quinta-feira, janeiro 28, 2010

Camões

Ao final da tarde de ontem, o centro cultural Gulbenkian proporcionou-nos uma conferência de António Coimbra Martins sobre temática literária, ligada a Lorenzo di Medici e a Luiz de Camões.

Intelectual e académico, António Coimbra Martins viveu grande parte da sua vida em França, onde teve ação destacada nas fileiras da oposição à ditadura portuguesa. A partir de 1965, criou e dirigiu a biblioteca do centro cultural Calouste Gulbenkian - a maior e mais importante existente fora de Portugal, depois da biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro. Dirigiu, depois, o próprio centro cultural Gulbenkian (1997-98). Anos antes, havia exercido funções como embaixador português em França (1974-79) e, mais tarde, como ministro da Cultura em Portugal (1983-85).

Ontem, ouvimo-lo, no "seu" centro Gulbenkian, enquanto académico, especular de forma brilhante sobre curiosas coincidências entre aspetos de obras de Médici e de Camões. A quem não é do "ramo", fez imensamente bem ouvir argumentos inteligentes situados em temáticas distantes do nosso quotidiano.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Conselho de Segurança

Este é um post longo. Como diria alguém, não tenho tempo para ser sintético.

Portugal é candidato a um novo mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, no biénio 2011/2012.  No passado, exercemos por duas vezes essas funções, sempre com grande eficácia.

Há dias, um amigo perguntava-me por que razão Portugal queria obter, de novo, essa posição, numa eleição que implica gastos e uma mobilização diplomática intensa. A resposta é, de certo modo, simples.

Portugal é um país com uma história e com uma imagem bem firmadas no mundo. Somos um Estado europeu de média dimensão que sempre deu mostras de um forte empenhamento no quadro das relações externas da União, para a definição do qual muito temos contribuído desde a nossa adesão, por vezes numa escala bem superior à de parceiros com um perfil similar.

Estamos no centro de uma Comunidade línguística em crescente projeção internacional, que se forjou por laços culturais e afetivos e que foi ajudada pelo cimento da pertinácia comum em torno da luta pelos direitos de Timor-Leste.

Temos hoje um quadro muito coerente de relações externas, fruto de uma ação séria no seio da comunidade internacional, que nos reconhece como uma entidade dialogante, moderadora, que age na base de princípios e que respeita, em prioridade, a preeminência da ordem multilateral.

Soubemos ultrapassar os tempos traumáticos da conflitualidade colonial e, desde a reimplantação da democracia, somos um dos mais comprometidos parceiros com o mundo africano, tendo sido responsáveis pela iniciativa de duas cimeiras União Europeia-África, momentos únicos na paciente construção de um diálogo institucionalizado entre os dois continentes. Temos sido, além disso, na União Europeia e fora dela, dos mais dedicados promotores de políticas de ajuda ao desenvolvimento e da reflexão sobre os modelos de como elas devem evoluir.

Somos um país exemplar em processos de integração de comunidades estrangeiras, respeito pelas minorias e combate às formas de exploração humana, conduzindo, no quadro da União Europeia e em outras estruturas multilaterais, uma ativa política nesse domínio, fundada em valores humanistas e de solidariedade à escala global. Essa posição, deriva muito do facto de termos vindo a aculturar, após séculos da nossa própria diáspora, atitudes de relação humana e de respeito pela diferença que são hoje uma componente essencial da nossa matriz identitária.

Não sendo, geograficamente, um país mediterrânico, somos considerados pelos nossos parceiros do Magrebe como um dos Estados europeus que melhor entende as questões desse espaço, do mundo árabe e dos desafios de desenvolvimento e segurança que atravessam toda essa região. No Médio Oriente, a nossa voz é reconhecida como sempre tendo mantido uma grande coerência no tocante à procura de soluções de justiça que, simultaneamente, compatibilizem os direitos do povo palestino e a prestação de garantias a um Estado israelita com fronteiras fixadas à luz das determinantes do Direito internacional.

Na América Latina, para além da muito especial relação com o Brasil, temos um excelente entendimento com todos os países de língua espanhola, fruto de laços antigos e de novas solidariedades, muitas das quais firmadas no quadro íbero-americano e na atenção que sempre demos à promoção dos seus interesses dentro da União Europeia.

Portugal é um país respeitado no seio da Aliança Atlântica, mantendo com os Estados Unidos, o parceiro mais importante nesse contexto, um constante e amigável diálogo. Olhamos para o laço transatlântico como um elemento axial do quadro de segurança em que estamos inseridos. A perspectiva que Portugal tem alimentado vai também no sentido de considerar que uma relação eficaz entre os Estados Unidos e a Europa é uma condição indispensável para a promoção, com sucesso, de alguns dos valores que entendemos dever proteger na ordem internacional. As derivas conjunturais ocorridas do outro lado do Atlântico, a que se somaram patéticos seguidismos pontuais assumidas nesta banda, devem ser levadas à conta de meros interlúdios, projetados num quadro que continuamos a ler como estruturante para a preservação dos nossos interesses estratégicos.

As grandes questões relacionadas com a segurança internacional, nomeadamente nos cenários de tensão pós-11 de setembro, têm, aliás, encontrado em Portugal um parceiro interessado e interveniente. Estamos presentes no esforço para a estabilização do Afeganistão, terreno de operações considerado fundamental para evitar uma catastrófica desregulação da região, com consequente aumento dos riscos de proliferação nuclear e propagação do terrorismo - flagelo a que temos dado a maior atenção nos diversos quadros em que é combatido. Ainda na área da segurança, estamos a preparar a cimeira da Nato, que este ano terá lugar em Lisboa, a qual terá no centro da sua agenda a definição do seu novo conceito estratégico, reformulação essencial para a imperiosa "recriação" da organização, à luz das novas ameaças e das novas áreas geopolíticas de actuação.

A imagem de Portugal na Ásia, fixada por uma memória histórica muito positiva, é a de um país cujo passado por lá deixou marcas iniludíveis, nas culturas como nas línguas, como saldo de uma excepcional capacidade de relacionamento humano. Soubémos gerir uma eficaz transição em Macau, num exemplar diálogo com a China. Contrariamente ao que muitos esperariam, a nossa coerência na questão timorense garantiu-nos um respeito acrescido na Ásia e em Estados da Oceania, que apreciaram a sabedoria com que retomámos uma construtiva e descomplexada relação com a Indonésia.

Voltando à Europa, é interessante notar que Portugal teve, desde muito cedo, o mérito de perceber que a abertura do projeto comunitário a novos parceiros era uma exigência, não apenas estratégica mas igualmente ética. A nossa inabalada coerência de atitude face ao conjunto de interesses dos novos Estados membros, do seu desenvolvimento à sua segurança, dá-nos hoje um crédito de reconhecimento que igualmente os ajuda a entender a nossa determinação no aprofundamento do diálogo com a Rússia, bem como o nosso empenhamento na resolução de conflitos e na superação de tensões na importante área de vizinhança da União Europeia a leste, tal como na descoberta de fórmulas mais inclusivas na cooperação com o restante mundo euroasiático.

Portugal trabalha nas instituições multilaterais com "as cartas" sobre a mesa, sem jogos de bastidores, com uma agenda de preocupações que assenta na busca de soluções dialogadas, numa lógica de comportamento que sempre tentamos que seja partilhada pelos nossos parceiros e aliados, situados nos diversos contextos multilaterais ou multinacionais onde nos inserimos e atuamos. Tentamos ser sempre uma voz moderada, que procura até ao limite conseguir soluções fruto do diálogo e do consenso, sem prejuízo do cumprimento das normas internacionais e do corpo de princípios a que aderimos. Sem fundamentalismos  nem ilusões, seguimos uma linha que tenta ser coerente nos processos de promoção da democracia, dos direitos humanos e dos valores do Estado de direito. Estamos também crescentemente atentos às temáticas do ambiente e do desenvolvimento sustentável, onde damos, dia-a-dia, um testemunho próprio de envolvimento no uso intensivo das energias alternativas.

Não será também por acaso que nomes portugueses assumem hoje lugares cimeiros no diálogo entre civilizações, nas instituições europeias ou na protecção dos direitos dos refugiados. Para além das razões de natureza pessoal que os recomendaram, não há a menor dúvida que isso decorre também do facto de beneficiarem da imagem projetada pelo país de onde são originários, onde antes apareceram no exercício de outras funções.

Ao longo dos últimos anos, com a nossa intervenção em processos de manutenção de paz - de Moçambique aos Balcãs, de Timor ao Líbano, entre outros cenários de instabilidade -, mostrámos que não éramos apenas produtores de retórica, tendo muitas vezes assumido um perfil de participação superior àquilo de alguns podiam esperar do nosso estatuto e dimensão económica. As Forças Armadas portuguesas têm-se constituído, pela capacidade e equilíbrio revelados na sua acção em cenários externos de tensão, como uma magnífica e moderna imagem do nosso país.

É a globalidade dessa experiência, a que se soma a continuada vontade de darmos a nossa contribuição para a paz e segurança internacionais, que nos leva a querer estar, por direito próprio, no órgão mais operacional da ONU, uma instituição em cujo futuro acreditamos e cujo papel central na regulação dos conflitos continuamos a defender. Somos intransigentemente a favor do princípio da rotação dos Estados que não têm um estatuto permanente no Conselho de Segurança, pelo que somos fortemente contra uma espécie de subliminar  "usucapião", através do qual alguns procuram ser mais iguais que os outros... Temos também defendido a urgente necessidade de uma reforma do Conselho, que lhe reforce a democraticidade e representatividade, através de uma abertura a novos membros permanentes provenientes da África, Ásia, América Latina e Europa.

Aqueles que, em Portugal, colocam reticências a este esforço de sustentação do nosso prestígio devem pensar que ser português é também ser o herdeiro desta vocação tradicional de afirmação externa, num tempo em que já não queremos estar "orgulhosamente sós". A imagem de Portugal, a promoção dos nossos legítimos interesses, a abertura de espaços de diálogos de toda a natureza, tudo isso passa pela visibilidade e pelo prestígio que uma presença no Conselho de Segurança proporciona. Não perceber isto, assumir atitudes de autolimitação economicista primária, é ajudar a condenar o nosso país a um destino de irrelevância. Uma irrelevância que, de facto. parece ser o sonho de alguns profetas da desgraça que por aí rondam colunas, blogues e debates televisivos.

Alguns poderão interrogar-se sobre a natureza deste longo post. Quem me conhece sabe que ele não é um mero exercício de retórica, nem representa nenhum "recado" oficioso que me tenham "encomendado". É, muito simplesmente, aquilo que eu penso.

Embaixada aberta


A Embaixada de Portugal em Paris rejuvenesceu.

Hoje, um grupo de crianças do ensino primário de português da secção internacional de Chaville, acompanhado de professores, veio cá cantar as Janeiras.

Almoçaram, viram e comentaram um filme sobre Portugal e foi organizada uma representação teatral inspirada no quadro existente na Embaixada, que simboliza a partida, de Lisboa para Inglaterra, de Catarina de Bragança.

Um belo dia!

Europa (2)

Há pouco mais de uma década, no exercício de outras funções, declarei publicamente que o Governo português de então se não revia na perspetiva de uma Europa federal. Essa declaração não fora feita de ânimo leve: refletia uma orientação definida por quem tinha então autoridade política para o fazer e, com ela, queria marcar o sentido das nossas propostas para a revisão do tratado da União Europeia, que estava em curso.

Essa minha tomada de posição valeu-me ser zurzido então por alguma imprensa, que destacou o que considerou ser a nossa falta de "ambição" (palavra que, no jargão europeu, é sinónimo de entusiasmo pelas ideias federalistas) e ter colado Portugal a uma perspectiva "recuada" do projeto europeu.

Perante essa forte reação mediática às minhas palavras, um político português, com responsabilidades superiores às que eu então titulava, disse-me para eu me não preocupar muito e desenvolveu uma irónica teoria: alguns desiludidos com o fim dos "amanhãs que cantam" tinham acabado por encontrar no federalismo europeu um corpo doutrinário de substituição para o internacionalismo proletário, que no passado defendiam...

Lembrei-me ontem dessa leitura das coisas quando, à saída da conferência de Hubert Védrine, de onde transpareceu uma imagem algo desencantada do projeto europeu, alguém lançou, também com uma grande ironia e muita graça: "Tiraram-nos o socialismo, agora tiram-nos a Europa..."

Europa

O Tratado de Lisboa foi o pretexto, mas Hubert Védrine foi muito para além disso na excelente conferência que, ontem ao final da tarde, fez no centro cultural Gulbenkian, aqui em Paris.

Apresentado por Teresa Gouveia, que deu uma bela lição de como se deve fazer a introdução de um conferencista, o antigo MNE francês terá surpreendido pela franca lucidez do seu raciocínio, na abordagem da situação internacional, em geral, e da Europa, em particular.

Hubert Védrine atacou alguns mitos fundacionais da unidade europeia, revelou alguns dos logros em que o pensamento dominante no continente se deixou enredar por décadas e foi de um realismo muito frio quanto às possibilidades da Europa se afirmar como potência no cenário mundial. Por isso, e uma vez mais, volto a recomendar o seu mais recente livro, de que já falei aqui.

Haiti


O Haiti é um Estado que ocupa apenas parte da ilha Hispaniola, a qual abriga, mais a ocidente, um outro país, a República Dominicana.

O Haiti já era, antes do terramoto, muito mais pobre que a República Dominicana, da qual ninguém ouve agora falar e que não sofreu quaisquer efeitos do sismo que destruiu o seu vizinho.

Este post serve apenas para notar este singular contraste.

terça-feira, janeiro 26, 2010

A sombra

Quem eu fui há vinte anos
veio hoje tomar-me do braço e perguntou:
o que fizeste de mim?

Respondi-lhe: fiz tudo quanto deixaste
que eu pudesse fazer.

A sombra sorriu de troça.
E desapareceu.

(Ainda preciso de desculpas
para tudo o que não fiz). 

Luis Filipe Castro Mendes

Poema, com contribuição de memória parisiense, no excelente Tim Tim no Tibet

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Lusos


Devíamos ter desconfiado. Por aquele preço, uma viagem Oslo-Paris e volta, com uma semana de hotel, não podia augurar grande coisa. E a prova aí estava: o Hotel des Messageries, na rue des Messageries, a que acabáramos de chegar, num autocarro ido do longínquo aeroporto de Beauvais, onde o charter pousara, era absolutamente infrequentável, mesmo que só por uma noite.

O bando de noruegueses que nos acompanhava parecia de tal modo deslumbrado com a cidade que nem notava a flagrante falta de qualidade do soit-disant hotel. A julgar pelos caixotes cheios de garrafas vazias que enchiam a portaria, despojos do grupo anterior que regressara a Oslo no nosso avião, a semana nórdica em Paris iria ter uma predominante componente etílica.

Por isso, o problema era apenas nosso. Colocámos a questão ao guia norueguês, solicitando-lhe ajuda para encontrar um alojamento alternativo, naturalmente pagando algum diferencial de preço. Acomodada que foi a excursão "viking", conduziu-nos, alguns quarteirões adiante, a um outro hotel. Tinha muito melhor aspeto, vi que aceitavam "American Express", o que me pareceu ser, desde logo, um bom sinal.

Mas a desilusão foi imediata: estavam completamente cheios. O cavalheiro da recepção foi seco e peremptório. Explicou-nos que havia clientes em espera, para a improvável hipótese de vir a surgir uma vaga. Depois de alguma insistência, o guia norueguês, simpático e prestável, confessou-se impotente para, nessa manhã de domingo, resolver o nosso problema. Talvez segunda-feira se conseguisse algo...

Lembrei-me de tentar, eu próprio, obter uma vaga em algum dos hotéis parisienses que conhecia. E pedi ao recepcionista se podia guardar a nossa mala, apenas por umas horas. Deu-me um recibo e tomou nota do meu nome. Ao ouvi-lo, perguntou: "Vous êtes portugais, par hasard?".

Quando disse que sim, a cara do homem, até então seca e formal, abriu-se num sorriso. E o nosso excelente senhor Correia, de Balsemão, perto de Lamego, sossegou-nos: "Sr. Costa, vou-lhe dar o quarto 322. Tem pouca vista, mas é o que se pode arranjar".

O curto diálogo teve lugar perante a incomprensão do guia, que passou de perplexo a quase ofendido, quando viu a chave de um quarto na minha mão. Tentou "tirar satisfações" ao recepcionista: então, perante a anterior démarche dele, não havia nenhum quarto e agora, depois de um minuto de conversa numa língua bizarra, o quarto já aparecia?! Expliquei, como pude, que aquela fora uma solução que emergira de uma vetusta solidariedade lusitana, quiçá incompreensível à luz da righteousness nórdica.

Durante essa semana em Paris, o senhor Correia, que "fazia" os domingos e as noites, passou a aguardar-nos para uma charla no hall do hotel.

Há uns tempos, num fim de semana, passámos pela área. O Hotel des Messageries desapareceu, o que muito terá "debilitado" o património de apoio turístico em Paris... Mas ainda não conseguimos descortinar o hotel onde o senhor Correia nos arranjou o miraculoso quarto.

Como esta história se passou há precisamente 30 anos, presumo que o senhor Correia tenha regressado a Balsemão, onde lhe desejo uma ótima e merecida reforma.

Jorge Molder


Esta é uma ocasião única que a Fundação Gulbenkian nos oferece para apreciar um vasto conjunto de obras fotográficas de Jorge Molder. A exposição foi há pouco inaugurada no seu Centro Cultural em Paris, com a presença do autor.

São três tempos diferentes e complementares do trabalho do artista que nos são apresentados, o mais recente dos quais é a sua colorida "interpretação dos sonhos" - em letra minúscula,  para não se confundir com a obra homónima de Freud, como ironizou o próprio Molder.

São trabalhos poderosos, com grande intensidade dramática, onde predomina o jogo preto-e-branco a que Molder nos habituou, com magníficas expressões de movimento, algumas "memórias" do cinema e uma sempre muito imaginativa exploração dos espaços. Pelo menos, foi assim que eu vi as coisas.

Uma grande exposição, uma excelente "marca" da cultura portuguesa, que uma vez mais ficamos a dever ao magnífico trabalho que a Gulbenkian faz em Paris.

domingo, janeiro 24, 2010

Exportação


Termina amanhã, perto de Paris, a "Maison & Object," uma das mais importantes feiras profissionais de produtos de mobiliário e decoração, realizadas em todo o mundo. Portugal é o 7º país com mais expositores (acreditem!), tendo aumentado substancialmente a sua presença, face a anos anteriores. A direção da feira, que é conhecida por fazer uma exigente e quase cruel seleção dos candidatos, disse-me estar altamente surpreendida com o crescente nível da oferta portuguesa.

Também a mim me impressionou muito a qualidade dos stands e dos produtos portugueses, bem como a atitude profissional dos empresário presentes. Há um novo ou renovado Portugal industrial que é preciso continuar a ajudar a promover, como hoje o faz a AICEP, em aliança com as associações sectoriais. Até porque esse mesmo Portugal, pelo prestígio externo de que já disfruta, constitui parte da nossa própria nova "cara" no mundo.

Sei que vou em contra-corrente ao vento de tragédia que alimenta algum colunismo luso, mas quero dizer que encontrei por lá, nas cerca de 30 empresas cujos stands visitei, dentre as quase 60 que aqui vieram representar a indústria portuguesa, um espírito de saudável otimismo. Com certeza que não é exemplo que se possa generalizar, mas um dos industriais com quem falei, ao ter-lhe perguntado como via as expectativas de saídas para a crise, disse-me, com o sotaque nortenho da maioria, apenas isto: "Que se fale menos e se trabalhe mais". Apeteceu-me vê-lo no "Prós e Contras".

Obama


Um ano passou sobre a eleição de Barack Obama. As discussões sobre o "saldo" destes primeiros meses provam que o novo presidente americano é uma óbvia vítima da elevada expectativa que criou à sua volta.

Se tivesse sido John Mc'Cain a ganhar, muito provavelmente não estaria a ser "cobrado" como agora acontece com Obama, em quem se concentraram esperanças de cura de todos os males da América. E até do mundo.

Reconheça-se que muitas coisas não correram bem, até agora. Algumas delas relevam da insuperada rigidez do sistema americano, como a reforma da saúde ou o imbróglio sobre Guantánamo, a que acrescem os efeitos da crise económica. Outras derivam de uma situação internacional onde os EUA descobrem os limites para que a sua influência e o seu voluntarismo sejam determinantes, como no caso de Israel, ou que não bastam tropas para ganhar as guerras, como acontece no Iraque ou no Afeganistão. 

A constatação de algum desapontamento neste primeiro ano de mandato do presidente americano, tanto na sua opinião pública como no exterior, não nos deve levar a conclusões apressadas. George W. Bush começou bem alto nas sondagens e acabou como acabou. Obama poderia repetir Mark Twain, dizendo que as notícias sobre a sua morte política são muito exageradas. Por muito que isso contrarie os seus adversários.

sábado, janeiro 23, 2010

Luis de Sousa Rebelo (1923 -2010)

Leio que entrou para o Partido Comunista no ano em que eu nasci. Era um homem sereno, com um sorriso simpático e uma fantástica e viva erudição. Durante muito tempo, foi para mim apenas o nome que, em cada ano, assinava textos sobre Portugal nos volumes de atualização da "Encyclopedia Britannica". Vim depois a inteirar-me da sua excelente carreira académica, com uma cátedra no King's College, onde trabalhou 36 anos. Com também vim a saber, anos mais tarde, através dessa curiosa figura do Portugal londrino que foi António de Figueiredo, que Luis de Sousa Rebelo foi uma das figuras centrais na elaboração do "Portuguese and Anticolonial Bulletin".

Quando vivi em Londres, foi-me um dia apresentado por Bartolomeu Cid dos Santos. A partir daí, passei a encontrá-lo com alguma frequência, muitas vezes na companhia de Hélder Macedo e de Eugénio Lisboa, dois dos seus amigos mais próximos. Habituei-me a admirar a sua palavra doce e a sua ironia fina. Além de umas passagens de ano em casa do Bartolomeu, em Sintra, juntaram-nos também jantaradas anuais da Crabtree Foundation, em Londres. Da última vez que o vi, senti-o já irremediavelmente frágil.

Luis de Sousa Rebelo teve uma carreira académica de grande mérito, como ensaísta, tradutor e crítico literário. Passou grande parte da vida no Reino Unido. Morreu há dias, em Portugal.

e-book


Um amigo brasileiro, diplomata e prolífico escritor da área das relações internacionais, mandou-me um convite para o "lançamento virtual", hoje, de um seu e-book, isto é, um livro em edição eletrónica, que pode ser adquirido aqui. A sessão tem como ponto alto um "chat" com o autor, a ter lugar aqui. Para o convite ser completo, só não fica clara a forma como poderemos ter acessos aos salgadinhos que estas ocasiões sempre proporcionam.

O mundo muda muito...

Distância

 
O suplemento "Weekend" do "Económico", de hoje, traz uma longa entrevista comigo, concedida há mais de um mês - sobre a diplomacia e sobre muitas outras coisas da vida corrente. Vejo no "site" a minha foto lado-a-lado com o popular pugilista leonino Sá Pinto, escolha editorial, no mínimo, curiosa.

Não conseguindo "abrir" o jornal à distância, resta-me aguardar, daqui a dias, a chegada do texto em papel. É uma sensação um pouco estranha: ser responsável por declarações que outros podem ler e de que eu já quase me não lembro...

sexta-feira, janeiro 22, 2010

Condecorações


Ontem, ao final da tarde, procedi à entrega das insígnias da Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique ao Dr. José António Ribeiro Monteiro, uma personalidade portuguesa, residente em Paris, que se destacou na área académica e empresarial e cujo perfil profissional e pessoal foi considerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, como merecedor de destaque e de distinção pelo Estado. Um condecoração merecida e justa, que ressoa o lema histórico do Infante: "talent de bien faire".

Cada vez acho mais importante que este tipo de reconhecimento do Estado português seja feito com grande rigor e com fortes critérios seletivos, a fim de ficar garantido, na memória comum, que o gesto tem significado e não constitui um mero sinal de natureza protocolar. As condecoração são, de certo modo, a forma contemporânea de nobilitação. Devem, por essa razão, corresponder a uma leitura muito ponderada das qualidades daqueles a quem são atribuídas e, muito em especial, da contribuição por eles dada ao prestígio da comunidade que os distingue.

Identidade nacional

O debate sobre a identidade nacional, que o governo francês estimulou nos últimos tempos, tem aqui sido objecto de tomadas de posição muito contrastantes.

Para alguns sectores, tal discussão comporta o risco de derivas no sentido do isolamento de comunidades de origem estrangeira cujas expressões culturais públicas se afastam daquilo que a França tradicional tem por "norma". Nessa perspectiva, as comunidades muçulmanas aparecem como as primeiras visadas e a tentação do apelo a políticas mais restritivas à imigração acabará por ser a resultante final do exercício.

O governo assume uma outra perspectiva. Na sua ideia, é importante tentar identificar aquilo que entretanto mudou na sociedade francesa, permeada por imigrações de várias origens, hoje marcada por expressões sócio-culturais muito diversas oriundas de núcleos de cidadãos nascidos já em França. Essa identificação é feita em paralelo com o sublinhar dos elementos que se entendam relevantes para a fixação de uma matriz identitária, histórico-cultural, colada à especificidade de "ser francês".

Como pano de fundo para esta discussão está a tomada de consciência, para muitos franceses, de que o país onde nasceram era muito diferente daquele em que hoje vivem e que essa mudança foi também produto da presença de estrangeiros e, agora, de novas gerações, já  nascidas francesas, deles originários. O modo como a sociedade francesa olha para este facto varia imenso.

Porque este debate assenta muito na questão da introdução da "diferença", sem o qual não teria razão de ser, acaba naturalmente por ser potencialmente mais agressivo para comunidades com origens sócio-culturais que se afastam do padrão europeu tradicional. Quero com isto dizer que ele não afecta diretamente, por exemplo, a comunidade de origem portuguesa.

Estamos longe do fim desta polémica, mas talvez ela acabe por ter de consagrar uma ideia simples que alguém, há dias, apresentou num debate televisivo: gostem ou não alguns cidadãos franceses desta realidade, as regras da cidadania democrática vão acabar por obrigá-los a aceitar essa coisa comezinha de que é francês quem tenha um bilhete de identidade francês.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Futebóis

Há dias, o "Blogue" de Marcelo Rebelo de Sousa publicado pelo "Sol" (semanário que, aqui a Paris, "llega quando llega"), recordou uma historieta clássica da relação luso-brasileira, que não resisto a registar, com a devida vénia.

Estávamos em Março de 1975, tempo "quente" e revolucionário da política portuguesa, com Vasco Gonçalves como primeiro-ministro de Portugal. No Brasil, a ditadura estava em pleno, com Ernesto Geisel na presidência. Enfim, época forte para os militares de ambos os países, embora de sinal bem contrário. Por isso, um ambiente de alguma tensão nas relações bilaterais, em que cabia ao embaixador português, Futscher Pereira, usar toda a sua conhecida genialidade diplomática para acalmar as hostes locais.

A seleção portuguesa fora convidada para disputar contra o Brasil o jogo inaugural de um estádio, numa cidade não muito distante de Brasília. Embora formalmente "amistoso",  o jogo acabou, a certa altura, por gerar um incidente: um jogador português lesionou-se e foi substituído. Minutos depois, aparentemente por confusão, o mesmo jogador reentrou no jogo. Portugal jogava, assim, com 12... O árbitro apercebeu-se e encetou um longo e ácido "bate-boca" com Pedroto, então treinador português. A nossa equipa começou a ser apupada por todo o estádio e o anedotário lusófobo deve ter sido escasso para alimentar a expressão do desagrado do público local. Pedroto pretendia que a sua equipa abandonasse o terreno de jogo. Marcelo Rebelo de Sousa (à época, membro da direcção da Federação Portuguesa de Futebol, para quem não saiba) e o seleccionador Abílio Rodrigues conseguem evitar o que seria um escândalo. Mas não conseguem evitar que os brasileiros, na ressaca da irritação, cancelem a receção em honra dos representantes da "mãe pátria".

A vida não ia então fácil para as relações luso-brasileiras. Para a história, Portugal perdeu o jogo, o que terá acabado por atenuar o desfecho do incidente.

33 anos depois, também na inauguração de outro estádio, também perto de Brasília, também num jogo amigável, Portugal voltou também a perder - desta vez por uns esmagadores 6-2! O embaixador português era outro, não ameaçámos abandonar o terreno de jogo, não houve incidentes diplomático-protocolares, mas, podem crer!, a noite também não foi fácil para quem então representava Portugal no Brasil. E se, em 1975, jogámos com um dúzia, fiquei com a sensação de que, dessa vez, jogámos apenas com meia-dúzia... É que houve jogadores que não cheguei a "ver" em campo. Valha-nos o facto de, agora, as relações bilaterais serem excelentes.

Hipócrates?


O senhor bastonário da Ordem dos Médicos portuguesa afirmou hoje ser contra a decisão de abertura de mais vagas nos cursos de Medicina e que, se essa tendência se prolongar nos próximos anos, teremos "pessoas a acotovelarem-se nos hospitais".

Não disse qual era a solução alternativa, mas, presumivelmente, ela passaria sempre por um modelo que preservasse a manutenção da capacidade reivindicativa que a actual escassez de médicos dá aos respetivos sindicatos.

O senhor bastonário poderia talvez ouvir as pessoas que penam horas nos serviços de urgência com médicos sobrecarregados de trabalho, as que passam meses à espera de uma consulta especializada ou de uma operação, as que têm de se deslocar muitos quilómetros pela ausência de clínicos nas zonas rurais e periféricas, as que perdem dias nas salas de espera dos consultórios, aguardando que alguns médicos saltitem entre empregos. E poderia perguntar-lhes se essas pessoas acham que há médicos a mais, em Portugal. Mas esses são problemas pelos quais, estou seguro, o senhor bastonário não passa, pois não?

OSCE


O Casaquistão assume, durante 2010, a presidência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

Convirá dar uma ideia do que é a OSCE. Trata-se de uma organização que decorre do processo de "détente" entre o Leste e o Oeste, consagrado, em 1975, pelo Acto Final de Helsínquia. A OSCE teve um papel relevante na estruturação do diálogo que envolveu a então URSS e o mundo ocidental, muito em especial no enquadramento dos processos de regulação dos armamentos convencionais de ambos os lados dessa "trincheira" política. Com o fim da União Soviética e da Guerra Fria, a organização passou a juntar todos os Estados que dela emergiram, a generalidade dos países europeus, bem como os Estados Unidos e o Canadá. Tem hoje 56 países, dos 192 que a ONU comporta.

Com sede em Viena, a OSCE funciona hoje como um barómetro de certas tensões internacionais, quer de ordem militar e de segurança, quer de natureza puramente política - como questões de democracia, Direitos Humanos, protecção de minorias, etc. É uma organização com uma dinâmica muito dependente dos equilíbrios do diálogo russo-americano. O facto de decidir por consenso torna-a refém fácil de quaisquer situações polémicas que ocorram no seu vasto espaço.

Dentro da OSCE foram-se desenhando, ao longo do tempo, dois mundos diversos: o dos Estados "a oeste de Viena" - o ocidente - e o mundo dos países "a leste de Viena". Este último, grosso modo composto pelos Estados resultantes da implosão soviética, e não obstante algumas diferenças mantidas dentro de si, tem uma leitura muitas vezes desconfortável da atitude do primeiro, que interpretam como algo "patronizing" e promotora de "lições" de Democracia e regras básicas do Estado de direito. Acresce que os chamados "frozen conflicts" (Nagorno-Karabach, Transnístria e a situação na Geórgia - com a questão da Ossétia do Sul e da Abcásia) contribuem para alguma crispação do diálogo em Viena.

Até hoje, só Estados do ocidente tinham presidido à organização. A presença do Casaquistão, o mais importante Estado da Ásia Central, à frente da OSCE constituirá, assim, uma "première" e, ao mesmo tempo, um forte desafio à organização, tanto mais que ela tem uma estrutura central relativamente débil, muito dependente da capacidade de liderança das presidências. Soma-se a isso o facto do Casaquistão se propor organizar uma Cimeira dos chefes de Estado e de Governo da OSCE, durante o corrente ano, a qual, a ter lugar, pode assumir um papel decisivo numa reorientação futura da organização.

Portugal presidiu à OSCE em 2002, depois de ter realizado uma sua Cimeira em 1996. Coube-me presidir ao Conselho Permanente da OSCE na fase decisiva da nossa presidência, concluída na reunião ministerial do Porto, em Dezembro desse ano.  Porque vivíamos o tempo posterior ao 11 de Setembro, tentámos colocar o tema do combate ao terrorismo no centro da nossa agenda, por nos parecer que era uma área com condições de federar uma leitura comum ao "oeste" e ao "leste" de Viena. Essa perspetiva prevaleceu e a presidência portuguesa ficou, na história da OSCE, como a última que conseguiu fazer aprovar as suas conclusões por unanimidade.

Em 2004, fui convidado pelas autoridades casaques para, na sua capital, Astana, fazer uma exposição sobre a nossa experiência enquanto presidência, estando já então o Casaquistão a alimentar a sua vontade de vir a assumir tais funções. À época, foi para mim muito interessante detetar o que poderia vir a ser uma agenda de preocupações e intenções dessa futura presidência, que se afastava, em alguns pontos de uma perspectiva mais "ocidental". Veremos, agora, como ela se objetiva.

Portugal é visto, no seio da OSCE, em particular pelos países situados "a leste" de Viena, como um parceiro muito construtivo, dialogante e sempre preparado para ajudar a "construir pontes". Sem nos afastarmos um milímetro dos compromissos assumidos noutros contextos, nunca interpretamos a organização como uma espécie de terreno para a batalha ideológica, mas sim como um espaço privilegiado para o diálogo. É talvez essa a nossa diferença e é com ela que procuraremos ajudar a presidência casaque a ter sucesso.

terça-feira, janeiro 19, 2010

Línguas

O homem era simpático, bem-falante e parecia conhecedor daquilo que o trazia a Nova Iorque. Era um tema muito técnico e o nosso perito parecia, de facto, ser a pessoa adequada para o abordar. A sua intervenção estava prevista para a tarde do dia seguinte e, por essa razão, o embaixador perguntou-lhe se já trazia a sua intervenção preparada. O nosso homem sacou de três folhas da pasta, que entregou ao embaixador. O texto vinha em português. O embaixador inquiriu: "Prefere que façamos a tradução para inglês ou para francês?", línguas em que estava previsto que a leitura fosse feita. A resposta deixou o embaixador sossegado: "Tanto me faz!". Até que, um segundo depois, o nosso perito acrescentou: "Não falo nenhuma das duas..."

É a vida?

O PS não tem pena de não ter sido um seu governo a anunciar o novo aeroporto (não conta, claro, o "anúncio" feito por Pedro Nuno S...