terça-feira, outubro 13, 2009

Turquia

Está este ano a ter lugar a "Saison de la Turquie en France", uma iniciativa de cariz cultural que permitirá à sociedade francesa ter um olhar sobre a realidade turca que vá para além da caricatura com que a questão da aproximação deste país à União Europeia tem vindo a ser abordada, nos últimos anos, por vários sectores da opinião pública.

Este é um tema que sabemos não ser nada fácil em França e que aqui continua a suscitar fortes reacções e polémicas, com natural projecção nos agentes políticos. Por essa razão, considero ser muito saudável encontrar, no seio da opinião pública francesa, figuras de prestígio que, aproveitando estes eventos culturais, tentam recolocar o debate num ambiente de serenidade e maior racionalidade.

A carta que, no jornal "Le Monde" de hoje, surge assinada por figuras como Michel Rocard, Jacques Delors, Luc Ferry, Edgar Morin e Alain Touraine é um verdadeiro manifesto de responsabilidade cívica e um alerta para o erro que constitui a criação de uma espécie de "muro" civilizacional, que alguns parece pretenderem erigir entre o processo integrador europeu e a Turquia. Leia aqui o texto.

Vale a pena recordar que a Turquia foi convidada a ingressar nas então Comunidades Europeias ainda antes da Grécia e que foi plenamente reconhecido que aquele país preenche os chamados "critérios de Copenhague", que definem as bases para uma candidatura de qualquer Estado ao "clube" europeu. E também é interessante notar que o actual primeiro-ministro grego, Georgios Papandreou, se revelou um defensor da adesão turca à União Europeia, não obstante persistirem alguns temas de sensível conflitualidade entre os dois Estados.

Naturalmente que não podemos deixar de ter em conta a sensibilidade negativa que se sabe continuar a existir em vários países europeus, em face de uma futura adesão da Turquia. Por isso, compete-nos respeitar a dificuldade com que dirigentes de alguns desses Estados se defrontam. O que não nos parece aceitável é que se anuncie que se fecham as portas à Turquia à luz de preconceitos civilizacionais, assumindo uma espécie de fronteira religiosa, esquecendo o efeito deletério que isso pode ter na evolução da própria sociedade turca, assim potenciando o seu caminho num sentido que, a prazo, pode vir a revelar-se estrategicamente trágico para a Europa.

Como lembrou, há meses, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, num artigo divulgado pelo jornal "Público", os europeus continuam a ter reflexos em torno das suas questões de segurança à luz de uma lógica que ainda é meramente tributária dos tempos da Guerra Fria, não entendendo a urgência de redimensionar essa mesma perspectiva estratégica sob o prisma de um mundo onde, entretanto, teve lugar a tragédia do 11 de Setembro. Não perceber as consequências de natureza cultural e civilizacional que este novo tempo acarreta constituiu uma cegueira que é indigna de um projecto que se pretende com ambições de projecção à escala global.

Portugal é um país que, em face dos processos de alargamento da União Europeia, esteve e está, desde sempre, muito à vontade. Para surpresa de muitos, nunca nos colocámos na postura egoísta que alguns de nós esperariam, como reflexo defensivo face à necessidade de partilha das vantagens financeiras que disfrutávamos desde a nossa própria adesão. Porque sempre assumimos esse mesmo projecto de abrangência como um esforço de reconciliação da Europa consigo própria.

Por isso, e tal como o presidente da República portuguesa claramente deixou definido na sua recente visita oficial à Turquia, encaramos de forma muito positiva o processo de aproximação de Ancara das instituições europeias e tudo faremos para, no âmbito da União, manter o nosso compromisso de solidariedade e responsabilidade assumido para com a nação turca.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Romance

A imprensa francesa, e não só, tem especulado muito sobre o livro de ficção que o antigo presidente da República, Valéry Giscard d'Estaing, acaba de publicar, no qual desenha um "affaire" entre um chefe de Estado francês e uma infeliz princesa britânica. A proximidade entre os perfis das personagens retratadas e as do autor do livro e da falecida princesa Diana têm alimentado imensos comentários.

Porque este género de literatura também faz parte da vida, decidi-me a ler o livro. Cheguei a duas conclusões. A primeira é que, não obstante ser membro titular da Academia Francesa, Giscard d'Estaing dificilmente será prémio Nobel da literatura. A segunda é que a obra pode ajudar a que, um destes dias, ainda possamos ter uma boa tradução gaulesa da expressão "wishful thinking".

domingo, outubro 11, 2009

Acabou!

O facto da sociedade portuguesa estar, desde há mais de meio ano, retida numa contínua campanha eleitoral, em especial num ano de crise económica, não terá sido uma coincidência muito feliz. Este é, contudo, o preço da democracia de que usufruímos e devemos felicitar-nos pelo facto de, neste tempo complexo da vida portuguesa, ter sido possível confrontar ideias e projectos.

Agora, desculpem lá!, é tempo de voltar ao trabalho!

Em tempo: não deixa de ser profundamente estranho que um país com menos de 10 milhões de habitantes demore longas horas para apurar os seus resultados eleitorais e o Brasil, com uma população quase vinte vezes superior, consiga ter os dados definidos pouco mais de uma hora depois do encerramento das urnas. Será que não poderíamos utilizar um sistema electrónico similiar ao brasileiro, que hoje não sofre qualquer contestação significativa?

Vote bem!

sábado, outubro 10, 2009

Castanhas

Há duas semanas, saído de uma mesa de voto, soube-me bem sujar as mãos com castanhas assadas, embrulhadas num papel de jornal que não "passava" num teste da Asae...

Comer castanhas pelas ruas, especialmente no Outono, é um hábito comum em cidades de vários países do mundo, como é o caso de Paris, mas, não sei bem porquê, tem sempre um especial gosto em Lisboa.

E, já agora, ouçam isto.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Correio

A propósito da polémica que aqui em França prossegue sobre a intenção de abrir ao capital privado o serviço dos correios, apeteceu-me relembrar uma música que sei que dirá alguma coisa a uma certa geração portuguesa. Ouçam-na aqui.

Abstenção nas Comunidades

O Portugal Digital, uma interessante plataforma informática luso-brasileira, muito atenta às questões económicas e sociais, dá hoje conta da subida da abstenção entre os votantes, no Brasil, nas recentes eleições legislativas.

Nos últimos anos, correspondendo a um imperativo cívico mas, igualmente, a apelos públicos de várias origens, os consulados portugueses estimulam os cidadãos nacionais, no momento em que fazem a sua inscrição ou praticam actos consulares, a promoverem simultaneamente o seu registo no recenseamento eleitoral.

Os números do recenseamento, se bem que em dimensões geograficamente diferenciadas, mostram bem o êxito desse esforço. Porém, há um outro "lado" desta realidade: muitos desses cidadãos, não obstante terem acedido ao convite para se recensearem, mantêm-se, na prática, completamente alheios à realidade política em Portugal, pelo que, chegado que seja o momento das eleições, ficam alheios a elas e não votam.

Esta é uma importante razão que não pode ser esquecida, ao fazer-se a leitura deste aumento da abstenção. E é também um alerta para a necessidade das forças políticas portuguesas não se lembrarem dos cidadãos nos estrangeiros apenas na ocasião das eleições, importando manter com eles um continuado esforço de informação ao longo do tempo.

Klaus

O presidente da República Checa, Vaclav Klaus, um eurocéptico que mantém o Tratado de Lisboa como refém, é uma personalidade polémica, com que muitos não concordam, mas cuja coragem e frontalidade ninguém pode contestar. Agora, num gesto que está a embaraçar de novo os círculos europeus, quer colocar uma adenda ao Tratado, como condição imperativa para o assinar. Posso estar enganado, mas acho que acabará por fazê-lo.

Klaus é uma figura histórica importante do período subsequente à queda do muro de Berlim. Com o então líder eslovaco, Vladimir Meciar, é considerado um dos "culpados" pela divisão da antiga Checoslováquia, uma decisão à época muito discutida, mas que hoje parece já consensual.

A acompanhar o primeiro-ministro António Guterres, estive no seu gabinete de presidente do parlamento checo, em 1999. As suas reticências sobre o curso do processo europeu eram muito evidentes e, já à época, abertamente contrastantes com as ideias do então presidente da República, Vaclav Havel, com quem também tínhamos falado. Desde sempre, a República Checa viveu nessa polarização face ao processo integrador, muito por motivo da posição crítica de Vaclav Klaus.

Klaus veio a Lisboa, algures no primeiro semestre de 2000, a título privado, no âmbito de um "think tank" conservador que dá pelo nome de "Le Cercle", que tem como representante em Portugal - o que não será uma surpresa para ninguém! - o meu amigo Jaime Nogueira Pinto. Um jantar do grupo no "Ritz", que reunia umas centenas de membros, oriundos de vários países, tinha como convidado Jaime Gama, ao tempo ministro dos Negócios Estrangeiros, que nele deveria falar sobre a presidência portuguesa da União Europeia, então em curso. À última hora, fui escalado para substituir o ministro na tarefa e, confesso, estava longe de presumir no que me ia meter.

O tempo político estava então dominado pela chamada "questão austríaca", uma espécie de quarentena que os restantes 14 membros da União tinham decidido impor a Viena, como "punição" pela entrada no respectivo governo de um partido de extrema-direita, acusado de propósitos racistas e de simpatias pelo passado nazi. O governo português titulava essa posição de rejeição por parte dos "quatorze" e, por essa razão, era o alvo favorito das fortes críticas que se faziam sentir em meios conservadores europeus. Noutra ocasião, já aqui referi o que ouvi de Jean-Marie Le Pen, no Parlamento Europeu, por virtude dessa mesma atitude.

Apresentado no final do jantar pelo antigo ministro das Finanças britânico, Norman Lamont, a minha prestação correu com normalidade, até que chegou o tempo das perguntas. Sem surpresas, elas foram quase exclusivamente centradas no tema austríaco. E foi Vaclav Klaus quem tomou a liderança do ataque à posição portuguesa e dos parceiros europeus que nós representávamos. Durante bastante tempo, envolvemo-nos num aceso debate de razões cruzadas, sob o olhar deliciado, mas nada simpático para os meus argumentos, de um auditório que oscilava entre um forte conservadorismo e um reaccionarismo quase primário. Vaclav Klaus acabou por ser a "estrela" da noite, acolitado por outras figuras que aproveitaram para, por meu intermédio, "malhar" na Europa que se mostrava crítica da Áustria.

Quando a sessão terminou, confesso que fiquei aliviado. Mas ainda não perdoei totalmente ao Jaime Gama e ao Jaime Nogueira Pinto o "assado" em que me meteram...

A Paz no Nobel

quinta-feira, outubro 08, 2009

Cerâmica portuguesa

Chamam-se Sofia Beça, Heitor Figueiredo e Mário Reis (na imagem) - e são os ceramistas portugueses contemporâneos seleccionados para exporem no Céramique 14 Paris.

Este ano, Portugal é o país convidado do certame, cuja inauguração teve lugar ao final da tarde de ontem e na qual intervim a convite do "maire" Pascal Cherki, que tem como seu conselheiro uma figura proeminente da comunidade de origem portuguesa em França, Hermano Sanches Ruivo.

A grande surpresa desta exposição foi, porém, a presença paralela, num espaço próprio, de um surpreendente e criativo conjunto de peças oriundas da tradicional "escola" de cerâmica de Barcelos, dos herdeiros artísticos de Rosa Ramalho.

Leia também aqui.

Copé

Foi muito interessante o almoço que o meu colega sueco hoje promoveu com o líder parlamentar do partido da maioria UMP, Jean-François Copé, uma figura em ascensão na vida política francesa, que corajosamente recusa a "langue de bois" e que tem uma afirmação pública cada vez mais forte.

Porque o papel de um embaixador também exige a assunção da frontalidade, tive com ele um "bate-bola" franco, embora muito cordial, sobre a Política Agrícola Comum (PAC) e os fundos estruturais.

As regras destas conversas exigem que não revelemos o que os nossos convidados dizem. Mas nada me impede de deixar aqui expresso o que eu próprio disse: refutei a "racionalidade" da actual PAC, tão cara à França e tão "cara" a todos nós, afirmando que estaríamos preparados para rediscutir os seus actuais desequilíbrios e trabalhar, se para tal houvesse um dia vontade colectiva, para uma sua futura reorientação em favor das produções "do Sul" da Europa. E não deixei de lembrar uma realidade escondida: Portugal é "contribuinte líquido" desta política, isto é, paga para ela mais do que recebe.

Sobre os fundos estruturais, que a Europa mais rica regularmente nos atira à cara como uma espécie de resultante de uma sua suposta boa vontade histórica, deixei claro que o nosso desenvolvimento e o nosso consequente maior consumo faz com que as prateleiras das nossas lojas estejam hoje cheias de produtos produzidos noutros lugares da Europa e que as grandes empresas comunitárias sejam tão livres como as portuguesas de usufruir de tais fundos, obtendo por isso um considerável retorno. E não perdi a oportunidade de lembrar uma coisa que a maioria das pessoas teima esquecer: o maior volume de fundos estruturais, contrariamente a um velho mito, não vai para os países mais pobres da União mas sim para as regiões mais pobres dos países mais ricos.

Vale sempre a pena ter uma bela discussão e Jean-François Copé foi, neste almoço, um debatedor admirável, tanto mais que muito nos elucidou depois sobre a vida política interna francesa.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Debate

Foi apresentado e discutido nos salões da Embaixada, da autoria de Felipe Cammaert, o livro "L'écriture de la mémoire dans l'oeuvre d'António Lobo Antunes et de Claude Simon". O prefácio de Maria Alzira Seixo introduz este trabalho comparativo de dois autores que, em algumas obras, percorreram temáticas comuns que o autor explora.

As dezenas de atentos espectadores ontem presentes à sessão mostraram-se muito interessadas no debate que esta obra suscitou e deram-nos mais razões para continuar, no futuro, a abrir as nossas portas a iniciativas culturais congéneres.

Devo confessar que me causa uma certa tristeza que, à parte as magníficas iniciativas do Centro da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, Portugal não disponha, na capital do país onde tem a sua maior comunidade no estrangeiro, de instalações adequadas e especificamente dedicadas a exposições e debates sobre a nossa cultura, bem como para a promoção regular da nossa economia.

Mas se há uma atitude com a qual não podem contar da minha parte é a resignação. Por isso, continuaremos a "travestir" a nossa Embaixada numa espécie de centro de divulgação português improvisado...

RIA

Para quem não saiba, a expressão RIA significava em Portugal, ao tempo das lutas académicas dos anos 60 e 70, "Reunião Inter-Associações", isto é, encontros de dirigentes estudantis de várias faculdades, normalmente para discussão das "novas formas de luta", nos tempos áureos em que os universitários se uniam em torno de reivindicações que iam bastante para além das propinas e das praxes.

Lembrei-me do ambiente das RIA ao ler alguns comentários deixados no post "Ainda uma gravata", que aconselho que consultem. Aí aparecem citadas figuras que vieram a ser conhecidas em diversos sectores da vida portuguesa, para além de outras que optaram pela sábia serenidade de uma existência sem paragonas.

Neste contexto de luta académica, há um nome que não resisto a trazer à memória, uma figura de dirigente associativo que marcou muito a minha geração e que, infelizmente, já desapareceu: João Crisóstomo. Era uma voz forte e tonitruante que saía daquela bigodaça farfalhuda, sempre marcada por expressões que, as mais das vezes, se colocavam à margem da linguagem estereotipada que caracterizava os nossos discursos associativos. Ouvir o João era uma delícia!

A primeira vez que o conheci, e perante um comentário que terei feito, talvez sugerindo uma qualquer acção, arrumou-me com um definitivo: "Deixa-te disso! Essa questão já foi discutida no 4º seminário!". A timidez de novato impediu-me de perguntar o que era o "4º seminário" e, ao que recordo, andei uns dias, por caminhos ínvios e que não amesquinhassem mais a minha ignorância, a tentar perceber de que se tratava. Lá vim, finalmente, a saber que se estava a referir ao 4º Seminário de Estudos Associativos, iniciativa cujas conclusões obtive e que, deduzo, terá sido antecedida de três outros "seminários" cujo rasto, confesso, nunca encontrei. Pode ser que, agora, algum comentador me possa esclarecer.

O João Crisóstomo era uma verdadeira enciclopédia associativa. Falava de pormenores das lutas académicas anteriores com imensa certeza e conhecimento, citando, com inesperada precisão, factos muito antigos, a que manifestamente nunca podia ter assistido, dada a sua idade. Por essa razão, uma madrugada, numa sala de Económicas, no Quelhas, no auge de uma RIA, que viria a acabar, horas mais tarde, connosco a fugir pelas janelas e a saltar os muros, devido a um cerco da polícia, alguém lhe lançou uma questão provocatória: "Ó João, esclarece lá uma coisa: tu afinal estiveste ou não na greve de 1907, antes da implantação da República?". O João Crisóstomo, já de si sempre propenso a reacções fortes, "passou-se"! E iam voando dossiês!

Homenagem

Por assumida opção, não é meu costume citar outros blogues, muito simplesmente porque, por falta de tempo, é muito raro "passear" pela blogosfera. Mas alguém me chamou a atenção para um "post" e verifiquei que nele se dizia uma coisa que eu gostaria de ter dito. Por isso, reitero aqui a devida homenagem feita a uma grande Senhora que tenho tido a sorte de ter como leitora bem disposta e atenta destas "Duas ou Três Coisas", com que procuro amenizar os meus dias e os de quem acha que, às vezes, vale a pena olhar para o que escrevo: Helena Sacadura Cabral.

Amália em Paris

Ainda no quadro destes dez anos sem Amália, vale a pena registar uma imagem que dela resta, como homenagem, numa parede da rue Mouffetard, em Paris, que nos foi cedida por uma leitora atenta deste blogue.

terça-feira, outubro 06, 2009

Cardeais

A Embaixada de Portugal junto da Santa Sé - "posto santo e santo posto", como ironicamente se diz, por vezes, na nossa carreira - ocupa em Roma um belíssimo palácio, com um deslumbrante e imenso jardim.

Havia - embora eu desconheça se ainda há - uma velha tradição naquele posto diplomático: sempre que um cardeal vinha jantar à Embaixada, dois empregados, fardados à antiga, deslocavam-se até ao portão de entrada, munidos de duas tochas ardentes, e acompanhavam os "príncipes da Igreja" até à escadaria do edifício.

A história que me chegou, já com bastantes anos, diz respeito a um desses jantares, a que dois cardeais iriam estar presentes. Presumo que tal evento constitua sempre um momento especial, pelo que digno do maior cuidado protocolar. Porém, nessa noite, algo terá corrido menos bem e os arranjos coreográficos de recepção, com vista a garantir o acolhimento dos cardinalícios comensais pelos fâmulos de serviço, acabaram por não se conjugar de forma harmoniosa. Por uma qualquer razão, quiçá devida a uma informação errada recebida ao portão, os cardeais, logo que entrados no jardim, e porque não tinham os tocheiros à sua espera, decidiram meter-se a caminho, em direcção à residência. Fizeram-no, porém, por um percurso ínvio que os fez entrar na casa por uma porta lateral e aceder a uma sala vazia, onde serena e discretamente se acomodaram, esperando que alguém os viesse receber.

Alertados pela portaria, embora com atraso, da chegada dos cardeais, os fâmulos de libré para aí haviam corrido, com as chamas das suas tochas ao vento, quais portadores de facho olímpico. Porém, lá chegados, foram informados que as reverendíssimas visitas já teriam dado entrada no jardim. O pânico criado pela "gaffe" acelerou-lhes então o passo e, conta-se, o espectáculo seguinte foi digno de opereta: sob o olhar ansioso dos embaixadores e convidados, o breu do grande jardim da Embaixada passou a ser cruzado, durante vários minutos, por duas nervosas e lépidas tochas ardentes, que corriam atarantadas de um lado para o outro, espiando todos os escaninhos possíveis, na desesperada e cada vez mais angustiada busca das figuras cardinalícias perdidas.

O resto da história não a conheço, mas podemos imaginar que, descobertos finalmente por alguém no aposento onde esperavam, com a infinita paciência que a sua instituição lhes incutiu, aos nossos cardeais tenha entretanto chegado um reconfortante Porto ou, pelo menos, um vero limoncello...

Amália

O meu colega embaixador Manuel Maria Carrilho vai apresentar, para o ano, no âmbito da UNESCO, a candidatura do Fado a "património imaterial da humanidade". Trata-se de uma excelente iniciativa e acaba por ser uma justa coincidência com os dez anos que passam, hoje mesmo, sobre a morte de Amália Rodrigues - a qual, não por acaso, é a única mulher cujo túmulo integra o nosso Panteão Nacional.

A França é porventura o país do mundo onde o nome de Amália se mantém, com mais força, identificado à imagem de Portugal, muito graças ao culto e à acção de personalidades francesas que aqui se esforçam por manter bem viva a sua memória - de que o caso mais notável é Jean-Jacques Lafaye -, bem como ao insubstituível lugar que ela continua a ter na afectividade dos nossos compatriotas e dos seus descendentes.

Eu próprio, dou por mim, quando passo pelo "Olympia", a recordar o modo como, em Portugal, íamos sabendo do êxito das passagens de Amália por esse lugar mítico da música francesa. O lugar onde ela começou um dia por cantar isto.

segunda-feira, outubro 05, 2009

De gravata

A cena passou-se nos últimos meses de 1968.

Toda a direcção associativa universitária, de que eu fazia parte, eleita pelos estudantes com uma expressiva maioria de votos, fora recusada pelo Ministério da Educação - a eleição fora "não homologada", como então se dizia.

Um parêntesis para referir que era assim que as coisas se passavam antes do 25 de Abril, pelo que convém recordá-lo às novas gerações: se os dirigentes eleitos pelo estudantes não agradavam ao poder político, não eram autorizados a tomar posse. Tanto podia ser recusada a lista toda, como podiam ser "seleccionados" apenas alguns elementos como não aceitáveis - como me voltou a suceder mais tarde, a mim e ao Fausto (esse mesmo, o cantautor famoso), em 1972.

Este tipo de decisões era sempre seguido pela nomeação de uma "comissão administrativa" escolhida pelo poder, constituída por alguns dos seus complacentes cúmplices, os quais, por regra, vinham posteriormente justificar perante nós a sua farisaica atitude, com o argumento de terem aceite apenas para evitar o encerramento da Associação Académica, para dar continuidade à edição das "sebentas", etc.

Esse ano de 1968 foi, em Portugal, muito complicado.

O Maio parisiense ainda estava próximo e nós havíamos editado uma revista bem irreverente, chamada "Ibis", onde as ideias desse movimento estavam muito reflectidas e eram adaptadas à realidade portuguesa. Era o prenúncio de uma importante agitação académica que começava a grassar e que viria a incendiar as nossas universidades no ano seguinte.

Em Agosto de 1968, Salazar caíra da cadeira, em Setembro caíra do poder, Marcelo Caetano ensaiva a farsa da "primavera política", mantendo o mesmo ministro da Educação escolhido por Salazar: José Hermano Saraiva, a figura que todos conhecem, hoje com um perfil inofensivo, que a liberdade que então combatia transformou em divulgador televisivo de uma visão pessoal dos factos históricos nacionais.

À época, o Ministério da Educação, chefiado por José Hermano Saraiva, era no Campo de Santana, em Lisboa. A direcção académica de que eu fazia parte, eleita mas "não homologada", havia pedido uma audiência ao ministro, para protestar contra essa "não homologação". Para nossa grande surpresa, este acedeu a receber-nos. A coreografia da "primavera política" tinha destes gestos.

Num primeiro contacto com o gabinete do ministro, surge um inesperado problema: um de nós, o Raul Caixinhas, não tinha gravata. E o senhor ministro, foi-nos dito, não recebia pessoas sem gravata. A verdade é que, à época, a gravata era um adereço obrigatório para se assistir às aulas. Por maioria de razão, compreendia-se que ela fosse indispensável para a visita a um ministro.

Que fazer? O Caixinhas era um interlocutor importante para o diálogo que se iria seguir, não podia faltar ao encontro e ficar à porta. Tinha de arranjar uma gravata! Saiu disparado e, um quarto de hora depois, reapareceu de gravata posta. Preta, claro. E lá entrou a nossa direcção associativa para a audiência. Esta acabou por converter-se numa patética conversa entre um ministro de uma ditadura e um grupo de estudantes que a ela abertamente se opunham, pelo que a reunião, como seria de esperar, foi totalmente inconclusiva. Se bem que tivesse tido alguns pontos pícaros, como os insistentes olhares lúbricos do ministro para as mini-saias de algumas capitosas colegas que nos acompanhavam, mas isso não vem para esta história.

À saída, alguns de nós não deixaram de ironizar com a tradicional rebeldia do Caixinhas: "então lá tiveste que pôr gravata, pá!". O Caixinhas desarmou-nos: "É verdade, fui de gravata. Mas, para compensar, fui sem meias!". E mostrou-nos as peúgas que entretanto metera no bolso, antes de entrar para a audiência com o ministro. Julgo que os funcionários do Ministério da Educação nunca perceberam a razão por que descemos as escadas às gargalhadas. Pensavam, talvez, que nos estávamos a rir do ministro. E, de certa maneira, estávamos.

Georgios

Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica que, de certo modo, cuja conflitualidade inter-étnica ficámos naquele instante a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. E acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns.

Gonçalo M. Tavares

Foi um prazer passar hoje pela "Écume des Pages" (esse belo nome para livraria, que se inspira numa obra desse génio que se chamou Boris Vian) e ver na montra, com grande destaque, a página que insere o elogioso artigo que a "Livres Hebdo" dedica ao romance "Jerusalem", do prolífico escritor português Gonçalo M. Tavares.

Passo a passo, a nova literatura portuguesa vai-se afirmando em França.

domingo, outubro 04, 2009

Viva a República!

Em 5 de Outubro de 1910, foi instaurado em Portugal aquele que viria a ser o segundo regime republicano do continente europeu, depois da França. A partir de então, os seus inimigos combateram-no e acabaram por contribuir para desestabilizar a jovem República, criando condições para a imposição do regime ditatorial que, de 1926 a 1974, esmagou a liberdade e abafou a vida portuguesa por quase meio século.

Durante o ano de 2010, a Embaixada de Portugal em Paris promoverá iniciativas alusivas à data e associar-se-á a eventos comemorativos do Centenário da República - esse momento fundador da modernidade política portuguesa.

Viva a República!

Saudades do Chile



O golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, teve um forte impacto emocional na geração política portuguesa que, por cá, expressava então a sua revolta contra a ditadura. À época, eu fazia serviço militar e recordo bem acesas discussões por ali tidas com colegas conservadores, que se regozijaram com o êxito de Pinochet e dos seus esbirros. 

O 25 de Abril como que nos vingou e foi com um sentimento de forte solidariedade que, em Lisboa, a partir de 1974, viemos a conhecer alguns chilenos que haviam sido forçados ao exílio. Com eles, partilhámos o sucesso da nossa Revolução. Recordo-me de gente do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), com quem passei tempos à conversa nas instalações do MES (Movimento de Esquerda Socialista), na avenida dom Carlos.

Seis anos mais tarde, no meu primeiro posto no estrangeiro, na Noruega, vim a cruzar outros chilenos, expatriados nas mesmas condições. Os países nórdicos acolhiam então com generosidade essas pessoas, a quem facilitavam meios para a sua sustentação. A vida dessa gente era muito simples: empregos em fábricas ou serviços, habitações sem o menor luxo e, como pano de fundo de tudo isso, um ambiente de imensa saudade do seu país.

Um dia, em Oslo, fomos assistir a um espetáculo musical da argentina Mercedes Sosa, conhecida por "La negra", uma cantora que, ao longo da vida, seria uma das vozes mais críticas das ditaduras militares latino-americanas. O seu "Gracias a la vida" marcava-nos então bastante.

Fui ao espetáculo num grupo de diplomatas, que, além de espanhóis e de um brasileiro, integrava um chileno, casado com uma paraguaia, e um casal colombiano. As questões políticas não atravessavam, por regra e por prudência, a conversa de todas aquelas pessoas, jovens profissionais da diplomacia, todos no seu primeiro posto no exterior, que se iam encontrando em agradáveis convívios ao final do dia de trabalho. À época, eu era, com toda a certeza, a pessoa mais à esquerda de todo aquele grupo, sendo que o chileno, que se chamava Enrique, representava o governo de Pinochet. Mas, curiosamente, ambos ficámos amigos para a vida, sem termos tocado alguma vez em temas que pudessem trazer à tona as nossas óbvias divergências. Nas décadas profissionais que se seguiram, vim a apurar esta forma de estar na vida. Ainda hoje tento funcionar assim.

No final do espetáculo, vi os meus amigos latino-americanos a falarem com outras pessoas com a mesma origem geográfica, que ali tinham acabado de conhecer, todos unidos pela voz e pela música de "La negra". Com o meu "portuñol", meti-me na conversa. E, numa dessas sintonias caídas do acaso, vi-me a trocar impressões com um chileno, que, no passo da conversa, me referiu ser exilado. O nome de Allende veio com naturalidade à baila, e ele disse-me ser irmão da mítica "Payita", secretária de Salvador Allende. Num instante, alguma sintonia ideológica se estabeleceu entre nós. Trocámos telefones e, dias depois, o Fermin, era esse o nome do chileno, convidou-me, a mim e à minha mulher, para uma almoço simples, num domingo, em sua casa. 

Vivia num modesto apartamento, numa zona menos nobre de Oslo, a que se acedia por uma escada esconsa. Lembro-me bem do aviso que me fez, logo que entrei na casa: "Daqui a pouco, vai chegar, para o almoço, o Enrique, o teu colega da embaixada do Chile. Não te espantes!" Eu espantei-me um pouco, confesso, mas ele logo explicou: "Ele é um chileno como eu e nem imaginas como me fará bem conversar com alguém que também vem do meu país. Temos de adiar a conversa política entre nós os dois para "unas copas", numa outra ocasião". 

E assim aconteceu. Minutos depois, chegaram o Enrique e a Monse. A política, quiçá estranhamente, não passou por aquelas horas em que a saudade dos dois foi atenuada por algumas garrafas de "Casillero del Diablo", um sofrível vinho chileno trazido pelo Enrique, o único que havia à venda no monopólio estatal de venda de bebidas alcoólicas, Vinmonipolet.

Se hoje tenho uma invejável colecção dos "Rolling Stones", em vinil, devo isso ao Fermin, um amigo magnífico, um revolucionário romântico, cujo partido esqueci, que trabalhava numa fábrica de discos e insistia em me municiar regularmente com discos. Em algumas noites em minha casa, para as quais cuidávamos em não juntar à festa o diplomata chileno, para podermos conversar sobre as nossas afinidades políticas, ouvimos deliciados Violeta Parra e Victor Jara. E, para sempre, guardei a imagem de vê-lo chorar a escutar Zeca Afonso...

Pela vida, com grande pena minha, fui perdendo contacto com imensas pessoas que conheci. Uma delas foi esse meu amigo chileno Fermin, que conheci na Noruega, no final de um concerto de Mercedes Sosa. A qual, segundo as notícias que me chegam, morreu agora.

Emmanuel

Foi muito interessante e divertido o espectáculo "L'Européenne", ontem apresentado no Théâtre des Abesses, em Montmartre. Uma curiosa construção dramática sobre o dilema da compreensão interlinguística no seio da União Europeia, da autoria de David Lescot, com um jovem actor português, Victor Hugo Pontes, no seu elenco. (Leia o que disse o "Le Monde").

O espectáculo tem lugar no âmbito da acção do Théâtre de la Ville, da Mairie de Paris, dirigido por Emmanuel Demarcy-Mota.

Nascido em Paris, em 1970, filho de Teresa Mota, uma importante personalidade do teatro português, e de uma grande figura da dramaturgia francesa, Richard Demarcy, Emmanuel viveu desde sempre nos meios teatrais, ascendendo muito cedo a lugares de responsabilidade, tendo já hoje uma carreira marcada por imensos sucessos. É, aqui em França, uma das mais proeminentes marcas do teatro contemporâneo.

E, já agora, acrescento: fala português como qualquer de nós! Ontem, Daniel Ribeiro fez-lhe um retrato e uma entrevista no suplemento "Actual", do "Expresso", que recomendo a quem o quiser conhecer melhor.

sábado, outubro 03, 2009

Gravatas

A cena de um líder partidário se apresentar para uma reunião oficial com o chefe de Estado português sem usar gravata - o que, aliás, julgo já ter acontecido no passado - sublinhou , definitivamente, o facto da camisa aberta ter passado a ser uma forma cada vez mais natural dos políticos portugueses se apresentarem em público. Nuns casos, será a mostra de uma assumida rebeldia contra hábitos considerados burgueses, noutros terá sido a colagem a uma certa modernidade de vestuário, àquilo a que os brasileiros chamam de "esporte fino". Ainda em outras circunstâncias, presumo, deve ser já o efeito da nossa quota no aquecimento global, muito embora a generalização do uso do ar condicionado às vezes atenue um pouco a pertinência do argumento.

O modelo da camisa aberta sob o casaco tem, porém, algumas não despiciendas "nuances". Numa versão "soft", os políticos abrem apenas um botão da camisa; na fórmula mais "avançada" abrem dois botões. De uma coisa podem ficar certos: nada disto é casual (pelo contrário, como diriam os anglo-saxónicos, é mesmo "very casual") e estamos perante fenómenos que convocam lições de semiologia! Cada botão aberto a mais corresponde a uma fatia acrescida de informalidade que se pretende incutir no subsconsciente do público, normalmente à procura de identificação com um eleitorado mais jovem ou descontraído, com tudo o que isso encerra de mensagem subliminar.

Esta evolução de trajes públicos, diga-se, já tinha sido prenunciada, em termos bem mais radicais, pelos representantes da comunicação social. Hoje em dia, em Portugal, numa qualquer conferência de imprensa ou acto oficial, por mais solene que ele seja, é vulgar ver jornalistas, portadores de "cornetos" de som, fotógrafos ou "cameramen" vestidos das formas mais bizarras, alguns com um ar que se aproxima já do dos arrumadores de carros, às vezes de t-shirt e ténis, como se eles próprios se considerassem "invisíveis" no cenário e não se sentissem obrigados a respeitar o rigor do acto em que também estão inseridos. E, num dia não muito distante, lá chegaremos ao fato-de-treino! Basta olhar para as conferências de imprensa da Casa Branca e fazer a comparação!

Mas há um hábito, já não dos políticos mas de cidadãos em geral, que, para mim, se tornou extremamente irritante: o de trazer a gravata descaída, com o botão aberto, por mero desleixo, por pura saloiíce ou fruto do calor (caso em que seria preferível tirá-la), outras vezes por assumida moda. Mas, neste último caso, já nada há a fazer, é um facto da vida: na televisão francesa há mesmo um jornalista que apresenta um "talk show" sério vestido dessa forma.

Sempre que posso, não uso gravata. Mas sentiria algum desconforto em pensar não utilizá-la em certas circunstâncias. Deve ser da idade. Da mesma maneira que hoje é permitido, cada vez mais, não usar gravata em certas ocasiões, espero que não venha a ser proibido usá-la quando me apetecer. É que eu gosto de gravatas, como já devem ter percebido!

Nice

Hoje, vá-se lá saber porquê, senti saudades de Nice.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Alemanha

Há 20 anos, o muro de Berlim caía e a reunificação alemã iniciava-se.

Ontem, na Embaixada alemã em Paris, uma festa celebrou, por antecipação, esse histórico momento em que uma nova Europa estava a começar. Todos parecem reconhecer hoje as virtualidades desse passo político e o modo como ele veio a contribuir para a estabilidade europeia. O que viria a ocorrer depois, no Centro e no Leste do continente, completou o fim da traumática divisão alemã e consagrou a própria reunificação política do continente, simbolizada nos alargamentos da União Europeia e da NATO.

Mas nem sempre foi assim. Ao tempo da queda do muro, muitas dúvidas se levantavam ainda sobre qual iria ser o destino dessa nova Alemanha, se o seu histórico tropismo para Leste suplantaria a força das alianças que entretanto gizara a Oeste. Alguns mantinham ainda o cínico dito do pós-guerra: "gosto tanto da Alemanha que até prefiro que existam duas!".

O tempo veio a provar que tais reticências eram totalmente infundadas e que a evolução da Alemanha se fez num sentido consonante com os interesses da unidade europeia, para a qual muito contribuiu e de que continua hoje a ser um dos principais esteios.

Rio olímpico

O Cristo do Corcovado pode sorrir. Daqui a sete anos terá a seus pés os Jogos Olímpicos.

Um forte abraço de parabéns para os meus amigos brasileiros.

João Moniz

Foi um público muito diverso, onde se pôde contar com muita gente do sector artístico, aquele que ontem esteve na Embaixada de Portugal em Paris, na apresentação das obras mais recentes de João Moniz.

O pintor trabalha entre Paris e Lisboa e, desde 1967, apresentou diversas exposições individuais e participou em dezenas de mostras colectivas. Quadros seus fazem parte de colecções de muitas instituições e particulares, um pouco por todo o mundo.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Financeiros

São umas dezenas de jovens na casa dos 20 e dos 30 anos, portugueses ou luso-descendentes, que ocupam lugares técnicos de relevo em empresas em França. Reúnem-se mensalmente, para reforçar amizades, contactos e lusitanidade. Chamam-se a si próprios a "Confraria dos Financeiros" e têm homólogos no Luxemburgo e no Reino Unido.

Ontem, estive a jantar com eles e a aprender um pouco o que é esta nossa nova comunidade, unida pelas raízes portuguesas, leal à França onde se inserem plenamente, com o seu presente marcado já pelas principais profissões do futuro.

Ocupação

Um grupo britânico de "okupas", dedicado a ocupar casas devolutas, acaba de instalar-se numa moradia em Belgravia, umas das zonas mais prestigiosas de Londres, perto da casa de Margareth Thatcher, da Embaixada de Portugal e, ao que li na imprensa, de Vale a Azevedo.

Esta história recordou-me uma outra, ocorrida em S. Paulo, no Brasil, há alguns anos. Um grupo de "sem abrigo" ocupou um andar de luxo, desabitado, na zona dos Jardins. Ao final de alguns dias, os ocupantes desistiram da ocupação, não por qualquer atitude coerciva, mas, muito simplesmente, por terem concluído que os preços dos produtos básicos, em todas as lojas da zona, era muito superior àquilo que poderiam pagar no seu dia-a-dia.

Tal não será o caso de Belgravia, pelo género de ocupantes e pela própria geografia. Por todas as razões, a história terá, sem dúvida, um final diferente.

"P'ra não dizer que não falei das flores"

Economia

Os docentes universitários Carlos Pereira e Dulce Santos acabam de preparar para a Pocket , aqui em França, este interessante pequeno livro, "pour maîtriser la langue des affaires", um bom instrumento de trabalho para a área económica.
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Num tempo em que é importante reforçar o intercâmbio económico bilateral, aqui está uma excelente iniciativa, a saudar.

Política externa

Ao longo da campanha eleitoral que há dias se concluiu, alguns comentadores estranharam o facto da política externa, tal como a política de defesa, não ter sido objecto de debates, embora constasse dos programas de todos os partidos.

Contrariamente a quantos entendem que as questões de ordem externa ganham em ser alimento para o confronto político-partidário, devo confessar que, como profissional da diplomacia, fiquei muito satisfeito em vê-las afastadas da polémica eleitoral. O que, no entanto, não exclui a necessidade de tais opções deverem ser regularmente abertas a uma reanálise serena e objectiva, na qual se insira a apresentação de propostas alternativas para a sua condução, à luz das mudanças que a conjuntura e a evolução dos nossos interesses justificarem.

Ao longo de mais de 35 anos de regime democrático, com excepções ligadas a certos momentos do período da consolidação do novo regime e, num tempo mais recente, a uma episódica leitura ultra-zelosa de alinhamentos tradicionais, a nossa política externa tem mantido uma constância e um perfil de grande continuidade e de elevado consenso interno, que se reflecte nos programas e práticas dos vários Governos. E permitam-me que diga que sei do que falo, porque, ao longo da minha carreira, servi já sob a orientação de 19 ministros dos Negócios Estrangeiros...

Foi esse percurso de crescente solidez de actuação que nos permitiu garantir a imagem de coerência e previsibilidade que hoje marca a nossa política externa e que conduz, com segurança, o exercício da nossa diplomacia. Por essa razão, felicito-me pelo facto do calor das discussões eleitorais nos ter poupado.

quarta-feira, setembro 30, 2009

Portugal Fashion Paris

Uma vez mais, a moda portuguesa e de portugueses apresentou-se em Paris, com destaque mediático.

De Portugal vieram Luís Buchinho e Fátima Lopes. Por cá está Felipe Oliveira Baptista. Foi ontem, nesta terra que é a capital da moda. Um excelente sinal. Aprendam a conhecer melhor estes estilistas, clicando nos respectivos nomes.

Blake & Mortimer

Para parte de geração portuguesa que teve a infância ou juventude nos anos 50 do século passado (por alguma razão, custa-me sempre escrever a expressão "do século passado"), as aventuras de "Blake et Mortimer", da autoria de Edgar P. Jacobs, são ainda hoje uma recordação muito viva.

Figura importante da excelente escola belga de banda desenhada, de que Hergé é, sem dúvida, o maior expoente, Jacobs abria-nos o mundo através de álbuns de uma fantástica qualidade e fruto de cuidado estudo, que agarravam a nossa imaginação e nos transportavam para cenários muito realistas, às vezes quase plausíveis. Quando vivi em Londres, não resisti a reproduzir os percursos do "Marca Amarela" e do Dr. Septimus e, ao entrar um dia no museu do Cairo, a figura do Professor Grossgrabenstein (que só pode ter sido inspirada, "avant la lettre", no Caetano da Cunha Reis) veio-me logo à memória - este último saído desses dois álbuns sem par que constituem "O Mistério da Grande Pirâmide". E até os Açores passaram pelas histórias de Jacobs, no "Enigma da Atlântida".

A trama jacobiana centra-se sempre numa dupla de amigos, um militar e um cientista, envolvidos na luta eterna, pelo lado do "bem", contra um inimigo permanente, Olrik, que encarna os vários males e que tem uma capacidade de sobrevivência que acaba por nos causar mesmo alguma admiração. As mulheres, confirmando uma misoginia muito própria de um certo período da banda desenhada europeia (mas não, curiosamente, dos "comics" americanos, sendo embora da mesma época), têm sempre um papel escasso nestas tramas, surgindo apenas com algum relevo nos álbuns desenhados pelos seguidores de Jacobs, já após a sua morte.

A que propósito vem esta evocação? Pelo facto de, há dias, ter sido aqui anunciada a iminente publicação de um novo álbum, que vai mobilizar alguns que, como eu, continuam a não perder nenhuma das aventuras de "Blake et Mortimer", mesmo se já escritas pelos seus continuadores. Peço que percebam: trata-se de amigos com quem me "dou" há mais de meio século.

E nada melhor para ilustrar este post do que um extracto do movimentado e tempestuoso "SOS Meteoros", com a parisiense igreja da Madeleine ao fundo.

terça-feira, setembro 29, 2009

Praxes

Acabam de ser anunciadas novas medidas de natureza coerciva para pôr termo às mais degradantes formas de praxe académica - esse modo primário de "integração" que tem vindo a converter-se, progressivamente, num processo cada vez mais violento de humilhação intergeracional.

Aquilo a que a sociedade portuguesa tem vindo a assistir, nas últimas décadas, é à transformação do que era uma prática de conteúdo lúdico, mais ou menos divertido e consentido, num ritual de violência gratuita, muito potenciado pela anormalidade alcoolizada dos seus executores, com requintes de sadismo que chegam a levar a violações, agressões e até a mortes.

Um incompreensível imobilismo colectivo deixa quase sempre impunes os executores dessas práticas, absolvidos por um manto de alegada tradição que mais não é do que um alibi para a discricionariedade e o arbítrio. Veremos se, finalmente, algumas regras de natureza oficial conseguem abrir caminho para obrigar os dirigentes das escolas - os principais responsáveis e os únicos a terem condições de proximidade para poderem actuar - a serem mais rigorosos, menos permissivos e, essencialmente, menos cobardes.

Cunhas

Roman Polanski, o genial realizador de cinema, cometeu um crime de violação, há cerca de três décadas. Foi condenado, com todas as garantias de defesa, a cumprir uma pena de prisão, situação a que se furtou, indo viver para o estrangeiro. Agora, por distracção, foi detido e arrisca-se a ser extraditado para o país que o condenou. Esse país não é nenhuma ditadura onde haja uma desproporção chocante entre a gravidade do crime e a pena que lhe compete: trata-se dos Estados Unidos da América.

Se ele se chamasse Zé do Anzóis e vivesse num subúrbio, nem uma linha seria publicada e, porventura, já estaria a caminho da prisão. Como tem um nome internacional, amigos poderosos e uma corte de admiradores (entre os quais me incluo), correm já por aí abaixo-assinados para isentar o violador do cumprimento da pena. Subscritores que, muito provavelmente, nunca tiveram as suas filhas violadas.

Isto faz-me lembrar, medidas as diferenças de escala, as atribulações por que sempre passa a diplomacia portuguesa quando certos cidadãos nacionais - desde que com bons contactos (artistas, jornalistas ou outros mediáticos "istas") ou ditos de "boas" famílias - se metem em alhadas com a justiça pelo mundo, com a droga como motivo mais comum. Nas horas seguintes, lá chegam aos titulares das embaixadas ou dos consulados, por vezes de instâncias inesperadamente "altas", telefonemas pedindo urgentes intervenções e personalizadas diligências, com vista a tentar safar suas excelências. Tudo isto procurando garantir uma forma de actuação diferente do que aconteceria se se tratasse de um qualquer pobre diabo, sem nome nem amigalhaços influentes, que apenas receberia a protecção consular normal.

Às vezes, há que reconhecer que é difícil resistir a tais pressões, embora, no MNE, como se recordarão, o tempo das "cunhas" já tenha tido melhores e mais mediáticos dias...

segunda-feira, setembro 28, 2009

Nova sociedade

Uma das mais instrutivas experiências para quem, como eu, vive fora de Portugal é deparar com um novo e totalmente desconhecido mundo social-mediático, por vezes indecifrável.

Há umas revistas, que começam logo a ser-nos "servidas" nos aviões, onde somos abalados (e aqui invento nomes, claro) por títulos desta estirpe: "Mónica Leal encontra um novo amor com Ricardo Teles, depois da separação de Miguel Dias". Ou então: "Gravidez de Isabel Damas interrompe a sua carreira, reforçando a ligação com Telmo Soares". Os cenários de fundo variam, com as festas a dominarem no Verão, discotecas ou ambientes familiares sempre, algumas fotos de paparazzi paroquiais à mistura, mas as mais das vezes com poses consentidas e aparentemente procuradas.

Todas estas excitantes revelações são acompanhadas de imagens ilustrativas, embora os respectivos textos considerem quase sempre dispensável, por óbvia desnecessidade de que só alguns ignaros reclamam, dar-nos mais elementos sobre quem são, na realidade da vida, tais figuras. Às vezes, lá se consegue, pelo cruzamento de algumas escassas referências, perceber o que fazem as personalidades dessa nova sociedade: quase sempre moda e televisão, com alguns jogadores de futebol à mistura. E, de quando em vez, há pelo meio uns empresários de camisa aberta até ao terceiro botão.

Podem crer que, para um diplomata, é angustiante: ter a percepção de não conhecer um tão importante sector do país que representa!

TAP

Tenho o maior respeito pelas greves e pelo direito de cada um poder fazê-las, quando muito bem entende e pelas razões que acha oportunas.

Gosto, no entanto, de perceber a racionalidade das reivindicações e, devo confessar, isso para mim não foi nada evidente na recente paralização dos pilotos da TAP. Agravar o défice de uma companhia aérea, que está num difícil processo de recuperação, parece-me uma atitude masoquista e quase suicidária.

Mas devo ser eu que estou a ver mal as coisas. Eu e a totalidade dos funcionários da companhia com quem falei numa deslocação a Lisboa no último fim de semana.

À distância

Será inevitável? Não sei, mas lá que é profundamente irritante ver o "Le Monde" tratar nas suas colunas as eleições em Portugal pela pena do seu correspondente em Madrid, lá isso é! Parece que voltamos ao tempo do Estado Novo, quando era isso que acontecia.

Por que não fazer os artigos na redacção, em Paris, com base nos "takes" das agências? De Madrid vê-se melhor Lisboa?

sábado, setembro 26, 2009

Reflexão

É obra!

Este blogue chega à véspera das eleições legislativas em Portugal com um orgulho que não pode disfarçar.

Nos últimos meses, a política encheu a esmagadora maioria da "blogosfera" portuguesa. O acentuar do debate interpartidário, no caminho para as eleições europeias e, mais recentemente, na aproximaçao da dupla jornada de eleições legislativas e autárquicas que aí vêm, deu alento aos espaços informáticos que trataram esse mesmo tema, de forma mais ou menos "engajada", mas sempre tendo-o no centro das suas atenções. Por isso, muitos blogues portugueses, muitas vezes colectivos, reflectem uma elevadíssima frequência diária de visitantes-leitores, a qual, manifestamente, representa também o interesse que a vida política tem suscitado entre nós. O que não deixa de ser saudável e traduz mesmo um sintoma de uma forte vitalidade cívica.

Mas, então, porquê o orgulho que este nosso blogue ostenta? Porque, não obstante, pelas razões que são óbvias, nos furtarmos a colar a nossa escrita às temáticas da polémica política, e tratando-se ademais de um blogue com um único autor, foi-nos possível manter uma muito apreciável "clientela" de fiéis leitores. E isso, indiscutivelmente, é obra - essencialmente dos nossos leitores, claro! O que prova essa coisa tão simples de que há mais vida para além da política.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Voto

Este fim de semana, por óbvias e cívicas razões, este blogue regressa a serviços mínimos, embora sempre regulares.

A actualização dos comentários sofrerá, contudo, algum atraso.

2ª feira, cá estaremos. É que a vida continua, sabem?

Chiado

A disparidade dos padrões culturais tem consequências curiosas, embora nem sempre cómodas.

Precisamente há uma semana, no Chiado, decidi engraxar os sapatos. Era uma bela tarde e, aí durante dez minutos, lá estive a ler o jornal, num engraxador que costuma parar em frente à Bénard. Na altura, lembrei-me - juro! - do poema do O'Neill: "O senhor engenheiro hoje não engraxa? Engraxo na Baixa".

A meio da função, levantei os olhos e reparei que um grupo de turistas estrangeiros fotografava a cena, de vários ângulos, com uma curiosidade quase antropológica. Senti-me uma espécie rara. Quem sabe se, entretanto, não apareci já nalguma publicação nórdica, a ilustrar o tipicismo da vida lisboeta.

Já agora, espero que algum dos fotógrafos tenha tomado um ângulo mais alargado e fixado o nome da casa comercial ao lado da qual estávamos: "Paris em Lisboa"...

quinta-feira, setembro 24, 2009

Irlanda

O meu próximo 5 de Outubro inicia-se com um pequeno-almoço de debate sobre os resultados do referendo irlandês, para o qual fui gentilmente convidado pelo actual Secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, também com a presença de um seu antecessor e meu antigo contraparte, Pierre Moscovici. Devo dizer, aqui entre nós, que considero uma verdadeira tragédia civilizacional o facto desta prática americana dos pequenos-almoços de trabalho ter já "pegado" por aqui. Mas, enfim...

Se lhes contar que, ao final da tarde desse dia, terei ainda, na Embaixada da Suécia, uma mesa-redonda sobre os desafios da Presidência sueca da União Europeia, já perceberão melhor o glorioso destino do meu feriado republicano. O que nós fazemos pela Europa!

Deixo-lhes na foto a imaginativa bandeira do convite para o debate matinal, uma espécie de "wishful thinking" pelo sucesso do Tratado de Lisboa.

Rios

O tema do Festival de Loire, de que Portugal é este ano convidado de honra, foi a comparação de culturas de regiões com rios. Ontem, em Orléans, o rio Loire aproximou-se do Douro, da ria da Aveiro e do Tejo. Algo insólito foi ver o Loire percorrido por barcos rabelos, por moliceiros e por canoas lisboetas, com sons do nosso folclore a encherem as ruas da cidade e a Radio Arc-en-Ciel / Rádio Arco-Íris a espalhar horas de boa música portuguesa.

Cada vez mais, as municipalidades francesas, conscientes da crescente importância da comunidade portuguesa e luso-descendente, têm iniciativas que mobilizam a sua ligação a regiões do nosso país, acordando lentamente para uma realidade que, infelizmente, ainda é por aqui muito desconhecida ou tocada de forma caricatural.

Ontem, no jantar português que o "maire" de Orléans nos ofereceu, pude constatar que a esmagadora maioria dos presentes nunca se tinham deslocado a Portugal, embora mantivessem alguma curiosidade por esse país quase vizinho, de onde lhes chega gente séria e trabalhadora, com que se cruzam nas ruas e no trabalho, mas do qual quase só conhecem o vinho do Porto e onde sabem que se canta uma coisa nostálgica que é o fado.

Portugal está tão perto mas ainda tão longe de França!

Greve

Hoje, os funcionários administrativos da Embaixada estão em greve, por razões laborais que se prendem com a legítima leitura que fazem da defesa dos seus direitos.

Há algumas "vantagens" colaterais desta greve: o silêncio impera nos corredores, os telefones ouvem-se menos e eu próprio, na deslocação para uma entrevista, aprendi finalmente a conduzir no complexo percurso entre a Embaixada e a Rádio Alfa, em Créteil. Tudo tem o seu lado positivo.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Asilo Político

A propósito do refúgio que o presidente hondurenho obteve na Embaixada brasileira em Tegucigalpa, lembrei-me de uma pequena história.

Há alguns uns anos, num final de manhã, o ministro-conselheiro entrou no meu gabinete, em Brasília, com um ar esbaforido: "Temos aqui na Embaixada um homem a pedir asilo político!". Era 6ª feira, dia em que a Embaixada fechava um pouco mais cedo. Muitos funcionários já tinham mesmo saído.

Uma asilado político é uma "dor-de-cabeça" tradicional na diplomacia. Cada caso é um caso e a doutrina que se desenvolve sobre o assunto situa-se sempre numa margem de grande ambiguidade.

De que se tratava? Um cidadão brasileiro, oriundo de uma localidade a algumas centenas de quilómetros de Brasília, surgira na secção consular da Embaixada, transportando uma grande mala que alguma incúria deixara entrar sem questionar, e afirmara que estava a ser perseguido politicamente pelas autoridades brasileiras, que estava na iminência de ser detido e que, por essa razão, vinha pedir asilo político. Um problema adicional era a mala: segundo disse, ela tinha uma bomba que faria explodir, no caso da sua reivindicação não ser aceite.

Nestas ocasiões, nunca sabemos, à partida, se estamos perante um simples "bluff" ou uma coisa mais séria, obrigando o sentido de responsabilidade a começarmos por considerar a segunda opção. Pedi a um funcionário experiente para ser o único interlocutor do homem e mandei reduzir ao mínimo o pessoal, mantendo-se um total "black-out" para fora da Embaixada sobre o incidente. O homem, desde o primeiro momento, deu sinais de algum desequilíbrio psicológico - factor com que era importante contar mas que não ajudava a nos sossegar. Ao que disse, embora sempre de forma muito confusa, seria amigo de uma personagem política de segunda linha, envolvida num recente escândalo, sentindo-se perseguido e sob ameaça iminente.

Foi-lhe explicado, com muita calma, que o Brasil era um país livre, uma sólida democracia, onde "quem não deve não teme" e onde cada cidadão tem hoje todos os meios possíveis - da comunicação social à Justiça - para assegurar a preservação e defesa dos seus direitos, em especial políticos. No Brasil, há muito que não há presos políticos, pelo que um ambiente de perseguição sem fundamento não era plausível. E que, por essa e por outras razões ligadas à inexistência de um enquadramento jurídico bilateral na matéria, não era possível conceder-lhe asilo.

O homem manteve-se renitente e obstinado, por algumas horas. A certo ponto das conversas que mantinha com o seu interlocutor, mencionou o nome de um deputado brasileiro local, de quem seria conhecido. Telefonei de imediato ao político que me esclareceu que estávamos perante uma pessoa muito desequilibrada, embora pacífica e totalmente inofensiva, de uma profunda religiosidade. Pedi-lhe para falar com o nosso homem, para o acalmar, o que simpaticamente fez.

Entretanto, a questão da religiosidade do homem fez-nos alguma luz! O interlocutor do putativo "asilado", percebendo já o respectivo cansaço, perguntou-lhe, a certo passo, se, em face da sua fé, não quereria aconselhar-se com um sacerdote. O nosso homem hesitou um pouco, mas, ao fim de algumas persuasivas insistências, acabou por dizer que aceitava essa hipótese.

E é aí que as "artes" diplomáticas vêm ao de cima. Num edifício situado a pouco mais de cem metros da Embaixada fica a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi-lhe explicado que, mais do que um simples sacerdote, poderia até falar com um bispo! Este "upgrading" religioso pareceu agradar-lhe. Sugerimos ao homem que fosse até lá, que reflectisse com a ajuda dos "bispos" (não fazíamos a mínima ideia se estava por lá algum bispo...) e que, depois, "voltasse para nos dizer alguma coisa". Surpreendentemente, aceitou. Enviei um carro da Embaixada, com o seu interlocutor a acompanhar, levá-lo à porta da CNBB. Pelo caminho, confessou que a mala não tinha nenhuma bomba, que continha apenas roupa...

Não sei pormenores do que aconteceu na conversa do nosso "refugiado" na CNBB, entidade que avisámos telefonicamente do que ia acontecer e que, pelo sim pelo não, não deveriam deixar entrar a mala que o homem transportava. Vim a saber que acabou por regressar nessa tarde a casa, sem mais problemas.

Foi um susto, embora pequeno, um tipo de incidentes que faz parte da vida diplomática.

terça-feira, setembro 22, 2009

Vartan

Sylvie Vartan apresentou-se no Olympia. Por um segundo, tive a tentação "anos 60" de ir ver, pela primeira vez, quem então cantava o "La plus belle pour aller danser" e enchia as páginas do "Salut les copains", com o seu badaladérrimo romance com Johnny Halliday. Depois, pensei melhor: deixemos o passado onde ele está.

Esta minha reacção prova que "la nostalgie n'est plus ce qu'elle était", para citar as memórias de Simone Signoret.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Tempos

Um amigo de Brasília queixava-se-me ontem do tempo. Chovia.

Senti-me solidário: eu também me queixo do tempo. Do que não tenho.

"Libé"

O "Le Figaro" e o "Libération", os principais diários franceses de acompanhamento da vida política, decidiram efectuar reformas gráficas, com vista a tornar a leitura mais fácil ou, para utilizar um bom termo anglo-saxónico, ser mais "reader-friendly". A aposta do "Libération", o "Libé" para os franceses, que tem já mais de uma semana, parece-me bastante melhor que a do "Le Figaro", que hoje se iniciou.

Estas mudanças gráficas recordaram-me uma história divertida, passada num concurso de admissão para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos anos 90, de cujo júri eu fazia parte.

Havia então um prova - não sei se, no actual regulamento, ainda existe - chamada "de apresentação", que consistia numa conversa de 20 minutos com cada candidato, e que tinha lugar entre as provas escritas e as orais. Três diplomatas "seniores" faziam parte desse painel, que entabulava uma conversa variada com o candidato, pretendendo saber um pouco dos seus interesses culturais e de vida, ao mesmo tempo que se aferia a sua capacidade de expressão, nomeadamente em línguas estrangeiras (parte da conversa era em francês ou inglês). Confesso que achei sempre essa prova um dos momentos de verdade da admissão à carreira diplomática: dela não se percebia se o candidato seria um bom diplomata, mas deduzia-se imediatamente se ele fosse totalmente não-dotado para a profissão.

Num dos dias, um dos jovens candidatos quis "dar-se ares" e, ao ser perguntado por mim se seguia a política internacional, adiantou, com grande firmeza: "Há vários anos que acompanho a imprensa internacional. Todos os dias leio o 'Libération'". Confesso que fiquei espantado! Se tivesse dito o "Le Monde", o "International Herald Tribune" ou mesmo o "Financial Times", era mais plausível. O "Libération", contudo, era um jornal que chegava a Portugal em quantidade muito limitada e era "obra" tê-lo como de leitura diária. Eu lia-o esporadicamente.

Decidi testar o rapaz: "Isso é muito interessante! Então você lê regularmente o "Libération"?! Nesse caso, talvez me possa dar a sua opinião sobre a reforma gráfica pela qual o jornal passou no último mês. Até deve lembrar-se, com certeza, do editorial da semana passada, no qual o Serge July avaliava esse esforço de auto-reconversão do jornal".

O nosso candidato embatucou, mas apenas por uns instantes. Com jeito e artes para não cair em contradições, lá disse umas coisas que, revelando ter uma vaga ideia do "Libération", demonstraram agilidade de raciocínio e capacidade de improviso. E, por isso, passou.

Há uns anos, encontrei-o num corredor das Necessidades e perguntei-lhe: "Então! Continua a ler o "Libération"?". Ambos demos uma boas gargalhadas. Se ele vê o blogue, este post é-lhe dedicado.

O novo embaixador americano...

... em Portugal, segundo o Inteligência Artificial.