Bernardo Pires de Lima é um dos mais lúcidos comentadores de temas internacionais que atualmente escrevem na imprensa portuguesa. Com uma impressionante regularidade, publica, desde há vários anos, uma coluna no "Diário de Notícias" onde, com serenidade, rigor e grande coerência argumentativa, escalpeliza as principais temáticas internacionais da atualidade. Nem sempre estou de acordo a 100% com as suas análises, mas as nossas divergências são ínfimas, se as comparamos com as identidades de pontos de vista que temos.
Recentemente, Bernardo Pires de Lima publicou um pequeno livro na coleção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado "Portugal e o Atlântico". Com Luís Amado, tive o gosto de apresentar esta obra no passado sábado, na Feira do Livro de Lisboa.
Deve dizer-se que o título do livro é algo redutor face ao seu real conteúdo. Ele começa por uma análise muito interessante do papel da China no contexto geopolítico global, em especial no Pacífico e no Índico, em contraponto com a posição americana. O livro trabalha as mutações da China como ator global, apresentando dados muito atualizados, nomeadamente de natureza económica e militar, que nos permitem entender melhor as mudanças que afetam todo o Oriente.
Num segundo capítulo, Bernardo Pires de Lima debruça-se sobre o Atlântico, refutando a tese, que considera prematura, sobre a respetiva "morte" como espaço de relevância político-económica. Na análise, o autor revisita algumas das principais identidades entre os EUA e a Europa que ajudam a justificar a sua leitura de que a relação transatlântica não apenas tem futuro como tem mesmo uma relevância crescente. O envolvimento potencial do sul do Atlântico neste contexto, em especial em matéria de segurança e defesa, é aqui tratado de forma muito criativa.
Finalmente, o eventual papel de Portugal em todo este contexto é analisado em termos muito interessantes, com propostas de política, com o autor a destacar algumas vantagens comparativas que, no seu entender, o nosso país deveria melhor explorar, com vista a reforçar a sua relevância no concerto dos equilíbrios estratégicos globais do futuro.
Há uns anos atrás, o antigo secretário-geral do MNE brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, obrigava os jovens diplomatas a sentarem-se numa sala de espera junto ao seu gabinete, devendo aí ler, em dias seguidos, três livros que ele considerava essenciais para a formação dos novos profissionais das relações externas (um dos livros era uma obra do próprio secretário-geral...). Não vou tão longe! Mas acho que este pequeno trabalho faria muito bem aos diplomatas mais jovens das Necessidades. E muitos outros, já não tão jovens, também não perderiam nada em lê-lo!