Os diplomatas que investem a sua vida numa longa e exigente carreira que, apenas para alguns, culmina na ascensão à chefia de uma missão, com a categoria de embaixador, não veem com muito bons olhos, e julgo que compreensivelmente, a nomeação de embaixadores "políticos". Estes foram em algum significativo número no passado, em especial após a Revolução de abril, sendo que, nos tempos mais recentes, a frequência desse tipo de nomeações caiu muito e ficou centrada em lugares de perfil mais especializado. Mas, para sermos honestos, há que dizer que algumas dessas personalidades exteriores que passaram pela carreira - na minha pessoal opinião, apenas uma pequena minoria - constituiram-se como um real valor acrescentado para o serviço diplomático.
Há um nome que passou pela carreira diplomática, como embaixador "político", que sempre mereceu o meu maior respeito, uma figura moral e um grande homem de cultura, cuja ação diplomática trouxe um evidente contributo para a defesa e promoção dos interesses de Portugal, nos quatro postos onde desempenhou funções. O nome é José Fernandes Fafe. Tenciono, daqui a algum tempo, falar aqui sobre um importante livro que escreveu sobre as relações com o Brasil, mas hoje vou apenas contar uma história leve, com ele ocorrida em Angola.
Há um nome que passou pela carreira diplomática, como embaixador "político", que sempre mereceu o meu maior respeito, uma figura moral e um grande homem de cultura, cuja ação diplomática trouxe um evidente contributo para a defesa e promoção dos interesses de Portugal, nos quatro postos onde desempenhou funções. O nome é José Fernandes Fafe. Tenciono, daqui a algum tempo, falar aqui sobre um importante livro que escreveu sobre as relações com o Brasil, mas hoje vou apenas contar uma história leve, com ele ocorrida em Angola.
Estávamos na primeira metade dos anos 80. Chefiava a nossa missão em Luanda José Stichini Vilela, como encarregado de negócios, no intervalo entre dois embaixadores. Fernandes Fafe deslocara-se a Angola, vindo de S. Tomé, na qualidade de embaixador itinerante para os países lusófonos, acompanhado do professor Luís Filipe Lindley Cintra, outra magnífica figura da cultura portuguesa, para contactos no âmbito universitário. Stichini Vilela convidou, naturalmente, Fafe e Cintra para jantar, na véspera do seu regresso a Lisboa. Foi para todos os presentes uma conversa com imenso interesse, com dois interlocutores extraordinários, duas personalidades serenas e complementares, que muito nos enriqueceram, num tempo em que, em Luanda, se vivia algum isolamento. Despedimo-nos dos convidados, depois do jantar, desejando-lhes boa viagem para Portugal.
No dia seguinte, fomos informados que o voo diário da TAP para Lisboa havia sido suspenso e que os visitantes teriam de ficar mais uma noite no hotel. O então cônsul-geral português, Fernando Andresen Guimarães, tomou a iniciativa de organizar um novo jantar em sua casa, incluindo os convivas da noite anterior. Nova noitada de "bom papo", como dizem os brasileiros, e nova despedida coletiva a Fernandes Fafe e Lindley Cintra.
A surpresa viria na manhã subsequente. Afinal, também nesse dia, por uma qualquer razão, o voo da TAP não se realizaria. Eu era primeiro-secretário da Embaixada e, com gosto, propus-me fazer em minha casa um terceiro jantar aos nossos visitantes. Recordo-me que foi uma noite igualmente agradável, finda a qual brincámos com a possibilidade do voo também não ter lugar no dia seguinte.
À despedida, Fernandes Fafe voltou-se para aqueles que haviam sido os seus sucessivos anfitriões e perguntou: "Os meus amigos gostam de Raymond Chandler?". Julgo que todos dissemos que sim, no meu caso porque fui um fanático da literatura policial. "E estas três noites não lhes fazem lembrar Chandler?". Ficámos perplexos, sem resposta, não percebendo onde queria chegar com a questão. Com um sorriso, Fernandes Fafe acrescentou: "então não se lembram do livro dele, do "The long goodbye" ("O longo adeus?")?
Deixo aqui um forte abraço para o meu amigo (e colega), embaixador José Fernandes Fafe, no termo de um ano que sei ter-lhe sido bastante difícil.
Deixo aqui um forte abraço para o meu amigo (e colega), embaixador José Fernandes Fafe, no termo de um ano que sei ter-lhe sido bastante difícil.