quinta-feira, dezembro 01, 2011

Refundar a Europa (2)

Encerrou no dia 30 de novembro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o "Congresso internacional 25 anos na União europeia", organizado pelo respetivo Instituto Europeu (que também comemora um quarto de século de existência), sob a orientação do professor Eduardo Paz Ferreira.

Devo dizer que, nas quase cinco horas de trabalhos a que assisti, confortei a minha ideia de que Portugal dispõe de uma "massa crítica" de reflexão sobre estas temáticas que pede meças a qualquer país europeu. Julgo que isso mesmo pôde constatar o meu colega francês em Lisboa, Pascal Teixeira da Silva, que seguiu atentamente os trabalhos.

No que me respeita, destaco alguns pontos do que abordei no meu painel:

- a crise da governabilidade democrática na Europa contemporânea.

- as tensões induzidas ou a induzir pela crise europeia nos sistemas constitucionais de cada país.

- a forma diferenciada como as opiniões públicas nacionais são mobilizadas pelo fatores de insegurança que atravessam a Europa.

- a perceção pelos eleitores nacionais das diferenças de poder, no âmbito europeu, dos seus titulares da representação política, com naturais efeitos na respetiva legitimidade.

- a fragilidade particular que sofrem os países sob tutela de programas de ajustamento, que vivem um quase ambiente típico de "pós-guerra".

- a necessidade de perceber que há uma linha muito fina que separa a assunção de medidas de rigor e austeridade, aceites como indispensáveis e assumidas como legítimas, da ideia de se estar perante um "diktat" externo gerado por um "estado de necessidade", que pode alienar a respetiva aceitação popular, com riscos sociais graves.

- a necessidade de preservar a confiança entre os Estados membros, por forma a não gerar clivagens entre as várias opiniões públicas, se se pretende garantir condições para uma futura reforma, ainda que limitada, dos tratados europeus.

- a especial posição em que Portugal se encontra, fruto da necessidade de cumprir, com rigor, compromissos que derivam na nossa fragilidade económico-financeira, ao mesmo tempo que os seus dirigentes têm forçosamente de assumir posições políticas que garantam a não marginalização do país, no quadro dos novos arranjos europeus que, queiramos ou não, aí virão.

- a importância de Portugal praticar, neste difícil contexto, uma política muito pragmática de alianças e, tal como no passado, ter de fazer opções de matriz inclusiva e centrípeta face aos modelos mais coesos de integração (ou de cooperação intergovernamental) que possam vir a ser desenhados, evitando, o mais possível, qualquer risco de periferização.

Tal como acontecera no painel anterior àquele em que participei, que havia sido dedicado à questão financeira e onde houve intervenções de grande qualidade e profundidade, fiquei muito agradado com a discussão tida com os meus colegas de painel - onde António Vitorino traçou um rigoroso inventário prospetivo do que pode esperar a Europa como saldo desta crise, onde João Cravinho ilustrou com a sua experiência pessoal as dificuldades de participação no quadro interinstitucional na União, onde Raul Rosado Fernandes "partiu a loiça" com a sua heterodoxia eurocética e afastamento do "politicamente correto" e onde Nuno Severiano Teixeira traçou um interessante e elaborado quadro histórico do papel central da Alemanha nos diversos tempos de revisão do "contrato europeu".

Pegando no último tema, deixei clara no final dos trabalho a minha perspetiva de que o trabalho franco-alemão se constituiu sempre, no passado, como um contributo da maior importância para a dinâmica do processo europeu. Porém, o modo como a "coreografia" do exercício dessa influência se estava a apresentar, nos últimos tempos, no cenário de afirmação dos poderes tinha, com toda a evidência, criado algum incómodo e mal-estar em certos parceiros, que se sentiam pressionados por uma espécie de "duopólio" auto-designado, que era particularmente chocante no tocante ao que parecia ser uma clara subalternização das instituições.

Neste ponto, parecia-me cada vez mais delicada a posição da Alemanha, cuja imagem histórica evolutiva sempre constituiu um pano de fundo referencial para todo o processo integrador. Não me sossegava verificar - mesmo em França, onde o esforço de reconciliação teve talvez o seu maior expoente -, a clara geração de um ambiente de desconfiança quando ao "excesso de poder" de Berlim. A questão alemã é uma questão europeia e o modo como a movimentação do poder alemão é vista em todo este contexto não deixará de ter consequências no ambiente de confiança indispensável à consensualização de soluções de futuro.

Aproveito para deixar um link para o texto que, em paralelo a esta Conferência, publiquei no livro "25 anos na União Europeia - 125 reflexões", editado no dia 30 de novembro pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa. É um texto "perecível", quiçá a ser infirmado pelos factos, no curto prazo. Porém, como afirmei na Conferência, ao abordar este tipo de assuntos sinto-me hoje como estando a debater teorias climatéricas no meio de um ciclone...

Em tempo: a JustiçaTV trouxe a intervenção inicial que fiz (depois complementada por outras duas intervenções)

10 comentários:

Daniel Ribeiro disse...

Senhor Embaixador,

Obrigado por este post. Excelente resumo.

Mas, sendo eu visita recente deste seu espaço, o que quero hoje é cumprimentá-lo pela elevação com que coloca os seus pontos de vista e, já agora, pela qualidade e economia da sua escrita.

obrigado
Cumprimentos.

Daniel Ribeiro

Anónimo disse...

Um comentário a quente. Muita lúcida a sua análise, como sempre. O ponto de interrogação caiu, como bem escrevia ontem, e tudo aponta para que a negociação do anunciado novo Tratado preconizado por Sarkozy venha ser muito delicada para Portugal, pelas razões que aponta. A França e a Alemanha sempre se apresentaram como o "motor da Europa" e o seu papel foi, nalguns momentos, decisivo. Mas numa lógica diversa, a duma integração em que se pretendia garantir tanto quanto possível a igualdade entre todos os Estados Membros. Neste momento de crise profunda, uma fuga para a frente, tentando legitimar, a pretexto de salvar a UE, a existência dum núcleo duro,muito restrito, seria o "cenário de pesadelo" para países como Portugal, debilitados pela crise financeira, que poderiam ser arrastados para uma periferia donde teriam a maior dificuldade em sair, por muitas garantias que se possam dar no papel. Uma luta "tous les azimuts" espera-nos, pois, e precisaremos de muita determinação, frieza e habilidade negocial para vencermos este desafio que nos chega, hélàs, no dia em que comemoramos possivelmente o último 1º de Dezembro. W.

Anónimo disse...

Se me é permitida uma pequeníssima correcção climatérica, não é um ciclone, é um tsunami.

Isabel Seixas disse...

"Perecível"(...)

Mas não menos interessante.
Dá que pensar.

Helena Oneto disse...

Brilhantemente expostos, pertinentes e cruciais, os pontos que o Senhor desenvolveu são fundamentais para Portugal se manter na eurozona. Contudo, tenho duvidas quanto à possibilidade efectiva
“dos seus dirigentes (em) assumir posições políticas que garantam a não marginalização do país (...)” e
“a importância de Portugal praticar, neste difícil contexto, (...) uma política muito pragmática de alianças (...) evitando, o mais possível, qualquer risco de periferização”.

Faço votos para que o que me parece ser um “wishful thinking“ se torne realidade.
Creio que lhe disse em tempo que admiro e invejo o seu optimismo:).

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

No contexto da intervenção no congresso foi interessante verificar o Eurocepticismo de uma geração que se sente mais Lusófona que Europeia em contraponto com a geração do Erasmus e da Europa como fim de semana.

Para o Profº Jorge Miranda não há uma cidadania Europeia. Mas também há hoje uma cidadania Nacional de facto? Não estará a cidadania refém da necessidade de uma nova participação? A intervenção de Teresa Moreira, directora geral do consumo, também foi interessante na explanação da realidade comunitarizada da protecção de defesa do consumidor. Mas a pergunta que deixo é: haverá na Europa um Direito do Consumidor senão há na Europa um efectivo direito de concorrência?

O problema Europeu nesta fase aguda de reformatação das relações mundiais tem a ver com os chamados óptimos de Pareto. É que se os espaços regionais revelam um segundo óptimo, o espaço do comércio global revela-se um primeiro óptimo. E neste novo espaço global o sentido de pertença a uma União regional torna-se para alguns irrelevante.

Alexandre Rosa disse...

Como sempre, meu caro, um excelente artigo. pela clareza da síntese e das ideias expostas. Tomei a liberdade de o difundir no olhares do litoral. Obrigado
http://olharesdolitoral.blogspot.com/2011/12/boa-sintese-de-seixas-da-costa-sobre.html

Anónimo disse...

Nesta fase, a Alemanha pode exigir praticamente o que quiser aos restantes países. Veja-se que a Sra. Merkel disse hoje no parlamento alemão que se está a atingir um nível de "convergência orçamental" anteriormente impensável (leia-se anuência tácita a todas as imposições sobre emissão de dívida), e que o processo de integração levará anos (leia-se redesenho dos tratados e sucessivas iterações até que todos os parlamentos dêem a resposta "certa"), mas que estão fora de questão as euro-obrigações ou uma intervenção não convencional do BCE (leia-se que as instituições europeias existem para servir os interesses da Alemanha). (Em seguida falou das conversações sobre a adesão à UE da... Sérvia e do Montenegro... como que a mandar a mensagem para Portugal e a Grécia...)

Ora, quando antes se falava em convergência com a Europa, não era neste tipo de "convergência" que se falava. Se Portugal quiser manter o euro, tem de ter a noção de que a classe média vai levar décadas a atingir um nível de vida decente, porque a noção de convergência (que não pode ser atingida sem níveis de inflação acima da média) foi abandonada. Este foi um dos grandes logros do euro e da actuação do BCE, e que nenhum governo explicou.

DL

Fada do bosque disse...

«A Europa atual, em lugar de ter aprendido com o passado, parece ter perdido de vez a lucidez. Não há mais Salisbury, Disraeli, ou Churchill, entre os ingleses, mas pigmeus, como David Cameron e seus antecessores imediatos. No resto da Europa, o cenário é o mesmo. Incapazes de governar, posto que desprovidos de inteligência política, os simulacros de governantes entregam o poder aos banqueiros e a consultores empresariais. Como comediantes, lêem discursos que correspondem aos interesses dos reais donos do poder, e se reúnem com seus pares, fazendo de conta que lideram: não passam de meros delegados dos grandes banqueiros.
Ao mesmo tempo, cresce, na França e na Inglaterra, mas também na Itália e na Espanha, uma tendência a retomar, assimilar e assumir o espírito germânico de conquista e domínio, tão bem identificado por Salisbury há 140 anos. É assim que podemos ver a mobilização acelerada de Paris e Londres, sob o patrocínio norte-americano, contra o Irã e a Síria. Não é a violação dos direitos humanos, que eles mesmos desrespeitam em seus países, a movê-los – mas a hipótese, cada vez mais provável, de que as manifestações de inconformismo dentro de suas próprias fronteiras passem do protesto à revolução.
Por detrás da Europa, há a ação permanente dos Estados Unidos, a proteger Israel e a instigar Londres e Paris à agressão, na esperança de, como das outras vezes, impor sua “paz” ao mundo. Uma paz que, em 1945, lhes trouxe o controle das matérias primas mundiais, entre elas, o petróleo, e a cômoda situação de únicos emitentes de moeda no planeta.
Estamos à margem de um conflito que, se ocorrer, será tão trágico, ou mais trágico, do que os outros. Enfim, a paz sempre depende da vontade de que haja paz para todos - com equidade e justiça.»

Mauro Santayana

gherkin disse...

Embora tivesse lido na imprensa portuguesa uma breve cobertura (pois infelizmente não estava presente em Lisboa, como desejaria, para assistir a tão pertinente e importante Colóquio), é com satisfação que leio, usando a que lhe é, muito familiar expressão - e salvo seja” - “from the horse's mouth”, um sucinto e interessante resumo. Apraz-me igualmente notar o que aponta que “Portugal dispõe de uma "massa crítica" de reflexão sobre estas temáticas que pede meças a qualquer país europeu.” Ainda bem! Mas, infelizmente, isso não é, como deveria ser, refletido nos principais órgãos portugueses da comunicação social. É pena! Assinalo, igualmente, o meu pleno acordo quanto à sua afirmação de que a adesão do nosso país à então Comunidade Europeia deve-se principalmente ao 25 de Abril e da necessidade da solidificação da democracia. Quanto a adesão ao euro, a história é outra! Um abraço.

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