Está este ano a ter lugar a "Saison de la Turquie en France", uma iniciativa de cariz cultural que permitirá à sociedade francesa ter um olhar sobre a realidade turca que vá para além da caricatura com que a questão da aproximação deste país à União Europeia tem vindo a ser abordada, nos últimos anos, por vários sectores da opinião pública.
Este é um tema que sabemos não ser nada fácil em França e que aqui continua a suscitar fortes reacções e polémicas, com natural projecção nos agentes políticos. Por essa razão, considero ser muito saudável encontrar, no seio da opinião pública francesa, figuras de prestígio que, aproveitando estes eventos culturais, tentam recolocar o debate num ambiente de serenidade e maior racionalidade.
A carta que, no jornal "Le Monde" de hoje, surge assinada por figuras como Michel Rocard, Jacques Delors, Luc Ferry, Edgar Morin e Alain Touraine é um verdadeiro manifesto de responsabilidade cívica e um alerta para o erro que constitui a criação de uma espécie de "muro" civilizacional, que alguns parece pretenderem erigir entre o processo integrador europeu e a Turquia. Leia aqui o texto.
Vale a pena recordar que a Turquia foi convidada a ingressar nas então Comunidades Europeias ainda antes da Grécia e que foi plenamente reconhecido que aquele país preenche os chamados "critérios de Copenhague", que definem as bases para uma candidatura de qualquer Estado ao "clube" europeu. E também é interessante notar que o actual primeiro-ministro grego, Georgios Papandreou, se revelou um defensor da adesão turca à União Europeia, não obstante persistirem alguns temas de sensível conflitualidade entre os dois Estados.
Naturalmente que não podemos deixar de ter em conta a sensibilidade negativa que se sabe continuar a existir em vários países europeus, em face de uma futura adesão da Turquia. Por isso, compete-nos respeitar a dificuldade com que dirigentes de alguns desses Estados se defrontam. O que não nos parece aceitável é que se anuncie que se fecham as portas à Turquia à luz de preconceitos civilizacionais, assumindo uma espécie de fronteira religiosa, esquecendo o efeito deletério que isso pode ter na evolução da própria sociedade turca, assim potenciando o seu caminho num sentido que, a prazo, pode vir a revelar-se estrategicamente trágico para a Europa.
Como lembrou, há meses, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, num artigo divulgado pelo jornal "Público", os europeus continuam a ter reflexos em torno das suas questões de segurança à luz de uma lógica que ainda é meramente tributária dos tempos da Guerra Fria, não entendendo a urgência de redimensionar essa mesma perspectiva estratégica sob o prisma de um mundo onde, entretanto, teve lugar a tragédia do 11 de Setembro. Não perceber as consequências de natureza cultural e civilizacional que este novo tempo acarreta constituiu uma cegueira que é indigna de um projecto que se pretende com ambições de projecção à escala global.
Portugal é um país que, em face dos processos de alargamento da União Europeia, esteve e está, desde sempre, muito à vontade. Para surpresa de muitos, nunca nos colocámos na postura egoísta que alguns de nós esperariam, como reflexo defensivo face à necessidade de partilha das vantagens financeiras que disfrutávamos desde a nossa própria adesão. Porque sempre assumimos esse mesmo projecto de abrangência como um esforço de reconciliação da Europa consigo própria.
Por isso, e tal como o presidente da República portuguesa claramente deixou definido na sua recente visita oficial à Turquia, encaramos de forma muito positiva o processo de aproximação de Ancara das instituições europeias e tudo faremos para, no âmbito da União, manter o nosso compromisso de solidariedade e responsabilidade assumido para com a nação turca.