Foi significativa a onda de comentários surgida na imprensa e nas redes sociais, a propósito da entrada de Adolfo Mesquita Nunes para a administração da Galp, com funções não executivas.
Um pouco de todo o lado – sem surpresa, de áreas da esquerda, mas, curiosamente, também de setores da direita – emergiram críticas à opção tomada pelo jovem advogado, reconhecidamente uma das personalidades mais brilhantes da sua geração política. Se alguns desses comentários relevavam da orfandade que a decisão suscitava no mundo da política em que Mesquita Nunes se movimenta, da grande maioria dessas opiniões emanou apenas um grosseiro viés preconceituoso.
A ideia central, em alguns desses textos claramente expressa, foi a de que não pode haver nenhuma outra razão, para além do exercício futuro da atividade de lóbi ilegítimo e de tráfico de influências, que justifique que uma empresa contrate para um cargo alguém que haja tido um percurso político anterior. Nessa perspetiva, as empresas são tidas como meras forças interesseiras, determinadas em explorar, à margem da lei e da ética, todos os meios de possível influência. Que “bela” imagem do setor privado português ressalta da nossa comunicação social!
Que uma perspetiva deste género tivesse surgido na boca dos habituais maluquinhos das teorias da conspiração, dos populistas do “eles são todos iguais!”, dos membros da brigada do “não é por acaso que”, que enchem o Facebook e as caixas adjetivadas de comentários, não seria surpreendente. Mas que esta agressão reputacional, feita de suspeições que descartam quaisquer provas, apareça subscrita pela pena de quem defende os valores da economia de mercado não deixa de ser um pouco bizarro.
E há ainda o outro lado, o dessas pessoas que se dispõem a ir trabalhar para o setor privado. Considerar que essas figuras, frequentemente com um percurso de vida e um comportamento irrepreensível em todas as funções até aí desempenhadas, se transformam, de um momento para o outro, por razões alegadamente venais, nuns títeres dos grupos empresariais - sem ética nem moral nem personalidade -, configura uma perspetiva insultuosa e altamente ofensiva.
Mas não há e houve casos de gente que se comportou dessa forma? Claro que sim, tal como continua a haver jornalistas a soldo, como existem “ovelhas negras” em todas as áreas de atividade. Para controlar isso existem as leis e os tribunais, único meio legítimo de sancionar, com rigor, depois de devidamente provados, comportamentos incorretos ou ilegais. Mas, sempre, separando o trigo do joio! Arruinar reputações por mera estigmatização preventiva parece relevar mais de uma cultura populista de inveja do que de uma legítima preocupação ética.
A propósito do caso Mesquita Nunes, lembrei-me que talvez fosse útil a imprensa, nomeadamente a que se dedica a temas económicos, prestar alguma atenção ao esclarecimento do papel que o jovem advogado vai exercer na Galp – o de administrador não executivo. Essa seria uma interessante contribuição para a literacia do mundo empresarial.
Tenho notado que é comum o desconhecimento sobre o que essa função representa nas empresas contemporâneas. O surgimento, no seio dos conselhos de administração, de personalidades que estão desligadas do dia-a-dia da gestão é um modelo generalizado pelo mundo. O principal objetivo é garantir que personalidades independentes, com perfis profissionais reconhecidos e prestigiados, muitas vezes oriundas de setores de atividade muito diversos dos das empresas que passam a integrar, possam carrear para esses conselhos, à luz da sua experiência própria, uma leitura distanciada e, desejavelmente, mais independente, ajudando as empresas a absorverem perspetivas do exterior e, ao mesmo tempo, fiscalizando a ação da gestão executiva, num terreno distinto da matriz funcional dos conselhos fiscais. Os salários desses administradores não executivos são sempre muito inferiores aos dos gestores profissionais permanentes, premiando apenas a ocupação pontual do tempo de quem, em geral, exerce outras atividades. É isto que deveria ser explicado, para combater a demagogia e a má informação.
(Publicado no “Jornal de Negócios” em 22 de março de 2019)