sexta-feira, junho 03, 2016

O civismo, o comodismo e o mistério das quintas-feiras

Percebo que este tema possa ser polémico e até desagradável para alguns. Todos os dias, imensos cidadãos lisboetas (não sei o que se passa noutras cidades) são confrontados, de manhã e à tarde, quando se deslocam para as suas ocupações ou delas regressam no final do trabalho, com diversas ruas da cidade atravancadas com o estacionamento, em locais não permitidos para tal, em segunda ou terceira fila, de viaturas privadas que impedem ou dificultam fortemente o trânsito. É bizarro o espetáculo de autocarros e elétricos, usados por quem não tem automóvel ou por quantos não o podem utilizar ou seguem a recomendação para o uso de transportes públicos, parados por largos minutos, com prejuízos incontáveis para quem os utiliza . Isto para já não falar das viaturas privadas, também elas limitadas arbitrariamente no seu direito de circulação. Trata-se de uma quantidade imensa de pessoas prejudicadas, atrasadas nos seus horários de vida, por esta prática diária e persistente.

Refiro-me, naturalmente, ao caótico transporte das crianças para as creches ou para outros estabelecimentos de ensino. Percebo que há uma necessidade imperiosa de se fazer a entrega e a recolha desas crianças. Mas isso tem de ser feito de forma organizada, expedita e sem prejuízo de terceiros.

Tendo todas essas escolas sido autorizadas a funcionar sem se preverem zonas para a receção de alunos que não chegam autonomamente, ou que os familiares decidem acompanhar, não seria possível esses estabelecimentos terem pessoal seu a acolher as crianças junto às viaturas ou mesmo à porta dos estabelecimentos de ensino, trazendo-as de volta à hora de saída? Não é próprio de uma cidade moderna europeia este espetáculo terceiro-mundista, vulgar em países onde a autoridade pública e a capacidade de influência deriva das clivagens económico-sociais, de ver pais e mães (e muitos avós) a mergulharem nos edifícios das escolas por longos minutos (e nós sabemos como os minutos são mais longos quando estamos com pressa), espalhando a confusão pelas ruas. Será legítimo um pai ou uma mãe ou um avô tornarem reféns da sua tarefa familiar dezenas de pessoas que seguem em transportes públicos ou privados? E por que razão a Carris não atua ao ver os seus utentes diariamente prejudicados? E o ACP? Só lhe interessam as velocidades e os parkings? Ou será que os associados (como eu sou) também fazem parte desses prevaricadores diários?

Repito. Sei que este comentário não é consensual. Sei que as autoridades policiais, tratando-se de quem se trata (pais, colégios, interesses), não "mexem uma palha". Mas poderiam fazê-lo, se assim quisessem? Claro que sim e a prova provada é que, às quintas-feiras, junto ao colégio dos Salesianos, perto dos Prazeres, uma das "no-go areas" da Lisboa matinal, o trânsito flui com rapidez. Mistério? Não, é porque, por ali perto, há, nesse dia, Conselho de Ministros...

10 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

Para mim consensualíssimo.
Nem o passe social que utilizo cada vez mais me evita essa situação!
Na R S Domingos à Lapa até há um prédio que "apossando-se" de parte do passeio, deixa aos peões uma nesga que é um verdadeiro risco para qualquer transeunte mais distraído ou com dificuldades de locomoção

AV disse...

No dia em que houver respeito pelos cidadãos, os impostos que pagam, e para com os transportes públicos, essa situação deixa de existir. Noutros países da Europa há zero grau de tolerância para com ela. É muito simples de resolver: 'clamping', remoção do veículo e multa pesada para o reaver. E coragem política. Ponto final.

Joaquim de Freitas disse...

Senhora Ana Vasconcelos : Quem vai multar ou remover o carro dos "manda chuva" da terra? Quem se vai expor às consequências quando se é um pobre polícia pago como um pedreiro ou um trolha,
Não vimos a viatura dum Presidente da Republica eleito estacionar onde não devia, mas com um polícia a "protegê-lo" ? na sua infracção?

Anónimo disse...

Nos Maristas, em Benfica, é ver os finórios com os carros em cima do passeio, bloqueando as passagem aos peões enquanto esperam na fila para entrarem no estacionamento e o contornarem para sair. É que o comodismo destas bestas é tal que nem sequer largam os miúdos na rua. Não! Têm de os levar "lá dentro" e, para isso, esperam literalmente em cima do passeio.

O que vale é que é gente fina e - claro -, civilizada.

Anónimo disse...

Não é fácil! Há que ter paciência e saber esperar! É que essa gente move-se muito bem!... é vê-los a reluzir de amarelo... Não, não, não são os amarelos da carris... São os amarelos das camisolas.

A. Henriques

Ana S disse...

Não se iludam. À porta de uma escola pública, em Benfica Lisboa, não se rompe nas horas de entrada e saída. Estacionamento em segunda, terceira e até já vi quarta fila. Portas de garagem? Que esperem... Mais vale sincronizar as saídas ou entradas com horas que não aborreçam os paizinhos.
Também não é um problema só português. Uma amiga francesa colocava ainda há poucos dias fotos no FB de situação semelhante perto da sua casa em Paris.

Uma questão de educação...

A. Soares

Luís Lavoura disse...

É um tema fraturante. Coloca uns automobilistas contra os outros.

Luís Lavoura disse...

De um lado da barricada temos os automobilistas que não têm filhos, como o Francisco, e que se irritam contra os automobilistas que param em segunda fila.
Do outro lado da barricada temos os atomobilistas que têm filhos e que se irritam contra aqueles que pretendem não os deixar estacionar em segunda fila.
A olhar, gozões, para a barricada temos os peões, como eu, que estão muitíssimo satisfeitos por os automobilistas já não poderem estacionar em cima do passeio, como outrora faziam.

Anónimo disse...

Luis Lavoura, e há ainda um outro lado da barricada, como o da malta que anda em transportes públicos, também prejudicados pelo estacionamento em segunda fila, que não têm a sorte de poderem flanar tranquilamente nos passeios.

Anónimo disse...

e não há policias? só há automobilistas e peões?

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...