Almocei hoje no Círculo Eça de Queiroz. É um clube privado de que sou sócio, criado nos anos 40 do século passado, num local discreto, sem o menor sinal no exterior. O Círculo é seguramente menos conservador do que são o Tauromáquico, o Turf ou o Pé Leve. Mas é um pouco menos “aberto” do que o Grémio Literário.
Este pequeno universo de clubes privados, a que só se acede convidado por sócios e se é membro por “patrocínio” de associados com muitos anos “de casa”, podendo a admissão demorar meses ou mesmo anos, situa-se num espaço geográfico limitado, em torno do Chiado.
Todas as capitais e grandes cidades do mundo têm clubes desta natureza, sendo Londres aquela em que se encontram exemplos mais históricos. Mas o Porto também tem, no Portuense, um dos mais exclusivos clubes do país.
Por ali se almoça, por ali se conversa ou toma uma bebida ou um chá, por ali se leem jornais ou revistas. Ali se fazem almoços de trabalho.
O Círculo organiza conferências e palestras, às vezes bem interessantes. A memória do patrono, Eça de Queiroz, está um pouco por toda a parte, desde logo no desenho das portas, com o 202 em metal no puxador, a lembrar o mítico número da porta do Jacinto, a personagem principal de “A Cidade e as Serras”, na sua casa nos Campos Elísios, em Paris. Ah! O Círculo admite senhoras, prática que, diga-se, não é generalizada...
Vou tentar dizer isto de uma forma elegante: o ambiente maioritário no seio dos membros é fortemente conservador, havendo sócios que ainda integraram governos de Salazar e alguns outros que, se calhar, continuam a sentir a falta dele... Nas novas gerações, predominam claramente pessoas que têm opções políticas de direita. Há já uns tempos, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez uma intervenção num jantar coletivo no Círculo. A certo momento, passou por uma mesa onde eu estava e disse: “Ah! Era você! A mim bem me parecia que, desde lado da sala, soprava um vento de esquerda...”
Para agravar ainda mais a impressão de “horror” que alguns leitores estarão já a ter de um local que não conhecem, vou contar a experiência que foi a primeira ida da minha mulher ao Círculo, já lá vão muitos anos.
Estávamos sentados a fazer horas para o almoço. Num canto de sofás da sala principal, um grupo de cavalheiros ia-se formando, seguramente tendo combinado para aquele dia uma refeição conjunta. Eram todos bastante idosos e eu conhecia de vista algumas daquelas caras. A certo passo, entrou na sala, dirigindo-se ao grupo, mais um conviva, da mesma faixa etária. De um dos sofás, ouviu-se então: “Olha lá! Ainda bem que chegaste! Estávamos aqui numa dúvida: em que ano é que entraste para a Legião?”. Estavam a falar da Legião Portuguesa, a mais fascista das instituições da ditadura salazarista. A minha mulher ouviu, olhou para mim e perguntou-me: “Não seria melhor irmos almoçar a outro sítio?”. Convenci-a a ficar.
Como disse, almocei hoje no Círculo. Duas horas bem passadas num local simpático, sereno, já bastante aberto a um mundo bem distante daquele em que foi criado. Ah! Mas a gravata é, claro, exigida aos homens que o frequentem. Mas, se alguém se esquecer, na portaria há muitas para empréstimo...
(Já estou a imaginar a interrogação de alguns leitores: mas que graça acha este tipo a pertencer a coisas destas?)