segunda-feira, setembro 02, 2013

Não incomodar

Há já muitos anos, um amigo, já desaparecido, revelou-me que fazia coleção daqueles pequenos letreiros que, nos hotéis, se penduram na porta dos quartos, pedindo, de um lado, para "não incomodar" e, do outro, para o quarto ser arrumado. Esse amigo pretendia que eu colaborasse nessa sua peculiar "recolha", no curso das minhas andanças diplomáticas.

Embora com alguma relutância, devo confessar, fiz-lhe a vontade e, durante alguns anos, fui "pilhando" esses penduricalhos dos quartos dos diferentes hotéis por onde passava. Devo ter-lhe "fornecido" algumas dezenas de exemplares, de todo o género, cores e tamanhos. Hoje pergunto-me o que será feito dessa sua imensa coleção, agora que a ele já ninguém pode, em definitivo, incomodar ou arrumar o quarto.

Lembrei-me disso há pouco, no quarto do hotel de Yerevan onde estou hospedado, onde a imagem de marca da "inesquecível" Intourist de outros tempos ainda não desapareceu por completo, ao ver um desses letreiros. Tive então pena de não sentir nenhuma tentação para o trazer comigo, o que significaria que o meu amigo colecionador ainda estava entre nós.

No momento, veio-me também à memória uma madrugada em que, envergonhado, senti ser meu dever repor na devida posição alguns desses penduricalhos, num corredor de um hotel algures no mundo, depois de uma destacada personalidade portuguesa, tocada por alguns efeitos etílicos, se ter entretido a invertê-las, criando um potencial incómodo para alguns hóspedes. É também para isto que servem os diplomatas...

domingo, setembro 01, 2013

Empatas!


Escapadelas

Lisboa recebeu um "óscar" para a melhor cidade para fazer "city breaks".

Parece-me, contudo, que traduzir isso por "escapadelas urbanas", como faz a nossa imprensa, é uma interpretação um demasiado extensiva.

Devo dizer, no entanto, que não ouso sequer pronunciar-me sobre a justeza da aplicação do conceito, em português, à nossa capital. "Óscar para escapadelas"? Ó diabo!

Piropos

O Bloco de Esquerda quer abrir um debate parlamentar para tratar a questão dos "piropos", ao que parece com vista a atenuar a agressão verbal decorrente de bocas foleiras que inundam as esquinas do país. Nada de mais urgente, claro!

Ainda bem que uma força política tem a coragem de trazer para a praça pública um assunto desta magnitude, conferindo-lhe prioridade legislativa. Eu ousaria dizer que este é um debate com séculos de atraso! Dada a atenção que o Bloco tem com as questões de género, posso imaginar que o diploma deve vir a cobrir, não apenas os piropos entre pessoas de sexos diferentes, mas, igualmente, os ditos brejeiros entre pessoas do mesmo sexo. Por isso mesmo, este é um debate que promete alegrar os dias da Assembleia da República, com a riqueza de "apartes" que se adivinha, que tanto vai incendiar setores tradicionais das partes fonteiras do areópago como pode mesmo vir a revelar algum "backbench" parlamentar até agora menos exposto ao escrutínio público. 

Fico com uma dúvida, provavelmente irrespondível: sobre o tema em si mesmo, será que a posição de bloquistas como Joana Amaral Dias e de Ana Drago é exatamente a mesma de Helena Pinto ou Catarina Martins? 

sábado, agosto 31, 2013

Maria José Constâncio

Foi aqui, no aeroporto de Lisboa, onde estou agora a embarcar para Roma, que encontrei pela última vez, há já bastantes anos, a Maria José Constâncio, de cuja morte acabo de ter conhecimento. Nesse dia, íamos ambos para Bruxelas, um destino que à época nos mobilizava muito.

A Maria José estava há largos anos afastada da vida pública, vítima de uma doença incapacitante muito grave. Fizémos parte do mesmo governo, nos idos de 1995 e hoje recordo para sempre a sua grande competência profissional e o seu sorriso suave.

Deixo ao Vitor e a toda a família um abraço de sentido pesar.

Graça Andresen Guimarães

O recém-designado diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, o diplomata brasileiro Roberto de Azevedo, acaba de nomear a embaixadora Graça Andresen Guimarães para integrar o seu gabinete.

Aquela embaixadora portuguesa tinha terminado funções como representante permanente de Portugal junto das organizações internacionais, em Genebra, após ter chefiado, durante vários anos, a missão diplomática portuguesa em Cabo Verde.

Sou naturalmente suspeito ao falar de Graça Andresen Guimarães, de quem sou amigo pessoal e com quem tive o gosto de trabalhar quando, nos anos 90, coincidimos na embaixada portuguesa em Londres. Esta sua prestigiante nomeação apenas confirma o que há muito se sabia: que estamos perante uma das mais qualificadas profissionais da diplomacia portuguesa. 

Pergunto-me se o facto de uma organização internacional como a OMC ter decido recorrer aos conhecimentos de uma diplomata a quem as atuais regras etárias do MNE impediram de continuar ao serviço do seu país no estrangeiro não deveria ser razão para suscitar, entre nós, um debate sobre a racionalidade de obrigar os funcionários que atingem os 65 anos a abandonarem o serviço externo, quando hoje se caminha, cada vez mais, para um alargamento da idade de aposentação. Faço-o com a independência de quem nunca antes, em nenhuma ocasião, opinou sobre a questão, enquanto ela lhe podia dizer respeito. Agora que o assunto me é, em definitivo, pessoalmente indiferente, considero poder dizer, alto-e-bom-som, que é absurdo manter essa regra, em lugar de caminhar para uma natural dilatação do limite etário para a permanência em cargos no exterior. Mas imagino que isto seja "chover no molhado", atentas  as "capelinhas" que, com toda a certeza, se mobilizarão para defender o "statu quo".  

sexta-feira, agosto 30, 2013

Desapontamentos

O governo britânico ficou desapontado com o facto do parlamento se ter oposto à participação do país numa ação militar contra a Síria, mesmo se os peritos das Nações Unidas vierem a confirmar que o respetivo regime utilizou armas químicas na guerra civil.
 
O governo português manifestou o seu desagrado pelo facto do Tribunal constitucional, respondendo a dúvidas suscitadas pelo presidente da República, ter rejeitado a constitucionalidade da lei que flexibilizava regras laborais na função pública.
 
É humano que os executivos reajam à derrota das suas propostas. Porém, um democrata mede-se pelo modo como respeita, em qualquer circunstância, as decisões das instituições que lhe não são favoráveis. Ponto.

Diplomacia e disciplina

O caso do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, o qual, desrespeitando instruções do seu governo, decidiu auxiliar à retirada da embaixada brasileira em La Paz de um refugiado político, é um interessante "cas de figure". Simples mas instrutivo.
 
Perante uma situação como a que se vivia naquela embaixada, um profissional da diplomacia - e Eduardo Saboia era "encarregado de negócios", na ausência de um embaixador, logo, o principal responsável - tinha a estrita obrigação de (1) transmitir às suas autoridades a sua avaliação sobre o caso em apreço, bem como as soluções que, a seu ver, se impunham e, após isso feito, (2) deveria ter obedecido às legítimas instruções dessas autoridades, que eram emanadas do governo de um país democrático e que é internacionalmente reconhecido como atento aos Direitos humanos.
 
Admitamos, porém, que o diplomata, por razões que considerou mais relevantes, entendeu que essas instruções ofendiam os seus princípios e a sua consciência. Nesse caso, duas alternativas se lhe ofereciam: (1) demitir-se ou (2) contrariar as ordens, eventualmente denunciando-as, mas, neste caso, tendo a consciência de que iria arrostar com todas as consequências disciplinares daí decorrentes. O ato de Eduardo Saboia configura esta última opção.

O que não é admissível é que um profissional da diplomacia, abusando da confiança do Estado que o mantinha no lugar, no pressuposto de que cumpriria escrupulosamente as suas instruções, se possa arrogar o direito de proceder a seu bel-prazer, fazendo a sua interpretação pessoal sobre a melhor forma de agir, abusando assim do estatuto de que usufruía. Se acaso este procedimento fosse aceite como regra, isso significaria uma absurda transigência com uma cultura de descricionariedade, com a qual nenhuma ordem político-jurídica pode conviver.
 
Podemos ter toda a simpatia para com as motivações humanitárias que estiveram subjacentes ao ato de Eduardo Saboia. Não me parece, contudo, que deva haver uma complacência disciplinar com o seu comportamento, salvo alguma atenuante que possa decorrer de uma perturbação no seu estado de espírito, fruto do peso psicológico que a situação nele estava a provocar.

Coincidências

A propósito de uma confusão sobre a nacionalidade de uma senhora, durante um jantar no Brasil, que há dois dias aqui referi, vou contar uma história que acho curiosa, que também me ocorreu, nesses nossos primeiros dias de Brasília.
 
O conselheiro social da embaixada e a sua mulher haviam decidido convidar-nos para conhecer, em sua casa, vários portugueses que ocupavam lugares destacados na vida política, económica e social da capital brasileira. Foram dois simpáticos jantares, que permitiram ficar a conhecer um conjunto muito interessante de personalidades, que viram a revelar-se essenciais para o meu trabalho futuro.
 
Uma dessas figuras era um engenheiro português, altamente colocado na administração brasileira. Na conversa ao jantar, que tinha de ser dividida com os restantes convidados, dei-me conta, a certa altura, que ele nascera no Porto e que era engenheiro eletrotécnico. Ora eu fora, em 1966/68, um efémero estudante de engenharia eletrotécnica, precisamente na universidade do Porto. Em que ano tinha ele entrado para a faculdade? Em 1966...
 
Tinham passado quase 40 anos, mas a curiosidade fez-nos remexer memórias, que viémos a constatatar que, em vários casos, eram comuns. Ambos tínhamos tido aulas de Química Geral com o Vasco Teixeira, de Matemáticas Gerais com o Arala Chaves, e aí por diante! Depois, vieram à baila alguns episódios, passados na Unicepe, no "Piolho" ou no bar do "Centro" (Universitário do Porto). Ambos havíamos estado nos mesmos locais, nos mesmos dias, lembrando as mesmas coisas, com pormenores. Os nomes de amigos comuns vieram à conversa. Por outro cruzamento de referências, também a probabilidade de termos feito algumas tardes de estudo juntos se tornou plausível (no meu caso, sem um grande sucesso académico, o que me conduziu à sensata decisão de mudar de curso). Mas nem eu me lembrava concretamente dele, nem ele de mim. Mas esse foi o começo de uma bela amizade.
 
O Manuel Lousada, que às vezes lê este blogue, lembrar-se-á desse momento em que nos (re)encontrámos, e que, depois disso, muitas vezes repetimos, nomeadamente no Porto (onde é que havia de ser!). Tudo graças à simpática e acolhedora iniciativa, também muito profissional, da Anabela e do Joaquim do Rosário. Aqui fica um abraço para todos eles, lembrando esses magníficos tempos de Brasília.

quinta-feira, agosto 29, 2013

A França, a Rússia e a Síria

Fui procurar à net e encontrei um artigo que, há pouco mais de um ano, o antigo primeiro-ministro conservador francês, François Fillon, havia escrito no "Le Figaro", denunciando a política externa do presidente Hollande. Na altura, tomei nota do que ele dissera sobre uma conversa havida com Vladimir Putin (em França, escrevem "Poutine", porque, sem o "e", a palavra, lida "à francesa", teria uma sonoridade estranha), a propósito da crise síria.

De acordo com o relato de Fillon, Putin "teme um contágio fundamentalista ao conjunto da região, da qual a Rússia está mais próxima e mais dependente do que a Europa e a América. Ele sabe que os americanos abandonarão em breve o Afeganistão, que se pode voltar a converter num santuário terrorista às portas da Rússia. Ele constata que a intervenção americana no Iraque redundou num caos por muito tempo. Teme o recuo do Egito nas mãos dos fundamentalistas. Não quer juntar a Síria à lista dos lugares dos santuários de desestabilização das suas fronteiras a sul".

Nesse artigo, Fillon dizia que "recusava" os argumentos avançados pelo líder russo para justificar a sua oposição a uma mudança do regime em Damasco, embora os considerasse "não desprezáveis". Ao ler o que Fillon ontem afirmou sobre uma possível intervenção militar na Síria, fico com a ideia de que as palavras de Putin ainda lhe estarão na memória.

António Patriota

António Patriota deixa o cargo de ministro das Relações Exteriores do Brasil para ir chefiar a missão brasileira junto das Nações Unidas. Patriota é um excelente profissional, com uma imensa experiência e, devo dizer, sinto pena ao vê-lo deixar a chefia do Itamaraty. Ainda há pouco tempo tive o gosto de conversar com ele em Lisboa e confirmar o seu empenhamento no aprofundamento das relações luso-brasileiras.
 
Fizemos uma boa amizade no tempo em que coincidimos no Brasil e, creio, ambos contribuímos, cada um à sua maneira, para um período interessante da nossa relação bilateral. Por essa altura, o António desempenhava o importante lugar de diretor-geral político do Itaramary e eu era embaixador de Portugal.
 
Um episódio curioso envolveu-nos aos dois, por esse tempo. O ministro brasileiro das Relações exterioras, Celso Amorim, havia decidido pôr termo à missão em Lisboa do embaixador António Paes de Andrade, um "embaixador político" que ocupava esse cargo, desde há alguns anos. Nas vésperas da decisão ser tomada, o governo brasileiro, num gesto elegante, havia decidido informar-nos, através de uma conversa que o então secretário-geral do ministério das Relações exteriores (que é o substituto do ministro), embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, quis ter comigo, do nome do sucessor de Paes de Andrade. Pela regras normais da diplomacia, deveria ser este a pedir, em Lisboa e junto das Necessidades, o "agrément" para o seu sucessor. Ora António Paes de Andrade - e só conto isto porque tudo veio publicado na imprensa brasileira da época - terá eventualmente reagido mal à decisão da sua substituição, recusando-se a solicitar às nossas autoridades a acreditação para o novo embaixador.
 
(Para quem não saiba, a regra dos pedidos de "agrément" é que o embaixador cessante faça a entrega, junto do chefe do Protocolo do país onde está acreditado, de um currículo da pessoa que o seu governo pretende nomear para seu sucessor, numa folha de papel branco, não timbrada. Pela tradição, se o nome for recusado (o que acontece raramente, sendo um longo "silêncio" do Estado recetor a demonstração implícita de que o nome não vai ser aceite), não restará qualquer prova material do pedido. Isto era assim no passado. Nos dias que correm, muitos Estados já não procedem da mesma forma e os currículos até já seguem, em muitos casos, em anexo a uma simples nota rubricada...)
 
As autoridades brasileiras terão ficado numa situação algo embaraçosa. Como podiam formular o pedido de acreditação para o sucessor de Paes de Andrade, face à recusa deste em executar a instrição? Só havia uma maneira: utilizar a embaixada portuguesa em Brasília. Assim, dois dias mais tarde, António Patriota, como diretor-geral político, pediu para eu ir vê-lo. Durante vários minutos, a nossa conversa tocou vários assuntos, sem aparente objetivo concreto. A certo passo, porém, disse-me:
 
- Francisco, você sabe que vamos mudar o embaixador em Lisboa?
 
Respondi-lhe que sim, que, simpaticamente, já fora informado pelo secretário-geral, e que até conhecia bem o futuro embaixador, de quem era amigo, desde o meu anterior tempo de Viena.
 
- E você tem o currículo dele?, inquiriu António Patriota, estendendo-me uma folha sem timbre, com o percurso profissional do diplomata.
 
Agradeci a "informação" e, minutos depois, regressei à embaixada. Transmiti então a Lisboa o pedido de "agrément" formulado pelas autoridades brasileiras. Mas a conversa com Patriota configurava algum pedido? Na realidade, nada me tinha sido solicitado, a palavra acreditação não fora sequer pronunciada, formalmente a nossa conversa não podia mesmo ser qualificada de uma "démarche" ou diligência. Mas, para bom entendedor, o gesto "florentino" de diplomacia de António Patriota era muito claro. E, três dias depois, o sucessor de Paes de Andrade recebia o beneplácito das autoridades portuguesas - uma rara rapidez, no nosso caso consonante com a excelência das relações que sempre pretendemos manter com Brasília.
 
Um forte abraço, António. Boa sorte para Nova Iorque! Quando passar por Portugal, os seus amigos aqui estarão à sua espera. 

quarta-feira, agosto 28, 2013

Síria

Vai para aí uma "salgalhada" no que respeita à posição portuguesa, em face de uma possível intervenção militar no conflito na Síria, sem um mandato expresso do Conselho de Segurança. A cacofonia, em ambos os lados do nosso espetro político, não augura nada de bom. E de prestigiante. E é nestes momentos que um forte sentido de Estado se imporia.
 
Uma atitude portuguesa sobre esta matéria tem, antes de tudo, de deixar bem claro se Portugal - em todos os casos, não "à la carte" - defende a preeminência absoluta das instituições multilaterais, a que se comprometeu ao assinar a Carta das Nações Unidas.
 
Se assim não for, Portugal terá então de conceder que considera admissível, agora e no futuro, que algumas potências possam formar "coalitions of the willing", com vista à execução de certos tipos de ações militares fora das suas fronteiras, interpretando, à sua maneira, um direito internacional de ingerência, perante situações tidas como ultrapassando determinados limites. Note-se que a seleção de tais casos competirá livremente a essas mesmas potências, com maior ou menor respaldo do resto da comunidade internacional.
 
Se a resposta se inclinar para a segunda hipótese - o que, à partida, não excluo (fiz parte de um governo que apoiou uma ação militar no Kosovo) -, Portugal tem de estar preparado para ter de aceitar, um dia, uma eventual intervenção militar promovida pela Rússia ou pela China, eventualmente aliadas a outros Estados, num qualquer cenário geopolítico, que aquelas potências considerem que deve merecer idêntico tratamento, mesmo que para tal não haja um mandato do CSNU. É que uma coisa é por demais evidente: o ocidente não pode pretender ter o monopólio da justa indignação, por muito que lhe desagrade a leitura que Moscovo ou Pequim façam das coisas.
 
Conviria pensar bem nisto.   

A praia

 
Conhecem alguma praia portuguesa (pública, bem entendido) onde, mesmo perante a inexistência de qualquer serviço de segurança, se possam deixar toda a noite, sem risco de os ver desaparecer, os nossos guarda-sóis? Onde as cadeiras de todo o tipo fiquem igualmente no areal, de um dia para o outro, bem como os brinquedos das crianças?
 
    Eu conheço, estarei por lá até ao final desta semana, mas não digo qual é, desculpem lá!

terça-feira, agosto 27, 2013

A senhora loira

Era um jantar com umas dezenas de convidados, na residência do embaixador egípcio, na "asa norte" de Brasília. Tínhamos chegado ao Brasil há poucos dias, nesse ano de 2005. O meu colega do Egito quis ter a amabilidade de nos convidar, quase de imediato, dando-nos assim as primeiras boas-vindas.

(Para quem não saiba, a diplomacia egípcia tem uma tradição de grande qualidade, servida por profissionais de alto gabarito, muito bem preparados, quase sempre com uma atividade social intensa, à altura da importância que o seu país foi criando à escala regional e global. Agora, só podemos desejar que esta boa tradição se não perca).

O jantar era um esplêndido "buffet". À entrada, soubemos a mesa que nos competiria mas, mais tarde, quando lá chegados, verificámos que não havia cartões, que era "free seeting", o que não nos permitia conhecer com facilidade o nome dos comparsas da refeição. Uma das exceções era eu. A embaixatriz, delicada, convidou-me para ficar à sua direita. No meu outro lado, sentou-se uma senhora, cujo nome e nacionalidade não entendi bem, na rápida e algo atabalhoada apresentação que fizémos, com outros convidados à mistura. Ouvi que se expressava em inglês. Era uma mulher loira, de uma beleza serena, madura, com pele muito clara e um bonito sorriso.

Durante alguns minutos, conversei com a nossa agradável anfitriã. Depois, na protocolar alternância, voltei-me para a vizinha do outro lado e troquei algumas palavras de circunstância, de elogio sobre a comida, sobre a casa ou qualquer outro tema para "entreter". As conversas seguiam em inglês. Não tinha percebido a sua nacionalidade, mas não lha perguntei, porque não queria dar a ideia de que estivera desatento, quando ela se apresentara. Disse cá para mim: com o tempo, lá "chegarei". E fui-me divertindo com o processo de adivinhação, como por vezes faço. Desde o início, fiquei com a sensação de que devia ser nórdica. Talvez mulher de diplomata (pela idade dela, imaginei que o "partner" já podia ser embaixador), porque tinha um discurso cosmopolita. Não entrou no "talking shop" típico das "chères collègues", pelo não era, ela própria, embaixadora (eu ainda não conhecia a maioria dos meus colegas). Estava muito bem vestida, num estilo clássico, o que excluía que fosse de uma qualquer ONG. Não tinha também a linguagem viciada de algum pessoal de organizações internacionais. Não lhe notei aquelas "inspirações" quase asmáticas, tipicas das interjeições que as norueguesas costumam fazer. E não tinha o toque "viseense" do falar islandês. O seu inglês (que não era o típico americano ou outro "nativo", o que excluía que fosse britânica ou irlandesa) não tinha o "arranhado" dos dinamarqueses, nem a tonalidade algo rural que identifica, "por uma pinta", os finlandeses. Fez um comentário simpático sobre qualquer coisa da Rússia, pelo que, de imediato, deduzi que não podia ser originária de um país báltico. E, claro, também não seria polaca. Aliás, algumas ideias que perpassavam no seu discurso, com alguma "rightousness" um tanto puritana e pouco "free-marketeer", fizeram-me afastar, em definitivo, a hipótese de ser de um antigo país comunista da Europa. É isso, por exclusão de partes, devia ser sueca! Pela certa. Arrisquei:

- How long have you been in Brazil? Did you come straight from Stockholm?

Olhou-me, surpreendida:

- Stockholm? No! I came from Uruguay!

Uruguaia? Não tinha ar disso! No meu melhor castelhano, pedi desculpa pela confusão e disse-lhe do meu equívoco, confessando que tinha achado que ela era sueca. Era o seu ótimo inglês que me tinha levado a essa ideia, disse eu, tentando um "charme" desculpabilizante. Não tinha percebido que era uruguaia, mas, assim, ainda bem!, podíamos continuar a falar em espanhol.

A sua resposta desarmou-me:

- Pero yo no soy uruguaia. Yo soy brasileña!

Aí dei uma gargalhada do tamanho da mesa. Revelei que era português (ela explicou depois que achara que eu era, imagine-se, grego!) e a "loira sueca", nascida em Curitiba, contou-me então que era casada com um diplomata brasileiro, há poucos meses chegado de Montevideu, e que estava sentado noutra mesa.

Convém ter sempre muita atenção nas apresentações...

segunda-feira, agosto 26, 2013

Gilmar


Há semanas, desapareceu Djalma Santos, um dos mais fantásticos defesas laterais direitos da história do futebol mundial.

Ontem, saiu de cena Gilmar, o "goleiro" desse "time" histórico que, (quase) sem Pelé, ganhou a "copa" do Chile em 1962, comigo, deste lado do Atlântico, nos meus 14 anos, a "torcer" pelo "escrete canarinho", que sei de cor-e-salteado, graças a "A Bola", ao "Record" e ao "Mundo Desportivo", que então consumia avidamente (hoje, sei lá porquê!, sou incapaz de pegar num jornal desportivo). Aqui deixo esse "dream team" da minha memória: Gilmar; Djalma Santos, Mauro e Nilton Santos; Zito e Zózimo; Garrincha, Didi, Vává, Amarildo e Zagalo.

Nele, Gilmar, era um génio no "gol", dando imensa confiança à "zaga", com um excecional tempo de saída nos "escanteios" e com uma rapidez fabulosa na reposição da bola em jogo, com "tiros de meta" que atravessavam o terreno. Começou por ser um herói da "baixada santista", para se tornar num herói do Brasil. E, mais tarde, de Vila Real, como se vê... 

Palestras e conferências

Há uns tempos, um amigo dizia-me que quase se "cansava" de ver notícias sobre prestações que eu fazia em público, sobre uma larga variedade de temas. Embora ache isso um exagero (falo, normalmente, apenas sobre temas europeus e internacionais), sou o primeiro a reconhecer que, por vezes, o leque de matérias sobre as quais sou convidado para intervir acaba por ser um tanto lato...
 
Espero que esse meu amigo, que não lê este meu blogue com regularidade, não se aperceba do título do painel que, dentro de dias, me caberá moderar em Yerevan, na Arménia, no âmbito de uma conferência em que participarei: "Avenues for future action within and beyond Europe; youth education and awereness-raising on religion and beliefs, dialogue and co-operation among and with religious and non-religious representatives".
 
Sendo que o tema sai um pouco da minha área normal de preocupações (mas não da área de trabalho do diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que atualmente sou), sinto-me nele apesar de tudo, muito mais à vontade do que num painel que tive que coordenar em Coimbra, em 2005, integrado num seminário sobre "Investir nas florestas portuguesas", no qual que me coube sumariar um debate de especialistas internacionais sobre "Abordagem ambiental e gestão dos riscos nas florestas". Graças a essa singular experiência, ainda hoje, quando vejo fogos nas televisões, sinto a tentação de mandar alguns "bitaites", com base no que então aprendi.
 
Enfim, nesta variedade de temáticas, espero não atingir o ponto a que chegou um outro amigo, personalidade de forte notoriedade pública, o qual, perguntado um dia por que razão intervinha sobre um qualquer tema algo "exotérico", comentou: "Eu, nesta fase da vida, tirando algumas ciências exatas, falo praticamente sobre tudo..."  

domingo, agosto 25, 2013

António Borges

Acabo de saber do falecimento de António Borges.

Durante muitos anos, António Borges foi, para mim, a imagem do economista português que, em França, dirigira a prestigiosa escola de gestão INSEAD. Mais tarde, assisti à distância ao seu empenhamento na vida política, que manteve até hoje, num quadro de opções doutrinárias que sempre senti muito distantes das minhas. O que, definitivamente, não vem aqui para o caso.

Só vim a conhecê-lo pessoalmente há poucos anos, no âmbito de uma reunião da Fundação Champalimaud, em Paris. Durante este ano, coincidimos na administração de um grupo empresarial, circunstância em que nos sentávamos lado a lado. Fiz com ele uma longa viagem intercontinental, durante a qual falámos muito e nos fomos conhecendo melhor. A nossa última conversa teve lugar no final do passado mês de julho.

António Borges estava muito doente, como todos os que com ele trabalhavam podiam testemunhar. Isso notava-se de forma progressiva. E isso também tornava mais admirável, aos olhos dos seus interlocutores, a sua imensa coragem, o modo empenhado como continuou a dedicar-se às tarefas profissionais, a agudeza de espírito que revelava, o discurso impecavelmente articulado que desenvolvia. Não obstante a sua notória fragilidade física, nunca perdeu o sorriso. E até o humor.

Deixo uma palavra de respeito à memória de António Borges e sinceros sentimentos à sua Família.

Chiado

Foi uma reação coletiva de choque. A delegação oficial, que se havia deslocado a uma reunião internacional a Oslo, chefiada por um membro do governo português e na qual eu ia integrado, ficou tomada por uma emoção forte, face à informação que o embaixador português na Noruega lhe transmitiu: o Chiado estava a arder, na manhã daquele dia 25 de agosto de 1988.

Nesse tempo, não havia telemóveis, a única televisão portuguesa não era captável fora do país, nenhum de nós tinha, como era óbvio, um aparelho de rádio de ondas curtas. Os pormenores disponíveis eram, assim, muito escassos. Falava-se da possibilidade do incêndio poder atingir o largo do Carmo e mesmo a Bénard e a Brasileira, levando o Grémio e a Bertrand. Telefonou-se para Lisboa, mas as informações continuavam muito imprecisas e incertas. A ideia de que o Chiado - todo o Chiado! - corria o risco de desaparecer fez-me uma imensa impressão, transmitiu-me uma rara sensação de perda irrecuperável.

Não sou lisboeta. A minha memória do Chiado é quase toda adulta, da cidade para onde fui viver em 1968. De criança e do Chiado, lembro-me apenas da excitação de andar nas escadas rolantes do Grandela, nos anos 50. Para um miúdo ido de Vila Real, onde o único elevador da cidade (do edifício da Gomes) nunca até então funcionara, aquelas ruidosas engrenagens eram o "máximo" da modernidade. Depois, as cenas do "Pai Tirano" fizeram o resto. Claro que viria a fixar a memória queiroziana da montra da Férin, onde o Artur Corvelo ia ver se os "Esmaltes e jóias" se vendiam. E visitara com regularidade a Valentim de Carvalho. Fora também cliente do José Alexandre, mas (ironias do destino...) não tenho ideia de alguma vez ter entrado no Jerónimo Martins e, muito provavelmente, no Martins e Costa. A Ferrari também não fazia parte dos meus percursos, nos anos em que trabalhei pelo Calhariz e em que o Chiado entrava no meu quotidiano. E, de certeza segura, nunca fui cliente da Perfumaria da Moda nem na Casa Batalha, que haviam de ser vítimas irrecuperáveis da tragédia.

Tenho a imagem muito nítida da rara angústia que me atravessou nessas horas, ao pressentir, na desaparição do Chiado, a amputação de uma parte do meu próprio património pessoal de memória. Hoje, em perspetiva, acho mesmo um tanto exagerada a reação emocional que então me atravessou. Quem é de Vila Real compreenderá melhor se eu disser que foi como se me tivessem dito que toda a rua Direita estivesse a arder. 

Regressado a Lisboa, no dia seguinte, fui, de imediato, ver os estragos. Depois, com o tempo, tudo se tornou mais natural. Por anos, como toda a gente, convivi e desesperei com as obras. E, à medida que elas se concluíam, fui-me habituando ao "novo" Chiado, embora o resultado final esteja muito longe de ser do meu agrado. Mas isso é uma outra história. O que agora me interessa deixar expresso é que o incêndio do Chiado, em 25 de agosto 1988, há precisamente 25 anos, continua, até hoje e para sempre, a ser uma das mais traumáticas experiências de toda a minha vida.

sábado, agosto 24, 2013

Bartolomeu

Com esta fotografia roubada aqui e com um abraço muito forte à Fernanda, deixo a lembrança de que o Bartolomeu faria hoje 82 verões. Hoje, dia de São Bartolomeu.

Embaixadores políticos

Há dois dias, a propósito de um artigo de José Cutileiro, falou-se neste blogue dos chamados "embaixadores políticos".

Historicamente, todas as carreiras diplomáticas começaram por ser providas por embaixadores que eram personalidades públicas designadas pelo chefe de Estado, oriundas da aristocracia ou de setores poderosos ou influentes da sociedade. Com o tempo, o serviço diplomático profissionalizou-se e os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas mais credenciados. Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, algumas ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática. Mas um país democrático como os EUA vai mais longe e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia...

Em Portugal, a República e a ditadura escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, que, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram o seu pessoal político em algumas embaixadas. Desde a Revolução, a diplomacia portuguesa haveria de albergar cerca de trinta de "embaixadores políticos". A partir de finais de 2010, vive-se um tempo diferente: não existe nenhum "embaixador político" na diplomacia portuguesa. Até quando, não se sabe, porque nenhum governo foi capaz, até hoje, de excluir em definitivo essa prática, por via legislativa.

Como é compreensível, dentro da carreira diplomática profissional existe um profundo e (quase sempre) justificado sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo subido por mérito, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surgem um dia, de "pára-quedas", num determinado posto, qualificados como "embaixadores", por uma simples decisão política, muitas vezes para acomodar uma figura pública sem função ou que apenas se pretende premiar. Imagine-se o que aconteceria se alguém aparecesse nomeado "general", vindo da vida civil, para chefiar uma Região militar...

Na nossa história democrática recente, alguns desses "embaixadores políticos" serviram num posto e, depois, saíram. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Com justiça e julgo que com alguma objetividade, há que dizer que muitas dessas figuras pouco trouxeram à carreira. Outras foram mesmo algo nocivas. Nesses casos, nós costumávamos dizer que, se era para selecionar incompetentes, tínhamos já por lá alguns, não era necessário ir procurá-los fora...

Mas houve sempre algumas boas exceções. A certos "embaixadores políticos", o consenso no Ministério dos Negócios estrangeiros acabou por reconhecer que aportaram um real valor acrescentado ao serviço diplomático. José Cutileiro, que anteontem citei aqui, foi, seguramente, um desses nomes. A sua excecional competência ficou bem provada e o seu trabalho foi muito útil ao serviço externo do Estado. Por isso, na carreira, sempre reconhecemos José Cutileiro, sem qualquer favor, como "one of us". Ele e muito poucos.

Em tempo: aqui deixo a lista dos 30 embaixadores “políticos" nomeados após o 25 de abril, não excluindo poder haver alguma falha, que corrigirei de bom grado:

Albertino Almeida (Maputo)
António Flores de Andrade (Lusaka)
Vitor Alves (itinerante para as comunidades portuguesas)
Manuel Bello (OCDE)
Manuel João da Palma Carlos (Havana)
Manuel Maria Carrilho (UNESCO)
Eugénio Anacoreta Correia (S. Tomé, Praia)
Francisco Ramos da Costa (Belgrado, Copenhague)
Victor Crespo (Unesco)
José Cutileiro (Conselho da Europa, Maputo, Pretória)
José Fernandes Fafe (Havana, México, Praia)
Raquel Ferreira (Estocolmo, Tóquio)
José Silveira Godinho (OCDE)
Henrique Granadeiro (OCDE)
Álvaro Guerra (Belgrado, Kinshasa, Nova Deli, Conselho da Europa, Estocolmo)
Basílio Horta (OCDE)
André Infante (Argel)
Ernani Lopes (CEE, Bona)
António Coimbra Martins (Paris)
Fernando Santos Martins (OCDE)
Pedro Pires de Miranda (itinerante para as questões de petróleo)
Mário Neves (Moscovo)
Maria de Lurdes Pintasilgo (UNESCO)
Vitor Cunha Rego (Madrid)
Eduardo Ferro Rodrigues (OCDE)
Walter Rosa (Paris, Caracas)
Pedro Roseta (OCDE)
José Augusto Seabra (UNESCO, Nova Deli, Bucareste, Buenos Aires)
José Veiga Simão (ONU)
José Manuel Galvão Teles (ONU)

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