Na primeira metade de 2011, Portugal entrou num tempo em que os mercados, descrentes na capacidade de sustentação económico-financeira do país, fizeram disparar os juros das obrigações portuguesas, dificultando crescentemente o refinanciamento da nossa dívida. O modo como a partilha de custos na reestruturação da dívida pública da Grécia se havia processado fora um alerta para os investidores, que viam a Europa ainda titubeante em soluções coletivas.
Porque levara longe demais, sem o esperado retorno em
crescimento visível, a injeção de capitais públicos na economia, o nosso país
viu-se numa espiral de crescente falta de liquidez, com redução do suporte do seu
sistema bancário, também ele a sofrer paralelas dificuldades no acesso aos
mercados.
Procurou-se então garantir, numa antecipação daquilo que a
Europa acabaria mais tarde por criar de forma institucionalizada, um apoio das
instâncias comunitárias, a troco de um programa muito estrito de reformas. Os
poderes europeus partilhavam connosco a preocupação de tentar aplacar o
nervosismo dos mercados – muito pela preocupação de não deixar estender essa
inquietação a economias europeias cuja turbulência poderia ter consequências
sistémicas na sustentação do euro. Basta recordar o que então diziam Merkel, Trichet e Barroso para se entender a determinação política que marcava esse
apoio a Portugal.
Como embaixador em Paris, fui testemunha diária do nosso
esforço. E recordo-me muito bem do desapontamento e incredulidade com que foi
recebida a rejeição, pelo nosso parlamento, do programa que a Europa tinha
apoiado e que, pelo menos por algum tempo, teria evitado – e isso é hoje uma
evidência - o recurso ao resgate.
Cá dentro, as coisas acabaram por correr como correram e o governo
demitiu-se. O que depois se passou, entre a obstinação de um primeiro-ministro
que ia adiando o pedido de uma ajuda que seria inevitável e um ministro das
Finanças que apenas antecipou, com realismo e coragem, essa inevitabilidade, já
faz parte da “petite histoire” de um fim de ciclo – e um dia se falará de como
essa circunstância terá debilitado a capacidade nacional na negociação do próprio
“memorando de entendimento” com a Troika.
Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, teve à época um
comportamento marcado por um elevado sentido de responsabilidade, até hoje
incompreendido por muitos. A sua distinção no último 10 de junho é um gesto que
atenua a fama do Estado ser ingrato para com os seus mais dedicados servidores.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")