na Índia e um aventurou-se a enviar uma carta a El-Rei Dom Manuel I em que o informava: “seguem por aqui na Índia uns fidalgos “mamões” a roubar a fazenda de El-Rei”.
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Ora isto foi no princípio do auge da expansão portuguesa no Oriente.
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Aqueles fidalgos que partiram de Portugal, sem eira e rendas nos punhos e casacas roçadas pelo uso voltaram oponentes em Goa.
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O dito: “se viste Goa escusas de ir a Lisboa”..
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Os nossos nobres fidalgos em Goa e sob a tão grande riqueza, entregavam-se à ociosidade, porque muitas especiarias e mais o que havia no Oriente, chegava de Malaca.
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Em Goa, os filhos dos fídalgos da índia, entregavam-se a grandes cavalgadas, montando cavalos, ferrados de esporas de prata, nas praças públicas, enquando as donzelas, meladas de amor, davam “ginchinhos” amorosos pelo seu cavaleiro apoiadas nos peitoris das janelas de casas palaciais.
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Somos o que sempre fomos e quem sai aos seus não erra!
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Saudações de Banguecoque
José Martins
Para seu governo, essa história não foi exactamente como você conta. Passou-se, sim, entre o famigerado José Cutileiro (não sei se ainda é vivo) e o João de Deus Pinheiro (aí, no início da década de 90). Este último não só está vivo, como é um vivaço.
Genial!!! Realmente, cada vez mais me convenço, que os portugueses mais brilhantes e que mais sentem Portugal vivem fora do país.
Senhor Embaixador que visão curiosa teve o sábio diplomata!
Claro que os que "partiram" também foram fabricados pelos que "ficaram". Este ponto de vista deve sossegar Zamotanaiv ( Viana Tomaz, ou Tomaz Viana era mais fácil de escrever!):))
é uma possibilidade para explicar o nosso atraso ou desfazamento, a nossa fraqueza estrutural. Eu aponto outras, em que tenho pensado e que, ao longo da história, poderiam tambem explicar as nossas debilidades:
1. a expansão maritima por um pais que não tinha capacidade para aguentar um império (bastava-nos o brasil). só com isso ficámos meio esaustos (exaustos?)
2. a inquisição, que durante 2 séculos estrangulou portugal intelectual, culturalmente, religiosamente, cientificamente. Foi uma autentica fuga de cerebros que se deu por causa dela
3. a caotica 1a republica associada ao estado novo, com tudo o que trouxe de desorganização e depois de isolamento, travão à instrução, falta de vontade em desenvolver, instruir, industrializar
4. já depois do 25A o interregno por causa das nacionalizações de bancos e importantes grupos industriais, tambem da agricultura. Foram 10 anos de retrocesso economico e tudo se teve de refazer com as privatizações.
É importante que nas necessidades se voltem a debater estes assuntos.
"Nós descendemos dos que ficaram por aqui".
Esta é uma síntese perfeita para separar o trigo do joio.
Os portugueses só são semelhantes quando os ouvimos falar a mesma língua. Nos comportamentos são muito diferentes. Nem é preciso falar do Sul e do Norte para ilustrar o que digo.
Na mesma aldeia, há gente de espírito aberto, e gente que vive e existe a fazer marcha atrás.
Muito gostaria eu que houvesse ainda portugueses capazes de dar um novo mundo a este mundo!
A resposta do "velho" embaixador é naturalmente previsivel:)...
Muito bem!
A ultima réplica nao é muito simpatica : (
Cara Helena,
claro, e mesmo muitos dos que partiram também voltaram ou terão cá deixado descendência.
Já conhecia a história e se calhar comentei com alguma deselegancia.
Foi o que me saiu.
Mas não mudo de opinião mesmo entendendo a ironia do sábio diplomata.
Tomás Viana
Mil aplausos ao sábio doplomata que provavelmente terá bebido a sua sabedoria na frase atribuida a Júlio Cesar, proferida no Senado, no ano 47 A.C.: - "Há, lá para os confins da Ibéria, um povo que se não governa nem deixa governar..."
Pois só para que conste eu não abdico de ter descendido de ambos...
Viajo cá de chaves até com vossas excelências pela módica quantia de ...€ ao mês telefone incluído...
Ostento-o com orgulho e a presunção de que somos tão Bons como...Talvez menos lamechas e mais a mais não sei, mas também não me interessa muito, vale o que vale.
Isabel Seixas
De qualquer forma não saberia viver sem navegar...
E achei o desabafo do sr. uma declaração de impotência por não poder ir... Expertize eu também manifesto assim o conformismo , a mim não me enganou...Além de que é Homem logo orgulhoso and so on...
A entrada refere o conteudo e a moral duma história que é real, não necessita de identificar os actores.
Gosto mais assim, como foi publicada, sem revelar quem foram, ao contrário do comentario.
Mas então o comentário ficou pelo meio, podia ter ido até ao fim - qual dos 2 disse isto e qual respondeu aquilo?
José cutileiro está activo e publica artigos de opinião no expresso que às vezes leio.
Caro Ernesto: Sem pôr em causa a titularidade do comentário, devo dizer-lhe que conheço a história como a contei. Aliás, é indiferente, para o que importa.
E eu conheço uma versão ligeiramente diferente que não sei se é verdadeira: perante o verdadeiro desaforo de um brasileiro sobre as culpas coloniais dos portugueses, Adriano Moreira terá respondido públicamente: mas quem descende deles são os senhores, não nós.
João Vieira
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