segunda-feira, outubro 26, 2009

Geografia

Numa sessão da Sociedade de Geografia francesa, durante a qual hoje falei dos "desafios" do Portugal contemporâneo, foi-me muito interessante verificar o generalizado fascínio dos respectivos membros pelo belíssimo (e muito pouco conhecido) edifício da nossa própria Sociedade de Geografia (na foto), em Lisboa. E soube bem notar o respeito e prestígio que mantém em França essa grande figura da ciência portuguesa que foi Orlando Ribeiro.

Há um Portugal, talvez ainda não suficientemente conhecido dos portugueses, que muitos estrangeiros já descobriram.

domingo, outubro 25, 2009

Líquidos

Ontem à noite, fui levar casa um amigo que habita na Rue des Eaux, aqui em Paris. A ironia maior é que ao fundo dessa mesma rua fica o Musée du Vin.

Isto fez-me lembrar a frase do José Cardoso Pires, no seu "Lisboa, livro de bordo", quando se referia ao aquífero chafariz que, em Lisboa, existe à porta do bar Procópio: "Um chafariz à porta de um bar é cá uma saudação que enternece o maior malvado".

Nova América

"Só no dia 28 de Junho deste ano é que tomei bem consciência de como as coisas haviam mudado nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina: liguei a televisão e vi que os Estados Unidos estavam a vencer o Brasil em futebol. Nesse mesmo dia, nas Honduras, tinha havido um golpe de Estado e o meu país não tinha nada a ver com isso!".

Este é um comentário, irónico e verídico, feito por um responsável político da administração Obama.

Pedras ainda virtuais

"Vidago e Pedras Salgadas abrem em 2010", titulou na passada semana o "Expresso", com base em declarações da direcção da UNICER. O calendário é "definitivo".

O caso de Vidago não é para aqui chamado, embora só nos possamos felicitar pelo êxito daquela bela estância termal. Mas, por razões que já deixei explicadas, o que nos interessa é o caso da Pedras Salgadas (e os leitores deste blogue atentos a esta "novela" podem visitar os anteriores posts - aqui, aqui, aqui e aqui), uma vila em progressiva decadência, muito em especial devido ao fecho do respectivo parque termal, numa decisão unilateral da UNICER, em aberto incumprimento com o calendário a que se tinha comprometido.

Note-se então no que se diz no artigo do "Expresso", pela pena da jornalista Conceição Antunes, sobre as Pedras Salgadas:

- "Em Pedras Salgadas abriu este mês o Spa termal já renovado, mas só por um período experimental. A abertura oficial está agendada para Maio de 2010, altura em que será anunciado o projecto definitivo para o hotel de Pedras Salgadas, cujas obras irão arrancar em 2011".

- "Há muito que se anunciava a reabertura dos parques de Vidago e das Pedras Salgadas, cujos atrasos têm dado origem a protestos das populações".

- Presidente da UNICER em discurso directo: "Houve atrasos, porque o calendário inicial era impossível de cumprir. Obrigava a fazer a reconstrução dos parques em ano e meio" (Confesso que estranho, mas registo, esta confissão de irresponsabilidade por parte da empresa. Se era impossível de cumprir, por que razão a empresa assinou o contrato?).

- Presidente da UNICER: "Esta administração da UNICER teve de refazer não só o calendário mas toda a orçamentação, e para um investimento muitíssimo superior" (Trata-se de uma acusação pública de incompetência à anterior administração, presidida pelo Engº Ferreira de Oliveira. Teria talvez sido interessante o jornal ouvi-lo a este propósito).

- Presidente da UNICER: "Compreendo a impaciência da população, sobretudo de Pedras Salgadas, que há três anos não pode utilizar o parque termal. E posso garantir que o hotel vai ser uma realidade".

Basta cotejar a primeira nota e estas últimas palavras do presidente da empresa com o que ficou registado em anteriores declarações da UNICER para ter bem claro que muita coisa mudou, no prazo de pouco mais de um mês, no discurso da empresa. Terá isso alguma coisa a ver com a movimentação entretanto feita pela população das Pedras Salgadas? Cada um que tire as conclusões que bem entender.

Já agora, uma nota de apoio cultural ao presidente da UNICER: Vidago é, de facto, um parque romântico, mas não é "ligado ao surrealismo"! Surrealista é a situação que as populações das Pedras Salgadas têm vivido nos últimos anos, graças ao inacreditável comportamento da UNICER. Será talvez esse embaraço a razão do artístico lapso...

Ponderado tudo isto, pode-se concluir que a população das Pedras Salgadas continua a ter no horizonte, por ora, apenas um "hotel virtual", cujas obras a UNICER promete que irão arrancar em 2011 (para terminarem quando?) e cujo projecto definitivo será anunciado em Maio de 2010.

Atento o cadastro de promessas não cumpridas por parte da UNICER, todas as dúvidas sobre o seu comportamento futuro são, no mínimo, legítimas. Mas cá estaremos para ver se "esta administração" da UNICER cumpre, com rigor, o calendário que anunciou e a que agora se comprometeu publicamente.

Até lá, porém, urge saber se todo este imenso atraso é, ou não, compatível com os anteriores compromissos assumidos e se a AICEP considera que este flagrante incumprimento não obriga à assunção de compensações financeiras. É o que vai ser perguntado formalmente à AICEP, esperando poder contar com uma atenção do "Expresso" para as cenas dos próximos capítulos. É que estamos certos que o facto de não sermos fortes anunciantes nas páginas do jornal, como é o caso da UNICER, não limitará o seu interesse na auscultação de quem se contrapõe à posição da empresa incumpridora.

Estou também certo que estas questões serão acompanhadas com a maior atenção, agora sem dimensões de luta interpartidária a poluir a sua indiscutível dimensão cívica, pelos responsáveis eleitos, a nível local e distrital. E também pelos sectores relevantes do novo Governo, em cujo âmbito de competências o dossiê evoluirá.

Este é um tempo novo nesta questão, que agora vai começar. A seu tempo, haverá novidades...

Termino este post com uma saudação muito sincera de admiração pelo empenhamento do "movimento cívico" que, nas Pedras Salgadas, tem cuidado em manter esta questão viva, para evitar que a vila morra.

sábado, outubro 24, 2009

Aristides Sousa Mendes

Chamam-se Academias do Bacalhau e reunem, em torno de refeições cuja base gastronómica é óbvia, cidadãos das comunidades portuguesas no exterior. Começaram há mais de 40 anos na África do Sul, são hoje mais de meia centena em cinco continentes e têm como objectivo fomentar o convívio entre os associados, sublinhar os valores da cultura portuguesa e levar a cabo acções de solidariedade.

Na presença de descendentes, a figura de Aristides Sousa Mendes - o cônsul perseguido pelo regime salazarista, por ter decidido conceder vistos a refugiados estrangeiros - foi ontem homenageada numa sessão da Academia de Bacalhau de Paris, a que estive presente, em Drancy, no arredores de Paris.

O local não foi casual: em Drancy existiu, durante a Segunda Guerra Mundial, um campo onde as forças de ocupação alemã concentravam pessoas que eram posteriormente deportadas para campos de concentração.

sexta-feira, outubro 23, 2009

TV na Internet

Foi ontem à noite que o grupo Lusopress lançou, aqui em Paris, o seu canal de televisão na internet. É uma inovação* na comunicação social das comunidades portuguesas, com a vantagem de ter uma acessibilidade garantida a nível mundial, o que pode proporcionar um intercâmbio interessante com outros núcleos de portugueses espalhados pelo mundo.

Veja o novo site aqui.

*Em tempo: a acreditar num deselegante comentário que se publica, já existirão outros sistemas idênticos. O que ainda falta é boa educação...

quinta-feira, outubro 22, 2009

Agradecimento

A Nossa Candeia concedeu a este blogue uma distinção - "Your Blog is just perfect to learn something every day"- que muito agradecemos.

Solana

Javier Solana define-se a si próprio como um "optimista profissional". Só pode, como se diz no Brasil! Com uma Europa que, entre si, se divide sobre as relações com a Rússia, sobre o (eufemisticamente chamado) "processo de paz" no Médio Oriente, sobre a reforma do Conselho de Segurança, sobre a representação europeia no G20 e nas instituições de Bretton Woods, sobre a adesão da Turquia, sobre a amplitude de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - para apenas mencionar alguns dos muitos pontos de divergência intra-europeia - o chefe da diplomacia da UE faz um esforço notável para mostrar uma cara alegre.

Hoje de manhã, aqui em Paris, Solana respondeu, durante quase duas horas, a questões colocados por um auditório reunido em torno do Institute for Security Studies, dirigido por Álvaro de Vasconcelos. Com transparência e frontalidade, embora sempre com o tal oficioso "optimismo", o chefe da diplomacia europeia abordou os múltiplos desafios externos com que a União está confrontada.

De todas as intervenções, transpareceu a ideia de que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa é um passo muito positivo no sentido do reforço da coerência da acção externa da União Europeia. Mas igualmente ficou claro que permanecem muitas interrogações sobre o modo como será possível compatibilizar o papel futuro do conjunto de "figuras" que o novo Tratado colocará no terreno, nomeadamente no tocante à respectiva visibilidade em nome da União. E que é na sábia escolha de algumas dessas personalidades que reside a chave do sucesso para uma futura representação externa - unificada e eficaz.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Malas

Há dias, ao transportar uma mala através de uma praça da província francesa, do hotel fronteiro para a estação do caminho de ferro, dei comigo a reflectir numa sábia recomendação que recebi de um antigo embaixador, já há umas dezenas de anos.

Falávamos precisamente da França, das suas belas estações ferroviárias e do prazer de viajar de comboio, que nos era comum. Foi então que o embaixador me comentou: "Você reparará que há quase sempre uns hotéis situados em frente às estações, algumas vezes colados a elas, em França com o nome frequente de "Hotel de la Gare". Siga o meu conselho: nunca se instale num desses hotéis!".

Intrigado, perguntei: "Porquê? Por causa do ruído dos comboios? Têm fraca qualidade?".

"Não, nada disso, homem!", responde-me o embaixador. "O problema é outro: são sempre demasiado longe para se carregar as malas e demasiado perto para se poder alugar um taxi!".

Os hotéis "de la Gare" já passaram um pouco de moda, as malas agora já têm rodas, o que infirma um pouco o raciocínio da época, mas, mesmo assim, com o tempo a pesar-me, cada vez tendo a dar mais razão ao meu velho embaixador.

Saudades do Meireles

Uma patética tragédia na eleição autárquica em Mondim de Basto em 2009, fez-me recordar que, em Outubro de 1969, precisamente 40 anos antes, fomos por lá fazer campanha eleitoral pela Oposição Democrática contra o Estado Novo.

Como já aqui foi referido, as listas eleitorais, ao contrário do que hoje sucede, eram então impressas sob responsabilidade das forças políticas promotoras (aliás, só havia duas: a "Situação" e a "Oposição"...) e entregues pelo correio ou directamente aos eleitores, neste caso num porta-a-porta mais seguro, mas nem sempre fácil.

Numa reunião da Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real, dirigida por essa figura, para mim inesquecível, que foi o médico Otílio de Figueiredo, e que congregava o escasso número de quantos, no distrito, abertamente se dispunham aos riscos de enfrentar o regime, demo-nos conta que o concelho de Mondim de Basto era o único onde não dispúnhamos de nenhum contacto.

Na discussão sobre o assunto, ao ser constatada esta lacuna, o Carvalho Araújo protestou: "Ora essa! Temos lá o Meireles! Já fez connosco o Norton e o Delgado. O Meireles é fixíssimo". (Um parêntesis para dizer que o nome "Meireles" me ficou na memória, mas posso estar enganado. Porém, para o que aqui importa, é irrelevante).

Convém esclarecer que o Carvalho Araújo era um homem já idoso, feroz republicano, que havia sido demitido da função pública nos anos 30, por actividades anti-regime. Tinha sempre um semblante grave e fechado, tratando-nos a nós, os mais novos que andávamos envolvidos na acção política da Oposição, com visível distância e até alguma desconfiança. Na verdade, não tínhamos andado com "o Norton" ou com "o Delgado": as eleições em que Norton de Matos havia sido candidato presidencial tinham tido lugar em 1949 (eu tinha nascido no ano anterior, o que, como se compreenderá, condicionou muito a minha participação na respectiva campanha...) e a idêntica aventura de Humberto Delgado fora em 1958 (altura em que as minhas prioridades se centravam na admissão ao liceu...). Porém, se o Carvalho Araújo, democrata experimentado, assegurava o apoio do tal Meireles, era uma oportunidade que havia que aproveitar.

Assim, no dia seguinte, com a mala de um carro (creio que era um NSU do Délio Machado) cheia de envelopes já endereçados com boletins de voto, lá avançámos nós para Mondim. Aí chegados, com o Carvalho Araújo no comando das operações, fomos à procura do Meireles. Tarefa que se revelou menos viável, porque o Meireles havia falecido... já há sete anos!

Quando pensávamos que o Carvalho Araújo se ia deixar abater pela dura realidade, ele renasce: "Não há problema! Vamos à farmácia!". Olhámo-nos intrigados: "À farmácia? Para quê?". O Carvalho Araújo lança-nos, condescendente, a sociológica revelação: "Meus amigos, os farmacêuticos são sempre gente com espírito liberal, as farmácias são espaços de tertúlia, confiem em mim!". Verdade seja que as alternativas eram poucas e tínhamos necessidade de "despachar" as centenas de boletins de voto (os inscritos de então não eram muitos) que levávamos connosco.

O nosso homem tomou conta das operações, foi falar com o responsável da única farmácia local e, impante, regressou com o anúncio: "Eu não lhes dizia?! É um democrata, fica com os boletins de voto e encarrega-se de distribuí-los". Ficámos banzados! E a nossa admiração pelo sentido estratégico do Carvalho Araújo cresceu, de modo exponencial.

Semanas mais tarde, quando o nosso saldo eleitoral em Mondim de Basto se computou no magérrimo resultado de escassas dezenas de votos, o pior em todo o distrito de Vila Real, creio que tivemos a piedade de não comentar com o Carvalho Araújo a eficácia da sua "operação farmácia". E, mesmo sem o termos conhecido, sentimos fortes saudades do Meireles.

terça-feira, outubro 20, 2009

Aliados

A literatura lusófona tem, em França, um aliado seguro: as Editions Métailié. Há 30 anos que as letras do Brasil começaram a merecer a sua atenção e há 25 anos que os autores portugueses aí começaram a ser acolhidos.

(Devo confessar, em jeito de nota à margem, que cada vez sinto uma tentação para trabalhar na promoção da língua portuguesa através do conceito da lusofonia, sem com isso descurar a minha obrigação primeira de tratar do que é especificamente português.)

Hoje, ao final da tarde, na Gulbenkian de Paris ("where else?", diria George Clooney), a fundadora e directora da editora, Anne Marie Métailié, lado-a-lado com alguém que por aqui é um "embaixador" constante e teimoso do Portugal cultural, Pierre Léglise-Costa, falaram desses já longos anos de bom trabalho. Por aí estiveram também, em mesa-redonda, escritores como Lídia Jorge, José Eduardo Agualusa e Pedro Rosa Mendes - sendo este último o novo delegado da Agência Lusa em França, um "luxo" jornalístico-cultural de que poucos países se podem gabar.

Léglise-Costa é responsável na Métailié pela "Bibliothèque Portugaise", onde também já foram publicadas obras de escritores como Vergílio Ferreira, José Régio, Jorge de Sena, Mário Cláudio, Maria Gabriela Llansol, Eduardo Lourenço ou Agustina Bessa Luís.

O debate foi muito interessante, com Pedro Rosa Mendes a falar, entre outras coisas, do destino complexo da língua portuguesa em Timor-Leste, com Lídia Jorge a defender a importância da narrativa na literatura e com Agualusa a chamar ao português "uma língua com afeição a diversas geografias".

Portugal e Brasil

Depois do triste "affaire" Maitê Proença, talvez valha a pena lembrar que há quem, no Brasil, tenha uma visão bem mais interessante - e incomensuravelmente mais culta! - daquilo que liga os dois países.

É claro que não me dá jeito nenhum aceitar o amável convite que recebi para ir ao Leblon na próxima semana, mas este livro de Ângela Dutra de Menezes, agora em nova edição, é um excelente exemplo de como a realidade portuguesa pode ser lida de outra forma, bem mais carinhosa e elaborada, embora sem necessitar de ser pesada, e por mais provocatório que o título possa parecer à "sensibilidade" de alguns ouvidos portugueses.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Boaventura

Hoje, apetece-me contar uma historieta da minha terra, de Vila Real, que ouvia ao meu pai.

Na minha adolescência, vivia na cidade uma figura de porte imponente, sempre bem vestida e com um chapéu cinzento, que parecia apenas pousado no alto da sua cabeça, que dava pelo nome de Boaventura. Ao que se sabia, o senhor Boaventura vivia dos rendimentos de anteriores actividades comerciais no Brasil, que lhe garantiam a prosperidade que transparecia no seu quotidiano. Homem sociável, bem disposto e de trato agradável, parava pelos finais de tarde na Relojoaria Salgueiro, na "rua central", local para conversas soltas, sem agenda, entre amigos.

Estava-se nos anos 60, algumas crises sacudiam então o país, tentativas de golpes políticos tinham sido abafadas, ideias "avançadas" (como à época se qualificavam as ideias de esquerda) iam fazendo o seu clandestino caminho, Portugal dava ares de estar já cansado de "viver habitualmente", como o doutor Salazar desejaria.

Num desses fins de tarde de charlas, um dos amigos do senhor Boaventura não resiste, e lança-lhe, irónico e ousado: "Ó Boaventura, você tem de se 'pôr a pau', homem! Isto está a aquecer, um destes dias o comunismo vem 'por aí acima' e o meu amigo, que não faz nada na vida, vai ter que começar a trabalhar".

O Boaventura não se desmancha e responde: "Pode ser que sim. Mas uma coisa é certa: quarenta anos de boa vida já ninguém me tira!".

Contei hoje esta historieta a Lídia Jorge, à hora do almoço. O comentário dela foi de que não era por acaso que o nosso homem se chamava Boaventura...

domingo, outubro 18, 2009

Lourdes Castro

Se estiver ou for a Paris, não deixe de visitar, no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, a imaginativa exposição de Lourdes de Castro, intitulada "Grand Herbier d'Ombres", projecções em papel de plantas da Madeira, feitas em 1972.

A abertura foi no dia 13 de Outubro e o entusiasmo de Lourdes Castro contagiou quem com ela viveu esses momentos, em que recordou os tempos dos anos 50 em que veio para Paris e, com outros artistas portugueses, por aqui passou tempos que viriam a revelar-se marcantes para a história da arte contemporânea nacional.

A agenda de realizações da Gulbenkian, em Paris, sob a direcção atenta de João Pedro Garcia, constitui um contributo inestimável para a projecção da nossa cultura na capital francesa, conseguindo, com maestria, aliar temáticas cada vez mais diversas.

A Fundação Calouste Gulbenkian não necessita de nenhum reconhecimento do Estado português. Precisamente por isso, e como diplomata português, sinto-me livre para expressar a grande admiração que tenho pelo seu trabalho e a avaliação que faço de quanto Portugal lhe deve no seu prestígio externo.

Estrasburgo (3) - Português

Os meses que levo de funções em França ensinaram-me que a questão do ensino da língua portuguesa é uma realidade muito complexa, com uma variedade de situações que aconselham uma abordagem diferenciada.

Desta vez, analisei longamente, com diversos responsáveis da Universidade de Estrasburgo, bem como com docentes portugueses que aí operam, a importância de podermos caminhar para modelos de maior identificação da língua portuguesa no quadro do respectivo processo de ensino e formação. Portugal está disposto a conceder meios acrescidos para tal fim, desde que seja possível consensualizar novos formatos académicos, susceptíveis de abrirem as portas a uma frequência acrescida de alunos.

Neste domínio, há uma realidade e um mito que importa referir.

A realidade é que a promoção do português no plano internacional não deve ser vista, nos dias de hoje, como uma responsabilidade exclusiva de Portugal. Todos os países que se exprimem oficialmente em português têm hoje consciência que a difusão e o prestígio da sua língua comum são elementos constitutivos da sua própria relevância no quadro global. Por essa razão, Estados como o Brasil e Angola, com recursos capazes de poderem auxiliar a uma expansão da língua que nos é comum, estão hoje ao nosso lado numa luta que, no passado, parecia uma responsabilidade única de Lisboa. Com isso, ganhamos todos e ganha cada um.

O mito é a ideia de que o interesse em promover o ensino da língua portuguesa em França tem a ver, exclusivamente, com a vontade estratégica de Portugal de aculturar as novas gerações de luso-descendentes no cultivo da mesma língua. Quem assim pensa, esquece a importância crescente para a própria França de ter gente preparada para actuar em português, por exemplo, em mercados da importância do Brasil ou de Angola. E põe de lado, do mesmo modo, a consideração do interesse de um país como a França em sublinhar e promover a riqueza que constitui a sua própria diversidade interna, ao serviço de uma agenda de influência global. Daí que a continuidade das emissões em língua portuguesa na Radio France Internationale me parece que faz parte do quadro de interesses específicos da própria França.

Vamos ter muito que falar sobre a língua portuguesa em França.

Estrasburgo (2) - Europa

A racionalidade económica da manutenção de Estrasburgo como sede das instituições europeias é, muitas vezes, posta em causa e tida como um reflexo de uma velha teimosia francesa. Mas Estrasburgo é muito mais do que uma das sedes dos Parlamento Europeu, do que o local onde funcionam o Conselho da Europa ou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A capital da Alsácia, encostada à Alemanha, palco de históricas tragédias, é, em si mesma, a verdadeira representação daquilo que é a própria Europa.

No passado sábado, fiz parte de um painel de um colóquio, na majestosa "Salle de l'Aubette", da "Mairie" da cidade, sob o tema "De Nice a Lisboa - que futuro para a Europa?". Impressionou-me ver reunida e mobilizada uma audiência de mais de uma centena de pessoas para, durante hora e meia, ouvir e participar activamente, numa discussão franca e aprofundada, sobre as grandes temáticas europeias. A juventude do auditório e a vitalidade das suas contribuições foram para mim a prova provada de que o centro da Europa passa, definitivamente, por Estrasburgo.

Estrasburgo (1) - Elsau

Elsau é uma zona periférica de Estrasburgo, com sérios problemas sociais, enfrentados com coragem e capacidade de liderança por Eric Elkouby, um responsável político da "Mairie" da cidade. Questões étnicas, forte desemprego e outras tensões marcam o quotidiano complexo desse sector da cidade, que foi, curiosamente, o primeiro ponto de fixação dos portugueses, nos anos 70.

Hoje, os portugueses representam aí um importante factor de promoção da estabilidade, como me sublinhou, com entusiasmo, o deputado Armand Jung, uma das figuras mais activas do grupo parlamentar de amizade França-Portugal, na Assembleia Nacional francesa. Com efeito, a "Association Sportive de Strasbourg Elsau Portugais", dirigida por Alfredo da Fonseca, está hoje no centro de um magnífico projecto de integração, louvado por todas as comunidades, e que se constituiu um aliado essencial das iniciativas que procuram recuperar o tecido social daquela área da cidade.

É muito agradável para um responsável diplomático português ouvir, das autoridades francesas, rasgados elogios à contribuição dos nossos compatriotas para as soluções de integração de outras comunidades. Melhor prova não pode haver de que os portugueses são, já hoje, parte da solução para as questões inter-étnicas com que a França se debate. Da mesma forma que, em nenhum momento do seu passado em terras francesas, constituíram parte dos problemas que emergiram nesse terreno - nunca é demais lembrá-lo.

O francês

O óbvio declínio do estatuto da língua francesa no mundo é algo que, com grande frequência, tenho sentido como uma preocupação entre amigos franceses. E que é igualmente um motivo de tristeza para quantos, entre os portugueses da minha geração, se habituaram a ter o francês como a primeira língua estrangeira de cultura. Mas a vida é o que é e até os franceses têm hoje de se resignar com a prevalência do "soft imperialism" da língua inglesa.
Há duas semanas, o papel global relativo do português e do francês esteve em debate em Paris, durante um dia, numa iniciativa realizada na Maison de l'Europe, sob o impulso das delegações da Comissão Europeia em Lisboa e em Paris. Figuras interessadas de ambos os países animaram um debate onde se juntaram perspectivas bastante realistas com outras que, pelo menos no breve período a que pude assistir, relevavam muito de uma visão marcada apenas por um simpático voluntarismo sem visão prospectiva sólida. De qualquer forma, esta é uma temática que há vantagem em tentarmos continuar a seguir e a aprofundar, porque, em ambos os casos, tem muito a ver com questões culturais identitárias que se interligam e a que nos importa estar atentos.
A este respeito, descobri hoje na internet um texto de Guy Sorman, um autor francês. (Não conheço muito de Sorman. Por um mero acaso, comprei, há menos de um ano, numa livraria de Buenos Aires, uma sua obra, curiosamente em "contra-corrente" às ideologias do quotidiano mediático, intitulada, na versão argentina que tenho, "La economía no miente", onde se releva a importância dos mercados em tempos de crise). Sorman escreve agora, de Lisboa, um texto sobre a questão do francês no mundo, onde refere o estatuto de que hoje essa língua dispõe em Portugal.

No artigo, o autor nota, de passagem, que "le Portugal déteste se percevoir en petite nation". É uma nota curiosa, mas talvez Guy Sorman, com o tempo, venha a entender melhor que essa reacção se deve apenas à circunstância de, de facto, não sermos uma pequena nação - também por razões de natureza cultural e estratégica que não faria mal serem reflectidas pela própria França.
Leia o texto de Guy Sorman aqui.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Europa

Com apresentação e comentários, de grande profundidade, da responsabilidade de Eduardo Lourenço, Marcelo Rebelo de Sousa falou, na passada terça-feira, no Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em Paris, sobre "A Europa depois da crise".

Esta excelente série de conferências sobre a temática europeia, que foi iniciada com Jorge Sampaio e Jacques Delors, constitui um importante contributo dado por Portugal, para auditórios franceses, na reflexão sobre os destinos do continente.

Marcelo Rebelo de Sousa esteve igual a si próprio: inteligente e perspicaz, académico e inventivo, polémico e prospectivo. Entre outras coisas interessantes que disse, para além de notas históricas que deixou das suas andanças no PPE, ao tempo que era líder do PSD, explicou, em detalhe, a sua leitura da opção europeia por Durão Barroso, em 2004.

Para o professor, o tipo de lideranças de Jacques Santer e de Romano Prodi já haviam tido lugar precisamente porque os líderes europeus se haviam assustado com a "força" de Jacques Delors. Quase só faltou que Marcelo Rebelo de Sousa citasse Steinbroken: Delors era "fort, excessivement fort!".

quinta-feira, outubro 15, 2009

Álvaro Guerra


Ontem à tarde, ao chegar a Estrasburgo, tive saudades do Álvaro Guerra.

Senti falta das nossas conversas depois dos opíparos jantares que a Helena por aqui preparava, quando ele era embaixador junto do Conselho de Europa. Gostava das nossas eternas discussões sobre os touros, vício vilafranquense que eu combatia com argumentos ideológicos, com ele a atirar-me à cara com o Hemingway. Um dia, ofereceu-me um livro de Jean Cocteau para me convencer da bondade natural da "fiesta".

O Álvaro era um homem com uma serenidade bem disposta, que tinha prazer genuíno em partilhar connosco leituras feitas, que nos ajudava a procurar na magnífica imensidão da Kléber. Nunca concretizámos uma viagem várias vezes planeada pela "route des vins", durante a qual me prometia que eu iria conhecer néctares que iam ser a alegria cimeira dos meus triglicéridos.

Teve uma vida cheia, do jornalismo à literatura, da política à diplomacia. Foi uma figura maior da intelectualidade portuguesa, que é importante não esquecer e dar a conhecer às novas gerações. Para o ano, na comemoração do centenário do estertor da chefia hereditária do Estado em Portugal, convirá relermos o seu "Café República".

Israel e a democracia

Ver aqui .