Há cerca de um ano, numa noite que recordo menos magnífica do que a de hoje, em temperatura e serenidade, neste país do nordeste da Europa, eu e alguns amigos demo-nos conta de que um dos nossos colegas, um conceituado gestor estrangeiro, parecia ter necessidade de desabafar qualquer coisa. O jantar tinha sido muito simpático mas, quando já grande parte do grupo regressava aos quartos, esse amigo fez questão de anunciar que ia fumar um charuto e beber “qualquer coisa”, convidando quem quisesse a acompanhá-lo. Estou certo que os leitores deste espaço não se admirarão se lhes disser que fui um dos “voluntários” para um “último copo” - eufemismo que, em regra, significa o primeiro de vários copos, os quais, aliás, só não são mais porque, nestas viagens, o dia seguinte é sempre de trabalho intenso e a meia-noite é a “Cinderella time” respeitada.
Esse colega, mais prolixo na conversa pelo fim da noite do que era habitual, explicou-nos então a sua “agitação”: acabara de regular, pelo telefone, os detalhes práticos da sua separação ou divórcio. Teria sido uma coisa complicada mas que, afinal, já não era a primeira, nem sequer a segunda! Assim, dizer que o “consolámos” funciona como um exagero. Mas lá estivemos à conversa com ele, acompanhados de várias cervejas, durante uma boa hora, ouvindo-o mais do que falando. E o assunto morreu, depois desses bons copos. Quase dele nos tínhamos esquecido.
Passou mais de um ano. Há minutos, depois de um dia de trabalho, seguido de um jantar da mesma natureza, regressámos ao hotel. “Would you care for a drink?”, lançou ele a três de nós, travando-nos no caminho para o elevador. E lá fomos para a esplanada do hotel, aproveitando a amenidade conjuntural do clima. Ele fumava outro charuto. Não era preciso ser vidente para presumir uma nova história no ar. E ela, claro, emergiu: o nosso amigo havia-se casado de novo! E a história, contada por ele, foi deliciosa, deixando-nos notas pitorescas do momento em que pediu em casamento a sua nova mulher (“casar várias vezes é magnífico, mas sai muito caro, acreditem!”), numa localização belíssima do Magrebe. Com muita graça, com detalhes de bom contador de histórias, descreveu-nos as cenas do ambiente das “mil-e-uma-noites” da proposta de matrimónio. E terminou com esta pérola: “E foi assim: cinco carates e meio depois, ficou convidada para minha mulher. E aceitou!”
Eu já tinha acabado as minha duas doses de “Belvedere”, um magífico vodka que por aqui se serve. Mas ainda deu para as juntar aos “Justierini & Brooks” (nome por extenso do JB, para quem não saiba) com que os meus amigos brindaram esta nova etapa do nosso parceiro desta noite e dos restantes dias empresariais. No final, cada um de nós regressou ao seu quarto, “dormindo sobre o assunto”, que é uma fórmula que os nossos diplomatas usam quando decidem atrasar o envio de qualquer coisa “a Lisboa”, para pensarem melhor no modo como vão reportar o que julgam saber. No meu caso, que já não tenho esses deveres nem cuidados, escrevinhei o que estão a ler, para agora ir dormir um sono dos justos que não aceito que não acreditem que sempre tenho.