sábado, maio 28, 2016

Um país frágil


Portugal atravessa, com grande probabilidade, um dos momentos em que a capacidade autónoma para decidir o seu futuro está mais limitada. Esta posição resultou de opções institucionais, bem como da evolução de conjunturas que não conseguimos nem controlar nem influenciar de forma minimamente eficaz. As partilhas de soberania que concedemos no passado, não só na União Europeia, foram feitas no pressuposto das vantagens decorrentes da pertença a essas instituições, mas igualmente na convicção de que conseguiríamos intervir na sua gestão. Ora isso, na prática, não acontece.
Por um variado conjunto de razões, o nosso país não tem hoje um mínimo de influência significativa em instâncias onde, sob uma vontade maioritária que não nos representa, são ditadas regras que condicionam quase em absoluto o nosso quotidiano.
A nossa posição face a Bruxelas/Frankfurt (leia-se, muitas vezes, Berlim) é de permanente “demandeur”. Somos dialogantes porque aprendemos as lições gregas, usamos a voz para nos não confundirmos com o triste Portugal, “atento, venerador e obrigado”, de um passado recente. Testamos identidades com quem possa ter agendas pontualmente coincidentes com a nossa, embora ironicamente cada um persista em mostrar-se “diferente” do outro, mas estamos ainda longe de conseguir gerar plataformas com real eficácia.
Na prática, por estes dias, apenas somos responsáveis pelos nossos erros. O que vier a correr bem, na Europa e no mundo, pode vir a beneficiar-nos, mas temos uma imensa exposição a tudo quanto possa vir a desregrar-se no exterior. Chama-se a isto ser um país frágil.
“Fechamos para obras”? Não. Já aqui andamos há quase 900 anos e atravessámos crises bem piores, até existenciais, convém lembrar aos mais tremendistas. Na História, todos os becos têm saídas, só que, às vezes, não são as mais felizes.
Portugal vive hoje no fio da navalha orçamental, tendo de esperar que a “lei de Murphy” não se lhe aplique – o que pode correr mal, corre mal. Devo dizer que, não tendo sido um entusiasta desta solução governativa, cujos riscos continuo a achar elevados, tenho hoje uma imensa admiração pelo trabalho que António Costa está a desenvolver. Acho notável o seu esforço patriótico de tentar aliviar marginalmente o sofrimento provocado por políticas que agravaram a pobreza e o desemprego.
Sempre entendi que a leitura comparada dos resultados previstos no “MoU” da Troika com as estatísticas reais devia ser obrigatória no Eurogrupo e em algumas faculdades de Economia que por aí se titulam em inglês. Só uma cegueira de burocratas europeus e de académicos obstinados em ter a razão dos números contra as pessoas é que parece não entender o que podem significar algumas décimas temporárias de flexibilidade, com efeitos na sustentabilidade de políticas públicas de um país sem “safety nets” para os mais carenciados, cuja evolução macroeconómica – seja ela qual for! - nunca afetará minimamente a estabilidade do euro.
O que se passa entre Portugal e as instâncias europeias não é uma querela económico-financeira, como muitos querem fazer crer, é uma questão puramente política. E é assim que deve ser tratada.
Não sei como isto irá acabar. Veremos se o acordo grego apazigua os mercados, se a irresponsabilidade do referendo de Cameron nos não sai cara a todos. E, claro, se Trump vier por aí, então o caso muda de figura e não vão chegar os coletes salva-vidas.
(Artigo que ontem publiquei no "Jornal de Negócios")

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