terça-feira, julho 05, 2016

O aperto

Pareciam árbitros num jogo de ténis de mesa, observando a coreografia dos atletas, oscilando a mirada.

De um lado, o presidente da República, no braseiro da tarde transmontana, sem pingo visível de suor, dedicava-se, "comme d'habitude", à orgia das "selfies", a caminho dos caixilhos nas salas de estar.

Do outro, José Sócrates, surgido "out of the blue", mantinha-se a pouco mais de cinco metros, olhar esfíngico, no meio da multidão. 

Eles, os jornalistas, povo em Bics, olhavam, à vez, ora para um, ora para outro, pingpongueando a atenção, não fosse perderem algum esgar, alguma nota fisionómica de reportagem.

A distância entre os dois mantinha-se. As câmaras das tv rodavam, os microfones, feitos miragem de cornetos da Olá, naqueles 35 graus, orientavam-se, expectantes.

No túnel do Marão, António Costa trocara-lhes as voltas e eles, furibundos, haviam sido iludidos, sem imagem do encontro com Sócrates. Agora, era impossível. A geringonça escapara? Belém não se safaria do confronto.

Eles ali estavam, Marcelo e Sócrates, "à mão de semear", condenados a encontrarem-se fisicamente, a saudarem-se, mais minuto menos minuto. A foto, a imagem, a nota de reportagem que faltava. Que iriam dizer um ao outro? Trariam frases estudadas? Como sairia Costa da troca de palavras? E Passos Coelho? Falariam das sanções europeias? Ou da justiça?

A ocasião era a inauguração dessa bela peça arquitetónica que é o Centro Miguel Torga, de Souto Moura. Ele, o arquiteto, por ali andava, mas o que é que isso agora interessava, como diria Teresa Guilherme? A filha de Torga também estava presente? O que é que representava esse mero pormenor filial, ao pé da expetativa de um cumprimento, seguramente embaraçado, entre o recém presidente e o primeiro-ministro de há quase um quinquénio? 

A certo passo, a ocasião começou a acontecer! Ainda um pouco antes de "las cinco de la tarde", a "praça" suspendeu-se, abriram-se as alas, o caminho entre ambos começou a encurtar-se, a História fazia-se, num quase silêncio de instante épico. Seria o "doctor Livingstone, I presume?", o Salgueiro Maia, no Arsenal, a enfrentar o brigadeiro patético do século XIX, Clay a cruzar a mão de Frazier antes do decisivo "uppercut". Como iria de facto ser? Ronaldo recusaria a camisola ao islandês desconhecido ("who are you?")? 

Em instantes, Marcelo e Sócrates ao pé um do outro, saudaram-se, trocaram obviedades e lugares-comuns, felizmente dissecados, com rigor de Pulitzer, por exegetas da comunicação. 

Um simples "fait-divers"? Essa agora! Foi a História (com H grande). Claro que ali faltaram Rui Ramos, Fátima Bonifácio, Hermano Saraiva, Damião Peres, Herculano, Fernão Lopes. Nenhum deles estava, mas estava o Correio da Manhã, que dá uma abada de tiragem aos Annales.  

Ah! E houve o aperto. De mão.

12 comentários:

Anónimo disse...

E os Viticultores? E o Douro? Baaah! O quê que isso interessa? Estes Faits divers é que têm interesse na imprensa! Depois há pressões de lobis... Bem é melhor estar quieto e calado...
É o Presidente de todos os portugueses? Dos Viticultores do Douro não parece! Pugna por conservar um Bem nacional e a sua genuinidade? Não parece!
Continua a triste sina!

O Duriense

Anónimo disse...

Um aperto de mao entre um presidente que se quer e espera honesto e um primeiro-ministro sujo e corrupto.

o Merceeiro disse...

há coisas que me chateiam como o caneco e uma delas é nunca mais se resolverem a me explicarem - de facto - o que é que o eng. Pinto de Sousa fez. e uma coisa eu juro por minha honra - e juro que ainda a tenho - , não gramo o homem nem a cacete. mas !!!

ignatz disse...

"Um aperto de mao entre um presidente que se quer e espera honesto e um primeiro-ministro sujo e corrupto."

isto é uma afirmação grave que necessita de ser comprovada, mas aparentemente não incomoda o zelota embaixador. experimenta dizer o mesmo do portas e vais ver o que te acontece.

Anónimo disse...

O Marcelo já deu a condecoração ao Sócrates? Cavaleiro de qualquer coisa nem que seja uma vassoura. Cavaleiro offshórico...

Francisco Seixas da Costa disse...

O ignatz não percebe que é o "país real", de que ele também faz parte, que por aqui se deixa publicar.

A Nossa Travessa disse...

Chicamigo

Para mim este e um dos MELHORES textos da Língua Portuguesa - e do Bom Senso.

Abç do Leãozão muito honrado por seres meu Amigo

CORREIA DA SILVA disse...

Na "casa da rata" o ignatz não tem acesso a internet.
Logo, sempre que o oficial Bull Pupp o liberta, surge por aqui, para "roer" o post.




Correia da Silva disse...

Ele, o arquiteto(Souto de Moura), por ali andava...

Caro Francisco Seixas da Costa:

Falha técnica ?
-é que não vislumbro as aspas, (FSC é sempre um "mãos largas" ) na aplicação das..... aspas!

Não será : "por ali andava"

Cordiais cumprimentos.







ignatz disse...

yeah offissa correia, another brick in the wall.

Anónimo disse...



"Tenho a impressão de que certas pessoas, se soubessem exactamente o que são e o que valem na verdade, endoideciam.

De que, se no intervalo da embófia e da importância pudessem descer ao fundo do poço e ver a pobreza franciscana que lá vai, pediam a Deus que as metesse pela terra dentro.”

Miguel Torga

Isabel Seixas disse...

Dá que pensar...

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...