sexta-feira, junho 12, 2015

Teixeira dos Santos


Na primeira metade de 2011, Portugal entrou num tempo em que os mercados, descrentes na capacidade de sustentação económico-financeira do país, fizeram disparar os juros das obrigações portuguesas, dificultando crescentemente o refinanciamento da nossa dívida. O modo como a partilha de custos na reestruturação da dívida pública da Grécia se havia processado fora um alerta para os investidores, que viam a Europa ainda titubeante em soluções coletivas.

Porque levara longe demais, sem o esperado retorno em crescimento visível, a injeção de capitais públicos na economia, o nosso país viu-se numa espiral de crescente falta de liquidez, com redução do suporte do seu sistema bancário, também ele a sofrer paralelas dificuldades no acesso aos mercados.

Procurou-se então garantir, numa antecipação daquilo que a Europa acabaria mais tarde por criar de forma institucionalizada, um apoio das instâncias comunitárias, a troco de um programa muito estrito de reformas. Os poderes europeus partilhavam connosco a preocupação de tentar aplacar o nervosismo dos mercados – muito pela preocupação de não deixar estender essa inquietação a economias europeias cuja turbulência poderia ter consequências sistémicas na sustentação do euro. Basta recordar o que então diziam Merkel, Trichet e Barroso para se entender a determinação política que marcava esse apoio a Portugal.

Como embaixador em Paris, fui testemunha diária do nosso esforço. E recordo-me muito bem do desapontamento e incredulidade com que foi recebida a rejeição, pelo nosso parlamento, do programa que a Europa tinha apoiado e que, pelo menos por algum tempo, teria evitado – e isso é hoje uma evidência - o recurso ao resgate.

Cá dentro, as coisas acabaram por correr como correram e o governo demitiu-se. O que depois se passou, entre a obstinação de um primeiro-ministro que ia adiando o pedido de uma ajuda que seria inevitável e um ministro das Finanças que apenas antecipou, com realismo e coragem, essa inevitabilidade, já faz parte da “petite histoire” de um fim de ciclo – e um dia se falará de como essa circunstância terá debilitado a capacidade nacional na negociação do próprio “memorando de entendimento” com a Troika.
 
Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, teve à época um comportamento marcado por um elevado sentido de responsabilidade, até hoje incompreendido por muitos. A sua distinção no último 10 de junho é um gesto que atenua a fama do Estado ser ingrato para com os seus mais dedicados servidores. 

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

Os meus Jerónimos


12 de junho de 1985. 

Estava colocado na nossa embaixada em Luanda. A última coisa com que a televisão angolana se preocupava era com a cerimónia que, nesse dia, reuniu nos Jerónimos os líderes europeus, para a assinatura do tratado de adesão de Portugal. Os pormenores do evento só nos chegaram dias depois, pelos jornais na mala diplomática, num país em guerra onde a imprensa internacional não se vendia (minto, exceto o "Avante!") e onde o "Jornal de Angola" só dava a verdade local a que os angolanos tinham direito.

Eu não era então um grande entusiasta da adesão do país às Comunidades Europeias (é assim que se deve dizer, em rigor: "Comunidades Europeias", porque aderimos nesse dia à Comunidade Económica Europeia, à Comunidade Europeia da Energia Atómica e à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço). A minha perspetiva política de então levava-me a ser muito reticente quanto às perdas de soberania que essa integração já significava (e coloco o "já" porque a densidade das políticas europeias da época era ínfima, comparada com o que é hoje). Temia, em particular, que entrássemos por essa via num espartilho político que sobredeterminasse a nossa capacidade autónoma de decidir sobre o destino da nossa vida interna, que colocasse em causa os valores constitucionais plasmados, menos de uma década antes, numa Constituição que eu tinha por barreira sacrossanta às investidas liberais e anti-sociais que, cada vez mais, se prenunciavam.

Não me recordo, por isso, de ter então sentido uma particular emoção com o acto que teve lugar nos Jerónimos. A aventura europeia não me animava. Temia mesmo dela o pior.

Na década seguinte, fiz a minha aprendizagem da Europa: em cargos em Lisboa, em frequentes deslocações a Bruxelas, no ambiente anti-europeu de Londres, como subdiretor-geral dos Assuntos Europeus, como negociador da revisão de Tratado de Maastricht. No termo desses 10 anos, fui nomeado, por mais de cinco anos, membro do governo encarregado da Europa.

Hoje, olho para cerimónia dos Jerónimos com uns olhos muito diferentes. Tenho a convicção profunda de que foi um marco histórico na nossa modernidade como país. Sinto-me nela representado.

Modernidades


Na  minha infância, os aparelhos telefónicos eram negros, sem quaisquer algarismos. Quando se levantava o auscultador, surgia do lado de lá da linha uma voz feminina (eram "as meninas dos telefones") que inquiria "Número?"

A mudança para os telefones em que, ouvido um simples apito, passava a discar-se o número foi, à época, um avanço espetacular! Só lentamente as casas foram dotadas dos novos aparelhos, que passaram a ser um "luxo" invejado.

Na minha família de Viana do Castelo havia uma história divertida, desses tempos dos anos 50, do século passado.

Um amigo da família, muito dado à brincadeira, fez num desses dias uma chamada telefónica para casa de uma determinada senhora. Alegando falar em nome dos "Correios" perguntou à senhora se já tinham instalado na sua casa um novo telefone e, sendo esse o caso, se estava satisfeita com o serviço.

A senhora revelou-se encantada, tudo funcionava na perfeição.

Foi então que o "técnico" solicitou à senhora que fizesse um simples teste para apurar, em definitivo, que tudo estava a 100%. Era simples: bastava colocar o dedo nos orifícios de cada algarismo, sem rodar o disco e, caso a caso, informar se ouvia algum ruído especial. A senhora, crédula, lá levou a cabo o "teste", desde o "zero" ao "um", sempre dizendo que não ouvia nenhum som que fosse necessário reportar.

Concluída a operação com o "um", foi dito à senhora que, se não se importasse, e apenas para completar o "teste" e comparar a eventual sonoridade, ele metesse então o dedo no "c...".

Do lado de lá da linha, a senhora, ultrajada, reagiu com impropérios e, naturalmente, desligou.

Ao final do dia, disfarçando bastante a voz, a mesma pessoa, voltou a ligar à senhora. Desta vez, identificou-se como falando em nome da Polícia. As autoridades tinham sabido que alguém estava a fazer-se passar por técnico dos Correios e que, nessa falsa condição, tinha tido propósitos muito inconvenientes para com vários assinantes. Pretendiam saber se, por acaso, aquele número teria sido vítima de uma ação similar.

A senhora informou que, de facto, também ela fora objeto dessa desagradável experiência.

O "polícia" porém, tinha uma questão: o modo como a cena se passara com os diversos assinantes atingidos pelo inconveniente interlocutor não fora exatamente o mesmo. Por isso, não obstante perceber que poderia até ser algo constrangedor para a senhora, seria importante, "para os autos", que ela relatasse exatamente como as coisas se tinham passado.

A senhora lá se prestou a evocar toda a história, com o "polícia" a pretender precisões, qual a ordem dos algarismos que tinha sido seguida e outros pormenores "técnicos". Ela esforçava-se por ser exaustiva mas, na fase terminal da descrição, a sua hesitação começou a ser evidente. A "autoridade", porém, não desarmava e queria "factos", detalhes das expressões utilizadas, porque isso era da maior importância para o inquérito.

Com esforço, baixando a voz, lá disse: "Bom, no fim, o que ele me pediu - eu até tenho vergonha de dizer isto, senhor guarda! - é que metesse o dedo no c..".

- Ah! Mas isso é incrível, indecente, de uma má-criação sem limites. A senhora tem toda a razão para estar indignada. É muito triste haver gente tão mal educada, com tanta falta de respeito pelos outros!...

E, subitamente, mudando um pouco de tom, inquiriu: "E diga-me uma última coisa, minha senhora: isso passou-se a que horas?"

A senhora explicou que fora cerca das 11 da manhã.

O "polícia" fez as contas: "Ora então foi às 11 da manhã! Sendo agora 7 da tarde, quer isto dizer que passaram oito horas, não é verdade, minha senhora?"

Sem perceber bem a que vinha tal contabilidade, a senhora anuiu.

Ao que o "polícia" concluiu: "Ora muito bem, tendo já passado oito horas, acho que já pode tirar o dedo de onde o meteu..." 

quinta-feira, junho 11, 2015

Rio-Lisboa


(Deixo aqui um artigo do escritor brasileiro Joaquim Ferreira dos Santos, publicado em "O Globo", do Rio de Janeiro, em 28 de maio de 2015. Às vezes, sabe bem ver os outros olhar para aquilo que nem notamos.)
 
O bom de descer as ladeiras de Lisboa é que durante alguns dias você está longe da selvageria carioca, pode sentir a nostalgia de sair flanando como fazia antes nas ruas da sua cidade. Zero de medo. Assim como quem não quer nada, um sorvete da Santini numa das mãos, você vai Rua do Carmo abaixo, passa pela luvaria Ulisses e, quando dá com os cornos no Rossio, o largo monumental pode fazer a surpresa de oferecer uma festa de máscaras ibéricas, comidas e danças por todos os lados, mas nunca a cena de um médico ensanguentado no chão do Café Nicola, esfaqueado por algum garoto que em seguida lhe roubou a bicicleta e foi embora.
 
Isto aqui é Lisboa, ó pá. Zero de deslumbramento. As escolas de Portugal acabaram de ser avaliadas em trigésimo lugar num ranking de 38 sistemas educacionais europeus, há muita coisa a ser feita, mas o bom disto aqui é que se vive em paz com os pequenos valores da existência. Zero de sobressaltos. A delícia antiga de se ir ali à esquina e, na ordem natural da felicidade das coisas, voltar sem que a polícia lhe tenha metido uma bala perdida nas costas.
 
Agora, por exemplo, você está na ladeira do Príncipe Real e basta pôr os pés na faixa de pedestres para que os carros parem até você chegar do outro lado. Aí é só começar a descer a rua por uma calçada de pedras portuguesas, todas postas em seus lugares, nenhuma solta e chamando os pés para um tropeção que pode para sempre lhe estuporar os artelhos e desgraçar a sobrevivência.
 
Não está acontecendo nada de muito notável, Lisboa está linda, mas não se faz aqui o registro de qualquer grande marco a se exaltar na revolução civilizatória moderna. É apenas uma cidade que tem se descoberto feliz consigo mesma.
 
Lisboa está coberta dos caminhos simples, verdadeiros yellow-brick-roads para se levar a vida com leveza, essa carência carioca, e num deles você desce o Bairro Alto, atravessa o Largo Luís de Camões, pega a Rua Alecrim e, ao final, apesar de todas as modernidades da Rua Nova do Carvalho, é possível encontrar ainda de pé as tascas da tradição gastronômica. Tudo convive sem conflito. Ao contrário do Rio, onde toda semana fecham uma mesa na memória do paladar e tiram da boca do cidadão um gosto familiar, em Lisboa é possível sentar num tamborete do quase botequim Sol e Pesca para comer as conservas que há séculos apetecem ao apetite local. Ninguém mais sabe ao certo o que é antigo e o que é moderno. As sardinhas continuam nas latas, o azeite continua de oliva, mas o estilo de tudo isso agora vem embrulhado em papéis do mais fino design.
 
Isto aqui é Lisboa, ó pá, e isto não é o anúncio de que o mundo está sendo reinventado a partir de suas oito colinas. Os políticos corruptos também estão, como os ratos de sua corja internacional, nas capas do “Expresso” e do “Público”. Mas na vida real do dia a dia a cidade encontrou um jeito delicado de lustrar os seus casarões magníficos, parecidos com os que todo mês desabam na Lapa carioca e, ao mesmo tempo em que se orgulha deles, reinventa suas funções. Não há mais loja de roupa, mas de “conceito”, e portuguesa de bigode era a vovozinha. Agora as garotas são todas “gira”, o termo local para traduzir o “cool”.
 
A sensação em alguns momentos é que você vai sair da Rua Augusta, tomar uma ginja no canto da Praça da Figueira e quando dobrar em direção ao Largo dos Intendentes vai dar na verdade nos Arcos da Lapa. Mas é só impressão. As ruas são limpas, os garçons servem às mesas com presteza, os telhados são os mais bonitos do mundo e as praças estão sempre tomadas por senhoras que descansam ou jovens, no Quiosque do Refresco, animados por doses de capilé. Tagarelam, paqueram, o de sempre. Ninguém aporrinha o próximo.
 
O Cais do Sodré, por exemplo, está basicamente o mesmo de sete anos atrás. Mas se você prestar bem a atenção, andar para a direita e entrar no Mercado da Ribeira, lá sobrevive o comércio tradicional das barracas dos tripeiros, convivendo com os stands da nova culinária portuguesa, tudo redesenhado sob o patrocínio da revista “Time Out” — e é impossível ao carioca não pensar que um dia, sem precisar ir tão longe, poderia estar assim, curtindo a vida em paz, comprando suas flores, gastando pouco, beliscando o que quisesse, na Cadeg de Benfica. Depois, sem entrar em pânico, passaria pela Barreira do Vasco e chegaria em casa para contar aos que ficaram como foi bom.
 
Ao carioca-da-semana-passada, um dos períodos mais tristes da vida da cidade, foi preciso ir até Lisboa para recolher histórias de não acontecimentos, comer um bacalhau ao sossego e ter a sensação inenarrável de que não corre o risco de ser assassinado na próxima esquina — e em Lisboa esses sonhos, essas pataniscas simples, parecem cada vez mais fáceis de se realizarem. A cidade se pacificou com suas tradições, entendeu feliz que um bom jeito de avançar é o da refazenda das suas guarirobas. Ao invés de gourmet, os pastéis de Belém procuram resgatar a receita original. E se em algum momento a cidade tentou esquecer Amália Rodrigues, por causa de suas relações com Salazar, Lisboa agora, em mais um arroubo de orgulho pelas suas referências, está cercada de motoristas de táxi com os carros sintonizados na recente Rádio Amália, um chorrilho de 24 horas de fados da grande cantora.
 
Na chegada ao Galeão, o carioca-da-semana-passada foi cercado pela notória turbamulta de taxistas. Sonhou que uma Rádio Elizete Cardoso iniciava o processo de pacificação geral e convocava a cidade a guardar suas facas.

Memorabilia diplomatica (XXXIV) - Mini-bar


Os contabilistas estavam perplexos. A conta de "mini-bar" que o hotel tinha remetido ao Ministério, relativa ao convidado estrangeiro que lá alojáramos durante três dias, era espantosamente alta. Muito maior do que as despesas efectuadas no próprio bar do hotel. Que se teria passado? Teria o homem decidido encerrar-se no quarto e esvaziar todo o whisky, gin, cognac e outras bebidas, mandando recarregar o mini-bar algumas vezes mais?

Porém, quem lidara com ele, durante esses mesmos dias, não ficara com a menor impressão de se tratar de alguém afectado na sua sobriedade. O nosso hóspede era quadro superior de um país estrangeiro, de um Estado pobre e com grandes dificuldades. No passado, já tinha ocorrido o Ministério ter de suportar algumas despesas exageradas, feitas por alguns convidados de perfil idêntico, um pouco deslumbrados pela circunstância de todo o consumo que fizessem no hotel ser por nossa conta. Mas isso, à partida, continuava a não explicar a elevada despesa do mini-bar.

Foi tomada a decisão de pedir uma factura detalhada dos consumos de mini-bar, dia-a-dia, feitos pelo cliente, durante todo o tempo da sua estada. A resposta veio e, com ela, a desarmante explicação: a rubrica "mini-bar", inserida na conta do hotel, nada tinha afinal a ver com o consumo de bebidas. Tinha a ver com o facto do nosso homem, no embalar final das suas bagagens, antes de sair do hotel, ter decidido levar consigo, seguramente bem embrulhado, o próprio pequeno móvel do mini-bar...

(Reedição de histórias da diplomacia publicadas neste blogue há alguns anos)

quarta-feira, junho 10, 2015

Teixeira dos Santos


Fernando Teixeira dos Santos recebeu hoje, no dia de Portugal, a grã-cruz da Ordem militar de Cristo. 

À direita, alguns sobrolhos cerrarram-se por ver atribuída ao antigo ministro das Finanças dos governos de José Sócrates a mais alta distinção que o Estado tem para os que melhor serviram o país. À esquerda, soaram vozes contrárias a que Teixeira dos Santos tivesse aceitado esta condecoração pelas mãos do presidente que mais combateu o governo a que pertenceu.

Sou amigo e colega de Fernando Teixeira dos Santos, pelo que não sou independente nesta minha análise. Com ele partilhei, durante cinco anos e meio, a participação em dois outros governos. Porque esse foi um importante tempo europeu, que determinou a entrada de Portugal no euro, colaborámos então muito de perto, pelo que tive o ensejo de o conhecer bem. Em todo esse tempo, para além de uma sólida amizade, criei por ele um fortíssimo respeito, político e técnico, que me leva a considerar justíssima - e apenas tardia - a dintinção que lhe foi atribuída. 

Sabe-se hoje bem que, na fase final do anterior governo, as posições de José Sócrates e de Teixeira dos Santos não coincidiram. Essa divergência assumiu particular expressão aquando da decisão que acabou por conduzir à entrada da "troika" em Portugal. Porém, no essencial, e como hoje Teixeira dos Santos uma vez mais confirmou, ambos coincidiram sempre na avaliação de que, se acaso o plano financeiro já acordado com os parceiros europeus não tivesse sido derrotado na Assembleia da República, talvez o "resgate" pudesse ter sido evitado, tal como acabou por suceder com a Espanha. As coisas não se passaram assim, pelo que especular agora sobre elas é, como se diz na minha terra, "chover no molhado".  

10 de junho de 2016


Como será o discurso presidencial em 2016? Que cumplicidade terá o então presidente com o primeiro-ministro que estiver em exercício? Quem serão as personalidades escolhidas pelo novo ocupante de Belém para serem distinguidas nesse seu primeiro Dia de Portugal?

terça-feira, junho 09, 2015

A minha resposta


Foi sob o título “Portugal e a diplomacia económica” que um editorial deste jornal, há já alguns dias, criticou a diplomacia portuguesa, colocando-a aliás em contraponto com uma simpática avaliação positiva do trabalho dos eleitos políticos de turno.

Não tenho nenhum mandato dos diplomatas portugueses para os defender, mas aproveito o espaço de liberdade desta minha coluna para exercer o contraditório.

Escrevia-se no texto que a diplomacia económica “é um trabalho continuado dos embaixadores junto da classe empresarial e política, identificando oportunidades de negócio e fazendo a ponte para as empresas dos seus países”. Quer o editorialista dizer que os diplomatas portugueses não fazem isso? Se é esse o ponto, talvez fosse interessante o DE convocar o testemunho de empresários que, no passado, tenham apresentado queixas fundamentadas neste domínio.

Refere depois o editorial que será para obviar a essa suposta falta de ligação entre a diplomacia e as empresas que “os EUA nomeiam empresários ou gestores para as representações externas”. E então por que será que a imensa generalidade dos Estados, europeus e não só, não seguem esse exemplo, confiando nas suas carreiras diplomáticas? Conviria, já agora, esclarecer que esses “empresários ou gestores” americanos são, sem exceção, antigos coletores de financiamentos para as campanhas presidenciais, com mandato a prazo, vivendo apoiados por uma forte máquina de… diplomatas de carreira!

Diz também o editorialista que falta a Portugal “uma diplomacia que não se envergonhe de falar de dinheiro e de negócios”. É uma afirmação que reputo de preconceituosa, sem o menor fundamento e insuscetível de prova.

Na mesma linha, refere-se não haverá por cá “uma diplomacia que trabalhe em parceria com a AICEP”. Que pensarão sobre esta afirmação, p.e., os mais recentes presidentes da AICEP, de quem sempre ouvi palavras de apreço pela excelente articulação entre os embaixadores e a agência?

Tenho pena que o editorial do DE não tivesse aproveitado para perguntar ao governo por que razão o MNE, hoje apenas com 0,6% do OGE, foi dos ministérios mais causticados orçamentalmente nos últimos anos, por que se fecharam postos para agora reabrir alguns, por que há embaixadores sozinhos em certas capitais – num tempo em que ainda mais exige da nossa diplomacia.

Escrevo como antigo diplomata que, durante quase quatro décadas, trabalhou quase sempre em áreas económicas do MNE e que, tendo também exercido funções governativas, conhece particularmente bem o que fazem os profissionais da nossa diplomacia. Mas pronuncio-me também como atual membro da administração de duas das maiores empresas portuguesas na área internacional, as quais, talvez não por acaso, se mostraram interessadas em integrar um diplomata nos seus quadros de topo. E, por essas áreas onde me movo, ouço uma constante avaliação positiva da nossa diplomacia, consonante aliás com a imensa maioria de opiniões que fui recolhendo ao longo dos anos. Por muito que o DE pense, pelos vistos, o contrário.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

Em tempo: 

"Com o meu agradecimento, transcrevo aqui o testemunho que o Dr. Pedro Reis, que até ao ano passado foi presidente da AICEP, quis deixar na caixa de comentários da minha página do Facebook, sobre o trabalho dos diplomatas na ação de natureza económica: "Sou testemunha do enorme valor e competência dos nossos Diplomatas, do seu trabalho fulcral em prol das empresas portuguesas, deinúmeros testemunhos da esmagadora maioria dos empresários que estão gratos pelo apoio que os nossos Diplomatas lhes prestam desde sempre, e da articulação virtuosa entre Diplomatas e profissionais da Aicep em que se complementam profissionalmente em prol dos mesmos objetivos. O trabalho de ambas as casas não seria tão eficiente isoladamente. E os empresários são os primeiros a reconhecer o valor dessa aliança".

segunda-feira, junho 08, 2015

Não somos neutrais

Há dias, um amigo que ouviu um comentário meu na televisão, a propósito de temas internacionais, interpelava-me sobre se, por detrás da aparente neutralidade do meu discurso interpretativo, eu não tinha sempre uma agenda pessoal, embora não formalmente assumida, um quadro de valores que servia de permanente referente às minhas apreciações. Não tive a menor dúvida em estar de acordo com ele: nenhuma análise sobre estas temáticas é neutral. 

Lembrei-me ontem disto ao observar a minha reação da íntima satisfação pelo facto do presidente turco, Recep Erdogan, não ter obtido, nas eleições do fim de semana, a maioria qualificada de deputados que eram necessários à sua estratégia para mudar a constituição turca com vista a conferir ao regime um modelo presidencialista. Dei então comigo a perguntar-me: que tenho eu a ver com as opções dos turcos? Porque me desagrada ver um avanço para o presidencialismo na Turquia mas não me causa qualquer reação a sua existência nos Estados Unidos, em França ou mesmo no Brasil? A resposta é simples: porque Erdogan tende a representar uma agenda de islamização que afeta interesses estratégicos que partilho, pelo que não favoreço algo que possa vir a reforçar os seus poderes.

As preferências pessoais em matérias que nos são aparentemente estranhas têm sempre uma justificação, no futebol como na política e, muitas vezes, com estas dimensões a confundirem-se. No sábado, ao ver o Barcelona-Juventus, embora reconhecesse que a equipa catalã merecia ganhar a partida, "puxei" intimamente pela Juventus. Porquê? Porque, subliminarmente, não me agrada algo que possa reforçar a Catalunha, as suas pretensões independentistas, porque sou um ferrenho adepto de que continuem a existir apenas duas capitais nacionais na península ibérica.

Nunca somos neutrais nas nossas apreciações.


Leônidas Gonçalves


Morreu há dias, no Brasil, o general Leônidas Pires Gonçalves.

Bem antes de ter chegado ao Brasil, eu já ouvira falar da figura do general Leônidas. Quando, em 1985, Tancredo Neves, presidente eleito do Brasil, morreu sem ter tomado posse do cargo, colocou-se a questão de saber se o seu vice-presidente, José Sarney, poderia assumir essas funções. À tragédia da morte de um presidente eleito somava-se uma séria crise institucional, num momento decisivo para o restabelecimento da nova ordem democrática.

Sob o estrito ponto de vista legal, a subida de Sarney ao Palácio do Planalto era muito discutível. Um vice-presidente não existe sem que antes tenha havido um presidente empossado. Para que Sarney pudesse assumir funções, seria preciso "torcer" um pouco as regras constitucionais. Nestes momentos charneira da História, forçar a legalidade pode ser a melhor solução. Mas só as Forças Armadas, que haviam tutelado a sinistra ditadura e pilotado, sob a pressão popular, a abertura para a democracia, podiam fazê-lo.

O papel do general Leônidas Gonçalves terá sido então essencial, ao que ficou consagrado nos livros da história contemporânea brasileira. Ele terá sido a figura instrumental dessa decisão. Numa tensa reunião em que certos setores, políticos e militares, se inclinavam para que fosse o presidente da Câmara de Deputados, Ulysses Guimarães, a ocupar a presidência, Leônidas, que Tancredo havia escolhido para ministro do Exército (e que Sarney viria a confirmar no lugar) tem a frase célebre e definitiva: "quem assume é o Sarney". Ninguém ousou contestar. Ulysses explicaria mais tarde porque aceitou sem protestar: "O Sarney chega aqui ao lado do seu jurista. Esse jurista é o ministro do Exército. Se eu não aceito a tese do jurista, a crise estava armada’’.

Em 2008, fui fazer uma conferência para oficiais superiores, num mano-a-mano com o meu colega dos Estados Unidos, à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro: ele falava da política de segurança dos EUA e eu fazia um "número" similar sobre a União Europeia.

À entrada, ainda antes da conferência, fui levado para a sala do comando da Escola. Um homem alto, já idoso, à paisana, de cara fechada, parecia dominar o ambiente, não obstante haver vários generais fardados na sala. Foi-me apresentado: era o general Leônidas Pires Gonçalves. Ao cumprimentá-lo, disse-lhe que "tinha muito gosto em conhecer uma figura que havia tido um papel crucial na História recente do Brasil". O velho general sorriu um pouco e eu, atrevido, ousei acrescentar: "eu diria mesmo, também na história constitucional do Brasil...". A cara do militar voltou a cerrar-se e, por um instante, perguntei-me se não teria ido demasiado longe na minha graça. Minutos depois, seria ele a acompanhar-nos, a mim e ao embaixador americano, até à tribuna do imenso e repleto auditório, com centenas de militares, fardados e perfilados, num impressionante silêncio.

No final da conferência, o general Leônidas voltou a acompanhar-nos, até à saída. Teve umas palavras amáveis sobre a nossa prestação, que envolvera um vivo debate com o auditório e, para mim, em voz mais baixa, ao despedir-se, acrescentou: "... e vi que o embaixador conhece bem a história constitucional brasileira!". E abriu-se num sorriso tão largo quanto o formalismo e o seu estilo lhe permitia.

O general Leônidas Gonçalves morreu agora, aos 94 anos.

domingo, junho 07, 2015

A raça verde-rubra

A clubite é uma coisa terrível. A avaliar pelo que leio e oiço nas últimas horas, começa a surgir (de uma clandestinidade de anos, claro) essa imensa legião de benfiquistas que "sempre" acharam Jorge Jesus um "tipo sem classe para o Benfica" e de sportinguistas que, "lá no fundo", tinham uma "grande admiração" pelo novo treinador do clube. Está-se mesmo a ver que, aos primeiros, nunca ninguém terá ouvido um elogio aberto ao treinador que agora abandona a Luz e, dos segundos, não consta que tenham saído alguma vez palavras críticas ou desdenhosas sobre o homem. Daqui a umas semanas, esta nova "raça" transformar-se-á numa imensa onda maioritária. Uma onda "verde-rubra", porque, infelizmente, ela representa bem o que é a espinha dorsal de Portugal. É muito triste, a clubite.

sábado, junho 06, 2015

Socialistas

Este fim de semana, o PS realizou a sua Convenção Nacional, na qual foi aprovado o respetivo programa eleitoral. 

A convite de António Costa, e nos últimos meses, tive o grato prazer de fazer parte do grupo de 10 conselheiros que ajudaram a fixar os termos daquele documento. O excecional trabalho feito pelo Gabinete de Estudos do PS deu origem a um completo programa, criativo mas realista, em que me revejo e que, em outubro, espero venha a ter o merecido vencimento nas urnas. E, sem a menor sombra de dúvida, considero que um melhor futuro do país passa pela possibilidade de ter António Costa como futuro primeiro-ministro de Portugal.

Decidi, contudo, não aceitar o convite para estar presente na Convenção Nacional. A intervenção política ativa é um capítulo há muito encerrado na minha vida pessoal e não quero, quanto a isso, deixar criar o mais leve equívoco.

G7


Neste fim de semana, começa na Alemanha mais uma reunião do G7, que junta as "maiores potências económicas mundiais", embora a composição atual do grupo torne isso algo discutível. Durante alguns anos, no período pós-Ieltsin, a Rússia foi cooptada para o clube, que passou a G8. Após a invasão russa da Crimeia, Moscovo foi "castigado" e a Rússia foi afastada do grupo, que regressou aos sete membros - Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Japão, Itália e, como "supranumerário", a União Europeia.

As razões que levaram ao termo do convite a Vladimir Putin não desapareceram, talvez antes pelo contrário. O que se tem passado nas últimas semanas nas zonas em conflito na Ucrânia não ajuda à reversão da decisão, pelo que a "quarentena" ao líder russo vai continuar, presumo que por tempo indeterminado, porque não vejo jeitos da Rússia vir a abandonar alguma vez a russófila Crimeia. Por isso, a cimeira promete transformar-se, cada vez mais, num regular centro de coordenação e "afinação" das medidas anti-Rússia.

Percebe-se a lógica desta atitude. Pode aceitar-se que a Rússia não dá óbvios motivos para facilitar um diálogo com os seus companheiros das cimeiras do passado, aos quais desagradaria dar a Putin uma "photo opportunity", que seria vista como absolvedora das culpas que reparte na crise ucraniana. Compreeende-se que não haja condições políticas para um ambiente de camaradagem em vestuário "casual", entre sorrisos com o líder moscovita. Pode ser que os "sete" tenham as suas razões, mas de uma coisa também estou certo: seria muito mais eficaz ter todo o mundo à volta de uma mesa a "dar na cabeça" a Putin do que continuar a mantê-lo à distância, dando-lhe o importante estatuto de único adversário do grupo. 

sexta-feira, junho 05, 2015

A direita


O tema é polémico, difícil de abordar sem provocar reações. Mas acho que vale a pena fazê-lo, com serenidade. Trata-se do estatuto da “direita” na sociedade portuguesa.

Alguns dirão que as diferenças entre esquerda e direita estão hoje ultrapassadas, que essa tipificação é já sem sentido. O filósofo francês Alain afirmava que quem dizia isso não era seguramente uma pessoa “de esquerda”. E isso é quase sempre verdade.

Contrariamente à esquerda, que tende a afirmar-se como tal, a direita portuguesa esconde-se geralmente por detrás de alguns “heterónimos” -  “centro-direita”, “liberal” (embora a medo, porque "neo-liberal" surge hoje com carga muito negativa) ou, ainda, como “conservadora”, um termo bem clássico e honroso, hoje pouco utilizado. O mais comum, contudo, é ver a grande maioria das pessoas de direita a tentarem escapar à classificação, afirmando "não serem de esquerda".

Porque as sociedades democráticas só ganham em serem transparentes, faz falta ver a direita portuguesa assumir-se abertamente como tal. Temos hoje, por exemplo, o governo mais à direita da nossa história democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros assumir isso, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, se alguém afirma isso, sente-se que ficam quase ofendidos, como se fosse um insulto.

Alguns dirão: “mas se nos afirmamos de direita, a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", “reacionários”, liga-nos ao tempo da ditadura”.

Talvez valesse a pena pensar por que é que isso acontece. Em parte, isso deve-se ao facto de alguma direita se sentir na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, deixando cair, a espaços, elogios ou desculpabilizações de parte desse passado. A direita portuguesa não soube fazer a rutura entre um pensamento contemporâneo conservador e as brumas sinistras da ditadura e do colonialismo. Alguma direita em Portugal não fez – e recusa-se a fazer - o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando conseguir assumir a denúncia sincera desse passado, a esquerda mais agressiva, que se pretende “proprietária” dos valores da Revolução, deixará de ter argumentos para a diabolização e será obrigada a defrontá-la no terreno da luta democrática de ideias.

É tempo da direita portuguesa, a que não tem "esqueletos no armário", afirmar com orgulho o que é, defender as suas propostas, apresentar-se no debate político sem disfarces. Embora, nem por um segundo, alguma direita acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, junho 04, 2015

Católicos


Há anos que repito aos meus amigos que sou adepto de "um clube essencialmente católico", o Sporting. Porquê? Porque "só ganha quando deus quiser"!

Mas não era preciso exagerar, nomeando Jesus para treinador...

quarta-feira, junho 03, 2015

Saudades do Gastão


Foi em Paris. Era quase meia noite. Eu tinha passado por casa desses meus amigos para o que pensava ir ser uma conversa breve e que, afinal, acabou por se prolongar. E o dia daquele casal começava sempre mais cedo do que o meu.

O Gastão, o velho cão da família, nunca me havia dado grande confiança, sempre que eu ia lá a casa. Aturava as festas que eu lhe fazia com aquele ar solene que os porteiros dos hotéis de luxo dedicam a qualquer visitante com um rendimento abaixo do Bill Gates. Essa noite não foi exceção: o Gastão, que descera as escadas para me aguardar à porta, ignorou-me depois olimpicamente, deixando-se ficar no tapete do corredor, lugar de guardião imponente da casa que era a sua predileção. Mas só até certa altura. Num determinado momento, ia já alta a conversa, o Gastão fez a sua entrada na sala. De início, não saiu da soleira da porta, onde estacou por uns minutos. Porém, Logo depois, começou a aproximar-se de mim. Estaria interessado no que eu estava a dizer? Mas não havia da sua parte o sinal da menor agressividade. Estava ali, mirando-me, à medida que eu falava. Não olhava para mais ninguém da casa, só para mim, para o único visitante. Ia-se aliás aproximando cada vez mais, já quase não me permitindo cruzar a perna, no sofá onde me sentava. Não era incómodo, mas era estranho.

Estranho foi também o súbito sorriso dos donos da casa, a quem eu, a certo passo, devo ter dado qualquer nota física de "uneasiness" com a crescente proximidade do Gastão. A explicação veio logo:

- Não sabes por que é que o Gastão se está a aproximar de ti, pois não? Porque quer dar a volta noturna com o dono e, por sistema, faz essa "pressão", como que a "dizer" à visita que acha que chegou a hora de se ir embora. Desculpa lá!

Guardei para sempre este episódio com o Gastão, cuja postura digna, com traços de esfinge egípcia, lhe chegou a merecer o neologismo de "embaixacão".

O Gastão morreu agora. De velho. Durante muitos anos foi um companheiro ímpar dos seus donos. Esteve com eles em tempos muito, mesmo muito, complexos. Pode presumir-se que sentiu os estados de alma de quem lhe dedicava uma imensa afeição. O Gastão retribuiu como podia e sabia, mas fê-lo de tal forma que a sua memória irá acompanhar os donos para sempre. A ambos deixo aqui um abraço forte.

terça-feira, junho 02, 2015

A grande oportunidade

O encontro havia sido marcado através de um cuidado boca-a-boca, sem o uso de telefones. Não podiam correr o mínimo risco. A revolução estava na rua há menos de um mês. Os "agentes da DGS" tinham sido detidos, avançava o "saneamento" dos envolvidos com o regime caído naquela data "fatídica" de abril de 1974. Os "inimigos da Pátria" andavam à solta pelo país, tinham atravessado a fronteira sem limitações, outros haviam sido libertados de Caxias e Peniche, estavam mesmo a ser vistos como "heróis". O "esforço patriótico pela defesa do Ultramar" revelara-se, enfim, em vão, com os "movimentos terroristas" cada vez mais senhores da situação em África. O marcelismo, como eles sempre haviam pensado, havia sido o "coveiro do Estado Novo".

Era um grupo de radicais de direita, que combatera politicamente Marcelo Caetano e mantivera bem acesa a "chama do exemplo de Salazar", que se havia juntado nesse fim de tarde, em casa de um deles, lamentando o estado de um Portugal que viam reduzido ao "retângulo" europeu, eles que haviam feito toda a sua vida animados pela "gesta do Império". A alguns, começavam a chegar rumores da sua iminente prisão. Haviam-se exposto em publicações "nacional-revolucionárias" e o "sinistro" MFA, "manipulado pelos comunas" não deixaria de tirar desforço. Uns eram mais conhecidos, outros eram figuras cinzentas dessa odiada "extrema-direita", que estava agora na primeira linha da diabolização que a imprensa e a televisão acicatavam hora após hora. Alguns haviam integrado o "Jovem Portugal", outros haviam saído dessa escola "nacionalista" que foi a coimbrã "Cidadela", outros ainda haviam escrito laudas no "Agora" e, depois, na "Política", passando em certos casos pelo "Resistência" e folhas congéneres.

Trocaram informações, avaliaram riscos, estudaram hipóteses. Para alguns, a saída do país era a única solução. Outros alimentavam a ideia de dar corpo a formações políticas conservadoras, de que viriam a ser exemplos o "Partido do Progresso", o Movimento Federalista Português" ou o "Partido Liberal". A hipótese de integrar o CDS tentava alguns mais moderados, enquanto os mais radicais consideravam já ajudar Manuel Múrias no lançamento do "Bandarra". Outros testavam o caminho para o Brasil ou para Madrid. Nenhum estava, contudo, minimamente otimista.

O ambiente estava assim longe de ser festivo, tudo parecia correr mal, e essa foi a razão porque o espanto invadiu todas a caras quando, de uma cadeira do canto da sala, uma voz se ergueu com uma frase surpreendente e enigmática:

- Havia aqui uma grande oportunidade!

"Uma grande oportunidade"?! As denúncias caíam sobre eles, nos seus empregos a sua situação e das suas famílias estava a tornar-se, dia-a-dia, mais complicada, os que eram docentes haviam deixado de poder entrar nas universidades, lá em casa as "criadas" passaram, de repente, a surgir como intrusas e potenciais denunciantes, os "homens" das quintas de família mostravam-se crescentemente arrogantes, alguns "amigos" haviam-se prudentemente afastado. Os militares que lhes eram próximos tinham sido postos de lado, dos responsáveis da "polícia política" nem era bom falar e a própria "nomenklatura" do marcelismo, que tão irresponsável se havia mostrado para travar a revolta da "soldadesca", estava, também ela, agora em apuros. E era nesse contexto que aquele companheiro de luta falava de "oportunidade"?!

Todos se voltaram para ele. E ele explicou. Não tinham regressado ao país todos os "traidores" que, ao longo dos anos, de Moscovo à Argélia, de Paris à Suécia, de Roma a Londres, se haviam refugiado no estrangeiro, alguns "bombistas", outros desertores e "subversivos", que estavam bem identificados e que, de súbito, acharam que já podiam passear-se com toda a desenvoltura pelo Rossio?

Os outros concordaram, mas não conseguiam perceber onde ele queria chegar. E ele completou a explicação:

- Não estão cá todos os que o regime andou, durante décadas, a tentar agarrar? Quando eu falo de  "oportunidade" é para significar que, se ainda fosse possível, "dar uma volta a isto" e retomar o controlo do país, tinhamos, agora e pela primeira vez, todos esses traidores por aqui, metiamo-los "na grelha" e o país podia, enfim, ver-se livre para sempre desse bando de comunas e de gentalha da mesma laia. Por muito tempo, não nos iriam incomodar! Não era uma grande oportunidade?!

Esta é uma história verdadeira. Ouvi-a de um participante dessa reunião de maio de 1974, em que este terá sido o único momento divertido.

segunda-feira, junho 01, 2015

O café do senhor José

Não muito longe de minha casa, existe o café do senhor José. Não se chama assim, mas é assim que é conhecido na família, que lhe dá preferência, que lhe gaba a simpatia, a atenção do serviço e os doces variados. Passei por lá algumas vezes (para o meu gosto, é exagerada a "walking distance" em relação a minha casa, mas esse é um problema meu) e confirmei amplamente a avaliação feita. Constatei também que, pela exiguidade do espaço onde se aloja a clientela, anda-se lá dentro um pouco aos encontrões, mas que isso não provoca a menor reação negativa nos fiéis fregueses do bairro. O ambiente no café do senhor José é magnífico e familiar.

Mas se a circulação da pequena multidão no café do senhor José não constitui um problema e se consegue resolver sempre sem o menor incómodo de ninguém, já o é, a certas horas, o insuportável estacionamento dos automóveis dos dois lados da rua, nas suas cercanias, sem respeito pelos transportes públicos e privados que tentam circular, não raramente provocando confusões e episódicos engarrafamentos, sem atenção pela pressa dos outros. É que alguns comodistas frequentadores do café do senhor José - ou da lavandaria do chinês ou da padaria ou da farmácia ou mesmo da ourivesaria - decidem levar até à porta o seu carro. Pena é que não saibam que não lhes basta morar por ali para poderem exibir um atestado de civilidade. Esta demonstra-se por essa coisa tão simples que é a educação, que reside menos no beija-mão e mais nos gestos comuns de urbanidade do dia-a-dia.

Lisboa é uma cidade muito agradável para viver e o espírito de bairro ajuda muito a isso. Mas mais ajudaria se os lisboetas fossem mais cuidadosos com os direitos dos outros, fossem mais civilizados e menos egoístas, cuidassem em pôr o lixo convenientemente nos devidos recipientes, não deixassem os carros nos passeios sem espaço para os peões passarem, não parqueassem viaturas no meio da rua a impedir os elétricos enquanto entregam as crianças nos infantários ou colégios, se mostrassem previdentemente solidários com quem se suja com o lixo dos seus cães.

Também eu gostaria muito de poder ir de carro tomar um café matinal ao sr. José, ao Chef ou às Cristal lá do bairro, agora que a Valquíria se tornou num local "inível", como dizia um velho amigo. Mas não vou, porque teimo em ter pelos outros o respeito que muitos outros não têm.

O Bruxo de Fafe em Lisboa

Sentadinho na cadeira
Quase chega
Com os pézinhos ao chão,
A esforçar-se.

Se se senta mesmo à beira
E escorrega,
Pode dar um trambolhão
E desgraçar-se.

De dedito espetado,
Perspicaz,
Ele debita com desdém
O arrazoado.

É rapaz bem informado
E é capaz 
De mandar aqui e além
O seu recado.

Quem lhe conta os segredos
Que revela?
Quem lhe dá tanto pretexto
P'ra brilhar?


Como sabe aqueles enredos,
O tagarela?
Sempre "dentro do contexto"
P'ra variar.

Ao olhá-lo, perorando
Com delícia
(Que o valente pequerrucho
Desabafe!)

Qual Sibila revelando
A notícia.
Já o conhecem como o Bruxo
Lá de Fafe.

31/5/15

O meu amigo e colega António Russo Dias publicou na sua página de Facebook este retrato rimado que não resisto a reproduzir. Estou certo que até o dr. Marques Mendes o apreciará

domingo, maio 31, 2015

Notícias de Oeiras


- Então não dizes nada sobre a vitória do Sporting na Taça de Portugal?

- Está a custar-me, confesso! Não me apetece lembrar aos meus amigos do Porto que acabámos de os igualar no número destes troféus.

- Então, e o Benfica?

- Coitados! Lá ficaram com a tacita Lucílio Baptista, uma espécie de segunda dama de honor. Todos contentes...

- Mas ganharam o campeonato!

- Claro! E, por uma vez, ganharam bem! Mas a propósito é que isso vem? Não era de taças que tu querias falar?

Levy


Pela décima vez, o filósofo francês Bernard-Henry Levy voltou a ser atingido, numa ocasião pública, por tartes de doce, o conhecido "atentado pasteleiro", que a história tem consagrado.

Levy é uma das mais irritantes personagens do universo intelectual francês. É, além disso, o "iluminado" político que conseguiu convencer Nicolas Sarkozy à operação de intervenção na Líbia, apresentando-lhe as figuras da oposição a Kadhafi que acabaram por fazer o "lindo serviço" que está à vista! Grande parte da tragédia das migrações mediterrânicas deve-se ao atual caos na Líbia, provocado por uma intervenção que não levou a cabo exclusivamente aquilo a que o mandato das Nações Unidas lhe permitia, "explorando o sucesso" (como dizem os militares) e descuidando o dia seguinte. Foi a clara e oportunista subversão desse mandato que deu um bom alibi à Rússia para recusar soluções para a Síria no Conselho de Segurança.

Noel Godin, o anarco-humorista que organiza regularmente estes "atentados" contra o cabelo estudadamente armado de Levy, realiza o sonho clandestino de muita gente. Francesa e não só...

Carlos Costa


Conheço Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, há bastantes anos. É uma personalidade a quem sempre reconheci um elevado sentido de responsabilidade no serviço público, uma pessoa séria e dedicada, com grande conhecimento da área financeira e europeia. Não tenho a menor dúvida em considerá-lo um dos grandes técnicos que Portugal possui nesta área. 

Todos estes atributos não excluem a possibilidade de Carlos Costa poder cometer erros. No caso BES pareceu-me ter ficado evidente que Carlos Costa, podendo tendo visto chegar a "vaga" da tragédia que se aproximava, não foi capaz, em tempo útil, de "puxar o tapete" a Ricardo Salgado. A doutrina divide-se sobre as razões por que assim procedeu, sendo que a versão menos benévola é a de que teve receio de provocar um embaraço público ao governo no termo da presença da "troika", com risco de afetar a "glória" da "saída limpa". 

Já me parece menos criticável a solução encontrada para o BES, embora todos devamos estar solidários com os custos que a mesma implicou para muitos. Naqueles difíceis dias, julgo que Carlos Costa - que o executivo deixou, de forma cobarde, sozinho no meio da praça - teve uma atuação muito responsável e tecnicamente tão boa quanto era possível. Com a única exceção, como à época aqui disse: não ter acautelado a eventualidade do processo poder acabar por ter um encargo substancial para o erário. Neste particular, ao afirmar, com aparente convicção, aquilo que não era uma evidência, fez um desnecessário frete ao governo e não prestou assim um serviço à imagem do Banco de Portugal. Foi pena.

A recondução de Carlos Costa por Passos Coelho não me surpreendeu. Como também não me surpreendeu que os tenores da maioria na Assembleia da República, que haviam sido estimulados pelas declarações da ministra das Finanças a criticar a supervisão na Comissão parlamentar de inquérito sobre o BES, tivessem mudado de agulha verbal, quando confrontados com (mais um)a cacofonia dissonante do governo - e isto não é um elogio para eles, é claro. 

O primeiro-ministro quer no Banco de Portugal, nos próximos anos, alguém que prolongue, qualquer que seja o seu destino nas urnas, a defesa da bondade da solução encontrada para o BES. Melhor: alguém que lhe sirva de pára-raios retroativo no caso do processo Novo Banco vir a obrigar um forte custeio orçamental. Passos Coelho, lá de Massamá, irá silenciosamente fazer dizer que a decisão da solução foi de Carlos Costa. Se acaso as coisas correrem menos mal, então não deixará de lembrar que foi ele quem renomeou Carlos Costa.

Termino dizendo que Carlos Costa não deveria ter aceite continuar sem exigir ao governo que o PS ficasse associado à sua recondução. Da mesma maneira que, quando foi nomeado por um governo PS, este não deixou de tomar em conta a opinião do então principal partido da oposição, o PSD, partido de quem Carlos Costa nunca escondeu estar politicamente próximo. Tenho muita pena que isso não tivesse acontecido, por Carlos Costa e pelo país, que necessitaria de ter, nos próximos anos, um governador do Banco de Portugal forte e com um reforço político assegurado.

sábado, maio 30, 2015

Seleção

Na semana que agora termina, fiz parte de um painel de seleção de jovens "trainees" para uma das maiores empresas nacionais, cujo negócio se situa maioritariamente fora do país. Ao longo de vários dias, foram muitas horas de diálogo com dezenas de jovens de diversas origens académicas, sem exceção com mestrados em excelentes instituições universitárias, com idades que raramente ultrapassavam os 25 anos. O grupo a selecionar representava já só 1% (leram bem) dos inscritos, que haviam sido sujeitos, ao longo de meses, a um rigoroso processo de seleção profissional. Já em 2014 tivera experiências idênticas, em Portugal e no estrangeiro. Dentro de semanas, farei isso noutro continente.

Devo dizer que ser parte deste exercicio é, ao mesmo tempo, uma experiência fascinante e delicada. 

Fascinante porque este tipo de experiência acaba por ser uma montra ilustrativa do Portugal de hoje. Ouvir os jovens falar das suas ambições, dos seus interesses pessoais, do modo como olham o país e o mundo, da sua leitura da relação com a família e os amigos é muito interessante e instrutivo. No meu caso, para quem viveu muito tempo no estrangeiro e perdeu um pouco a ligação à realidade do país novo que aí está, este tipo de tarefa, somada às incursões que tenho vindo a fazer na vida universitária, permite "atualizar-me" sobre Portugal. E, sem ter tido surpresas, confesso que tive algumas revelações.

A delicadeza deste tipo de exercícios é, contudo, muito grande. Trata-se de conseguir avaliar, pela observação da interação em exercícios conjuntos, complementada por entrevistas individuais, a disponibilidade para o trabalho em grupo, o potencial de liderança e de entusiasmo pelas tarefas que os esperam, que leitura esses jovens têm da realidade que os envolve, procurando perceber, por detrás do que exprimem e de como se exprimem, se revelam potencial para as exigências específicas da profissão a que se estão a candidar. A complexidade agrava-se ainda mais pensarmos na imensa responsabilidade que consiste, através de um simples "sim" ou de um "não", dar sequência ou pôr termo a um sonho de carreira, a um investimento pessoal num concurso que, para cada um deles, pode significar uma profunda mudança de vida. 

sexta-feira, maio 29, 2015

Anarquismos

Ontem, à hora de almoço, passei em frente à morada onde esteve instalado o restaurante "Os Anarquistas", junto ao teatro da Trindade. O que por lá está hoje já não lembra o que foi. Era um dos mais antigos restaurantes de Lisboa, criado em 1906, por décadas pouso de artistas, intelectuais, jornalistas e outros frequentadores de animadas tertúlias. Diz-se que o nome viria mais dessa agitação verbal do que de qualquer vocação libertária. Recordo-me de, nos anos 70, quando trabalhei na zona do Chiado, ter lá comido algumas vezes, curiosamente sem grande memória apreciativa do que o restaurante servia, registando apenas que não era muito barato e que fazia parte da tradição de cozinha de galegos que muito marcou a restauração de Lisboa. 

Há anos, um amigo meu passou em frente ao restaurante e, num impulso, decidiu almoçar por lá. O nome tinha mudado e ele achou curioso experimentar o que propunha a nova gerência. Entrou, sentou-se, pediu a lista à empregada e começou a ler o seu jornal. Quando levantou os olhos, notou, com alguma perplexidade, que naquele espaço só havia mulheres, em todas as mesas à sua volta. Essa estranheza foi reforçada pelo facto de algumas delas deitarem olhares insistentes para a mesa onde ele estava, sozinho, a aguardar o que tinha encomendado. A persistência dessas miradas começou mesmo a incomodá-lo. 

De repente, teve um sopro de conforto: tinha acabado de entrar uma velha amiga! Finalmente, ia quebar o seu isolamento! A reação da amiga, contudo, surpreendeu-o: "O que é que tu estás aqui a fazer?!". De início não percebeu o espanto mas o sorriso malicioso da sua agora companheira de mesa acabou por fazê-lo compreender no que se metera! O espaço que sucedera a "Os Anarquistas" era agora um lugar gay feminino! A amiga, uma conhecida figura pública que ele sabia ter essa tendência, estava divertidíssima. Ele, logo que pôde, pôs-se a milhas... 

Falar claro


Há dias, num debate público, veio à baila a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De imediato, convergiram sobre a organização os tradicionais discursos congratulatórios sobre o trabalho desenvolvido, com a "juventude" do modelo a ser arguida como justificação complacente para as suas insuficiências. Não foi por espírito de contradição que não me juntei ao coro.

A CPLP tem quase duas décadas, pelo que tem já as responsabilidades da maioridade. Se hoje é o que é, isto é, se não atingiu uma velocidade de cruzeiro mais entusiasmante, não foi por falta de tempo: foi por ausência de vontade política dos Estados integrantes para ter ido mais longe.

Não vale a pena esconder o facto de que a organização sofre da anómala circunstância de que, ao contrário das suas congéneres britânica ou francesa, não está centrada no seu país membro mais relevante à escala global. Como a questão do acesso da Guiné-Equatorial bem demonstrou, Portugal não tem hoje qualquer tutela substantiva sobre a CPLP – e isso torna-a, em grande medida uma organização mais igualitária e equilibrada. Mas, nem por isso, mais dinâmica.

Desenhada nos seus estatutos sob valores ético-jurídicos tributários de uma cultura política “eurocentrada”, no processo interno da CPLP projeta-se uma ordem de valores onde prevalece a leitura mais flexível e relativizada com que, tradicionalmente, o Sul sempre olha as dimensões democráticas ou do Estado de direito. Isto é um juízo de facto, não de valor.

Mas este é apenas um dos aspetos em que a atipicidade da CPLP se objetiva. Com “sócios” nos cinco continentes, sem fronteiras entre si e com graus de desenvolvimento muito díspares, os Estados CPLP têm a caraterística de operarem em espaços de afirmação geopolítica sem potenciais contradições entre si. O crescimento de cada um dos Estados acarretará assim vantagens sinérgicas para o conjunto. E isto é muito valioso.

Duas décadas depois da sua criação, o que leva a esta evidente “anemia” da organização? O principal fator é o facto do Brasil não se ter decidido utilizar a CPLP como um instrumento matricial da sua política externa. É no empenhamento do Brasil que reside a chave do futuro da organização. Mas isso não chega.



A CPLP tem de ser olhada em perspetiva e repensada, de forma aberta e descomplexada, nisso envolvendo a multiplicidade dos agentes que hoje se expressam em português. Uma língua falada por muitos milhões de pessoas mas da qual praticamente ninguém fala fora desse espaço. E isto é preocupante.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, maio 28, 2015

O consenso "à la carte"

A palavra "consenso" tem uma carga forte nos últimos anos. Nem sempre pelas melhores razões.

Nos últimos tempos, sempre que foi necessário fazer pagar aos portugueses um custo que afetasse os seus haveres, o governo apelou ao consenso do principal partido da oposição.

Há dias, viu-se isso na hipótese de voltar a cortar nas atuais reformas. Era a forma de partilhar o odioso, uma forma de desresponsabilização sobre o fracasso de uma política. Em 2013, como se recordarão, o presidente da República foi um complacente agente da "operação consenso".

Mas, curiosamente, não se viu agora o chefe do Estado apelar publicamente a que, em temas como a questão da privatização total da TAP ou da recondução do governador do Banco de Portugal, o maior partido da oposição fosse ouvido. Por que será?  O consenso é "à la carte"?

quarta-feira, maio 27, 2015

150 anos em português


O "Diário de Notícias" faz 150 anos. Para um jornal, é obra! Esta bela imagem de Stuart, de 1930, cujo desenho a alguns trará à recordação dos tempos do "major Alvega", serve-me de suporte à nota sobre um debate em que participei esta manhã, comemorativo do aniversário, sobre os desafios da língua portuguesa no mundo, com colegas de vários países lusófonos, no Pavilhão de Portugal do Parque das Nações.

terça-feira, maio 26, 2015

Teresa Paixão


A RTP 2 é o parente pobre da RTP. E, no entanto, sob a mão culta e imaginativa de Teresa Paixão, o canal dá hoje, cada vez mais, grandes lições de qualidade televisiva, em sinal aberto, a muita gente que anda aí pelo cabo.

Um grande abraço de parabéns, Teresa! Viva a televisão pública!

Acordar sereno

Nos tempos da “outra senhora”, o discurso oposicionista dizia que os portugueses ansiavam por ter a certeza de que, quando alguém lhes batia à porta de manhã cedo, era o padeiro e não a polícia política. Os padeiros, ou os leiteiros, já não batem diariamente à nossa porta (infelizmente!) e a polícia política desapareceu. A democracia pretendeu regular o arbítrio e, em tese, dar sossego a um cidadão que não deva nem tema.
 
Nos dias de hoje, os portugueses anseiam por uma sociedade previsível, continuam a não gostar de más surpresas, estando contudo preparados para as mudanças que lhes sejam benéficas. A sociedade democrática tem a mudança no seu ADN. Ao colocar regularmente aos eleitores a possibilidade de escolhas, abre o caminho à alteração das regras da sociedade, mas, sempre e só, com o objetivo de melhorar a qualidade das políticas públicas, de oferecer aos cidadãos soluções coletivas mais favoráveis à realização dos seus interesses individuais.
 
Porque não é de admitir que os programas políticos apresentem novas propostas apenas pelo capricho de “fazer diferente”, é suposto que a imaginação de quem se propõe mudar o “statu quo” não ultrapasse nunca esse limiar de responsabilidade cívica. Olhando para o que o principal partido da oposição agora propõe – e que, no essencial, está já à vista dos futuros eleitores -, parece evidente que tal vai nesse caminho.
 
Nos últimos anos, esta espécie de “suspensão da democracia”, que o programa da “troika” e os excessos locais de zelo nos trouxeram, acarretou uma instabilidade sem precedentes na vida dos portugueses. Era inevitável? Se o respeito pelas pessoas, em especial pelas mais idosas, mais frágeis e mais desprovidas de recursos, tivesse sido a regra orientadora da execução das políticas, o país não teria mergulhado nesta angústia ansiosa de que ainda se não libertou.
 
A arrogância autoritária com que hoje se mudam as regras, com que unilateralmente se reformula o contrato entre o cidadão de boa fé e o Estado, em que a instabilidade fiscal e legislativa em geral passou a fazer parte do nosso quotidiano, em que uma espécie de administração “kafkiana” se converteu numa instância inapelável, tudo isso induziu nos portugueses uma profunda síndroma de desconfiança. Nos dias que vivemos, está criada a sensação de que nada pode ser dado por assente ou adquirido, porque o que era verdade ontem pode deixar de sê-lo amanhã, sem uma desculpa, sem uma justificação, no fundo, sem respeito pelos cidadãos.
 
Se há um conselho – e um só – que eu possa dar àqueles que se propõem como alternativa para tutelar o Estado nos próximos anos é o de que procurem transmitir aos portugueses a certeza de que tudo farão para que eles possam vir a acordar, todos os dias, sem o temor de que esse mesmo Estado lhe vai trazer más surpresas e mudanças drásticas e incómodas à sua vida e das suas famílias. Alguns anos vividos nessa simples mas essencial estabilidade poderiam ajudar muito a recuperar a confiança perdida, reconciliando os cidadãos com o seu Estado.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

A ler vamos...


José António Inácio de Sousa Quitério, conhecido como José Quitério, de quem aqui já muito se falou, homem que deu à cultura da alimentação em Portugal grande parte da sua vida, acaba de publicar este seu quinto livro, onde reúne textos magníficos, que nos ensinam e dão muito prazer.
 
Se pudesse, publicava aqui essa elegia que se chama "O Adeus português ao Bacalhau", um texto imperdível que este livro também acolhe, onde a História se cruza com a cultura e a cultura da nossa culinária, um fresco nacional onde todos estamos representados.
 
Muitas vezes, no final das noites, nas madrugadas em que hesito entre a escolha da última leitura, regalo-me com um pedaço de um texto de José Quitério como faço com as crónicas de Manuel António Pina ou de Miguel Esteves Cardoso ou com a poesia de Alexandre O'Neill. São eles, entre outros, que, com o seu humor saudável, me mantêm bem acordado para as coisas da vida, antes de ir dormir.
 
Leiam este livro de José Quitério. Garanto que não se arrependerão!

A brigada do Júlio de Matos ataca de novo

Pronto! Lá começaram os maluquinhos do costume a criar uma teoria da conspiração sobre a coincidência temporal nos acidentes aéreos de hoje....