sexta-feira, maio 27, 2016

O preço do telegrama


Foi nos anos 80 ou 90 do século passado.

O embaixador leu o texto que o seu colaborador lhe apresentara. Era uma proposta de "telegrama" para o Ministério dos Negócios Estrangeiros - designada no dia-a-dia como "Secretaria de Estado", na liturgia da carreira. 

A importância do assunto não justificava uma comunicação com a dimensão que era proposta. O jovem colaborador não tinha ainda a experiência necessária para adequar os textos à real relevância dos temas. Por excesso de zelo ou entusiasmo, fizera um longo projeto de telegrama que, naturalmente, não poderia seguir assim para Lisboa. Caberia ao embaixador reduzi-lo ao essencial. Até porque seria o embaixador a assiná-lo, como é regra, não obstante ter sido elaborado pelo seu colaborador. E a "Secretaria de Estado", onde não há muito tempo a perder para leituras desnecessárias, estranharia que ele enviasse aquele "pastelão"

(Na carreira, há uma graça segundo a qual alguns diplomatas passam metade da carreira a escrever os textos que outros assinam e a outra metade a assinar aquilo que os outros escrevem...)

- Você sabe por que razão, na carreira diplomática, chamamos "telegramas" às nossas comunicações?, perguntou ao rapaz, que, de pé na sua frente, parecia um pouco desiludido pelo facto do chefe se mostrar decidido a "estragar" a obra que tanto trabalho lhe dera, procedendo a uma redução do texto.

- Bom, creio que é uma designação bastante antiga, mas não sei bem a razão...

- É muito simples, meu caro: diz-se "telegramas" pelo facto de, no início das comunicações diplomáticas, não haver meios técnicos de ligação entre os postos e Lisboa. Os telexes ou os faxes não existiam. Nesse tempo, nas situações urgentes, utilizavam-se os serviços dos correios, através de um vulgar telegrama, onde se escreviam as mensagens, muitas vezes em linguagem cifrada.

- Não sabia, senhor embaixador.

- Mas sabe como se mede o preço de um telegrama enviado pelos correios?

- Creio que se paga um xis por palavra, não é?

- Exatamente. Por essa razão, há uma regra não escrita na carreira, quando se prepara um telegrama: devemos pensar que somos nós a pagá-lo... 

3 comentários:

Luís Lavoura disse...

na carreira diplomática, chamamos "telegramas" às nossas comunicações

Curioso. Continuam a usar uma palavra que hoje em dia já nem sequer existe. Já não há serviço de telegramas!
Poderiam agora usar SMS...

ignatz disse...

acho estranho um caso desses nos anos 80 ou 90 do século passado, apesar situar a estória num intervalo de 20 anos 20, já havia telex na década de 70 e fax na de 80, sendo o custo das mensagens cálculado por tempo de envio, quantidade de períodos. tirando isso, foi uma boa homenagem aos telegrafistas, ao morse e à marconi.

Francisco Seixas da Costa disse...

O ignatz tem sempre de encontrar um ponto de crítica. E não percebeu ou não quis perceber o que se escreveu. Pois.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...